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PARTE I | DOIS PROJETOS AMBICIOSOS | A NOVA LUSITÂNIA
II
A NOVA LUSITÂNIA
como de ferreiro e peleteiro. Mas alguns estariam ainda lutando com
dificuldades, ansiosos por uma oportunidade de melhorarem de vida.
Freyre, 1999, p. 218.
Evaldo Cabral de Mello trabalhou outro ramo de colonizadores
em uma obra extraordinária chamada O Nome e o Sangue: uma
O
A
DESCOBRIMENTO DO PAU-BRASIL
história da gênese do Brasil bem poderia parafrasear o
texto bíblico: “No início, era o extrativismo”. Os primeiros
portugueses o praticavam para abastecer suas caravelas com
fraude genealógica no Pernambuco Colonial. Ele atenta para
(...) a questão do sangue converso que corria nas veias de vários dos
troncos que haviam povoado a Nova Lusitânia, isto é, o Pernambuco
ante bellum que vai da fundação por Duarte Coelho à ocupação
holandesa (1535-1630), assunto prudentemente escamoteado pelos
genealogistas coloniais e ignorado pelos atuais (...).
Cabral de Mello, 1989, p. 12.
toras de pau-brasil. A madeira e a tinta traziam bons lucros.
Não se pensava ainda numa colonização de fixação. Ao contrário,
por exemplo, do que sucedeu com a colonização dos Estados
Em Pernambuco, em 1516, no Canal de Santa Cruz, havia a
Unidos, não havia uma questão político-religiosa impelindo
feitoria de Cristóvão Jacques: um lugar roçado, com cabanas, que
colonos a abraçarem a dura vida no Novo Mundo como uma
servia de entreposto para armazenar toras de pau-brasil,
opção definitiva. Nesta história, porém, pesa o perfil e a decisão
aguardando as embarcações portuguesas. Nesse mesmo local, em
pessoal de um entre tantos donatários que receberam capitanias
1535, Duarte Coelho Pereira desembarcou. Tinha o firme propósito
no Brasil. A história não pode ser explicada apenas por
de fundar aqui um novo Portugal — uma Nova Lusitânia.
características individuais, mas não transcorreria sem elas.
Foi o único donatário a trazer consigo a esposa;
Sendo Portugal uma nação mercadora por tradição, não pôde
acompanhou-se ainda de membros da pequena nobreza de
deixar de ver, nas terras do Novo Mundo, um depósito de matéria-
Portugal e de seu cunhado, Jerônimo de Albuquerque. De início,
prima esperando quem o comerciasse. Outros países também
instalou-se em Igarassu, na parte mais alta. Sofrendo ataques
perceberam que o “depósito” não tinha portas nem grades e não
dos índios, mudou-se para Olinda — local bem mais elevado —,
demoraram a retirar suas porções de madeira em ações de pirataria.
que oferecia maior segurança geográfica. A escolha desses locais
Calculando os prejuízos sofridos e os riscos para o futuro, os
portugueses decidiram povoar terras que estavam garantidas só
no papel, pelo Tratado de Tordesilhas. Ressalte-se que essas terras
não foram, como muitos pensam, o depósito do que de pior havia
obedecia à semelhança guardada com Lisboa, uma acrópole no
alto da foz do Rio Tejo. As cidades brasileiras de Salvador, Penedo
e do Rio de Janeiro — que começou para valer no Morro do
Castelo — também são filhas dessa tradição.
no Reino: criminosos e delinqüentes. Muitos vinham para cá com
profissão e disciplina, no sonho de uma oportunidade melhor para
viver. Gilberto Freyre aponta muito apropriadamente a origem
O NORDESTE
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
moçárabe e moura de parte dos que colonizaram nosso país:
Vindos para o Brasil, os descendentes de moçárabes e de mouros
cristianizados, Debbané acha que até prisioneiros de guerra nas
campanhas de Marrocos e mouriscos expulsos em 1610 já não viriam
diretos da servidão da gleba, mas do serviço de poderosos e das
ocupações urbanas a que muitos se acolheram para escapar às leis de
Dom Fernando. Outros, do trabalho livre de lavoura em terra de
coito. Ainda outros, dos ofícios úteis de sapateiro e alfaiate. Nas
cidades e nos povoados, muitos teriam chegado ao século XVI já
engrandecidos, econômica e socialmente, pelo comércio de peles de
coelho e pelo exercício da arte não só de sapateiro ou de alfaiate,
PRODUZ AÇÚCAR: COMEÇA A
D
uarte Coelho havia planejado o assentamento da civilização
portuguesa no Brasil. A Coroa portuguesa queria que, nestas
terras, os donatários procurassem ouro e prata, que — acreditavase à época, sem o posterior aporte da Geografia — certamente
deveriam existir em quantidade, conforme provava a Espanha,
explorando esses metais do outro lado da linha de Tordesilhas.
Novas jazidas não deveriam estar assim tão longe do litoral
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PARTE I | DOIS PROJETOS AMBICIOSOS | A NOVA LUSITÂNIA
(embora, afinal de contas, ninguém soubesse mesmo o que é
colônia), altos riscos operacionais (sem apoio por parte da sede,
que havia até chegar à linha divisória). Contrariamente às
ou seja, do reino de Portugal), e o resultado era incerto: o objetivo
recomendações mais fortes do rei de Portugal, o donatário de
poderia não ser alcançado; nada certificava a existência de
Pernambuco defendia que se assenhorar das terras, cobri-las
grandes jazidas minerais preciosas.
com uma lavoura lucrativa e de venda certa, tornar-se proprietário
Duarte Coelho Pereira já tinha sido militar — denominado
de uma unidade produtiva cíclica e estável, difundindo e
o soldado afortunado —, viajado por diversas partes do mundo e
perpetuando os valores e a cultura portuguesa, podendo deixá-
conhecido a colonização da Ilha da Madeira, onde havia engenhos
la de herança: essa sim é que, por certo, seria a melhor estratégia
de açúcar... Sua idéia era transplantar o mesmo modelo para o
de enriquecimento e coesão social.
Nordeste brasileiro, onde as terras, afortunadamente, nem eram
Adentrar os sertões procurando depósitos de metais e pedras
preciosas requeria muita mão-de-obra (que nunca sobrava na
tão aclivadas. Seu desafio foi provar que a empresa açucareira
era viável, lucrativa e estável.
Mural do artista plástico Francisco
Brennand. Originalmente realizado
para o antigo Museu do Açúcar e
atualmente na fachada do Museu
do Homem do Nordeste, na Avenida
17 de Agosto.
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PARTE I | DOIS PROJETOS AMBICIOSOS | A NOVA LUSITÂNIA
A
VIDA DE EMPRESÁRIO DO AÇÚCAR NOS
A atividade prosperou com dificuldades em torno da área
central da Capitania. Décadas se passariam até o estabelecimento
TEMPOS DA COLÔNIA
de todos os grandes engenhos do século XVI e início do XVII.
O
tipo de empreendimento implantado por Duarte Coelho
exigia a presença constante do proprietário em período de
trabalho integral. Dessa forma, esse proprietário necessitava
Alguns deles denominam bairros do Recife de hoje: Engenho
Madalena, Engenho Torre, Engenho Casa Forte, Engenho
Apipucos, Engenho Camaragibe e Engenho do Meio.
morar dentro da própria empresa, criando relações sociais entre
Já o donatário tinha mais poder de manobra em termos
serventes e servidos que se tornaram o molde mais fortemente
políticos e econômicos. Ele podia sempre subestabelecer o direito
gravado na sociedade nordestina. Segundo Gilberto Freyre,
sobre a terra que lhe era entregue pelo rei. As capitanias
hereditárias eram estabelecimento de uso para o donatário,
O escravocrata terrível, que só faltou transportar da África para a
América, em navios imundos, que de longe se adivinhavam pela inhaca,
a população inteira de negros, foi, por outro lado, o colonizador
europeu que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores.
O menos cruel nas relações com os escravos. É verdade que, em
grande parte, pela impossibilidade de constituir-se em aristocracia
européia nos trópicos: escasseava-lhe, para tanto, o capital, senão
em homens, em mulheres brancas. Mas, independente da falta ou
escassez de mulher branca, o português sempre pendeu para o contato
voluptuoso com mulher exótica.
concedido pelo rei na tradição medieval de lealdades e de
honrarias distintas. Lotes de terras eram concedidas pelo capitão
a pequenos e grandes “proprietários” (os sesmeiros), que ficariam
à sua mercê, dividindo os trabalhos e garantindo a posse da
capitania. Quem recebia ficava devendo lealdade. Ao longo do
tempo, as relações sociais entre apaniguados, agregados e
protegidos vão reproduzindo os mesmos princípios de favores,
lealdade e usufruto de propriedades “indiretas”.
Freyre, 1999, p. 189.
As responsabilidades de um senhor de engenho eram
muitas. Incluíam:
1. Comprar escravos, que eram geralmente pagos com parte da
própria produção. No mais das vezes, o escravo era comprado
com dinheiro tomado de empréstimo junto a financiadores
autorizados — ou não! — pelo rei e pelo donatário, com juros
elevados devido ao alto risco do empreendimento.
2. Manter esses escravos às próprias custas: alimentação, moradia,
vestimenta e “assistência” na doença. Havia o que chamaríamos
hoje de um turnover excessivo, devido a doenças e mortes. Os
custos ficavam dentro do orçamento da empresa, sem subvenções
públicas.
3. Tentar evitar a propagação das pragas que destruíam a
plantação.
4. Arcar com as conseqüências financeiras de naufrágios, ataques
de índios, pilhagens, quebra de safras.
5. Policiar com os seus as terras do engenho e aplicar as
penalidades aos crimes cometidos.
6. Facilitar o trabalho dos catequizadores, inclusive com donativos.
7. Pagar impostos sobre a produção e a exportação.
O Caminho dos Engenhos, da Avenida
Caxangá, relembra a história e mostra
como nasceram vários bairros da capital
pernambucana.
PARTE I | DOIS PROJETOS AMBICIOSOS | A NOVA LUSITÂNIA
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CAMINHO DOS ENGENHOS DA
AVENIDA CAXANGÁ
A antiga Estrada de Caxangá, atualmente avenida de
mesmo nome, hoje, por iniciativa da Prefeitura da Cidade
do Recife/Empresa de Urbanização do Recife, apresenta,
ao longo do seu percurso, em seus canteiros centrais, totens
que sintetizam a história dos engenhos do Recife. Abaixo,
seguindo a seqüência cidade-subúrbio, a transcrição dos
textos dessa louvável iniciativa pública.
1| ENGENHO DA MADALENA
Construído no século XVI por Pedro Afonso Duro, casado
com Madalena Gonçalves.
O bairro da Madalena originou-se desse engenho,
conhecido como Engenho da Madalena ou Engenho
Mendonça, por pertencer a João Mendonça, em 1630. No
fim do século XVIII, teve como proprietário João Rodrigues
Colaço e família, até ser extinto como engenho de açúcar.
A casa-grande, conhecida como Sobrado Grande da
Madalena, pertenceu ao Conselheiro João Alfredo de
Oliveira, no século XIX. Hoje, abriga o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan.
2| ENGENHO DA TORRE
Fundado no século XVI, era conhecido como Engenho
Marcos André. Passou a ser chamado de Engenho da Torre
em alusão à torre da capela, do engenho, dedicada a Nossa
Senhora do Rosário.
O bairro da Torre originou-se desse engenho. Em 1653, os
holandeses dominaram o engenho e construíram uma
fortaleza para atacar o Forte do Arraial Novo do Bom Jesus.
Com a derrota holandesa, em 1654, o engenho foi destruído.
Restaurado por seu proprietário, Antonio Borges Uchoa,
posteriormente pertenceu à família Rodrigues Campelo, até
ser extinto como engenho de açúcar. Hoje, no local da casagrande, funciona o Grupo Escolar Martins Júnior.
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3| ENGENHO DE AMBRÓSIO MACHADO
Localizado no atual bairro do Zumbi, o Engenho de
Ambrósio Machado, assim chamado em alusão a seu
proprietário, situava-se na margem direita do Rio
Capibaribe. Durante a ocupação holandesa, o engenho foi
abandonado, tendo seu proprietário se refugiado na Bahia,
em 1635. Uma parte das terras do engenho foi, então,
incorporada aos bens da Companhia das Índias Ocidentais.
A outra parte, após 1654, foi ocupada por João Cordeiro
de Medanha, ajudante de ordens do Governador João
Fernandes Vieira.
4| ENGENHO CASA FORTE
Fundado no século XVI, por Diogo Gonçalves, deu origem
ao bairro de Casa Forte. A casa do engenho e a capela de
Nossa Senhora das Necessidades ficavam numa campina,
onde está situada, atualmente, a Praça de Casa Forte.
Em 17 de agosto de 1645, ocorreu a Batalha da Casa
Forte, para libertar senhoras pernambucanas presas pelos
holandeses, na casa-grande, pertencente a Ana Paes. Em
1810, o engenho foi adquirido pelo Padre Roma, uma das
figuras da Revolução Republicana de 1817. Em 1911, no
local da casa-grande, a Congregação da Sagrada Família
fundou um colégio, em funcionamento até hoje.
5| ENGENHO DE SÃO PANTALEÃO MONTEIRO
Existente desde o século XVI, o Engenho de São Pantaleão
do Monteiro situava-se na margem esquerda do Rio
Capibaribe, lugar de origem do bairro do Monteiro.
Pertencia a Manuel Vaz e sua mulher, Maria Rodrigues.
Foi vendido, em 1577, a Jorge Camelo e sua mulher, Isabel
Cardoso. Em 1593, foi adquirido por Maria Gonçalves
Raposo. Em 1606, tinha como proprietário Francisco
Monteiro Bezerra, passando a ser conhecido como
Engenho do Monteiro. No Largo Monteiro, existem, até
hoje, a coluna e a mureta, em ruínas. São os últimos
resquícios do Engenho de São Pantaleão do Monteiro.
6| ENGENHO DO CORDEIRO
Formado por partes das terras do Engenho de Ambrósio
Machado, local onde se originou o bairro do Zumbi, o
Engenho do Cordeiro deu origem ao bairro do Cordeiro.
Nome em alusão ao seu proprietário, o capitão João
Cordeiro de Medanha, ajudante-de-ordens do Governador
João Fernandes Vieira, que passou a ocupar as terras
depois de 1654. Em 1707, seu proprietário, José Campelo
Pessoa, incorporou as terras desse engenho às do Engenho
de São Pantaleão do Monteiro, local do Bairro do Monteiro.
7| ENGENHO DE APIPUCOS
Surgido no final de 1577, originário do desdobramento
das terras do Engenho de São Pantaleão do Monteiro,
situava-se na margem esquerda do Rio Capibaribe, dando
origem ao bairro de Apipucos. Seu proprietário era
Leonardo Pereira. Pertenceu a Jerônima de Almeida e
posteriormente a Gaspar de Mendonça, seu proprietário
em 1630, época da ocupação holandesa. Em 1645, os
holandeses saquearam a capela do engenho, destruíram
as imagens, as alfaias, os paramentos e os móveis. O gado
e as mercadorias foram levados para o Engenho Casa
Forte, pertencente a Ana Paes.
8| ENGENHO DOIS IRMÃOS
Foi levantado em terras que pertenciam ao Engenho de
Apipucos, pelos irmãos Antonio Lins Caldas e Tomás Lins
Caldas, no início do século XIX. Deu origem ao bairro de
Dois Irmãos. O engenho funcionou até o ano de 1875. A
Companhia do Beberibe, já extinta, adquiriu parte da
propriedade para utilizar as águas do Açude de Apipucos
e dos mananciais do Lago da Prata, garantindo, assim, o
abastecimento d’água do Recife. As residências dos antigos
proprietários do engenho foram reformadas para a
instalação da usina, que impulsionaria as águas com
pressão necessária.
09| ENGENHO BRUM-BRUM
Construído por volta de 1667, pelo Capitão Miguel Bezerra
Monteiro, que militou na guerra contra os holandeses, o
Engenho Brum-Brum situava-se na margem esquerda do
Rio Capibaribe, em frente à povoação de Caxangá. Suas
terras chegavam até a propriedade de Camaragibe.
Posteriormente foi herdado por sua sobrinha Sebastiana
de Carvalho. Ainda existia em 1882, quando pertencia
aos herdeiros de Bernardo Antonio de Miranda.
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