Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(3): 267-272. Mangione JA. Intervenção Coronária Percutânea no Brasil. Quais são os Nossos Números? Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(3): 267-272. Artigo Original Intervenção Coronária Percutânea no Brasil. Quais são os Nossos Números? José Armando Mangione1 RESUMO SUMMARY Este estudo procurou apresentar os dados de maior interesse, referentes aos procedimentos coronários percutâneos realizados em território brasileiro, no biênio 2003/2004, armazenados no banco de dados da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC), órgão pertencente à Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI). Estas informações são encaminhadas de forma espontânea pelos membros titulares, devidamente credenciados, segundo normas da SBHCI para a realização de procedimentos percutâneos terapêuticos. Por ser uma contribuição espontânea, não reflete a totalidade do que é realizado em nosso país, no entanto, fornece importantes informações a respeito dos pacientes abordados, da técnica e dos dispositivos empregados, bem como dos resultados dos procedimentos. Percutaneous Coronary Intervention in Brazil: What are the Figures? The present study tried to present the most relevant data in regard to percutaneous coronary intervention (PCI) in Brazil, in the period between 2003 and 2004. The study was based on data from the Brazilian National Center of Cardiovascular Interventions Database (CENIC) – which belongs to the Brazilian Society of Hemodynamics and Interventional Cardiology (SBHCI). The information is sent in spontaneously by accredited members and follow SBHCI guidelines for therapeutic percutaneous procedures. Since the contribution is spontaneous, it is not a full account of what is carried out in our country. However, it does provide key information on patients referred in regard to technique and devices used, as well as of procedures results. DESCRITORES: Angioplastia transluminal percutânea coronária, estatística & dados numéricos. Sistema de registros, estatística & dados numéricos. Coronariopatia, terapia. DESCRIPTORS: Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary, statistics & numerical data. Registries, statistics & numerical data. Coronary disease, therapy. N O objetivo deste estudo é apresentar os dados relativos às intervenções coronárias percutâneas realizadas em nosso país, no biênio 2003-2004. as últimas décadas, verificou-se crescente aumento na utilização de procedimentos menos invasivos para o tratamento de diversas afecções cardiovasculares. Procurando obter informações a respeito das intervenções percutâneas que são realizadas no Brasil, foi fundada, em março de 1991, a Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC), órgão da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI). Atualmente, as intervenções coronárias, valvares, vasculares periféricas, renais, congênitas e em vasos cervicais são armazenadas no banco de dados da CENIC. 1 Hospital Beneficência Portuguesa São Paulo, SP. Correspondência: José Armando Mangione. R. Maestro Cardfim, 769 - 1º Sub-solo - Sala 71 - São Paulo, SP - CEP 01323-900 E-mail: [email protected] Recebido em: 17/01/2006 • Aceito em: 08/02/2006 MÉTODO As informações dos procedimentos são encaminhadas de forma espontânea pelos membros titulares da SBHCI, devidamente credenciados, segundo normas criadas pela Sociedade, por meio de envio eletrônico de telefichas ou pelo correio. Estas fichas foram elaboradas pelos membros participantes da CENIC, sendo atualizadas periodicamente1. Desta maneira, podemos obter importantes dados sobre o que é realizado pela Cardiologia Intervencionista em todo o território brasileiro. As variáveis analisadas neste estudo baseiam-se nos pacientes submetidos à intervenção coronária percutânea como: características clínicas básicas, quadro clínico, aspectos angiográficos, via de acesso empregada, dispositivo utilizado (cateter-balão ou stent), monitorização do implante do stent, farmacologia adjunta, índice de sucesso do procedimento, incidência de complica267 Mangione.p65 267 23/10/2006, 09:13 Mangione JA. Intervenção Coronária Percutânea no Brasil. Quais são os Nossos Números? Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(3): 267-272. ções cardíacas maiores (óbito, infarto agudo do miocárdio, revascularização miocárdica de urgência) e taxa de trombose aguda ou subaguda dos stents. Analisamos, também, o emprego dos stents farmacológicos, os seis stents mais utilizados e o porcentual representativo do número de stents implantados nas diversas regiões brasileiras. O quadro clínico foi dividido em: assintomático, com ou sem provas isquêmicas positivas, angina estável e síndrome coronária aguda (SCA), com ou sem elevação do segmento ST. Dentre as características angiográficas, analisamos: extensão da doença coronária, artéria dilatada, função ventricular esquerda e a classificação das lesões tratadas de acordo com o critério proposto por Ellis et al.2, em 1991. Na extensão da doença coronária, foram considerados os ramos coronários principais: artéria descendente anterior (DA), coronária direita (CD) e circunflexa (Cx) ou os seus ramos que apresentassem lesões ≥ 50%. A função ventricular esquerda foi classificada, de acordo com a avaliação visual, em: normal ou com déficit leve, moderado ou grave. O sucesso do procedimento foi definido como a obtenção de uma lesão residual < 20%, quando foram usados stents coronários e < 30%, nos casos de angioplastia transluminal coronária com cateter-balão (ATC), na ausência de complicações maiores. A média de idade da população foi de 62±11,2 anos, sendo 67% do sexo masculino. As características clínicas básicas desta população são apresentadas na Tabela 1. A apresentação clínica mais freqüente (36,5%) foi a síndrome coronária aguda sem elevação do segmento ST (SCASST), seguida pela angina estável (32,5%) - Tabela 2. Com relação à extensão da doença coronária, verificou-se que 47% dos pacientes eram uniarteriais, 31,5%, biarteriais e 18,4%, triarteriais. A artéria mais freqüentemente tratada foi a descendente anterior (43,6%) e, em 0,91% dos casos, a intervenção foi realizada no tronco da artéria coronária esquerda. A função ventricular esquerda era normal em 40,2% dos casos e a lesão tipo B2 foi a mais abordada. Os dados angiográficos são apresentados na Tabela 2. O sucesso do procedimento foi elevado (97,1%) – Figura 2. A via de acesso mais utilizada foi a femoral, notando-se, no entanto, aumento significativo do emprego da via radial (Figura 3). Os stents foram utilizados em 92% dos casos (Figura 4), sendo que a média de vasos tratados foi de 1,24/paciente. Infarto agudo do miocárdio foi definido como elevação maior do que 3 vezes o valor normal da isoenzima CKMB e/ou o aparecimento de novas ondas Q, em duas ou mais derivações contíguas ao eletrocardiograma. A revascularização de emergência foi aquela realizada em decorrência da oclusão aguda ou subaguda do vaso durante o período hospitalar, quer seja cirúrgica ou percutânea. A trombose aguda foi definida como a oclusão do vaso dilatado, verificada à angiografia, nas primeiras 24 horas após o procedimento e a subaguda, após este período até a alta hospitalar. O sistema atual está desenvolvido na linguagem Visual Basic, utilizando banco de dados padrão Access. As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio-padrão e as categóricas, em porcentagem e comparadas pelo teste do qui-quadrado. Considerouse significativo um valor de p< 0,05. RESULTADOS Estão cadastrados, na CENIC, 417 membros titulares habilitados a realizar intervenções percutâneas, distribuídos em 361 hospitais com laboratório de hemodinâmica. Estes centros encaminharam, no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2004, dados referentes a 53.857 intervenções coronárias percutâneas (Figura 1). Figura 1 - Número de intervenções coronárias percutâneas. TABELA 1 Características Clínicas Básicas Variável % Sexo masculino Diabetes melito RM prévia Percutânea Cirúrgica HAS IAM prévio Tabagismo Dislipidemia Antecedentes familiares RM: Revascularização Miocárdica; HAS: Hipertensão Arterial Sistêmica; IAM: Infarto Agudo do Miocárdio. 268 Mangione.p65 268 67 20,9 29,7 19,4 10,3 25,5 71,3 41,1 45 31,3 23/10/2006, 09:13 Mangione JA. Intervenção Coronária Percutânea no Brasil. Quais são os Nossos Números? Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(3): 267-272. A incidência de eventos adversos maiores foi baixa, conforme demonstrado na Tabela 3 e a revascularização de emergência foi necessária em 0,43% dos casos e destes somente 0,08% foram tratados cirurgicamente. TABELA 2 Apresentação Clínica e Características Angiográficas Quadro Clínico SCASST Angina Estável IAM Q Assintomático Sem Informação Extensão da Doença Coronária Uniarterial Biarterial Triarterial Sem Informação Vaso Tratado DA CD Cx TCE Enxertos Venosos e Arteriais Sem informação Função Ventricular Esquerda Normal Déficit Leve Déficit Moderado Déficit Grave Sem informação Tipo de Lesão A B1 B2 C Sem informação 36,5% 32,5% 20,8% 7% 3,15% Houve aumento de 92% na utilização dos stents farmacológicos, do ano de 2003 para 2004, sendo, neste último ano, empregados em 14,38% dos procedimentos. A porcentagem e os tipos de stents farmacológicos utilizados são apresentados na Figura 5. Na terapêutica farmacológica adjunta ao implante de stents coronários, o ácido acetilsalisílico foi utilizado 47% 31,5% 18,4% 2,52% 43,6% 29,9% 21,6% 0,91% 3,3% 0,7% 40,2% 27,7% 13,7% 4,6% 13,8% 4,03% 30,6% 43,6% 21,6% 0,17% SCASST: síndrome coronária aguda sem elevação do segmento ST; DA: artéria descendente anterior; CD: artéria coronária direita; Cx: artéria circunflexa; TCE: tronco da coronária esquerda. Figura 2 - Sucesso do procedimento. A trombose aguda ou subaguda do vaso tratado foi semelhante nestes dois anos, ocorrendo em 0,39% dos casos. Figura 3 - Via de acesso. Figura 4 - Dispositivo utilizado. TABELA 3 Eventos Cardíacos Adversos Maiores Óbito IAM RM emergência Total 2003 2004 Média 0,73 0,28 0,51 1,52 0,71 0,34 0,36 1,41 0,72 0,31 0,43 1,46 Figura 5 - Stents farmacológicos. 269 Mangione.p65 269 23/10/2006, 09:13 Mangione JA. Intervenção Coronária Percutânea no Brasil. Quais são os Nossos Números? Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(3): 267-272. em 96,2% dos casos, os derivados tienopiridínicos, em 96,4% e os inibidores da GP IIb/IIIa, em 8%. As principais medicações utilizadas são apresentadas na Figura 6. Na monitorização do implante do stent, a angiografia digital quantitativa foi utilizada em mais da metade dos procedimentos. Por outro lado, foi pequeno o uso do ultra-som intracoronário, notando-se uma diminuição significativa do ano de 2003 para 2004 (Figura 7). Os stents mais utilizados no biênio, dos quais dois são farmacológicos (Cypher® e Taxus®), são listados na Figura 8. O porcentual que representa o número de stents implantados no biênio 2003/2004, de acordo com as regiões brasileiras, está representado na Figura 9. DISCUSSÃO A CENIC, um projeto pioneiro criado na América Latina, é um registro que contém importantes informa- ções evolutivas sobre os procedimentos percutâneos realizados no Brasil desde 1992. Por ser uma contribuição espontânea dos intervencionistas brasileiros, não reflete a totalidade do que é realizado em nosso país, entretanto, fornece importantes informações a respeito dos pacientes abordados, da técnica e dos dispositivos empregados, bem como dos resultados dos procedimentos. Sousa et al.3 referiram, na análise do banco de dados da CENIC, no biênio 1996/97, que 22.025 pacientes haviam sido submetidos à intervenção coronária percutânea. Comparativamente a 2003/2004, podemos observar que ocorreu um crescimento de 2,44 vezes no número de procedimentos cadastrados. As características clínicas básicas da população estudada mostram uma prevalência do sexo masculino, chamando atenção a alta taxa de pacientes com história de infarto agudo do miocárdio prévio (71,3%). Notamos, também, que o procedimento coronário percutâneo foi efetuado em mais da metade dos casos nos pacientes portadores de síndrome coronária aguda, com ou sem elevação do segmento ST. Figura 6 - Farmacologia adjunta ao implante de stents. Figura 7 - Monitorização do implante do stent. ADQ= Angiografia Digital Quantitativa. Figura 8 - Stents mais utilizados no biênio 2003/2004. De acordo com nossos dados, os stents coronários são atualmente utilizados na grande maioria dos procedimentos e, como demonstrado nos principais estudos publicados4-6, proporcionam abordagem de casos de grande complexidade, com elevada taxa de sucesso. Esta taxa foi superior a 97% no período analisado neste estudo, mesmo tratando-se de lesões de alta complexidade, isto é, tipo B2 e C, em 65,2% dos procedimentos. Com relação à via de acesso, podemos notar ampla preferência pela via femoral, no entanto, observa-se diminuição significativa na sua utilização, como também da via braquial e um crescimento da via radial, do ano de 2003 para 2004. A técnica radial foi descrita primeiramente por Radner7, em 1948, para a realização de aortografia, Campeau8 utilizou-a para coronariografia, em 1989, mas somente em 1995 Kiemeneij et al.9,10 relataram a realização bem sucedida de procedimentos de intervenção coronária percutânea com esta técnica. O crescimento verificado na sua utilização pode ser Figura 9 - Porcentual de stents implantados no biênio 2003/2004, de acordo com a região brasileira. 270 Mangione.p65 270 23/10/2006, 09:13 Mangione JA. Intervenção Coronária Percutânea no Brasil. Quais são os Nossos Números? Rev Bras Cardiol Invas 2006; 14(3): 267-272. explicado pelos seguintes fatos: o curso superficial desse vaso facilita a hemostasia com a simples aplicação de uma bandagem no local da punção, a ausência de veias maiores torna a incidência de fístulas arteriovenosas rara e a possibilidade de deambulação precoce possibilita uma breve estadia hospitalar, reduzindo os custos e proporcionando um retorno precoce do paciente às atividades habituais. As taxas de complicações cardíacas maiores verificadas foram baixas, o que reflete a segurança atual do procedimento percutâneo com a utilização dos stents coronários, somada ao avanço tecnológico verificado em todo o material empregado e à experiência adquirida pelo cardiologista intervencionista ao longo de todos estes anos. Neste contexto, chama a atenção que somente 0,08% dos pacientes necessitaram de cirurgia cardíaca de emergência. Baixas taxas de complicações cardíacas maiores no primeiro mês após implante do stent são também apresentadas em outros registros, como o Research e o T-Search11, que relataram incidência de óbito ou IAM variando de 1 a 3% dos casos. Os stents farmacológicos que demonstraram, em estudos randomizados, segurança e efetividade 3,4,12, diminuindo significativamente as taxas de reestenose clínica e angiográfica, apesar de não disponíveis até o momento para os pacientes do Sistema Único de Saúde, apresentaram crescimento importante na sua utilização neste biênio, sendo empregados em quase 14,38% dos procedimentos de revascularização miocárdica percutânea, no ano de 2004. Quanto à terapêutica medicamentosa adjunta, podemos observar que a utilização de dois tipos distintos de antiagregantes plaquetários, isto é, o ácido acetilsalisílico e um derivado tienopiridínico, está solidamente incorporada ao implante de stents coronários, sendo empregada em mais de 96% dos procedimentos. Este tipo de manuseio medicamentoso proporcionou baixo índice de trombose aguda ou subaguda, que ocorreu somente em 0,39% dos casos. Já os inibidores dos receptores glicoproteicos IIb/IIIA foram reservados, provavelmente, para os casos das síndromes coronárias agudas de alto risco, sendo, desta forma, empregados em 8,6% dos casos. A angiografia digital quantitativa, hoje um método universalmente aceito para monitorização do implante dos stents, foi utilizada na maioria dos procedimentos. O ultra-som intracoronário foi empregado por Yock et al.13, em 1988, para a observação de vasos humanos e, no ano seguinte, na rede coronária14. Este método que tem por base a aquisição de imagens tomográficas, utilizando-se um cateter com transdutor único na sua extremidade, foi pouco empregado, havendo uma diminuição significativa na sua utilização do ano de 2003 para 2004. Este fato pode ser explicado pelo alto custo do cateter, pelo não ressarcimento do método pela maioria dos planos de saúde e pela ausência de dados consistentes que justifiquem o seu emprego rotineiro na obtenção de melhores resultados no procedimento percutâneo. Na análise de produtividade das diversas regiões brasileiras, observamos que a região sudeste, onde estão localizados os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, foi a que maior número de procedimentos realizou neste biênio, sendo responsável por mais de 2/3 dos implantes de stents realizados. Os dados apresentados neste estudo e vários outros estão à disposição no site da SBHCI (www.sbhci.org.br). Finalizando, é importante salientar que está em andamento um projeto que irá colocar a ficha de procedimentos on line, o que facilitará o envio e irá proporcionar a atualização imediata do banco de dados da CENIC. AGRADECIMENTOS Agradecemos aos Srs. Cantídeo de Moura Campos Neto, Claudinei Lopes Carneiro e Adilson José Simplício, à Sra. Sirlene Souza Machado e a todos os membros titulares da SBHCI pela colaboração prestada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Sousa AG. Procedimentos percutâneos de intervenção cardiovascular no Brasil em 1992 e 1993. Relatório do Registro Nacional – Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC). Arq Bras Cardiol 1994;62:217-23. 2. Ellis SG, Vandormael MG, Cowley MJ, DiSciascio G, Deligonul U, Topol EJ et al. Coronary morphologic and clinical determinants of procedural outcome with angioplasty for multivessel coronary artery disease: implications for patient selection. Circulation 1990;82:1193-202. 3. Sousa AG, Mattos LA, Campos Neto CM, Carvalho HG, Stella FP, Nunes G. Intervenções percutâneas para a revascularização do miocárdio no Brasil em 1996 e 1997 comparadas às do biênio 1992 e 1993. Relatório do registro CENIC (Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares). 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