(PROCURADORA
A
SRA.
DO
ESTADO
Excelentíssimo
JANAÍNA
BARBIER
DO
RIO
do
Supremo
Presidente
GRANDE
GONÇALVES
DO
SUL)
Tribunal
–
Federal,
Ministro Gilmar Mendes, na pessoa de quem cumprimento as
demais autoridades aqui presentes, Senhoras e Senhores.
A
Constituição
Federal
de
1988,
em
seu
artigo 196, estabeleceu a saúde como direito de todos os
brasileiros e responsabilidade da União, dos Estados e dos
Municípios. A jurisprudência brasileira, por seu turno, vem
entendendo que este é um direito ilimitado que implica na
obrigação do Poder Público de fornecer todo e qualquer
medicamento.
Entretanto
a
referida
disposição
constitucional limita a sua abrangência ao dispor que a
saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo ser
garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem
à
redução
igualitário
do
risco
às
de
ações
doença
e
e
serviços
ao
acesso
para
a
universal
sua
e
promoção
proteção e recuperação.
Como
se
vê,
a
atuação
do
Estado
para
garantir o direito à saúde está condicionada a políticas
sociais e econômicas, o que significa que qualquer atuação
nesse sentido deva ser de forma global e, inevitavelmente,
atender aos planos orçamentários traçados nos artigos 165 e
167 da Constituição Federal.
Assim,
tendo
a
Constituição
inserido
o
direito à saúde como um direito social a ser garantido a
toda sociedade, incumbe ao Poder Público trabalhar para a
adoção de políticas que visem beneficiar o maior número
possível de pessoas, desde a atenção básica e a medicina
preventiva até a assistência farmacêutica.
Conforme já foi esclarecido ao longo dessa
audiência, com o intuito de regulamentar o artigo 196 da
Constituição, foi elaborada a Lei Federal nº 8.080/90, que
estabeleceu
as
competências
de
cada
ente
público
no
sistema.
Sabe-se que este egrégio Tribunal consolidou
sua
jurisprudência
no
sentido
de
que
os
três
entes
da
Federação são solidariamente responsáveis pelo cumprimento
das
obrigações
previstas
no
artigo
196
e
seguintes
da
Constituição. Não se nega, pois, a responsabilidade dos
Estados.
No
obrigações
entanto,
dentro
do
cada
esfera
referido
governamental
sistema
de
assumiu
acordo
com
a
condição de gestão em que está enquadrada, não sendo viável
priorizar grupos ou indivíduos mediante o custeio de toda e
qualquer
assistência
postulada
em
casos
pontuais,
como
ocorre reiteradamente na via judicial.
O que se pretende, portanto, com a presente
manifestação,
senhores,
não
excelentíssimo
é
defender
Presidente,
a
senhoras
afastabilidade
do
e
Poder
Judiciário quando o assunto é saúde pública, uma vez que a
participação
imprescindível
atuante
em
um
e
Estado
efetiva
do
democrático
Judiciário
de
Direito.
é
Ao
contrário, busca-se contribuir para a compreensão do Poder
Judiciário
no
farmacêutica
que
no
se
refere
âmbito
SUS,
à
política
mormente
ao
de
assistência
fato
de
que
a
canalização de recursos para situações individualizadas,
independente do valor a ser destinado e da organização do
SUS, fere o espírito do artigo 196 da Constituição Federal,
que é propiciar o acesso universal e igualitário às ações e
serviços de saúde.
Quanto aos protocolos clínicos do Ministério
da
Saúde,
é
importante
esclarecer
que
a
Portaria
do
Ministério nº 396, de 1998, aprovou a política nacional de
medicamentos,
necessária
com
o
objetivo
segurança,
precípuo
eficácia
de
e
garantir
qualidade
a
dos
medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da
população àqueles considerados essenciais.
Com
esse
espírito,
dentro
da
política
nacional de assistência farmacêutica, foi elaborada pelo
Ministério, através da Portaria nº 2.475, de 2006, uma
relação
nacional
de
medicamentos
essenciais,
que
é
um
instrumento norteador das ações de assistência terapêutica
do SUS. Na elaboração dessa lista, que estão adstritos
Estados
e
Municípios
no
âmbito
de
suas
respectivas
competências, norteia-se o Ministério da Saúde no princípio
da universalidade, buscando a definição do melhor custobenefício com segurança, visando atender um maior número de
cidadãos.
Para
tanto,
o
SUS
disponibiliza,
de
maneira
geral,
no
mínimo,
farmacológico,
com
um
representante
eficácia
de
comprovada
cada
e
grupo
segurança
estabelecida em termos de quantidade, qualidade e eficácia.
A
definição
de
preocupação
quais
dos
medicamentos
entes
serão
públicos
na
dispensados
é
corroborada mundialmente conforme exemplos de organização
ao
acesso
a
medicamentos
em
diferentes
países,
como
a
Inglaterra, a Alemanha e a Espanha.
Dentro da política nacional de medicamentos,
coube aos Estados a aquisição e dispensação de medicamentos
excepcionais
específicas
destinados
de
valor
ao
tratamento
elevado
e
que
de
patologias
atingem
um
número
limitado de usuários, os quais, na maioria das vezes, os
utilizam por períodos prolongados.
Visando
garantir
a
eficácia
do
referido
sistema de fornecimento de medicamentos, foram elaborados
os
já
explicados
terapêuticas
do
protocolos
Ministério
de
da
diretrizes
Saúde.
A
clínicas
necessidade
e
de
protocolos, sempre fundamentados nas mais atuais pesquisas
e técnicas científicas, é resultado de estudos realizados
pela Organização Mundial de Saúde, que estimulam a criação
de políticas de saúde baseadas em evidências e dirigidas
especificamente ao uso racional de medicamentos.
A
dispensação
Gilmar,
em
dos
racionalização
medicamentos
razão
do
é
grande
da
prescrição
imprescindível,
número
de
e
da
Ministro
produtos
disponibilizados no mercado, das estratégias de divulgação
dos laboratórios junto à classe médica e à população e do
lançamento
de
novos
produtos
como
inovadores,
que
-
conforme já foi demonstrado hoje - nem sempre possuem algum
benefício terapêutico em relação aos já existentes, uma vez
que essas práticas colocam em questão se a promoção à saúde
é realmente o principal interesse envolvido nessa área.
Nesse diapasão,
o objetivo dos
protocolos
não é limitar ou restringir o acesso a medicamentos, mas
regular
a
sua
dispensação,
sem
prejuízo
à
saúde
do
paciente, preservando a racionalização e a universalização
do atendimento da população.
É importante observar que a Procuradoria-Geral do Estado do
Rio
Grande
do
Sul
não
contesta
as
ações
em
que
são
demandados medicamentos excepcionais prescritos em acordo
com
os
protocolos
do
Ministério
da
Saúde.
Ocorre
que,
atualmente, na maioria das decisões judiciais do Brasil,
não são observados os protocolos. É possível constatar, com
base nos dados fornecidos pela Secretaria Estadual da Saúde
do Rio Grande do Sul, que, em que pese o crescimento na
aquisição
dos
medicamentos
na
esfera
administrativa,
as
despesas oriundas de decisões judiciais continuam a ter um
crescimento
vertiginoso.
Para
ilustrar,
excelentíssimo
Presidente, senhoras e senhores, atualmente, no Rio Grande
do Sul, 41% do orçamento da Secretaria Estadual da Saúde
são gastos com política de assistência farmacêutica, sendo
que 87.966 pacientes são atendidos pela via administrativa,
e 20.497 pacientes, pela via judicial. Portanto, afere-se
que hoje 18,92% do orçamento da assistência farmacêutica do
estado estão sendo administrados pelo Judiciário.
No ano de 2008, houve, no Rio Grande do Sul,
um
acréscimo
de
40%
no
valor
destinado
à
aquisição
de
medicamentos na via administrativa. Todavia, na prática,
verifica-se
que
o
esforço
empregado
pelo
Estado
não
diminuiu o número de ações judiciais, pois, no ano de 2008,
houve um aumento de 16% em relação ao ano de 2007.
É importante ressalvar que, na via judicial,
apenas
14,31%
da
demanda
é
relativa
a
medicamentos
especiais e 9,4% é relativo a medicamentos excepcionais
prescritos de acordo com os protocolos do Ministério da
Saúde, medicamentos cujo fornecimento compete ao Estado,
enquanto 76,23% das demandas judiciais em que o Estado é
réu abrangem medicamentos que não são da sua competência,
sendo que 18,25% são relativos a medicamentos excepcionais
prescritos em desacordo com os protocolos clínicos e 46,84%
referentes a medicamentos que não são fornecidos pelo SUS,
entre
eles
medicamentos
importados
e
sem
registro
na
ANVISA.
Ainda, constata-se que 66% dos medicamentos
do
elenco
dos
excepcionais,
fornecidos
através
da
via
judicial, não atendem aos protocolos de diretrizes clínicas
e terapêuticas do Ministério da Saúde.
Em razão das decisões judiciais, o Estado
hoje tem de distribuir aproximadamente 3.300 apresentações
farmacêuticas, sendo que apenas cerca de 500 fazem parte
dos
elencos
fornecidas
fornecidos
por
força
administrativamente
de
determinações
e
2.800
são
judiciais,
em
antecipação de tutela, para fornecimento em 48 ou 72 horas,
sob pena de bloqueio de verbas públicas. Esses números
revelam que, em sua maioria, as ações judiciais no Estado
do Rio Grande do Sul não decorrem de descontinuidade dos
estoques; por outro lado, também revelam que os protocolos
existentes precisam ser revisados com maior frequência pelo
Ministério da Saúde, o que não vem ocorrendo.
Considerando que o caixa para atendimento de
demandas administrativas e judiciais é único, a intervenção
judicial na área da saúde é hoje um dos óbices para que o
Estado
consiga
atender
regularmente
a
sua
demanda
administrativa, até mesmo porque o gestor é obrigado a
respeitar
a
destinação
de
recursos
definida
na
Lei
Orçamentária, sob pena de improbidade administrativa.
Assim, as decisões judiciais que contrariam
os
protocolos
organização
do
vão
de
sistema
encontro
e,
em
à
racionalização
consequência,
ao
e
à
próprio
direito à saúde, sendo elementar que o Poder Judiciário
legitime os protocolos clínicos do Ministério da Saúde,
dando credibilidade a esses documentos médicos.
Por fim, com relação aos medicamentos sem
registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, devese considerar que o seu fornecimento contraria o artigo 12
da Lei Federal nº 6.360/76, que determina que medicamentos
sem
registro
prescritos
no
em
Ministério
território
da
Saúde
nacional
não
fora
podem
do
âmbito
ser
da
pesquisa. Também o Código de Ética Médica, instituído pela
Resolução
nº
1.246/88
do
Conselho
Federal
de
Medicina,
prevê, especialmente em seu artigo 124, que é vedado ao
médico usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica
ainda não liberada para uso no País fora do âmbito da
pesquisa.
Dessa forma, os entes públicos têm o dever
legal
de
selecionar
aprovados
pela
e
proporcionar
ANVISA,
somente
comprovadamente
tratamentos
eficazes
e
compatíveis com o seu nível de desenvolvimento.
Agir
à
ausência
de
registro
na
ANVISA
caracteriza o tratamento como experimental no Brasil, sendo
ilegal o seu fornecimento. Trata-se, pois, de questão de
segurança e proteção à integridade e saúde individual dos
pacientes que necessitam de tratamento médico, não podendo
determinado
quando
tratamento
ainda
pairam
ser
custeado
dúvidas
acerca
pelo
de
erário
sua
público
eficácia
ou
quando não foi aprovado pela ANVISA.
Não se trata, portanto, de mera burocracia
ou de negar-se ao cidadão o direito à saúde assegurado
constitucionalmente, mas apenas de se cumprirem os prérequisitos necessários e exigidos para o seu fornecimento
na área da saúde.
É imperioso ressaltar que este tópico merece
especial
atenção,
laboratórios
porque,
utilizam
no
grupos
Rio
de
Grande
pacientes
do
em
Sul,
pesquisas,
acompanhados no Hospital de Clínica de Porto Alegre, para
testar a eficácia de novos produtos que pretendem lançar no
mercado.
Depois
de
encerrado
o
estágio
da
pesquisa,
suspendem o seu fornecimento, o que leva os pacientes a
demandarem
juízo,
na
maioria
das
vezes
assistidos
por
advogados particulares, pleiteando o seu fornecimento pelo
poder
público.
Em
tais
casos,
evidencia-se
o
interesse
comercial do fabricante, que, após atingir o seu intento,
pretende transferir a responsabilidade ao Estado, ferindo a
Resolução nº 196, de 1996, do Conselho Nacional de Saúde,
que
prevê
a
obrigação
do
laboratório
de
alcançar
o
medicamento aos sujeitos participantes da pesquisa e não
estabelece
limitador
de
tempo,
apenas
faz
referência
à
continuidade do tratamento vinculada à participação efetiva
do paciente durante o período de execução do estudo. Nesses
casos,
a
Procuradoria-Geral
do
Estado
vem
pleiteando
a
inclusão do laboratório no pólo passivo da ação, havendo
precedentes favoráveis da 4ª e da 8ª Câmaras Cíveis do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e havendo também a
sentença - foi mencionada pelo representante da ONG - de um
juiz do Juizado da Infância e Juventude para o tratamento
da mucopolissacaridose numa criança, em que o magistrado
seguiu
toda
essa
linha
de
orientação
da
Resolução
nº
196/96, da obrigação do laboratório de continuar fornecendo
o medicamento, e, assim, condenou o laboratório a ressarcir
ao Estado o valor que o Estado já havia gasto ao longo do
processo judicial por força da antecipação de tutela e a
continuar mantendo o tratamento.
Em
face
do
exposto,
excelentíssimo
Presidente, a Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do
Sul apresenta duas proposições: primeiro, que, observadas
as competências e pactuações estabelecidas no SUS, o acesso
aos medicamentos na via judicial, como regra, se dê somente
quando regularmente registradas na ANVISA, nos termos do
registro e em conformidade com as indicações dos protocolos
de
diretrizes
clínicas
e
terapêuticas
do
Ministério
da
Saúde.
Segundo, que o deferimento de medicamentos
fora da lista do SUS ou sem registro na ANVISA, se houver,
não constitua regra, mas sempre uma exceção; nunca em sede
de antecipação de tutela, mas somente em sentença após a
ampla dilação probatória.
Muito obrigada.
Download

A SRA. JANAÍNA BARBIER GONÇALVES