FERNANDO
PESSOA
VOLUME
POEMAS DE
ASbeirtt® Caeiro
EDIÇÃO DE
IVO CASTRO
IMPRENSA
NACIONAL-CASA
LISBOA
2015
DA
MOEDA
índice geral
Introdução
•
7
TEXTO CRÍTICO
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O Guardador de Rebanhos
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I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XII
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
XXI
XXII
XXIII
XXIV
XXV
XXVI
XXVII
Eu nunca guardei rebanhos,
Tudo que vejo está nitido como um girasol.
Ao entardecer, debruçado pela janella,
Esta tarde a trovoada cahiu
Ha metaphysica bastante em não pensar em nada.
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode vêr do universo...
Num meio-dia de fim de primavera
Sou um guardador de rebanhos:
«Olá, guardador de rebanhos,
Aquella senhora tem um piano
Os pastores de Vergilio tocavam avenas e outras cousas
Leve, leve, muito leve,
'
Não me importo com as rimas. Nenhumas vezes
As duas canções que seguem
Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
No meu prato que mistura de Natureza! (A Salada)
Quem me dera que eu fôsse o pó da estrada
O luar quando bate na relva
O Tejo é mais bello que o rio que corre pela minha aldeia,
Se eu pudesse trincar a terra toda
Como quem num dia de verão abre a porta de casa
O meu olhar azul como o céu
O que nós vemos das cousas são as cousas...
As bolas de sabão que esta creança
As vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Só a Natureza é divina, e ella não é divina...
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Poemas de Alberto Caeiro
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XXXV
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XXXVII
XXXVIII
XXXIX
XL
XLI
XLII
XLIII
XLIV
XLV
XLVI
XLVII
XLVIII
XLIX
Li hoje quasi duas paginas
Nem sempre sou egual no que digo e escrevo.
Se quizerem que eu tenha um mysticismo, está bem — tenho-o...
Se ás vezes digo que as flores sorriem
Hontem á tarde um homem das cidades
Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares.
Acho tão natural que não se pense
O luar atravez dos altos ramos —
E ha poetas que são artistas
Como um grande borrão de fogo sujo
Bemdito seja 0 mesmo sol de outras terras
O mysterio das cousas — onde está elle?
Passa uma borboleta por deante de mim
No entardecer dos dias de verão, ás vezes,
Passou a diligencia pela estrada, e foi-se;
Antes 0 vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Acordo de noite subitamente,
Um renque de arvores lá longe, lá para a encosta.
D'este modo ou d'aquelle modo,
Num dia excessivamente nitido,
Da mais alta janella da minha casa
Metto-me para dentro, e fecho a janella.
O Pastor Amoroso
I
II
III
IV
V
VI
VII
Quando eu não te tinha
Está alta no ceu a lua e é primavera.
Talvez quem vê bem não sirva para sentir (O Pastor Amoroso)
O amor é uma companhia.
Passei toda a noite, sem saber dormir, vendo sem nada a figura
d'ella
O pastor amoroso perdeu o cajado,
Agora que sinto amor
Poemas Inconjuntos
I
1
2
3
4
5
6
7
Não basta abrir a janella
Falias de civilização, e de não dever ser,
Entre o que vejo de um campo e o que vejo de outro campo
Creança desconhecida e suja brincando á minha porta,
Pétala dobrada para traz da rosa que outros diriam de velludo,
Verdade, mentira, certeza, incerteza...
Uma gargalhada de rapariga soa do ar da estrada.
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Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Hontem o pregador de verdades d'elle
Mas para que me comparar com uma flor, se eu sou eu
Tu, mystico, vês uma significação em todas as cousas.
Pastor do monte, tão longe de mim com as tuas ovelhas:
Dizem que em cada coisa uma coisa occulta mora.
Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Se eu morrer novo,
Quando tornar a vir a primavera
Quando vier a primavera,
A espantosa realidade das coisas
Se, depois de eu morrer, quizerem escreveria minha biographia,
Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Um dia de chuva é tão bello como um dia de sol.
Quando a herva crescer em cima da minha sepultura,
E noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande
distancia
Goso os campos sem reparar para elles.
Todas as theorias, todos os poemas
Leram-me hoje S. Francisco de Assis.
Sempre que penso uma cousa, traio-a.
Eu queria ter o tempo e o socego sufficientes
A manhã raia. Não: a manhã não raia.
No dia brancamente nublado entristeço quasi a medo
A creança que pensa em fadas e acredita nas fadas
De longe vejo passar no rio um navio...
Creio que irei morrer.
A noite desce, o calôr sossobra um pouco.
Estou doente. Meus pensamentos começam a estar confusos.
Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse
agradavel,
Seja o que fôr que esteja no centro do mundo,
Pouco me importa.
A guerra que afflige com os seus esquadrões o mundo,
Todas as opiniões que ha sobre a Natureza
Navio que partes para longe,
Pouco a pouco o campo se alarga e se doura.
Ultima estrella a desapparecer antes do dia,
A agua chia no púcaro que elevo á boca.
O que ouviu os meus versos disse-me: Que tem isso de novo?
Ah, querem uma luz melhor que a do sol!
O conto antigo da Gata Borralheira,
Duas horas e meia da madrugada. Accordo, e adormeço.
Não tenho pressa: não a teem o sol e a lua.
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Sim: existo dentro do meu corpo.
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Vive, dizes, no presente;
Hoje de manhã sahi muito cedo,
Primeiro prenuncio da trovoada de depois de amanhã,
Também sei fazer conjecturas... (Penúltimo Poema)
Ponham na minha sepultura
E talvez o ultimo dia da minha vida. (Last poem)
A neve poz uma toalha empuxada na mesa de tudo.
Gosto do ceu porque não creio que elle seja infinito.
Para além da curva da estrada
Acceita o universo
Sinto-me recemnascido a cada momento
E tudo o que se sente directamente traz palavras novas.
O verde do ceu azul antes do sol estar para nascer,
As cores verdadeiras das coisas que os olhos vêem...
Contenta-me ver com os olhos e não com as paginas lidas.
Como uma creança antes de a ensinarem a ser grande
Não sei o que é conhecer-me. Não vejo para dentro.
Patriota? Não: só portuguez.
Deito-me ao comprido sobre a terra com herva
Falaram-me em homens, em humanidade,
Nunca busquei viver a minha vida
APARATO GENÉTICO
O Guardador de Rebanhos
I
II
Eu nunca guardei rebanhos,
Tudo que vejo está nitido como um girasol.
III Ao entardecer, debruçado pela janella,
IV Esta tarde a trovoada cahiu
V Ha metaphysica bastante em não pensar em nada.
VI 1 Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
VII Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode vêr do universo...
VIII Num meio-dia de fim de primavera
IX Sou um guardador de rebanhos:
X «Olá, guardador de rebanhos,
XI Aquella senhora tem um piano
XII Os pastores de Vergilio tocavam avenas e outras cousas
XIII Leve, leve, muito leve,
XIV Não me importo com as rimas. Nenhumas vezes
XV As duas canções que seguem
XVI Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
XVII No meu prato que mistura de Natureza! (A Salada)
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XLI
XLII
XLIII
XLIV
XLV
XLVI
XLVII
XLVIII
XLIX
Quem me dera que eu fôsse 0 pó da estrada
O luar quando bate na relva
O Tejo é mais bello que 0 rio que corre pela minha aldeia,
Se eu pudesse trincar a terra toda
Como quem num dia de verão abre a porta de casa
O meu olhar azul como 0 céu
O que nós vemos das cousas são as cousas...
As bolas de sabão que esta creança
As vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Só a Natureza é divina, e ella não é divina...
Li hoje quasi duas paginas
Nem sempre sou egual no que digo e escrevo.
Se quizerem que eu tenha um mysticismo, está bem — tenho-o...
Se ás vezes digo que as flores sorriem
Hontem á tarde um homem das cidades
Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares.
Acho tão natural que não se pense
O luar atravez dos altos ramos —
E ha poetas que são artistas
Como um grande borrão de fogo sujo
Bemdito seja 0 mesmo sol de outras terras
O mysterio das cousas — onde está elle?
Passa uma borboleta por deante de mim
No entardecer dos dias de verão, ás vezes,
Passou a diligencia pela estrada, e foi-se;
Antes 0 vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Acordo de noite subitamente,
Um renque de arvores lá longe, lá para a encosta.
D'este modo ou d'aquelle modo,
Num dia excessivamente nitido,
Da mais alta janella da minha casa
Metto-me para dentro, e fecho a janella.
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ANEXOS
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O Pastor Amoroso
I
II
III
IV
V
VI
VII
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Quando eu não te tinha
Está alta no ceu a lua e é primavera.
Talvez quem vê bem não sirva para sentir (O Pastor Amoroso)
O amor é uma companhia.
Passei toda a noite, sem saber dormir, vendo sem nada a figura
d'ella
O pastor amoroso perdeu 0 cajado,
Agora que sinto amor
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Poemas de Alberto Caeiro
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Poemas Inconjuntos
Não basta abrir a janella
Falias de civilização, e de não dever ser,
Entre o que vejo de um campo e o que vejo de outro campo
Creança desconhecida e suja brincando á minha porta,
Pétala dobrada para traz da rosa que outros diriam de velludo,
Verdade, mentira, certeza, incerteza...
Uma gargalhada de rapariga soa do ar da estrada.
Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Hontem o pregador de verdades d'elle
Mas para que me comparar com uma flor, se eu sou eu
11 Tu, mystico, vês uma significação em todas as cousas.
12 Pastor do monte, tão longe de mim com as tuas ovelhas:
13 Dizem que em cada coisa uma coisa occulta mora.
14 Dizes-me: tu és mais alguma cousa
15 Se eu morrer novo,
16 Quando tornar a vir a primavera
17 Quando vier a primavera,
18 A espantosa realidade das coisas
19 Se, depois de eu morrer, quizerem escrever a minha biographia,
20 Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
21 Um dia de chuva é tão bello como um dia de sol.
22 Quando a herva crescer em cima da minha sepultura,
23 É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande
distancia
24 Goso os campos sem reparar para elles.
25 Todas as theorias, todos os poemas
26 Leram-me hoje S. Francisco de Assis.
27 Sempre que penso uma cousa, traio-a.
28 Eu queria ter o tempo e o socego sufficientes
29 A manhã raia. Não: a manhã não raia.
30 No dia brancamente nublado entristeço quasi a medo
31 , A creança que pensa em fadas e acredita nas fadas
32 De longe vejo passar no rio um navio...
33 Creio que irei morrer.
34 A noite desce, o calôr sossobra um pouco.
35 Estou doente. Meus pensamentos começam a estar confusos.
36 Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse
agradavel,
37 Seja o que fôr que esteja no centro do mundo,
38 Pouco me importa.
39 A guerra que afflige com os seus esquadrões o mundo,
40 Todas as opiniões que ha sobre a Natureza
41 Navio que partes para longe,
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68
69
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72
Pouco a pouco 0 campo se alarga e se doura.
Ultima estrella a desapparecer antes do dia,
A agua chia no púcaro que elevo á boca.
O que ouviu os meus versos disse-me: Que tem isso de novo?
Ah, querem uma luz melhor que a do sol!
O conto antigo da Gata Borralheira,
Duas horas e meia da madrugada. Accordo, e adormeço.
Não tenho pressa: não a teem 0 sol e a lua.
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Sim: existo dentro do meu corpo.
Vive, dizes, no presente;
Hoje de manhã sahi muito cedo,
Primeiro prenuncio da trovoada de depois de amanhã,
Também sei fazer conjecturas... (Penúltimo Poema)
Ponham na minha sepultura
E talvez 0 ultimo dia da minha vida. (Last poem)
A neve poz uma toalha empuxada na mesa de tudo.
Gosto do ceu porque não creio que elle seja infinito.
Para além da curva da estrada
Acceita 0 universo
Sinto-me recemnascido a cada momento
E tudo 0 que se sente directamente traz palavras novas.
O verde do ceu azul antes do sol estar para nascer,
As cores verdadeiras das coisas que os olhos vêem...
Contenta-me ver com os olhos e não com as paginas lidas.
Como uma creança antes de a ensinarem a ser grande
Não sei 0 que é conhecer-me. Não vejo para dentro.
Patriota? Não: só portuguez.
Deito-me ao comprido sobre a terra com herva
Falaram-me em homens, em humanidade,
Nunca busquei viver a minha vida
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topográfico
de primeiros versos e de títulos
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