CONTRIBUIÇÕES DA BIOÉTICA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL ENFERMEIRO PARA UM CUIDADO HUMANIZADO Marlene Harger Zimmermann1 Pura Lúcia Oliver Martins2 RESUMO: “A Bioética na formação do profissional Enfermeiro: contribuições para um cuidado mais humanizado”, é um estudo que tem como objetivo geral analisar a contribuição da Bioética para a formação do profissional Enfermeiro em um cuidado mais humanizado. A partir da ótica dos alunos e docentes do curso de Enfermagem analisar a contribuição da Bioética na formação do profissional Enfermeiro em um cuidado mais humanizado. Esse estudo focaliza a bioética no curso de Enfermagem para uma assistência humanizada tendo, como método teórico, o materialismo histórico-dialético, numa abordagem qualitativa. Para a realização dessa investigação, foi efetuada uma revisão da literatura buscando na história, a evolução da Bioética, seu ensino e sua relação no contexto atual. Foram sujeitos desta pesquisa, alunos e docentes do curso de Enfermagem de duas Instituições de Ensino Superior da cidade de Ponta Grossa, Paraná. A coleta de dados foi feita por meio da técnica do Grupo Focal.A pesquisa revelou que: a) A Bioética assume importante papel na formação do profissional Enfermeiro. Ela contribui para um cuidado mais humanizado e oportuniza ao Enfermeiro o repensar de sua prática. b) humanização assume certa complexidade na sua definição e operacionalização, devendo envolver todos os segmentos da comunidade. O estudo apontou, também, alguns caminhos para a formação do profissional enfermeiro. Palavras-chave: Humanização. Formação. Enfermeiro. Bioética 1 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Docente no curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Ponta Grossa e do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais. 2 Professora Dra. do Mestrado em Educação e do Curso de Pedagogia da PUC-PR 1606 INTRODUÇÃO Este relato quer evidenciar as contribuições da disciplina de Bioética no curso de Enfermagem, na formação deste profissional em um cuidado mais humanizado. Os relatos que se seguem, são decorrentes de docentes e acadêmicos do curso de Enfermagem de duas Instituições de Ensino Superior do Paraná, em pesquisa realizada no Mestrado em Educação. Nas últimas décadas, um grande desenvolvimento da ciência e da tecnologia vem se fazendo presente no contexto mundial, trazendo inovações, benefícios, realizando transformações em praticamente todas as áreas. A sociedade contemporânea está assentada sobre a supremacia do consumismo, sendo a aquisição material a mola propulsora, regendo atos e decisões. Como resultado, pode-se dizer que as pessoas que dispõem de poder de compra obtêm vantagens em relação a outras, gerando divisão social. A área da saúde não é imune a esse processo. O poder financeiro reflete-se em seu cotidiano, gerando questionamentos quanto à conduta dos profissionais em relação ao atendimento no cuidado da saúde. Instituições de saúde assumem esse pensar, proporcionando forma de tratamento, acesso à instituição, à internação, e ao atendimento de forma diferenciada, favorecendo assim a hegemonia vigente. A vida, valor supremo do ser humano passa a objetizar-se, (tornar objeto), tornando-se a tecnociência maximizada num processo de fragmentação, de desvalorização, de desconstrução do indivíduo. Isso gera uma transformação do profissional de Enfermagem em relação ao cuidado, principalmente na prática hospitalar, separando “cada vez mais o profissional do cuidado mais efetivo e afetivo” (FIGUEIREDO; VIANA, 2006, p. 372). Nesse pensar, a Bioética vem como instrumento auxiliar do profissional de saúde, ao relacionar a ética com a ciência e a tecnologia, na tentativa do resgate da dignidade do ser humano, do respeito à vida e da proteção à pessoa. Ou seja, a “bioética, deve ser incorporada como valor e preceito por todos e principalmente pelos cuidadores” (FIGUEIREDO; VIANA, 2006, p. 376). A BIOÉTICA E O CONTEXTO SOCIAL No século XX, a humanidade pôde acompanhar o desenvolvimento técnicocientífico concomitantemente com a dicotomia entre a ciência e a ética, entre o agir moral e o agir 1607 técnico, gerando um assustador processo de desumanização. Segundo Cardoso (1995), o homem atual separou a razão do sentimento, a ciência da ética, a utilidade da felicidade. Perdeu-se a percepção da realidade como um todo. O progresso técnico-científico, nos últimos 50 anos, foi notório. Trouxe para a humanidade inúmeros benefícios, porém, em relação a valores, o efeito foi contrário. A humanidade sofre as conseqüências do condicionamento materialista, mecanicista e reducionista, que estão implícitas no paradigma cartesiano. Sob a sua influência vê-se a predominância do racionalismo científico, uma divisão do conhecimento em disciplinas e especializações cada vez mais numerosas. Além da fragmentação do saber, percebe-se que estamos inseridos numa civilização do ter, onde se elevam os valores materiais, com predomínio do individualismo e fragmentação dos aspectos psíquicos do homem, tratando-o somente como um ser biológico. Nesse pensamento cito Minayo: A concepção positivista da ciência universal, atemporal e isenta de valores conduzindo os rumos da humanidade, na área da saúde foi sendo problematizada por um debate teórico e ideológico que engajou questões tanto de cientificidade dos postulados vigentes como da ética de investigação científica (MINAYO, 2000, p. 59). Surge a Bioética a partir da pressão de fatos históricos, reveladores de práticas de pesquisa, das quais estava ausente qualquer parâmetro de consideração do ser humano. Nasce como resposta da cultura contemporânea às implicações morais das tecnologias biomédicas, sendo o ser humano referência central de suas reflexões. Na área da saúde, as progressivas especializações geraram dificuldade da visão global do paciente, com sua história pessoal, na sua totalidade de existência. O profissional de saúde passou a visualizar o paciente como doença em detrimento do doente. Observa-se a ênfase da denominação “caso”, “número”, havendo uma despersonalização do sujeito envolvido. O paciente encontra dificuldade em sentir-se como ator principal, como sujeito autônomo, possuidor do direito de decidir sobre seu tratamento, seu diagnóstico, ou seja, alguém que participa das decisões. Nessa concepção, a palavra e o diálogo são suprimidos. Nesse pensar, Pessini e Barchifontaine (1997, p. 161) assim se expressam: “a relação médico-paciente se desagrega e começa a imperar na medicina a tecnologia (adoração da técnica)”. A abordagem reducionista da medicina faz o médico ver a saúde como mero funcionamento mecânico do organismo, perdendo de vista o paciente como ser humano. 1608 Segundo Moraes (2001), a visão mecânica separa os indivíduos de seus relacionamentos, não reconhecendo a importância do contexto em que estão inseridos, gerando um individualismo exagerado, onde prevalece o egocentrismo humano. Observa-se também a ausência de ética e de solidariedade onde os significados do amor e da compaixão são perdidos. Diante dessa desagregação, percebe-se que a ciência está exigindo uma nova visão de mundo, diferente, não fragmentada. Daí a necessidade de unir as partes deste homem “esfacelado”, para alcançar uma visão de totalidade: corpo e espírito, ciência e ética. Focando essa dissociação entre ciência e ética, urgente se faz um repensar do conhecimento, uma busca de benefícios e da garantia da integridade do ser humano, tendo como norteador o princípio da dignidade humana. De acordo com Oliveira (2000, p. 61), ”é fundamental que lutemos para substituir o enfoque tecnológico pelo humanitário na medicina”. Uma reinserção, como Weil (1993, p. 48) afirma: “do conhecimento a serviço dos valores éticos: reintegração dos altos valores éticos, introdução do conceito de bioética na ciência”. O termo Bioética originou-se a partir de janeiro de 1971, quando o biólogo e oncologista Rensselaer Potter, publicou o livro: “Bioética: a ponte para o futuro”. (NEVES, 1996, p.8). Potter diagnosticou o perigo que representa para a humanidade a separação entre o saber científico e o saber humanista. Etimologicamente significa ética da vida. Palavra formada por dois vocábulos de origem grega: bios (vida) e ética (costumes, valores relativos a determinado agrupamento social, em algum momento de sua história). Em junho de 1971, André Hellegers, obstetra, usou o termo Bioética para aplicar a ética na medicina e nas ciências biológicas. (NEVES, 1996, p.8). Segundo Pessini e Barchifontaine (1997, p. 30), “bioética é o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais”. Ela refere-se a assuntos gerais da saúde, indo da pesquisa à qualidade do atendimento nas instituições. A Bioética não se coloca contrária ao desenvolvimento técnico-científico, porém, vê a necessidade do estabelecimento de limites para salvaguardar a garantia do respeito à dignidade humana, realizando, com isso, reflexões para identificar valores e normas que guiem o agir humano. Importante salientar que a Bioética deve prevalecer sobre a técnica, a tecnologia e ciência, permeando toda a prática do profissional. 1609 Ela busca compreender o contexto que envolve o ser humano, sua vida, saúde, morte. Também as tecnologias que instrumentalizam a vivência humana, haja vista as importantes repercussões para a qualidade de vida. Encontram-se dentro da Bioética princípios e normas que, segundo Silva (1998), são: a autonomia, entendida como o direito à liberdade; o respeito ao ser humano considerado como fim (em Bioética recebe o nome de beneficência) e a justiça, isto é, a eqüidade de todos os indivíduos inscritos no reino da humanidade.Resumidamente, esses princípios são definidos como: o da autonomia relacionado à dignidade humana; o da beneficência, à compreensão dos limites e às possibilidades da relação entre o bem e o mal e o da justiça, a distribuição eqüitativa (FIGUEIREDO; VIANA, 2006). Em relação aos modelos teóricos propostos para a Bioética, existem diversos, que estão alicerçados em diferentes enfoques filosóficos, ou seja, os chamados paradigmas. Entre eles encontra-se o paradigma antropológico ou perspectiva personalista humanizante, que é baseado em uma filosofia humanista e globalizante, tendo como referência o conceito de pessoa. Segundo Oliveira (2000, p.104), o paradigma antropológico “é uma antropologia filosófica que se empenha na compreensão do homem na totalidade de sua realização como pessoa, que toma o homem na singularidade de sua individualidade e na universalidade de sua humanidade”. Sgreccia (2000) afirma que necessária se faz uma união entre biologia, antropologia e ética. Há uma estreita ligação da Bioética com a humanização. Pessini e Barchifontaine afirmam que a Bioética busca, de maneira especial, humanizar o ambiente de clínicas e de hospitais e, em particular, promove os direitos do paciente para exercer uma sadia liberdade e terminar seus dias com uma morte digna (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1997, p. 42). A BIOÉTICA E SEU ENSINO No momento atual, urgente se faz que o ser humano seja recolocado no centro da problemática de valores. Daí a importância da educação, precisamente a da Bioética, haja vista que ela favorece as relações mútuas entre os homens, levando-os a preservar seu bem mais precioso – a vida. Nesse sentido, as reflexões da Bioética no processo educativo contribuem para um conhecimento pautado em valores e princípios éticos que ajudam o homem a conduzir o seu agir dentro de uma moral-prática. Nesse contexto, a educação envolve uma relação com o mundo dos valores. A dimensão ética do bem não pode esquivar-se do processo e da finalidade educativa, mas deve estar 1610 voltada para a promoção do homem. Homem este possuidor de autonomia, valores, crenças, experiências e medos. Portanto, um ser singular, único. Daí a necessidade que se impõe do respeito à pessoa humana, não a subjugando à qualidade de objeto, como já dizia Kant. Na universidade, observa-se a preocupação dos docentes em formar pessoas habilitadas técnica e cientificamente para o mercado de trabalho em detrimento da formação pessoal, pautada em valores éticos e morais. Não se pode perder de vista o ser humano enquanto ser individual e coletivo. Daí a importância da formação de valores através da Bioética, em que a pessoa é vista como sujeito moral, investida de um valor absoluto que se expressa pela sua dignidade, insubstituível. Diante deste contexto, a Bioética auxilia na efetivação da humanização quando a considera como um valor a ser perseguido para que a humanidade encontre ressonância entre o ter, o ser e o saber. A Bioética é uma disciplina reconhecida praticamente em todos os cursos da área de saúde e na maioria dos cursos de ciências humanas das universidades européias, norteamericanas e italianas. Em relação ao Brasil, Oliveira contribui dizendo que: No Brasil ainda não é uma disciplina “autônoma”, embora muitas faculdades de medicina e algumas de filosofia dediquem a bioética uma carga horária mínima. É uma área de estudo que está consolidada, e sua institucionalização é uma realidade (OLIVEIRA, 2000, p. 14). A mesma autora faz referência ao segundo grau como momento mais apropriado para o início das reflexões Bioéticas, bem como a necessidade de criação, pelo governo brasileiro, de programas de educação em Bioética (PEB) para os cursos de nível superior e os de pósgraduação (OLIVEIRA, 2000). Isso posto, denota-se que a educação assume então, um papel fundamental, tendo em vista a necessidade de formação do profissional Enfermeiro numa visão humanizada, com a contribuição das reflexões da Bioética, em que os valores: pessoa, dignidade e individualidade ganham expressão, dispondo o conhecimento a serviço dos valores éticos. Precisa-se desenvolver no aluno a intuição, a criatividade, a sensibilidade e o sentimento, para que o mesmo possa perceber a realidade do outro. Sob esta ótica, o profissional reconhece o paciente como cidadão, valoriza a sua autonomia em relação ao tratamento, trabalha na 1611 recuperação e promoção da saúde das pessoas, trata o doente da doença e não simplesmente a doença do doente. Nesse cenário, entendo que o Enfermeiro deverá desempenhar sua função, orientado para transformações, buscando o resgate dos valores humanos, com vistas à melhoria da qualidade de assistência prestada ao paciente, proporcionando-lhe maior satisfação, através do respeito da individualidade, integralidade e dignidade, sendo suas ações pautadas em princípios éticos, morais e humanísticos. Sgreccia coloca que há uma relação entre o momento operativo da Bioética com os valores e a vida ética. A Bioética se torna operativa ao passar à medicina: é no momento operativo que se desenvolve a vida ética e se realizam os valores. Essa operacionalização, quando conduzida de acordo com a coerência entre e competência específica e a consciência dos valores, torna ética a ação em si e contribui para o enriquecimento do ser pessoal, tanto do profissional como do doente, bem como da sociedade (SGRECCIA, 2002, p. 201). Dessa forma, a consciência dos valores assume importância em relação ao desenvolvimento da vida ética. Por conseguinte, quanto mais rica for à consciência de valores, tanto mais atenta e sensível será a consciência do profissional, possibilitando então uma assistência humanizada e integral. A ENFERMAGEM E A HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO O relacionamento estabelecido entre paciente e Enfermeiro ganha o nome de relacionamento assistencial, sendo este a base da prática da Enfermagem. Para que esse relacionamento se efetive são necessários alguns fatores como: empatia, respeito mútuo, clima de confiança, sinceridade, etc. Na área da saúde, mais precisamente na Enfermagem, a humanização torna-se tema central, tendo em vista que a prática do cuidado em Enfermagem se estabelece entre seres humanos. Um que presta cuidado e outro que necessita do mesmo. Contudo, Silva (2004, p. 26) diz que: “o cuidado humano é uma das habilidades mais difíceis de ser implementadas, justamente porque as pessoas possuem limiares diferentes de sensibilização”. Quando despojado de sua saúde, os indivíduos têm seus aspectos emocionais envolvidos, tendo em vista que além do desconhecido em relação ao futuro de sua doença, 1612 encontram-se em um ambiente não propício, sob a responsabilidade de uma equipe de saúde, longe de seus familiares e muitas vezes tratados como se não tivessem individualidade e identidade própria. Humanização consiste no ato de humanizar, que é produto do ser humano, é tornar humano, dar estado ou condições de homem, humanar. Também pode ser compreendido como tornar benévolo e benigno (REMEN, 1993). Humanizar é estar com o paciente numa atitude de escuta, de ajuda, de preocupação com seu restabelecimento. Por assistência humanizada entende-se o esforço de tratar o paciente com respeito às suas necessidades pessoais, considerando sua autonomia nas escolhas, de se sentir aceito, de ser escutado, compreendido. Constrói-se assim a dignidade humana, que está fortemente associada ao referencial de assistência humanizada. Daí a necessidade da humanização ser individualizada (SANTOS, 2004). Observar e respeitar o ser humano que estamos assistindo, em suas várias interfaces, ou seja, seu medo, seu pudor, sua individualidade, suas emoções, são as estratégias de humanização do cuidado. Atualmente, a pessoa quando acometida pela doença, deixou de ser o centro das atenções e foi instrumentalizada em função de um determinado fim. Existem ambientes tecnicamente perfeitos, mas, desprovidos de ‘calor humano’. Hoje é evidenciada a coisificação (tornar coisa, objeto) das pessoas e sacralização das coisas, portanto, uma inversão de valores (PESSINI, BERTACHINI, 2004). O cuidado humanizado exige do profissional a união de percepção, conhecimento, empatia, alteridade e respeito pela dignidade e pela autonomia. De acordo com Pessini; Barchifontaine (1997, p. 11), “conhecimento e competência técnico-científica são imprescindíveis, mas tem que estar sempre junto com humanismo”. Nas ações de Enfermagem deve ser maximizado o homem e minimizada a doença, desta forma sobressaindo o valor pessoa em detrimento da doença. A tecnologia tem sido um dos grandes fatores de afastamento na relação Enfermagem – paciente, tendo em vista sua despersonalização e a perda de sua individualidade, privacidade, subjetividade e singularidade. Na humanização, a autonomia do paciente deve ser respeitada, sendo esta considerada como a capacidade do indivíduo de autogovernar-se, de decidir sobre seu tratamento. As instituições de saúde despojam o indivíduo de suas vestes na mesma proporção que assumem 1613 unilateralmente as decisões sobre o seu tratamento. Nesse pensar, cito Leopardi (1999, p. 132) que expressa: “seres humanos são livres e se espera que se envolvam em seu próprio cuidado e nas decisões sobre sua vida”. Portanto, as atitudes do profissional de Enfermagem em relação à forma do atendimento no cuidado precisam ser repensadas. É necessário que o paternalismo seja superado. Quando um profissional da saúde se aproxima do doente, ele está se aproximando de uma pessoa e este corpo não é objeto de intervenção, mas sim um sujeito autônomo, livre, responsável, consciente, possuidor de valores morais, culturais e espirituais, membro de uma família e inserido em uma sociedade. UM POUCO DA METODOLOGIA A metodologia que se desenvolveu nesta pesquisa foi o método histórico-dialético, numa abordagem qualitativa. O método histórico-dialético possibilita uma crítica às questões intrínsecas da profissão de Enfermagem, pois ela está articulada com a totalidade das realidades sociais, econômicas e políticas. Para a coleta de dados foi utilizado como instrumento, a técnica do Grupo Focal (GF), onde entrevista e observação encontram-se inseridos. Giovanazzo (2001) explicita a finalidade do Grupo Focal, sendo este apropriado quando o objetivo é explicar como as pessoas consideram uma experiência ou uma idéia e, durante a reunião, possam ser obtidas informações sobre o que as pessoas pensam ou sentem ou ainda sobre a forma como agem. Como sujeitos da pesquisa foram selecionados acadêmicos e docentes do Curso de Enfermagem, de duas Instituições de Ensino Superior da cidade de Ponta Grossa, no estado do Paraná. Os dados levantados e analisados a partir da ótica dos participantes, possibilitaram a definição de categorias de análise. Sobre a análise, Minayo (2000, p. 75) contribui dizendo: “Não podemos conhecer uma coisa a não ser decompondo-a, para a seguir recompô-la, reconstruí-la e reagrupar suas partes. Análise e síntese são inseparáveis, mas para sintetizar com êxito é preciso analisar”. Pelas recorrências apresentadas, os dados obtidos foram agrupados nas seguintes categorias: condições objetivas de trabalho, humanização/humanizador e dicotomia entre teoria e prática. O objetivo foi organizar para facilitar a análise. 1614 CONTRIBUIÇÕES DA BIOÉTICA NA HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO Esta pesquisa desvelou que o ensino da Bioética contribui de forma importante na formação do acadêmico e do profissional de Enfermagem. Na fala deste acadêmico pode-se verificar esta afirmação:“Um dia eu comentei com a professora que eu aprendi muito com ela tanto em ética como bioética. [...] Modifiquei muito meu comportamento dentro do meu trabalho depois que eu tive a matéria dela. Consegui ter uma visão do todo, de como tratar uma pessoa.” Corroborando com esta fala pode-se inferir que o agir em saúde deve refletir a maneira de o profissional ser, pensar, sentir e atuar devido sua autonomia e liberdade que lhe são próprias (FIGUEIREDO, 2006). Nesta pesquisa evidenciou-se também que as reflexões pertinentes à disciplina de Bioética possibilitam ao acadêmico mudanças pessoais, auxiliando em um cuidado humanizado. Esta fala confirma isto: “Acho que, depois que passamos pela disciplina de Bioética e de Ética Profissional, a minha vida mudou muito. (...) não só como profissional inclusive como pessoa também. (...) foi muito presente depois que eu passei por esta disciplina”. Figueiredo (2006, p. 378) reafirma esse pensamento sobre a Bioética dizendo que ela “é o instrumento necessário para subsidiar o modo de agir do profissional de saúde”. Outro acadêmico afirma que em relação à Bioética “a matéria contribuiu muito para minha formação até pessoal por causa da reflexão. Foi em bioética que nós aprendemos essa questão mais humana, questões não palpáveis que não é uma técnica, é uma coisa abstrata. Em bioética e ética que isso se tornou mais presente. Na bioética você viu o todo mesmo, assim como que circunda todo este mundo e todos estes profissionais” A Bioética procura compreender o ser humano, a sua vida, sua saúde, sua morte, e todas as tecnologias que instrumentalizam sua vivência para o melhor viver (FIGUEIREDO, 2006). A Bioética como ciência, vem neste momento em que a humanidade vivencia uma desvalorização da vida e da dignidade do homem, auxiliar, através de reflexões pertinentes sobre assuntos muito polêmicos, a equacionar os aspectos éticos desenvolvidos, de difícil resolução. As reflexões possibilitam a elaboração do pensamento crítico, muito importante para a atuação do profissional da saúde, em especial do Enfermeiro. Em relação à importância do processo reflexivo na formação, a acadêmica diz: “reflexões que ajudam a gente a mudar, ter uma visão diferente a respeito do respeito à vida”. O ensino da Bioética no curso de Enfermagem é uma ferramenta de auxílio, principalmente porque propicia o desenvolvimento da reflexão. Permite ao aluno visualizar a necessidade e importância do atendimento humanizado aos pacientes. Quando as pessoas interiormente assimilam a necessidade de mudanças, a concretização torna-se mais fácil e provável. 1615 CONSIDERAÇÕES FINAIS Seremos capazes de construir um mundo mais humano com a ajuda da Bioética? Esta pesquisa mostrou que as reflexões trazidas pela Bioética, durante a formação do profissional Enfermeiro, podem sim, trazer benefícios, auxiliando na concretização da humanização do atendimento prestado. O aluno sinaliza a Bioética como instrumento para a humanização e que esta se operacionaliza com atitudes próprias, advindas de um processo reflexivo. Este opera no cotidiano sensíveis mudanças, necessárias para um atendimento de qualidade, em que a humanização ganha expressão. A dignidade da pessoa humana é ponto chave da humanização. A visão de que todas as pessoas são dotadas de sentimentos, vontades e crenças que precisam ser respeitadas é condição para a humanização. Ficou claro na pesquisa que esta consciência vem ocorrendo. Provavelmente não no ritmo desejado. Condicionamentos culturais e pessoais, dificuldades estruturais dificultam o processo. Embora o crescimento da conscientização possa ser fomentado nos mais diversos ambientes, o da academia é de importância fundamental. O caminho é longo, mas não impossível. A Enfermagem é uma profissão possuidora de implicações científicas, tecnológicas e artísticas. É uma arte cujo fundamento é o conhecimento científico, auxiliada pelos recursos tecnológicos. Constitui-se de uma profissão antiga com acenos para um futuro que espera de seus profissionais algumas mudanças; talvez da postura, de visualização, de reflexões que levem esta profissão ao reconhecimento que lhe é devido. Neste contexto a Bioética vêm em auxílio dos profissionais da saúde, dos Enfermeiros e educadores a refletirem sobre sua prática. Que os aspectos éticos e humanísticos estejam inseridos nesta práxis, construindo assim uma sociedade mais humana, onde a dignidade do homem e o respeito à vida prevaleçam num constante esforço da vida em sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. Canção da Inteireza: uma visão holística da Educação. São Paulo: Summus, 1995. FIGUEIREDO, Nébia Maria Almeida; VIANA, Dirce Laplaca. Fundamentos do uso de tecnologia em enfermagem. São Caetano do Sul, SP: Yendis Editora, 2006 1616 GIOVANAZZO, Renata A. Focus Group em Pesquisa Qualitativa – Fundamentos e Reflexões. Revista Administração On Line: Volume 2, nº 4, out./nov./dez/, 2001 LEOPARDI, Maria Tereza. Teorias em Enfermagem: Instrumentos para a prática. Florianópolis: Editora Papa-Livro. 1999. MINAYO, Maria Cecília de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 5 ed. 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