MONTAIGNE E O CONHECIMENTO LIVRESCO
Queli Bernadete Coco1
Introdução
O livro Ensaios de Montaigne se propõe a “retratar o eu”, e de fato todas as suas
raízes mergulham na vida do autor.
Os educadores humanistas são herdeiros do
programa das artes liberais desenvolvido e ensinado pelos medievais, o qual por sua
vez, tem suas raízes na pedagogia sofista. O que distingue as preocupações dos
humanistas daquelas de seus antecessores é a ênfase nas humanidades, não havendo
interesse direto na metafísica, na teologia, ou nas ciências.
Sem dúvida podemos apontar semelhanças entre as idéias de Montaigne e as de
certos pedagogos italianos porque ele compartilha com outros pensadores as tendências
profundas do Renascimento e que se expressam em sua pedagogia e nos seus “humeurs”
sobre educação. Para isso foi diretamente na sua experiência pessoal que buscou suas
diretrizes, juntamente com as lembranças e de sua própria educação, e do que viu, leu
ou fez. O que encontramos a cada passo são seus próprios hábitos intelectuais suas
regras pessoas e conduta. Com seus Ensaios Montaigne é um filósofo realista, de modo
que sua obra difere de outros autores porque redefine a imagem de “como as pessoas
são” e não “como deveriam ser”, num estilo enxuto e que junta beleza e crueza.
Para Montaigne muitos livros não refletem as experiências humanas concretas,
deixando de fora vários aspectos da vida. Montaigne, ao contrário, queria resgatar a
vida, registrando o fluxo de sua consciência, vivendo em sociedade. Montaigne dá
estatuto filosófico ao corpo, com suas dores e prazeres, visto que nós somos nosso
corpo, não somos anjos, nem demônios. O pedantismo é ferido de morte por Montaigne
por dois lados: primeiro pela sua desvinculação com a vida prática e segundo porque
1
Acadêmica do Curso de Pedagogia da UNIOESTE - campus de Cascavel. Bolsista do CNPq.
esse tipo de conhecimento não tem valor ético nenhum. Inclusive, ele nos impede de
fazer movimentos de experimentação e de vivência verdadeira no mundo dos homens.
O pedante ostenta um conhecimento aparente e inchado que não tem valor,
porque é “vento” e “presunção”. A ênfase maior de Montaigne se dá no capítulo “Do
pedantismo”, e que se constitui em sua maior critica ao conhecimento livresco, muito
presente em seu contexto histórico, ou, em outras palavras, na educação dos
escolásticos. Essa educação visava o conhecimento por repetição e reprodução, não
possibilitando (ao contrário, inviabilizando) ao aluno, ter o seu próprio conhecimento,
mas cabia a ele apenas “repetir como um papagaio”, sem se apropriar da cultura que
inclusive passa pelo crivo das concepções dos grandes mestres. Desse modo, com
pernas próprias podemos subir nos ombros dos clássicos, para enxergar mais longe, e a
partir daí formar o seu próprio saber e exercer o próprio juízo.
Crítica às sutilezas espinhosas dos diletantes
Uma das criticas mais importante de Montaigne foi referente ao que ele chamou
“pedantismo”, pois ele mostra a “pedagogia do pedante” totalmente diferente da
“pedagogia de Montaigne”. A pedagogia montaigneana consiste no trabalho de
mergulho na sinceridade de propósitos, que é realizado no contato com o saber e com a
vida. O pedante investe na “vaidade”, na cópia e no uso livresco. O saber permanece
assim sempre um empréstimo, nunca uma posse. Já no caso de Montaigne, o preceptor
dá um passo além e promove uma alteração substancial em todo o processo, solicitando
a participação do aprendiz para que venha transformar a matéria de ensino, em algo com
sentido diretamente vinculado à vida, em todas as suas facetas.
Lembremos que nas indicações relativas à “nova maneira pedagógica”
(THEOBALDO, 2008), já se encontra demarcada a posição crítica de Montaigne em
relação ao ensino das matérias, filosofia inclusive: as matérias são incessantemente
“marteladas” nos ouvidos e nossa tarefa é apenas repetir o que nos disseram (Ensaios, I,
XXVI). A mais significativa dessas críticas reside na importante argumentação acerca
da necessidade de se investigar e passar pelo crivo próprio os princípios e as doutrinas,
nada sendo admitido por crédito e autoridade. Isso tudo implica, prontamente, num
novo aprendizado da própria filosofia. ((I, XXVI).
Montaigne objetiva exercer sua crítica demolidora, em relação ao conteúdo
ensinado as crianças. Para Montaigne a maior parte dele é inútil e alienada, pois toma
muito tempo da vida das crianças e dos jovens para que “decorem e engulam como num
funil”, conhecimentos que não tem nenhuma relação direta com a vida em sociedade,
nem com a cultura dos clássicos. Ele constata que há mais comentadores comentando
outros comentadores, do que autores. Em sua opinião, o ideal seria trabalhar melhor
aquilo que é proveitoso para a vida em sociedade e vida é o movimento do mundo.
Montaigne repele as opiniões petrificadas que nos cercam na infância, com vistas a nos
educar, mas que, na realidade, nos deformam em pedantes e dogmáticos.
Uma outra indicação propõe a filosofia moral como a “verdadeira filosofia” a ser
ensinada porque é dela que extraímos as lições práticas para a vida. Com isso, também
já marcando o redirecionamento do que é oferecido pelos programas escolares. A
sabedoria age por razões naturais e palpáveis, ou seja, por razões ligadas à regulação da
vida, à moralidade. Assim, ensina-nos a viver porque não desmerece nenhuma das faces
do que é “natural” no ser humano. Todavia, não podemos deixar de salientar que o
“natural” para Montaigne é fruto das disposições forjadas pelos costumes e pela
educação. Toda esta articulação se faz em torno da capacidade de discernimento.
Na ótica montaigneana, no momento em que “roemos até ossos” as reflexões dos
clássicos, utilizamos tais pensamentos como degraus e como instrumento de descoberta
da própria linguagem e da autonomia. Ou seja, os autores clássicos nos desafiam e nos
estimulam a refletirmos e criarmos a nossa concepção, caminhando com as próprias
pernas e não com “andadeiras” e muletas.
Theobaldo(2008) nos mostra a duas distinções que Montaigne faz em relações
aos clássicos: a imitação como incorporação da excelência destes, meio para a
aperfeiçoamento próprio pelo aprendizado da sabedoria. E não a imitação ventríloqua,
que lança mão dos antigos apenas como meio para disfarçar os próprios defeitos,
pinçando dos clássicos apenas o que lhes convém. Uma outra distinção é a que se refere
ao fato de que o conhecimento adquirido tem dois destinos possíveis: se incorporam e
se misturam as próprias as próprias idéias de Montaigne, transformando-se devido a
essa incorporação crítica, ou então são descartadas. Não se cria idéia alheia, ao
contrário, encontra-se nelas os meios para revelar-se como de fato se é.
Diferentemente da imitação rasa, tão própria do ensino pedante, (que nada mais
é que mera repetição e memorização). A incorporação opera sobre o dado inicial,
retirando-o da condição de objeto estranho, conferindo-lhe um novo “molde” pleno do
sentido para quem doravante o possui. Já não é mais o “outro”, mas “eu”. Não é o caso
de simplesmente de fazer eco à lições recebidas e sim de realizar um trabalho de
incorporação.
O pedantismo está diretamente ligado à degeneração do sentido original, da
noção de imitação preconizada pelos humanistas. Os melhores são modelos a serem
imitados, mas, não copiado. Mas o pedante toma o modelo de forma passiva, fazendo
dele uma produção mal acabada. Montaigne despreza: a instrução por palavras; não se
trata tão somente de saber, é preciso mais ainda saber assimilar o saber. O aprendizado
eficiente é, pois aquele que investe no exercício como prática experimentação.
No período em que Montaigne viveu havia uma desvalorização do preceptor
que, inclusive, era retratado nas comédias italiana, sendo motivo de piada e chacota dos
alunos. Montaigne tinha uma visão diferente no que tange ao mestre, para ele o
professor tem um papel importante na educação, mas tão somente se constituir um
“contra- modelo” ao pedantismo que prevalecia em sua época.
Mesmo assumindo-se como um não especialista em educação, Montaigne não
quer silenciar-se, emite duras críticas aos eruditos e aos “mestres em artes”, deixando
claro que seu objetivo não é a apresentação de uma doutrina educacional ou uma
proposta pedagógica exaustiva e generalizante.
Montaigne critica também os franceses e sua educação, pois, a maioria deles
ficam incultos mesmo tendo passado tantos anos na escola. Considera que se adotavam
nos colégios métodos, demasiados livrescos e presunçosos, e que não eram de forma
alguma adequados às necessidades sociais e, pior, “atoleimavam” as crianças,
produzindo “ignorantes doutorais”.
O ensaísta se opõe a toda forma de castigo e tortura, seja às crianças, aos jovens,
ou mesmo aos “hereges”. Montaigne relata que só “experimentou” o chicote duas vezes
na infância, e ainda assim “frouxamente”. Como é sabido, Montaigne estudou em curso
de direito, por isso fala com propriedade quando se refere aos juízes e advogados, das
venalidades dos cargos de judicatura, das leis e de seus defeitos, do excessivo número
delas, da maneira de aplicá-las. Sobretudo quando ele critica com tanta firmeza e
originalidade os interrogatórios, a tortura, a crueldade, os processos por feitiçaria. Não
esqueçamos, portanto que quem opina é um antigo magistrado com a autoridade da
experiência. Para que se cumpra a maneira de ensinar pensada por Montaigne, podemos
detectar dois aspectos: O primeiro refere-se à incorporação dos sentidos.
Diferentemente da imitação rasa tão próprio no ensino pedante, (que
nada mais é que mera repetição e memorização), a incorporação opera
sobre o dado inicial, retirando-o da condição de objeto estranho,
conferindo-lhe um novo “molde” pleno do sentido para quem
doravante o possui. Não é o caso de simplesmente repetir como um
papagaio e sim de realizar o trabalho de incorporação. [...] Sabem
dizer “como observa Cícero”, “eis o que fazia Platão”, “são palavras
de Aristóteles”, mas que dizemos nós próprios? Que pensamos? Que
fazemos? Um papagaio poderia substituir-nos. Lembra-me isso aquele
rico romano que, á força de dinheiro, se aplicara a recrutar homens
versados em todos os ramos da ciência e os tinha sempre á sua volta; e
quando, com seus amigos, tinha a oportunidade de falar de qualquer
coisa eles o supriam em sabedoria, um lhe soprando uma réplica,
outro citando um verso de Horácio, cada qual segundo sua especialidade.
Com o tempo chegara a acreditar que o saber era seu porquanto o tirava de
“seus” homens, agindo, assim, como aqueles cujos conhecimentos moram
nas bibliotecas suntuosas de sua propriedade. E conheço um que ao ser
indagado acerca do que lhe cumpre saber, vai logo buscar um livro para
mostrar jamais ousaria dizer que tem o traseiro sarnento sem previamente
procurar um dicionário a significação de sarna e de traseiro. ( I, XXV, p 71)
Montaigne despreza: a instrução por palavras; não se trata tão somente de saber,
é preciso mais ainda saber assimilar o saber. O aprendizado eficiente é, pois aquele que
investe no exercício como prática e experimentação. A reflexão de Montaigne aponta
para um ensino no qual o aprendizado se faz menos pela apropriação mecânica das
matérias e mais pelo empenho numa tradução prática e pessoal do que é ensinado.
Compete ao preceptor criar as condições para o fazer e o exercitar, de variados modos e
em variadas situações, as lições recebidas. No que se refere ao resultado da
aprendizagem, este não é mais aferido através da memória ou da repetição. Neste
sentido, a participação ativa do aprendiz constitui toda a diferença entre uma efetiva
formação e instrução oca: “Que ele [o preceptor] lhe peça contas não apenas das
palavras de sua lição mas sim do sentido e da substância, e que julgue sobre o benefício
que tiver feito não pelo testemunho de sua memória e sim pelo de sua vida” (I, XXVI)
Para Theobaldo(2008) no embate entre o que Montaigne considera próprio e o
que considera de outrem, delineia-se uma confrontação que leva ao descarte ou à
assimilação das idéias alheias, conforme são avaliadas pelo juízo montaingneano. A
apropriação de uma idéia pela imitação subserviente , duramente criticada, não só do
ponto de vista intelectual, mas sobre tudo do ponto de vista moral: é injusto e covarde
mostrar-se com o que é alheio.
Todos os assuntos pode ser investigados em seu valor intrínseco assumidos por
todos aqueles que com eles se afinam, numa relação não mais de submissão a palavra de
outro e sim, doravante como palavra própria. Não segue mais o outro, agora trata-se de
uma auto-condução, o que equivale a ter a posse de si mesmo, livrar-se da tutela. Para
escapar da tutela o julgamento precisa entrar em ação, avaliando as autoridades e suas
doutrinas e a própria forma autoritária e dogmática como esta são ensinadas. A saída é
uma só: julgar substituir todo o estado de desanimo e de obediência servil pelo exercitar
sadio do julgamento, único instrumento que permite desprender-se dos princípios
fixadas pela tradição. O crivo ( ou seja) e o julgamento provocam movimentos cruzados
que resultam na autonomia de quem os realiza:primeiro como antídotos ao credito à
autoridade;em seguida;liberando a reflexão para a eventual incorporação de opiniões ou
permanência na dúvida no final dissolvendo qualquer tipo de tutela intalectual. Portanto
Montaigne quer por fim à adesão incondicional e irrefletida a os princípios e as
doutrinas, e lança o aprendiz à investigação a os assuntos dos homens, pois “Quem
segue um outro nada segue. Nada encontra e mesmo nada procura”. Uma vez ciente da
impossibilidade de atingir essências e verdades imutáveis, resta ao aluno de Montaigne
participar das coisas dos homens e se aproximar da filosofia moral, com objetivo de
ampliar a margem de experiências e reflexões que favoreça um julgamento voltado para
condução da vida.
Para Theobaldo(2008) quando se toma as idéias dos clássicos, passá-las pelo
crivo e fazê-las suas, ou seja, ao submetê-las ao exercício do julgamento, confere às
próprias palavras nova condição que as habilita a correr “corps à corps”com os
clássicos. Da humildade em reconhecer-se plagiando, do ardil de se aproximar dos
autores do passado apenas “por golpes miúdos e leves”.
[...] Não passam para eles de pastores, ociosos como os pastores e
ocupados em apenas ordenhar e tosquiar seus animais; mais
duramente porém. Estimais alguém porque possui duas mil jeiras de
terras? Riem-se, acostumados que estão a encarar o mundo como
propriedade pessoal. Orgulhais que estão de vossa nobreza por terdes
sete avós ricos de glória? Eles os desprezavam, pois, atentando
unicamente para o universal, computam o número de antepassados
que teve cada um de nós entre ricos e pobres, reis e servos, gregos e
bárbaros e ainda que fôsseis descendentes de Hércules achariam
vaidade que vos ufanásseis desse presente de sorte. Por isso os
desprezava o vulgo como ignorantes das coisas essenciais da vida, que
todos apreciavam e os tachavam de presunçoso e insolente [...]. ( I,
XXV, p.70)
E Montaigne apresenta outra concepção para os professores:
[...] Quanto aos professores, julgam nos abaixo do homem comum,
incapazes
de funções públicas e levando a uma vida miserável, de
costumes baixos e vis que os coloca no último degrau da sociedade
[...]” ( I, XXV, p.70)
Essa decepção de Montaigne em relação a o professor se refere ao contexto
histórico vivido pelo mesmo, onde predominava a educação escolástica aonde o filósofo
vem de encontro á sabedoria e o professor o da reprodução. No contexto histórico que
Montaigne viveu, ele vem para diferenciar a forma como professor e o filósofo lidam
com seu conhecimento em relação á sociedade nesse período. Os filósofos eram
considerados acima do homem simples, não tinha interesse pela política e levava uma
vida especial que não estava ao alcance de qualquer pessoa, se orientando por princípios
superiores que não são aplicados normalmente. Já os professores eram considerados
abaixo do homem comum, sem capacidades pela política e levando uma vida miserável
de costumes inferiores, sendo colocado em último degrau da sociedade.
Segundo Montaigne os grandes filósofos que da teoria vão para ação, e quando
isso ocorre eleva-se a alma e o coração.Montaigne vem de encontro a o conhecimento,
para ele se chegar á sabedoria é como fossemos pedir fogo a um vizinho e se deparar
com um braseiro se aquecer sem levar para casa, ou seja, propiciar para o aluno
condições em ter acesso a grandes autores, a partir desse contato formará seu próprio
conhecimento e levando o aluno a captar informações, e passar pelo crivo para depois
ter seu ponto de vista.
Cuidamos das opiniões e do saber alheio e pronto; é preciso torná-los
nosso. Nisso nos parecemos com quem, necessitando de lume, o fosse
pedir ao vizinho e dando lá com um esplêndido braseiro ficasse a se
aquecer sem pensar em levar um pouco para casa. Que adianta ter
barriga cheia de comida se não a digerimos? Se não assimilarmos, se
não fortalece e faz crescer! Imaginaremos, acaso, que Luculo, que as
letras formaram e tornaram, sem experiência, tão grande capitão, as
tenha aprendido a nossa moda? Tanto nos apoiamos nos outros que
acabamos por perder as força [...]. ( I, XXV, p.71)
Algo que impressionava Montaigne era como pessoas estando em contato com
grandes mestres, não se inundar de sabedoria e aproveitando a o máximo o que esses
tem a nos ofertar.
Uma questão abordada é referente a forma
como utilizam o
conhecimento, uns o usam em benefício próprio para formar opiniões e guardam para si,
já outros usam como motivo de adorno conhecimentos que não são seu.
Conta Aristóteles que alguns diziam desses Tales, Anaxógoras e
semelhantes, que eram sábios mas não prudentes, pois não se
ocupavam o bastante com as coisas úteis. Além de não perceber muito
bem qualquer diferença entre tais palavras, creio que erravam os que
assim se exprimiam e, se atentando para a fortuna tão penosamente
adquirida e módica com que se satisfazem os críticos, seriamos antes
induzidos a admitir que não são nem sábios nem prudente, usando as
mesmas expressões. ( I, XXV, p.70)
O problema que girava naquele contexto histórico se relacionava também em torno
de como era a transmissão dos conteúdos, onde os alunos apenas decoravam para depois
reproduzir, conhecimento que não é seu e assim levando a banalização da ciência. Após
se apropriar do conhecimento de outrem utiliza como forma de exibição, etc.
E o que é pior, os estudantes, e aqueles que por sua vez, ensinaram,
recebem dos mestres, sem assimilarem melhor, uma ciência que passa
assim de mão em mão, como pretexto à exibição, assunto de conversa,
usada tal qual a moeda, que, por ter sido recolhida, serve apenas de
ficha para calcular: “Aprenderam a falar com os outros, e não
consigo”. “Não se trata de falar, trata-se de governar o barco. ( I,
XXV, pg.72)
A educação se baseava apenas na ciência, não se preocupando com o bom senso
e as virtudes que tanto vem a acrescentar para a formação do indivíduo, mostrando a
valorização da ciência e a desvalorização das virtudes das pessoas, quando falamos que
uma pessoa detém conhecimentos das ciências considerada sábia e a outra apenas uma
pessoa boa, se valoriza quem detém o saber deixando de lado a virtude.
Abandono essa primeira razão e creio ser preferível dizer que o mal
provém da maneira que tratam a ciência. Pelo modo como a
aprendemos não é de estranhar que nem alunos, nem mestres se
tornem mais capazes, embora se façam mais doutos. Em verdade, os
cuidados e despesas de nossos pais visam apenas enchermos a cabeça
de ciência; de bom senso e virtude não se fala. Mostrai ao povo
alguém que passa e dizei “um sábio” e a outro qualificar de bom,
ninguém deixará de atentar com respeito para o primeiro. Não
mereceria essa gente que também a apontassem, gritando: “Cabeças
de potes! ”Indagamos sempre se o indivíduo sabe grego e latim, se
escreve em verso de prosa, mas perguntar se tornou melhor e se seu
espírito se desenvolveu – o que de fato importa – não nos passa pela
mente. Cumpre entretanto indagar quem sabe melhor e não quem sabe
mais.( I, XXV, pg.71)
Montaigne acredita que a educação está impregnada de conteúdos que formam
homens, baseado na ciência e não nas virtudes e juízos.
Só nos esforçamos por garnecer á memória, deixando de lado, e
vazios, juízo e consciência. Assim como os pássaros vão as vezes em
busca de grão que trazem aos filhotes sem sequer sentir-lhe o gosto,
vão nossos mestres pilhando a ciência nos livros e trazendo na ponta
da língua, tão somente para vomitá-la e lançá-la ao vento.(I, XXV,
pg.71)
Além da crítica à forma como se transmite o conhecimento, Montaigne mostra
um problema, à forma como o aluno apreende os conteúdos que seriam através do
decorar e não do aprender, o que levaria os alunos a não se aprofundarem e assim
utilizarem uma ciência superficial. Ele ainda diz:
[...] Lembra-me isso aquele rico romano que, à força de dinheiro, se
aplicava a recrutar homens versados em todos os ramos da ciência e os
tinha sempre a sua volta; e quando, com seus amigos, tinha a
oportunidade de falar de qualquer coisa eles o supriam em sabedoria,
um lhe soprando uma réplica, outro citando um verso de Horácio,
cada qual segundo sua especialidade. Com o tempo, chegara a
acreditar que o saber era seu porquanto o tirava de “seus” homens,
agindo assim, como aqueles cujos conhecimentos moram nas
bibliotecas suntuosas de sua propriedade. E conheço um que ao ser
indagado acerca do que lhe cumpre saber, vai logo buscar um livro
para mostrar e jamais ousaria dizer que tem o traseiro sarnento sem
previamente procurar um dicionário a significação de sarna e de
traseiro. ( I, XXV, pg.71)
Até o próprio Montaigne via basear suas idéias em filósofos como Plutarco,
Cícero, Sêneca etc. Mas, o que ele critica é quando não damos razão às nossas idéias
para sermos invadidos pela sabedoria de outrem, e, só quem pode acusar essas atitudes é
a nossa própria sabedoria.
[...] Quero fortalecer-me contra o temor da morte? Recorro a Sêneca.
Tenho e intenção de arranjar consolo para mim? Vou a Cícero.
Entretanto tudo houvera tirado de mim mesmo se a tanto me tivessem
acostumado. Não aprecio esses saber relativo e que mendigamos.
Ainda que possamos ser sábios com o saber alheio, não seremos
avisados senão com a própria sabedoria; “Detesto o sábio que não é
sábio por si próprio 2. ( I, XXV, pg.71)
E mais, para ele, se na escola não conseguir chegar á sabedoria para formar as
suas próprias opiniões, aperfeiçoar a alma, ter juízo e ser conhecedor das virtudes, então
o ideal seria deixar a escola e ir fazer exercícios físicos, já que não exercita a mente,
exercitar o corpo.
Se sua alma não se aperfeiçoa, se seu juízo não se torna mais lúcido,
melhor fora que o estudante gastasse o tempo a jogar péla, pois ao
menos o corpo ele teria mais ágil. Observai-o de volta após quinze ou
dezesseis anos: Nada se fará dele; o que trouxe a mais é o grego e o
latim, que o fizeram mais tolo e presunçoso do que quando deixou a
casa paterna. Devia voltar com o espírito cheio, e voltou balofo;
incharam-no e continuou vazia. ( I, XXV, pg.720)
2
Montaigne admirava os filósofos, pois esse frente a o conhecimento que
passando pelo crivo se opõe ao pensamento de outrem, ele destrói para depois
reconstruir para que seu conhecimento se concretize, dando mais vida ao conhecimento.
Tais mestres, como os sofistas, seus parentes próximos a que alude
Platão, são de todos os homens os que parecem mais úteis à
humanidade. No entanto são os únicos que não somente melhoram a
matéria-prima que se lhes confiou, como fazer o carpinteiro e o
pedreiro, mas a estragam e ainda cobram por tê-la estragado( Ensaios
I, XXV, pg.72).
Ele continua a crítica dizendo dos indivíduos que tem acesso em demasia dos
saberes dos filósofos, mas não fazem proveito disso, tendo um repertório que parece eco
desses próprios filósofos. Isso acontecendo várias vezes ao ponto de não conseguir
chegar ao senso comum.
Montaigne diferencia o conhecimento do homem simples com a daquele que
detém o conhecimento das ciências, como ele mesmo dá exemplo o camponês e o
sapateiro, apenas falam do que conhecem e vivem de uma forma simples e ingênua.
Enquanto outros se envaidecem com um conhecimento superficial.
Vi em minha casa um de meus amigos que, a lidar com um indivíduo
dessa espécie, se pôs, por passa-tempo, a recitar-lhe, em uma
trapalhada de frases, citações sem nexo, embora entremeadas de
palavras relativas ao problema; e assim se divertiu um dia inteiro com
o tolo que tomar a coisa a sério e dava tratos à bola para responder às
objeções. No entanto o tal indivíduo era homem de letras, gozava de
certa reputação e de boa posição social: “E vós, patrícios, que não
tendes o poder de ver o que se passa atrás de vós, cuidai que aqueles a
quem virais as costas não se riam de vós 3. (ENSAIO I, XXV, p.72)
CONCLUSÃO
No texto chamado “Do pedantismo” Montaigne busca refletir acerca da
distinção entre erudição e sabedoria. Os livros são importantes mas não garantem
sabedoria, por isso podemos encontrar “asnos carregados de livros”. O ensaísta repele
fortemente aquela educação que tenha como fim apenas a retenção de conhecimento –
apenas encher a nossa "bagagem" – pois é uma educação pedante, visto que,não nos
torna seres humanos, não nos prepara para a vida. O fenômeno pedagógico do
pedantismo é algo social induzido por um tipo de educação.
3
Ao aproximarmos o exercício de Montaigne do exercício dos pedantes,
visualizarmos pelo menos em partes o quadro da nova maneira pedagógica. A imagem
do “colar” é a forma como Montaigne se refere á relação que o pedante estabelece como
o saber opondo a ela a idéia de “incorporação”. Essas duas variáveis contextualizam as
maneiras como a aprendizagem pode ser efetivada. Certamente não ocorre uma
apropriação transformadora no ensino do pedante, visto que o foco de seus estudos está
voltado para a cópia, repetição, a imitação e a memória.
A diferença entre a pedagogia do pedante e a pedagogia de Montaigne está no
trabalho que é realizado após o primeiro contato com o saber e na sua finalidade: o
pedante investe na cópia e no uso livresco não permitindo nenhum tipo de interferência
de quem aprende sobre do que está sendo ensinado. O saber permanece assim sempre
um empréstimo, nuca uma posse. Já no caso de Montaigne, o preceptor dá um passo
além e promove uma alteração substancial em todo o processo, solicitando a
participação do aprendiz para que venha transformar a matéria de ensino em algo com
sentido diretamente vinculado à sua vida.
A educação do pedante se opõe de forma tão abrangente que permanece que
acostuma o aluno a um aprendizado inibido de qualquer iniciativa própria, por isso
Montaigne se apresenta como uma espécie de destruidor dessa pedagogia, visto que é
preciso que entre em curso a desmontagem do ensino dogmático, abrindo-se espaço
para investigação e a reflexão. Todos os assuntos podem ser investigados em seu valor
intrínseco.
Acrescenta-se aos “ergotismos”, às formas silogísticas da escolástica, às
sutilezas espinhosas e estéril, à questionável utilidade das ciências, isoladas da vida,
fantasmagóricas e que requer muito esforço para ser alcançada. Na reunião de todas as
expressões de Montaigne desenha-se nitidamente o núcleo da crítica: trata-se da luta
contra uma educação que insiste em ensinar um tipo de ciência, de filosofia e de moral
embaraçadas num cipoal de dificuldades e formalismos. Particularmente, quanto ao
ensino da filosofia, perde-se o que ela tem de melhor a oferecer: uma educação para a
virtude simples, bela e alegre.
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SÊNECA. Aprendendo a Viver. (Epistolae Morales ad Lucilium). São Paulo: Martins
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SEXTO EMPÍRICO. Esbozos Pirronicos. Madrid: Editorial Gredos, 1993.
THEOBALDO, Maria Cristina. Sobre o “Da educação das crianças”: a nova
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