Análise de obras literárias ANTOLOGIA POÉTICA VINÍCIuS DE MORAES Rua General Celso de Mello Rezende, 301 – Tel.: (16) 3603·9700 CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP www.sistemacoc.com.br SumÁrio 1.contexto social e histórico..................................................... 7 2. estilo literário da época............................................................ 9 3. o autor.................................................................................................. 10 4.a obra..................................................................................................... 14 AOL-11 5. exercícios ........................................................................................... 29 Antologia poética Vinícius de moraes Antologia poética 1. Contexto social e HISTÓRICO O Modernismo O início do século XX foi marcado por profundas mudanças de ordem tecnológica e científica. No entanto, os artistas não ficaram à margem das transformações. A Europa se encontrava em intensa turbulência. Problemas de natureza política e conflitos entre países vizinhos contribuíram para o surgimento, em 1914, da Primeira Guerra Mundial. Tais crises geraram um clima propício para a efervescência artística, favorecendo o aparecimento das chamadas vanguardas europeias. Essas manifestações artísticas eram formadas por intelectuais em geral que, não satisfeitos com o mundo turbulento à sua volta, buscaram novas soluções, novas formas de expressão artística, surgindo assim os famosos “ismos”: futurismo, expressionismo, cubismo, dadaísmo e surrealismo. Apesar de diferentes entre si, as vanguardas guardavam algumas semelhanças, principalmente em se tratando do questionamento à herança cultural proveniente do século XIX. Havia consenso contra a arte conservadora e cristalizada do passado, e fazia-se urgente a construção de novos modelos de beleza e de arte. AOL-11 A situação histórica A enorme crise econômica, social e moral que acontecia na Europa, durante o período “entreguerras”, estendeu-se aos países capitalistas na década de 20. Os liberais sofreram vários ataques e, a partir da Primeira Guerra (1914) e da Revolução Russa (1917), viram-se enfraquecidos e mais tarde derrotados. Toda essa instabilidade foi gerada por uma verdadeira insatisfação e por um forte rompimento com os ideais do século XIX. Tanto as correntes cientificistas sur7 Vinícius de Moraes gidas no século anterior, como o positivismo, o determinismo e outras, quanto uma postura artística voltada para a forma pura não faziam mais sentido diante do caos estabelecido. O grande avanço tecnológico, que trazia o automóvel, o cinema, as fábricas e até as máquinas voadoras, enaltecia a velocidade, a energia, o movimento, o futuro e o progresso. Os conflitos mundiais geraram grandes transformações e acabaram por criar, em alguns países, um forte nacionalismo que se ramificou em novas correntes ideológicas, como o nazismo, o fascismo e o comunismo, que, sem dúvida, mudaram a face do mundo. O Modernismo no Brasil No Brasil, a ideia de que era necessária uma mudança radical no meio artístico-cultural não era adotada por todos. A árdua tarefa ficou a encargo de um grupo de jovens artistas (escritores, pintores etc.) que promoviam e articulavam movimentos com o objetivo de agitar o ambiente cultural adormecido da época. Liderados por Oswald de Andrade e Mário de Andrade, o grupo não sabia ainda bem o que queria, mas sabia exatamente o que não queria. São Paulo responsabilizou-se por essa empreitada de renovação artística. O grupo pretendia dar um novo grito de independência (1922 – 100 anos da independência do Brasil) contra o atraso cultural do país. Após meses e meses de preparo, entre apoios e críticas, os jovens, com a importante adesão de nomes como Graça Aranha, Paulo Prado e outros que financiaram o evento, apresentaram a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. A partir desse momento, o Modernismo iniciou seu longo caminho de “abre-alas” cultural, estendendo-se por muitos anos. Sendo assim, costuma-se caracterizar o movimento por fases, de acordo com seus principais objetivos: Fase Objetivos Rompimento com o 1ª fase (fase heroica) passado. Caráter anár1922 a 1930 quico e destruidor. Representantes Oswald de Andrade Mário de Andrade Manuel Bandeira Alcântara Machado Graciliano Ramos Rachel de Queirós Jorge Amado Carlos Drummond de Andrade Cecília Meireles Vinícius de Moraes Amadurecimento das conq uistas da fase 2ª fase anterior. (fase de consolidação) Engajamento político. 1930 a 1945 Denúncia dos problemas sociais. Inovações na prosa e Guimarães Rosa Pós-Modernismo na poesia. Clarice Lispector a partir de 1945 Diversidade literária. João Cabral de Melo Neto 8 Antologia poética AOL-11 2.Estilo literário da época 9 Vinícius de Moraes 3.O AUTOR Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes nasceu, em meio a forte temporal, na madrugada de 19 de outubro de 1913, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro. Cursou o Ensino Médio com os jesuítas do Colégio Santo Inácio e graduou-se em Direito em 1933. No mesmo ano lançou O caminho para a distância, sua primeira obra. Nas décadas de 1930 e 40, trabalhou como censor e como crítico de cinema, além de estudar literatura inglesa em Oxford. Em 1943, ingressou na carreira diplomática e serviu nos Estados Unidos, Espanha, Uruguai e França. Capitão-do-mato, poeta, diplomata, Aposentou-se como diplomata em o branco mais preto do Brasil. Saravá. 1968. No entanto, durante todo esse tempo, não perdeu contato com o ambiente artístico e literário carioca. Em 1954, tornou-se conhecido no meio artístico por sua peça teatral Orfeu da Conceição. Em meados da década de 1950, sua carreira artística definitivamente tomou corpo. Foi nessa mesma época que ele conheceu Tom Jobim, um dos seus parceiros mais costumeiros, e que diversas de suas composições foram gravadas por inúmeros artistas. A partir daí, muitas outras parcerias foram-se firmando: Baden Powell, Toquinho, Carlos Lyra, Chico Buarque e Francis Hime, dentre outros. Poeta que ousou viver sob o signo da paixão, como dizia Carlos Drummond de Andrade, Vinícius casou-se nove vezes, sempre apaixonado e acreditando ter encontrado seu grande amor. Em 1979, voltando da Europa, sofreu um derrame cerebral no avião, do qual não se recuperou totalmente, sendo operado a 17 de abril de 1980 para a instalação de um dreno cerebral. Morreu, na manhã de 9 de julho, de edema pulmonar, em sua casa, na Gávea, em companhia de Toquinho e de sua última mulher, Gilda de Queirós Mattoso. 10 Antologia poética Vinícius de Moraes: o nosso poetinha Além de ser considerado um dos maiores e mais conhecidos compositores da música popular brasileira, Vinícius de Moraes também foi um importante poeta da chamada segunda fase do Modernismo brasileiro. Embora tenha iniciado sua carreira representando, com Cecília Meireles, o Neossimbolismo, sua poesia encaminhou-se para uma estética mais moderna, valorizando o momento presente, as situações cotidianas e apresentando um forte sensualismo erótico. No entanto, em seus poemas esse erotismo latente oscila entre as angústias do pecador, com forte educação católica, e os desejos de liberdade do bon-vivant amoral. Essa conjunção de contrastes deriva, certamente, numa poética que busca descobrir os caminhos e os descaminhos do amor carnal. Considerado pela crítica um dos maiores sonetistas do século XX, no Brasil, o poeta marcou gerações com sonetos como o de fidelidade e o de separação (presentes na obra). Obras do Autor De acordo com o próprio poeta, sua obra pode ser assim classificada: • 1ª fase Fase transcendental, resultante de sua educação cristã, é uma fase de profundo misticismo e, portanto, marcada pela preocupação religiosa, pela angústia existencial diante da condição humana e pelo desejo de superar o pecado e a culpa, inerentes ao homem, pela via da transcendência mística. Em geral, os poemas deste período são longos e se utilizam de linguagem abstrata. Esta fase se inicia com a obra O caminho para a distância (1933) e se finaliza com a obra Ariana, a mulher (1936). O incriado AOL-11 Distantes estão os caminhos que vão para o Tempo – outro luar eu vi passar na altura Nas plagas verdes as mesmas lamentações escuto como vindas da eterna espera O vento ríspido agita sombras de araucárias em corpos nus unidos se amando E no meu ser todas as agitações se anulam como as vozes dos campos moribundos. Oh, de que serve ao amante o amor que não germinará na terra infecunda De que serve ao poeta desabrochar sobre o pântano e cantar prisioneiro? Nada há a fazer pois que estão brotando crianças trágicas como cactos Da semente má que a carne enlouquecida deixou nas matas silenciosas. 11 Vinícius de Moraes Nem plácidas visões restam aos olhos – só o passado surge se a dor surge E o passado é como o último morto que é preciso esquecer para ter vida Todas as meias-noites soam e o leito está deserto do corpo estendido Nas ruas noturnas a alma passeia, desolada e só em busca de Deus. [...] Eu sou o Incriado de Deus, o que não pode fugir à carne e à memoria Eu sou como velho barco longe do mar, cheio de lamentações no vazio do bojo No meu ser todas as agitações se anulam – nada permanece para a vida Só eu permaneço parado dentro do tempo passado, passando, passando... • 2ª fase Nesta fase, há grande aproximação da poética de Vinícius com o mundo real. É quando o poeta passa a se interessar por temas cotidianos, por uma abordagem mais simples da vida e mais sensual dos temas que versam sobre o amor e a mulher. Também a linguagem empregada pelo poeta se transforma, tendendo mais à simplicidade, com utilização do verso livre, para uma comunicação mais direta e mais dinâmica com o leitor. Apesar de sua poesia, desde cedo, ter tido como características certa dicção clássica e a predileção pelo soneto, pela primeira vez podemos perceber que a poética de Vinícius mostra uma aproximação maior às propostas dos modernistas de 1922. O soneto, forma clássica do poema, adquire roupagem mais moderna e mais real nas mãos de Vinícius. Em seus sonetos, o poeta faz largo uso de termos simples e cotidianos, expediente pouco comum neste tipo de composição. Abaixo, um exemplo de erotismo no soneto, uma ousadia de Vinícius: Soneto de despedida (Fragmento) Uma lua no céu apareceu Cheia e branca; foi quando, emocionada, A mulher a meu lado estremeceu E se entregou sem que eu dissesse nada. Poesia social A poesia de cunho social também foi característica da obra de Vinícius. Neste tipo de poema, o poeta se utiliza de uma linguagem ainda mais simples e mais direta, chegando quase ao didatismo. O seu objetivo é despertar a consciência social no leitor por via de quem o lê ou o ouve. 12 Antologia poética O melhor exemplo dessa poesia social é o poema Operário em construção, que fecha sua antologia poética, do qual se reproduz o trecho abaixo: Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia, por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão. [...] Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uísque do patrão Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga Era amiga do patrão. AOL-11 E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte Na sua resolução. [...] 13 Vinícius de Moraes 4.A OBRA 14 Antologia poética A obra Antologia poética já passou por algumas versões. A primeira publicação aconteceu em 1954, pela editora A Noite, do Rio de Janeiro. O volume abre-se com uma Advertência (do autor, sem dúvida, embora sem assinatura, com indicação de local e data): Poderia este livro ser dividido em duas partes, correspondentes a dois períodos distintos na poesia do A. A primeira, transcendental, frequentemente mística, resultante de sua fase cristã, termina com o poema “Ariana, a mulher”, editado em 1936. Salvo, aqui e ali, umas pequenas emendas, a única alteração digna de nota nesta parte foi reduzir-se o poema “O cemitério da madrugada” às quatro estrofes iniciais, no que atendeu o A. a uma velha idéia de seu amigo Rodrigo M. F. de Andrade. À segunda parte, que abre com o poema “O falso mendigo”, o primeiro, ao que se lembra o A., escrito em oposição ao transcendentalismo anterior, pertencem algumas poesias do livro Novos poemas, também representado na outra fase, e os demais versos publicados posteriormente em livros, revistas e jornais. Nela estão nitidamente marcados os movimentos de aproximação do mundo material, com a difícil mas consistente repulsa ao idealismo dos primeiros anos. De permeio foram colocadas as Cinco elegias (1943), como representativas do período de transição entre aquelas duas tendências contraditórias, – livro também onde elas melhor se encontram e fundiram em busca de uma sintaxe própria. Não obstante certas disparidades, facilmente verificáveis no índice, impôs-se o critério cronológico para uma impressão verídica do que foi a luta mantida pelo A. contra si mesmo no sentido de uma libertação, hoje alcançada, dos preconceitos e enjoamentos de sua classe e do seu meio, os quais tanto, e tão inutilmente, lhe angustiaram a formação. Los Angeles, junho de 1949. AOL-11 Esse volume apresentava, nas “orelhas“, o seguinte texto do escritor Rubem Braga. Este livro reúne a maior e a melhor parte da obra de um dos grandes poetas do Brasil. Vinícius de Moraes nasceu no Rio, em 1913, aqui se formou em Direito e entrou, por concurso, para a carreira diplomática. Serviu durante quatro anos no consulado brasileiro em Los Angeles e está no momento como secretário de nossa embaixada em Paris. Seu primeiro livro foi O caminho para a distância, do qual pouco aproveitou nesta seleção, seguindo-se Ariana, a mulher e Forma e exegese, com o qual conquistou o Prêmio Felipe de Oliveira. Publicou a seguir Novos poemas, Cinco elegias, Poemas, sonetos e baladas e Pátria minha que firmaram seu nome, no consenso da crítica, como o melhor poeta da turma que hoje entra pela casa dos quarenta. Alguns desses livros foram feitos em edições limitadas; todos estão há longo tempo esgotados, o que faz com que grandes admiradores de Vinícius de Moraes conheçam apenas uma pequena parte de sua obra. Esta seleção, feita pelo próprio poeta com a ajuda de amigos – principalmente Manuel Bandeira –, adquire, assim, uma grande importância, pois possibilita um estudo da evolução do poeta e a admiração do que ele tem feito de mais alto e melhor. 15 Vinícius de Moraes Vindo de um misticismo de fundo religioso para uma poesia nitidamente sensual que depois se muda em versos marcados por um fundo sentimento social, a obra de Vinícius tem como constante um lirismo de grande força e pureza. Ainda com o risco de incorrer na censura dos que levam suas preocupações puritanas ao domínio das artes, não quiseram os amigos do poeta, principalmente o que assina esta nota, e assim se faz responsável por esta resolução, suprimir algumas palavras ou expressões mais fortes que de raro em raro aparecem em seus versos. Isso fará com que não seja recomendável a presença deste livro em mãos juvenis – mas resguarda a pureza de sua poesia, que tudo, em poesia, transfigura. Estamos certos de que, com a edição deste livro, a obra de Vinícius de Moraes ganhará uma popularidade maior, e passará a ter, entre o público, o lugar de honra que há muito ocupa no espírito e no sentimento dos poetas e dos críticos. Uma segunda edição, acrescida de uma seleção dos Novos poemas II, (1959), aconteceu anos mais tarde, em 1960, pela Editora do Autor. Porém, anos mais tarde, já postumamente, uma nova versão da obra foi lançada, em 2003, da qual apresentamos o texto introdutório: Nova antologia poética A antiga Antologia poética de Vinícius de Moraes data de 1954. Foi organizada pelo próprio autor (com a ajuda de amigos, principalmente Manuel Bandeira), que a atualizou em 1967, mantendo sua estrutura. Esta Nova antologia poética vem assinada pelos poetas Antônio Cícero e Eucanaã Ferraz, e foi lançada originalmente em 2003. Os organizadores reviram conceitos, refizeram a estrutura e montaram uma seleção criteriosa, lançando um olhar renovado sobre a obra viniciana. Tanto a crítica especializada quanto o público reconheceram de imediato que na nova antologia a poesia de Vinícius de Moraes mostra-se mais livre, mais moderna, mais densa e, simultaneamente, mais leve. O volume foi um sucesso imediato, e logo passou a ser editado também na Companhia de Bolso. Ele passa a fazer parte, agora, do novo projeto editorial das obras de Vinícius de Moraes e traz, entre outras novidades, um belo caderno de imagens com diversas fotos inéditas, reprodução de manuscritos e documentos raros. Fechando o volume, o leitor encontrará uma seleção de textos críticos, entre eles a orelha da “velha” Antologia poética, assinada por Rubem Braga, seguindo-se uma cronologia da vida e da obra deste que é um dos maiores poetas brasileiros do século XX. ESTRUTURA DA OBRA Como já foi explicitado anteriormente, a obra apresenta poemas de fases distintas do poeta, assim representadas: – 27 poemas correspondentes à fase transcendental do poeta (1933-1936); – 05 elegias que ilustram a fase de transição do poeta (1943); – 112 poemas correspondentes à fase de maior aproximação do mundo material. 16 Antologia poética Análise dos poemas • Primeira parte Iniciaremos nossa análise de forma cronológica, ou seja, primeiramente trabalharemos com os poemas da fase transcendental e mística do autor. Durante a produção poética das obras dessa primeira fase, Vinícius apresenta certa singularidade essencial em não ter pertencido, realmente, a uma geração, no sentido convencional da palavra, mas a um grupo ideológico: o dos escritores católicos, que juntamente com Jorge de Lima, Murilo Mendes, Octávio de Faria, Otto Lara Resende, Pedro Nava, Augusto Frederico Schmidt e outros procuravam restaurar em Cristo não só a poesia, mas também o pensamento brasileiro em geral, construindo uma restauração que se pretendia não arcaizante, mas sim, modernizante. Sob esse aspecto, a restauração católica tinha algo de desesperado, procurando reconquistar a intelectualidade, corrigindo-lhe a perigosa deriva esquerdista. Vinícius, a esse tempo, mostrava-se resistente ao Modernismo de 22, repelindo, principalmente, o que considerava um anarquismo formal. A seguir, um poema representativo dessa temática: O olhar para trás (Fragmento) Nem surgisse um olhar de piedade ou de amor Nem houvesse uma branca mão que apaziguasse minha fronte palpitante... Eu estaria sempre como um círio queimando para o céu a minha fatalidade Sobre o cadáver ainda morno desse passado adolescente. Talvez no espaço perfeito aparecesse a visão nua Ou talvez a porta do oratório se fosse abrindo misteriosamente... Eu estaria esquecido, tateando suavemente a face do filho morto Partido de dor, chorando sobre o seu corpo insepultável. Talvez da carne do homem prostrado se visse sair uma sombra igual à minha Que amasse as andorinhas, os seios virgens, os perfumes e os lírios da terra Talvez… mas todas as visões estariam também em minhas lágrimas boiando E elas seriam como óleo santo e como pétalas se derramando sobre o nada. AOL-11 [...] Agora porém estou vivendo da tua chama como a cera O infinito nada poderá contra mim porque de mim quer tudo Ele ama no teu sereno cadáver o terrível cadáver que eu seria 17 Vinícius de Moraes O belo cadáver nu cheio de cicatriz e de úlceras. Quem chamou por mim, tu, mãe? Teu filho sonha... Lembras-te, mãe, a juventude, a grande praia enluarada... Pensaste em mim, mãe? Oh, tudo é tão triste A casa, o jardim, o teu olhar, o meu olhar, o olhar de Deus... E sob a minha mão tenho a impressão da boca fria murmurando Sinto-me cego e olho o céu e leio nos dedos a mágica lembrança Passastes, estrelas... Voltais de novo arrastando brancos véus Passastes, luas... Voltais de novo arrastando negros véus... Essa produção, que faz parte da primeira fase, revela-se impregnada de Romantismo, com influências nítidas de Rilke e Whitman, marcada por uma retórica discursiva em que a mulher aparece como tentação impura, o eu lírico se apresenta confuso, perdido, culpado, e a morte se impõe. A seguir, poemas representativos dessa temática: O poeta (Fragmento) Quantos somos, não sei... Somos um, talvez dois, três, talvez, quatro; cinco, talvez [nada Talvez a multiplicação de cinco em cinco mil e cujos restos encheriam doze Terras Quantos, não sei... Só sei que somos muitos – o desespero da dízima infinita E que somos belos deuses mas somos trágicos. Viemos de longe... Quem sabe no sono de Deus tenhamos aparecido como espectros Da boca ardente dos vulcões ou da órbita cega dos lagos desaparecidos Quem sabe tenhamos germinado misteriosamente do sono cauterizado das batalhas Ou do ventre das baleias quem sabe tenhamos surgido? Viemos de longe – trazemos em nós o orgulho do anjo rebelado Do que criou e fez nascer o fogo da ilimitada e altíssima misericórdia Trazemos em nós o orgulho de sermos úlceras no eterno corpo de Jó E não púrpura e ouro no corpo efêmero de Faraó. Nascemos da fonte e viemos puros porque herdeiros do sangue E também disformes porque – ai dos escravos! não há beleza nas origens Voávamos – Deus dera a asa do bem e a asa do mal às nossas formas impalpáveis Recolhendo a alma das coisas para o castigo e para a perfeição na vida eterna. 18 Antologia poética [...] Quantos somos, não sei... somos um, talvez dois, três, talvez quatro; cinco, talvez, nada Talvez a multiplicação de cinco mil e cujos restos encheriam doze Terras Quantos, não sei… Somos a constelação perdida que caminha largando estrelas Somos a estrela perdida que caminha desfeita em luz. Fase de transição: Cinco elegias No próprio dizer do poeta, as Cinco elegias são representativas do período de transição entre as duas tendências contraditórias de sua produção poética, uma mais mística e a outra, mais cotidiana. Nas Elegias, notamos o início dessa transformação não só nas temáticas, mas também na estruturação mais livre dos poemas, tanto em relação às rimas como às métricas, como veremos a seguir. Elegia quase uma ode (Fragmento) Meu sonho, eu te perdi; tornei-me em homem. O verso que mergulha o fundo de minha alma É simples e fatal, mas não traz carícia... Lembra-me de ti, poesia criança, de ti Que te suspendias para o poema como que para um seio no espaço. AOL-11 Levavas em cada palavra a ânsia De todo o sofrimento vivido. Queria dizer coisas simples, bem simples Que não ferissem teus ouvidos, minha mãe. Queria falar em Deus, falar docemente em Deus Para acalentar tua esperança, minha avó. Queria tornar-me mendigo, ser miserável Para participar de tua beleza, meu irmão. Queria, meus amigos... queria, meus inimigos... Queria... queria tão exaltadamente, minha amiga! [...] Pobre de mim, tornei-me em homem. De repente, como a árvore pequena Que à estação das águas bebe a seiva do húmus farto Estira o caule e dorme para despertar adulta Assim, poeta, voltaste para sempre. 19 Vinícius de Moraes No entanto, era mais belo o tempo em que sonhavas... Que sonho é minha vida? A ti direi que és tu, Maria Aparecida! A vós, no pudor de falar ante a vossa grandeza Direi que é esquecer todos os sonhos, meus amigos. Ao mundo, que ama a lenda dos destinos Direi que é o meu caminho de poeta. A mim mesmo, hei de chamá-lo inocência, amor, alegria, sofrimento, morte, [serenidade Hei de chamá-lo assim que sou fraco e mutável E porque é preciso que eu não minta nunca para poder dormir. Ah Devesse eu jamais atender aos apelos do íntimo... Teus braços longos, coruscantes; teus cabelos de oleosa cor; tuas mãos musicalíssimas; teus pés que levam a dança prisioneira; teu corpo grave de graça instantânea; o modo com que olhas o âmago da vida; a tua paz, angústia paciente; o teu desejo irrevelado; o grande, o infinito inútil poético! tudo isso seria um sonho a sonhar no teu seio que é tão pequeno... Ó, quem me dera não sonhar mais nunca Nada ter de tristezas nem saudades Ser apenas Moraes sem ser Vinícius! [...] Elegia lírica (Fragmento) Um dia, tendo ouvido bruscamente o apelo da amiga desconhecida Pus-me a descer contente pela estrada branca do sul E em vão eram tristes os rios e torvas as águas Nos vales havia mais poesia que em mil anos. [...] A minha namorada é tão bonita, tem olhos como besourinhos do céu Tem olhos como estrelinhas que estão sempre balbuciando aos passarinhos... É tão bonita! tem um cabelo fino, um corpo de menino e um andar pequenino E é a minha namorada... vai e vem como uma patativa, de repente morre de amor Tem fala de S e dá a impressão que está entrando por uma nuvem adentro... Meu Deus, eu queria brincar com ela, fazer comidinha, jogar nai-ou-nentes Rir e num átimo dar um beijo nela e sair correndo E ficar de longe espiando-lhe a zanga, meio vexado, meio sem saber o que faça... A minha namorada é muito culta, sabe aritmética, geografia, história, contraponto E se eu lhe perguntar qual a cor mais bonita ela não dirá que é a roxa porém brique. Ela faz coleção de cactos, acorda cedo vai para o trabalho E nunca se esquece que é a menininha do poeta. 20 Antologia poética [...] Na elegia a seguir, note a aproximação do poeta aos acontecimentos cotidianos: Elegia desesperada (Fragmento) Alguém que me falasse do mistério do Amor Na sombra – alguém! alguém que me mentisse Em sorrisos, enquanto morriam os rios, enquanto morriam As aves do céu! [...] [...] O desespero da piedade Meu senhor, tende piedade dos que andam de bonde E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos... Mas tende piedade também dos que andam de automóvel Quando enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção. Tende piedade das pequenas famílias suburbanas E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina. Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte. [...] Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros Que se efeminam por profissão mas que são humildes nas suas carícias Mas tende mais piedade ainda dos que cortam o cabelo: Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus! AOL-11 Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria Que lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus. Tende piedade dos homens úteis como os dentistas Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer Mas tende mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor. 21 Vinícius de Moraes [...] O eu lírico continua pedindo piedade para os políticos, as mulheres, a moça feia, a mulher na hora do parto, as desquitadas, as casadas, as vagabundas, as primeiras namoradas etc., e ao fim: Tende piedade, Senhor, das santas mulheres Dos meninos velhos, dos homens humilhados – sede enfim Piedoso com todos, que tudo merece piedade E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim! A respeito da última elegia, assim se pronunciou o poeta na introdução da obra: “Quanto à última, escrevi-a de jato, naquele maio de 1939, em Londres, vendo, do meu apartamento, a manhã nascer sobre os telhados novos do bairro de Chelsea. A qualidade da experiência vivida e o lugar onde a vivi criaram-lhe espontaneamente a linguagem em que se formou, mistura de português e inglês, com vocábulos muitas vezes inventados e sem chave morfológica possível. Mas não houve sombra de vontade de parecer original. É uma fala de amor como a falei, virtualmente transposta para a poesia, na qual procurei traduzir, dentro de sonoridades estanques de duas línguas que me são tão caras e com arranjos gráficos e ordem puramente mnemônica, isso que foi a maior aventura lírica da minha vida.” Fragmento Greenish, newish roofs of Chelsea Onde, merencórios, toutinegram rouxinóis Forlornando baladas para nunca mais! Ó imortal landscape no anticlímax da aurora! ô joy for ever! Na hora da nossa morte et nunc et semper Na minha vida em lágrimas! uer ar iú Ó fenesuites, calmo atlas do fog Impassévido devorador das esterlúridas? Darling, darkling I listen... “... it is, my soul, it is Her gracious self...” murmura adormecida É meu nome!... sou eu, sou eu, Nabucodonosor! 22 Antologia poética Motionless I climb the wa t e r Am I p a Spider? Am I p a Mirror? e Am I s an X Ray? No, I’m the Three Musketeers rolled in a Romeo. Vírus Da alta e irreal paixão subindo as veias Com que chegar ao coração da amiga. Alas, celua Me iluminou, celua me iludiu cantando The songs of Los; e agora meus passos são gatos Comendo o tempo em tuas cornijas Em lúridas, muito lúridas Aventuras do amor mediúnico e miaugente... So I came – from the dark bull-like tower fantomática […] Segunda parte Os poemas mais conhecidos do poeta estão reunidos nessa parte da obra. Adotando uma postura mais voltada para a realidade, seu interesse volta-se para os aspectos do cotidiano e para o relacionamento amoroso, muito influenciado pela lírica camoniana. AOL-11 Nessa fase, a linguagem torna-se mais dinâmica, mais concisa e mais criativa, embora o poeta não abandone a forma fixa dos sonetos, porém revigora o modelo, adicionando-lhe linguagem cotidiana e coloquial, sem perder a profundidade. Digna representante dessas mudanças programadas, o poeta inicia a se23 Vinícius de Moraes gunda parte da obra com o poema a seguir: O falso mendigo (Fragmento) Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda Quero fazer uma poesia. Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado E me trazer muito devagarinho. Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave Quero fazer uma poesia. Se me telefonarem, só estou para Maria Se for o Ministro, só recebo amanhã Se for um trote, me chama depressa Tenho um tédio enorme da vida. O tema que parece ter sido desenvolvido, anos mais tarde, na música Garota de Ipanema, em parceria com Tom Jobim, já aparece no poema abaixo: A mulher que passa (Fragmento) Meu Deus, eu quero a mulher que passa. Seu dorso frio é um campo de lírios Tem sete cores nos seus cabelos Sete esperanças na boca fresca! Oh! como és linda, mulher que passas Que me sacias e suplicias Dentro das noites, dentro dos dias! Poeta da paixão, os temas amor e mulher são recorrentes na obra de Vinícius: Ternura (Fragmento) Eu te peço perdão por te amar de repente Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos Das horas que passei à sombra dos teus gestos Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos Poema para todas as mulheres (Fragmento) No teu branco seio eu choro. Minhas lágrimas descem pelo teu ventre E se embebedam do perfume do teu sexo. Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado Confuso, criança para te conter! 24 Antologia poética A sensualidade da entrega amorosa pode ser representada pelo poema abaixo: Os acrobatas (Fragmento) Subamos! Como dois atletas O rosto petrificado No pálido sorriso do esforço Subamos acima Com a posse física dos braços E os músculos desmesurados Na calma convulsa da ascensão. O poeta também selecionou, para sua Antologia, poemas que dedicara a amigos (Manuel Bandeira1, Pedro Nava2, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Rubem Braga, Mário de Andrade), ou ainda para seus mestres na arte da poesia (Rilke, Verlaine3, Rimbaud, Baudelaire). Verlaine (Fragmento) Verlaine, pobre alma sem rumo Louco, sórdido, grande irmão Do sangue do meu coração Que te despreza e te compreende Saudade de Manuel Bandeira (Fragmento) Não foste apenas um segredo De poesia e de emoção Foste uma estrela em meu degredo AOL-11 Poeta, pai! áspero irmão. 1 Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 1886 – Rio de Janeiro, 1968). Poeta representante da chamada 1ª fase do Modernismo brasileiro. Autor de Libertinagem, Estrela da manhã e muitas outras. Além de poeta, exerceu as funções de crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor. 2 Pedro da Silva Nava (Juiz de Fora, 1903 – Rio de Janeiro, 1984). Intelectual, amigo de inúmeros artistas e intelectuais de sua época. Escritor e médico. 3 Paul Marie Verlaine (1844 – 1896) é considerado um dos maiores e mais populares poetas franceses. 25 Vinícius de Moraes Balada de Pedro Nava (O anjo e o túmulo) I Meu amigo Pedro Nava Se o tivesse aqui comigo Em que navio embarcou: Tudo se solucionava A bordo do Westphalia Diria ao garçom: Escanção! Ou a bordo do Lidador? Uma pedra a Pedro Nava! Em que antárticas espumas Navega o navegador Em que brahmas, em que brumas Pedro Nava se afogou? Uma pedra a Pedro Nava Nessa pedra uma inscrição: “– deste que muito te amava teu amigo, teu irmão...” Juro que estava comigo Há coisa de não faz muito Enchendo bem a caveira Ao seu eterno defunto. Mas oh, não! que ele não morra Sem escutar meu segredo Estou nas garras da Cachorra Vou ficar louco de medo Ou não era Pedro Nava Quem me falava aqui junto Não era o Nava de fato Nem era o Nava defunto?... Preciso muito falar-lhe Antes que chegue amanhã: Pedro Nava, meu amigo DESCEU O LEVIATÃ! [...] Considerado o maior sonetista brasileiro, Vinícius reuniu, nessa parte de sua Antologia, 26 sonetos, tanto os mais famosos como de fidelidade, do maior amor, da separação, do amor total –, quanto alguns menos conhecidos do grande público – como de intimidade, de agosto, de contrição, de véspera e outros. Soneto do amor total (Fragmento) Soneto de aniversário (Fragmento) Amo-te tanto, meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade Passem-se dias, horas, meses, anos Amadureçam as ilusões da vida Prossiga ela sempre dividida Entre compensações e desenganos. A Antologia também apresenta diferentes poemas de cunho social. Acima já mencionamos o longo poema O operário em construção, cuja epígrafe estabelece comparação com o momento de conscientização política do operário, que, pela primeira vez, percebendo-se explorado, diz não ao patrão: 26 Antologia poética O operário em construção (Fragmento) E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: – Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: – Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. Lucas, cap. V, vs. 5-8. [...] Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo vário. De sorte que o foi levando Ao alto da construção E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração: – Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem bem quiser. Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês Será teu se me adorares E, ainda mais, se abandonares O que te faz dizer não. Disse, e fitou o operário Que olhava e que refletia Mas o que via o operário O patrão nunca veria. O operário via as casas E dentro das estruturas Via coisas, objetos Produtos, manufaturas. Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão. E o operário disse: Não! [...] AOL-11 Outro poema importante a ser destacado da obra é O dia da criação, em que o poeta, tomando como base a gênese humana, a partir de um ótica religiosa, elege o “sábado” como o dia em que tudo acontece. O poema apresenta três partes: introdução ao tema (“Hoje é o dia do presente”), desenvolvimento (“Porque hoje é sábado”) e conclusão (“de que Deus criou o homem no sábado”). 27 Vinícius de Moraes O dia da criação (Fragmento) Macho e fêmea os criou. Gênesis, 1, 27 I [...] Hoje é sábado, amanhã é domingo Amanhã não gosta de ver ninguém bem Hoje é que é o dia do presente O dia é sábado. Impossível fugir a essa dura realidade Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas Todos os maridos estão funcionando regularmente Todas as mulheres estão atentas Porque hoje é sábado. Para finalizarmos esta análise da obra, indicaremos, a seguir, os poemas mais conhecidos da Antologia daquele que foi o maior “poetinha” da 2ª fase do Modernismo brasileiro: Vinícius de Moraes. – – – – – Soneto de fidelidade A um passarinho Soneto do maior amor Soneto de separação Poema de Natal – – – – – Poema enjoadinho A rosa de Hiroshima Pátria minha Poética (I) Receita de mulher Além da leitura integral da obra, sugerimos a todos uma visita ao site oficial do autor http://www.viniciusdemoraes.com.br/ e o documentário (DVD) abaixo: Vinícius (2005) Direção: Miguel Faria Jr. O documentário mostra a vida, a obra, a família, os amigos e os amores de Vinícius de Moraes; apresenta também a essência criativa do artista e filósofo do cotidiano e as transformações do Rio de Janeiro, por meio de raras imagens de arquivo, entrevistas e interpretações de muitos de seus clássicos. 28 Antologia poética 5.Exercícios 1. Cesgranrio-RJ Pátria minha A minha pátria é como se não fosse, é íntima Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo É minha pátria. Por isso, no exílio Assistindo dormir meu filho Choro de saudades de minha pátria. Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi: Não sei. De fato, não sei (...) Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água Que elaboram e liquefazem a minha mágoa Em longas lágrimas amargas. Vontade de beijar os olhos de minha pátria De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias De minha pátria, de minha pátria sem sapatos E sem meias, pátria minha Tão pobrinha! AOL-11 Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho Pátria, eu semente que nasci do vento Eu que não vou e não venho, eu que permaneço Em contacto com a dor do tempo (...) Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa Que brinca em teus cabelos e te alisa Pátria minha, e perfuma o teu chão... Que vontade me vem de adormecer-me Entre teus doces montes, pátria minha Atento à fome em tuas entranhas E ao batuque em teu coração. 29 Vinícius de Moraes Teu nome é pátria amada, é patriazinha Não rima com mãe gentil Vives em mim como uma filha, que és Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez. Apesar de modernista, Vinícius apresenta, no texto, características da estética romântica. Assinale a única característica não presente nesse texto. a) Preocupação com o eu lírico, através da expressão de emoções pessoais. b) Valoração de elementos da natureza, como forma de exaltação da terra brasileira. c) Sentimentos de saudade e nostalgia, causados pela dor do exílio. d) Preocupação social, através da menção a problemas brasileiros. e) Abandono do ideal purista dos neoclássicos na prevalência do conteúdo sobre a forma. 2. UEL-PR Na década de 30 do século XX: a) o Modernismo viu esgotados seus ideais, com a retomada de uma prosa e de uma poesia de caráter conservador. b) a poesia se renovou significativamente, graças a poetas como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Murilo Mendes. c) não houve surgimento de grandes romancistas, o que só viria a ocorrer na década seguinte. d) predominou, ainda, o ideário modernista dos primeiros momentos, sendo central a figura de Graça Aranha. e) a poesia abandonou de vez o emprego do verso, substituindo-o pela composição de palavras soltas no espaço da página. 3. Vunesp A partir da leitura dos seguintes poemas, assinale a alternativa incorreta com relação ao Modernismo. I. Vício da fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados. II. Poema do beco Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? – O que eu vejo é o beco. Manuel Bandeira Oswald de Andrade 30 Antologia poética III. Festa familiar Em outubro de 1930 Nós fizemos – que animação! Um pic-nic com carabinas. IV. Murilo Mendes A um passarinho Para que vieste Na minha janela Meter o nariz? [...] Vinícius de Moraes AOL-11 a) Os poemas, quando não se fixam em uma cena da vida cotidiana, podem refletir a nossa história com muito humor e ironia. b) Predomínio do verso livre e cultivo de poesia sintética. c) Introdução da fala popular e elementos característicos da prosa. d) Os poemas mostram claramente uma ruptura com os códigos literários anteriores quanto à forma; no conteúdo, buscam penetrar mais fundo na realidade brasileira. e) As experiências de linguagem desses poemas modernistas tentam resgatar o formalismo e a riqueza sonora da poesia parnasiana. 4. UFSC Assinale as proposições em que o comentário está de acordo com o texto de Vinícius de Moraes. 01) De repente do riso fez-se o pranto / Silencioso e branco como a bruma / E das bocas unidas fez-se a espuma / E das mãos espalmadas fez-se o espanto. Nesses versos, o poeta usa, a exemplo dos parnasianos e simbolistas, vocabulário coloquial e simples, próprio da linguagem cotidiana. Não há rimas. 02) Notou que sua marmita / Era o prato do patrão / Que sua cerveja preta / Era o uísque do patrão / Que seu macacão de zuarte / Era o terno do patrão / Que o casebre onde morava / Era a mansão do patrão / Que seus dois pés andarilhos/ Eram as rodas do patrão/ Que a dureza do seu dia/ Era a noite do patrão / (...) E o operário disse: Não! A exemplo de padre José de Anchieta, do Barroco, que em Sermões procurou mostrar as disparidades socioeconômicas entre os índios e os colonizadores portugueses no século XIX, Vinícius de Moraes, no poema Operário em construção, procurou registrar o contraste existente entre operário e patrão. 04) O poeta reinterpreta o Natal, fazendo alusão ao comunismo, nos seguintes versos: Nasceu num estábulo / Pequeno e singelo / Com boi e charrua / Com foice e martelo. 08) Em: E agora José? / A festa acabou, / a luz apagou, / o povo sumiu, / a noite esfriou, / e agora, José?, Vinícius manifesta o desejo de morrer, uma das características da literatura parnasiana. 16) Pensem nas crianças / Mudas telepáticas / Pensem nas meninas / Cegas inexatas... são versos do poema A rosa de Hiroshima. 31 Vinícius de Moraes 5. Cesgranrio-RJ Toda época literária mantém um diálogo com fases anteriores, tanto em relação à escolha temática quanto em relação ao aproveitamento de recursos formais. Qual a observação incorreta na relação entre os estilos de época? a) A poesia da década de 1930 filia-se à experiência do Parnasianismo. b) O romance de 1930 aprofunda a perspectiva do Realismo. c) A poesia concreta valoriza os processos lúdicos do Barroco. d) O Modernismo de 1922 redimensiona a preocupação nacionalista do Romantismo. e) A poesia de 1945 rompe com a liberdade formal do Modernismo. 6. UFRGS-RS Considere as afirmativas seguintes. I. Mário Quintana usou desde o soneto até o poema em prosa para encarnar sua visão de mundo irônica e melancólica, em que as possibilidades formais aliam-se ao exame do dia a dia humilde e despretensioso do poeta e de seus personagens. II. Capaz de sonetos que honram a tradição camoniana, tais como o Soneto da separação e o Soneto de fidelidade, Vinícius de Morais aproximou-se da bossa nova e da música popular brasileira e veio a se tornar letrista de sambas e canções. III.Em vários momentos da obra de Cecília Meireles, a sensação de vago e incorpóreo é associada à temática urbana revelada em cenas repletas de humor e crítica ao provincianismo da elite paulista, tudo expresso em versos cuja sonoridade explora as dissonâncias e a fala popular. Qual(is) está(ão) correta(s)? a) Apenas I b) Apenas III c) Apenas I e III d) Apenas II e III e) I, II e III 7. ENEM Soneto de fidelidade De tudo ao meu amor serei atento Antes e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. 32 Antologia poética Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou ao seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama. Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. MORAES, Vinícius de. Antologia poética. São Paulo: Cia das Letras, 1992. A palavra mesmo pode assumir diferentes significados, de acordo com a sua função na frase. Assinale a alternativa em que o sentido de mesmo equivale ao que se verifica no 3º verso da 1ª estrofe do poema de Vinícius de Moraes. a) Pai, para onde fores, / irei também trilhando as mesmas ruas... (Augusto dos Anjos) b) Agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste da vida interior, que é modesta, com a exterior, que é ruidosa. (Machado de Assis) c) Havia o mal, profundo e persistente, para o qual o remédio não surtiu efeito, mesmo em doses variáveis. (Raimundo Faoro) d) Mas, olhe cá, Mana Glória, há mesmo necessidade de fazê-lo padre? (Machado Assis) e) Vamos de qualquer maneira, mas vamos mesmo. (Aurélio) 8. Unirio-RJ A um passarinho Para que vieste Na minha janela Meter o nariz? Se foi por um verso Não sou mais poeta Ando tão feliz! AOL-11 Vinícius de Moraes 1) Segundo o texto, qual é a condição fundamental para a criação poética? 2) Qual o gênero literário a que pertence o texto? 33 Vinícius de Moraes 9. PUCCamp-SP Uma mulher ao sol – eis todo o meu desejo Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz A flor dos lábios entreaberta para o beijo A pele a fulgurar todo o pólen da luz. A quadra anterior introduz um soneto de Vinícius de Moraes. Nesses versos, o leitor pode comprovar a seguinte característica da lírica amorosa do poeta: a) dilaceramento provocado pela paixão carnal e pela ânsia de salvação religiosa. b) reconhecimento da fugacidade do tempo, revelada num momento de excitação sensual. c) celebração da amada num quadro cotidiano, valorizando-se o estilo típico dos modernistas combativos. d) visão mística, na qual os desejos são sublimados e a natureza é divinizada. e) exaltação erótica, integrada no mundo natural e elevada ao plano do sublime. 10. UFSM-RS A respeito da poesia de Vinícius de Moraes, assinale verdadeiro (V) ou falso (F) em cada afirmação a seguir. ( ) Sob a forma de soneto, privilegia temáticas líricas, sobretudo o amor e suas múltiplas manifestações. ( ) Celebra a sensualidade com versos que apresentam imagens a respeito do sexo e do corpo. ( ) O cunho erótico dos poemas exclui a experiência mística do amor. A sequência correta é: a) V – F – F b) V – V – F c) F – V – F d) V – F – V e) F – F – V 11. UFSM-RS Soneto da separação 1 2 3 4 De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se espanto. 34 Antologia poética 5 6 7 8 De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. Vinícius de Moraes, nos versos transcritos, mostra como, na separação amorosa, uma coisa se transforma em outra. Em que verso(s) não há registro de tal transformação? a) v. 2 e v. 6 d) v. 3 e v. 4 b) v. 1 e) v. 7 e v. 8 c) v. 5 12. UEPG-PR A segunda fase do nosso Modernismo (1930-1945) mostrou o amadurecimento de várias linhas temáticas e de processos artísticos. Firmou-se nesse período a poesia de: 01)Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes. 02)José Lins do Rego e Vinícius de Moraes. 04)Augusto dos Anjos e Cruz e Sousa. 08)Cecília Meireles e Vinícius de Moraes. 16)Emiliano Perneta e Cassiano Ricardo. 13. UFRGS-RS Leia as estrofes abaixo, de Vinícius de Moraes, e a afirmação que as seguem. AOL-11 Soneto de despedida 1 2 3 4 Uma Lua no céu apareceu Cheia e branca; foi quando, emocionada A mulher a meu lado estremeceu E se entregou sem que eu dissesse nada. 5 6 7 8 Larguei-as pela jovem madrugada Ambas cheias e brancas e sem véu Perdida uma, a outra abandonada Uma nua na terra, outra no céu. Por meio de versos em que é perceptível um lirismo , típico de sua poesia, Vinícius de Moraes aproxima a mulher e a Lua, fundindo-as, em alguns momentos, como acontece no verso de número . Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas acima. a) octossílabos – amoroso – 6 d) octossílabos – despojado – 7 b) heptassílabos – social – 7 e) decassílabos – sensual – 6 c) decassílabos – moralizante – 8 35 Vinícius de Moraes 14. UEM-PR Leia o texto a seguir e assinale o que for correto. Soneto da separação De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente. Vinícius de Moraes 01) A teoria literária moderna reconhece três gêneros literários fundamentais – o épico, o lírico e o dramático – e, apesar de não fazer diferença de prestígio entre eles, não aceita a mistura deles em uma mesma obra literária. Podem-se subdividir esses três gêneros em espécies ou formas: o soneto é uma das formas dramáticas; a tragédia é uma das formas épicas; a balada é uma das formas líricas. 02) No texto acima, predomina o gênero dramático, que tem a sua manifestação mais viva nos aspectos trágicos, procurando representar os conflitos e os dramas vivenciados pelos homens e a precariedade do mundo em que estão inseridos. Nesse caso específico, trata-se de representar o drama da separação de dois amantes. 04) No texto acima, predomina o gênero lírico, caracterizado, essencialmente, por manifestar a subjetividade do eu lírico, expressando-lhe os sentimentos, as emoções, o mundo interior. De modo geral, a musicalidade é um elemento fundamental no texto lírico. Nesse texto de Vinícius de Moraes, além das rimas, a ocorrência considerável de fonemas sibilantes /sê/ e a semelhança de som de palavras como fez, espuma, espalmadas, espanto etc. consistem nos principais recursos empregados pelo artista para alcançar a referida sonoridade. 36 Antologia poética 08) No texto anterior, pertencente ao gênero lírico, predominam: a) a antítese como figura de linguagem; b) a referência a fatos presentes como deflagradores do conflito do eu lírico; c) a função conativa da linguagem; d) os versos decassílabos; e) as rimas consoantes, pobres e interpoladas; f) o emprego da linguagem figurada; g) a expressão do conflito do eu lírico decorrente da separação amorosa. 16) Pode-se afirmar que: a) a antítese, figura de linguagem predominante no texto anterior, exprime ideias cuja força significativa reside na oposição dos contrários. É o que acontece no verso “E do momento imóvel fez-se o drama”, em que o conflito vivido pelo eu lírico atinge seu ponto culminante; b) no texto literário, dependendo do contexto, uma mesma palavra pode ter uma significação objetiva (denotação) ou sugerir outras significações, marcadas pela subjetividade do emissor (conotação). No verso “De repente da calma fez-se o vento”, as palavras estão empregadas em sentido figurado ou conotativo. 32) Pode-se afirmar que: a) o soneto, composto de dois quartetos e de dois tercetos, é uma das formas poemáticas mais tradicionais e difundidas nas literaturas ocidentais e expressa, quase sempre, conteúdo lírico; b) o soneto costuma conter uma reflexão sobre um tema ligado à vida humana. No texto anterior, Vinícius de Moraes, ao retomar esse modo tradicional de compor versos, presta homenagem aos grandes clássicos da literatura, reconhecendo, no presente, a herança cultural do passado. 15. UFRS Considere os fragmentos a seguir, respectivamente, da canção Amor maior, da banda Jota Quest, e do Soneto do maior amor, de Vinícius de Moraes. Amor maior Soneto do maior amor Maior amor nem mais estranho existe Que o meu, que não sossega a coisa amada E quando a sente alegre, fica triste E se a vê descontente, dá risada. Eu quero ficar só Mas comigo só Eu não consigo [...] É preciso amar direito Um amor de qualquer jeito Ser amor a qualquer hora Ser amor de corpo inteiro Amor de dentro pra fora Amor que eu desconheço AOL-11 Quero um amor maior... Um amor maior que eu [...] Sobre os fragmentos anteriores, são feitas as seguintes afirmações. 37 Vinícius de Moraes I. Os dois poetas exaltam um sentimento amoroso intenso, mas não correspondido pela amada. II. Tanto a canção do grupo Jota Quest quanto os versos do soneto de Vinícius apresentam uma rigidez formal típica da poesia contemporânea. III.Os versos de Vinícius manifestam sentimentos contraditórios em relação à amada, enquanto os de Flausino evidenciam um desejo de um amor completo, totalizante. Qual(is) está(ão) correta(s)? a)Apenas I d) Apenas II e III b) Apenas II e) I, II e III c) Apenas III 16. UFSM-RS No poema A hora íntima, Vinícius de Moraes pergunta Quem pagará o enterro e as flores / Se eu me morrer de amores?. Nessa passagem, os versos de Vinícius retomam, num tom ameno e voltado para a temática da relação amorosa, a ideia de “se eu morresse amanhã”, consagrada por: a) Álvares de Azevedo – condoreiro romântico. b) Castro Alves – lírico romântico. c) Fagundes Varela – condoreiro romântico. d) Álvares de Azevedo – lírico romântico. e) Castro Alves – condoreiro romântico. 38