PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Seção de Direito Privado – 34ª Câmara
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
34a Câmara – Seção de Direito Privado
Julgamento sem segredo de justiça: 27 de julho de 2009, v.u.
Relator: Desembargador Irineu Pedrotti.
Agravo de Instrumento nº 1.287.088-00/4
Comarca de Várzea Paulista
Agravante: C. P. de F. e L.
Agravado: J. C. de A.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. NULIDADE DA CITAÇÃO.
INEXISTÊNCIA. CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA. REVELIA. A Requerida é pessoa jurídica e
o Oficial de Justiça prosseguiu com o ato citatório na pessoa que se apresentou, em suas
dependências, com poderes para representá-la. Aplicação da teoria da aparência e do princípio
de que o ato gera responsabilidade da preponente. Somente provas robustas, seguras,
coerentes e absolutamente eficientes podem alijar a convicção de que a citação para a ação
ocorreu validamente. Não há dúvida que o ato de citação alcançou a sua finalidade e produziu
os seus efeitos.
Voto nº 13.381.
Visto,
C. P. DE F. E L. interpôs Recurso de Agravo de Instrumento contra deci-são do MM.
JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE VÁRZEA PAULISTA, que “...
indeferiu o requerimento de nulidade da citação ...” (folha 5), proferida na Ação de
Indenização que lhe é movida por J. C. DE A., caracteres e qualificação das partes nos
autos.
O recurso foi impulsionado sem efeito sus-pensivo, com dispensa da intimação para
contraminuta, por aplicação estendida do artigo 285-A do Código de Processo Civil.
Relatado o recurso, decide-se.
Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se
defender. Diz o artigo 214 do Código de Processo Civil que, para a validade do processo é
indispensável esse chamamento inicial.
“A realização da citação é pressuposto de exis-tência e a citação válida é
pressuposto de regularidade da relação processual.” 1
A certidão lavrada pelo Oficial de Justiça tem fé pública e, dela (certidão), no que aqui
interessa consta: “... procedi a citação da(s) pessoa(s) relacionada(s) no anverso do
presente, lendo e entregando a contra-fé, o qual exarou nota de ciência ...” (folha 38).
A certidão somente pode ser invalidada se houver prova formal e concreta de sua
falsidade. E, com isto o servidor responderá a processo crime onde, se for condenado,
poderá até perder o cargo.
Trata-se de documento que traz consigo a fé pública substancial, irradia a validade
formal do ato jurídico e impõe erga omnes o dever da legalidade, da legitimidade e da
fidedignidade.
“... A essência está na segurança que o Estado confere aos atos que são
praticados pelos agentes, a fim de que sejam efetivamente merecedores da fé
pública.
(...)
1 - NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY, “Código de Processo Civil Comentado”, RT, 2ª ed.,
nota 3 ao art. 214, pág. 631.
Agravo de Instrumento nº 1287088004 – Voto nº 13381
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A fé pública constitui pressuposto da ordem jurídica. No dia-a-dia dos contratos
privados o instrumento público está acima de toda e qualquer suspeita infundada. Os
atos jurídicos notariais têm o encargo de superar essas suspeitas e tranqüilizar a
sociedade.
É um dogma jurídico. Prevalece enquanto não houver prova em contrário.
Impõe erga omnes o dever da legalidade, legitimidade e fidedignidade ao ato jurídico
realizado. É, assim, a aceitação ou credibilidade social imposta pelo direito pela
publicidade emanada de autoridade com poderes para assim editá-la.
Sustenta Pedro de Castro Júnior que ‘O fundamento da fé pública é o mesmo
em que descansa toda a fé. Os atos que procedem do Poder Público não são
presenciados pela maioria dos cidadãos e necessitam ser criados para que sejam
cumpridos e respeitados. Se negarmos ou pusermos em dúvida a verdade das
disposições cuja formação e promulgação não presenciamos, seriam ineficazes as
resoluções dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e nada con-seguiriam os
particulares ainda que seus atos jurídicos fossem autorizados por funcionários
públicos. O ato jurídico com a fé pública, se tem por autêntico, palavra derivada do
grego que significa certo, verdadeiro, o que há de ser crido, o que é fidedigno;
portanto, afirma-se a sua certeza como se presente fosse, ao ditar a lei, o
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preconceito, a sentença, na celebração do ato ou do contrato ’.
Outra não é a posição de Antonio Augusto Firmo da Silva ao consignar que
‘Então a fé pública tem como fim ou como objetivo primordial atender essa
necessidade social, para que em determinado momento se possa ter por
absolutamente certos os fatos e atos jurídicos da administração, da justiça e dos
particulares. É, assim, um elemento da técnica jurídica, criado através de um
processo secular de adaptação que veio dar uma solução adequada às necessidades
do comércio jurídico e da organização social 3 ’.
Assevera, em seguida, que na fé pública distinguem-se diversas espécies: A fé
pública administrativa, a judicial e a notarial administrativa tem por objeto dar
publicidade, valor e autenticidade aos atos emanados da administração pública. A
judicial tem por objeto os atos praticados pelos escrivães judiciais e outros
funcionários do judiciário. A fé pública notarial é o poder que a lei atribui aos notários
em virtude da sua nomeação para o cargo pelo Estado, para que, a pedido das partes
e sob determinadas formalidades assegure a verdade de fatos e atos jurídicos que
lhe constem ou lhe sejam solicitados. As afirmações dos notários gozam do benefício
legal de serem tidas como autênticas até prova em contrário.
A fé pública notarial é de caráter pessoal. Logo, atestação notarial é da
responsabilidade exclusiva do signatário. A fé pública da administração é diferente,
posto que origina-se diretamente do Estado. ‘A idéia de fé pública, que,
genericamente, se exterioriza não só pela lealdade e sinceridade de quem afirma,
como também pela adesão confiante de quem recebe a afirmação, estaria
parcialmente frustrada, pois seu campo não se limita à autenticidade, mas, também, à
legalidade, certeza da lisura e possibilidade de que o ato praticado produza plenos
4
efeitos, não só no mundo jurídico, como também na esfera negocial ’.
(...)
A fé pública tem supedâneo na presunção legal de autenticidade dada aos atos
que são praticados pelas pessoas que exercem cargo ou ofício público. É a
credibilidade que se tem a respeito dos documentos emanados das autoridades
públicas ou de serventuários da justiça, exatamente em razão da função ou ofício. O
2 - Profissão de Escrevente Habilitado. Funções notariais. São Paulo, 1961.
3 - Compêndio de Direito Notarial. F.M.U. São Paulo, 1977.
4 - Decisões Administrativas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, 1982, pág. 156.
Agravo de Instrumento nº 1287088004 – Voto nº 13381
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notário dá fé quando percebe pelos próprios sentidos ex propii sensibus e, isto é fé
pública. Tenha-se em mente, em princípio, que fides bona contraria este fraudi et dolo
(A boa fé é contrária à fraude e ao dolo) 5 ’.
(...)
A fé pública é um fenômeno social afiançado pelo Estado para
desenvolvimento normal dos cursos dos negócios jurídicos, avaliando-se, daí, o
interesse jurídico coletivo organizado e necessário à garantia enérgica da tutela
penal, a todos os atos e fatos que possam iludir a confiança do homem e que sejam
suscetíveis de induzir a engano as autoridades constituídas ou a coletividade em
geral. Examine-se, v.g., uma certidão qualquer expedida por Notário público
(nascimento, óbito, matrícula de imóvel) e sinta-se a segurança que o instrumento
transmite. Então, pode-se desde logo dizer que esse processo rápido, pela fé pública
reconhecendo e/ou garantindo como verdadeiro o instrumento, regula as funções da
vida privada e pública ...” 6 .
Clama a Agravante pela nulidade absoluta da citação para a Ação de Indenização
porque:
"... o mandado de citação foi recebido por um funcionário da Central de
Serviços da agravante localizada na cidade de Várzea Paulista, sendo que essa
pessoa não tem poderes para representação legal ..." (folha 4).
Em momento algum a Agravante negou que o Oficial de Justiça esteve em suas
dependências para realizar a citação; disse que a pessoa que assinou a contra-fé não tinha
poderes para representá-la.
Somente provas robustas, seguras, coerentes e absolutamente eficientes poderiam
alijar a convicção de que a citação ocorreu validamente, diante da aplicação da teoria da
aparência e do princípio de que o ato gera responsabilidade da preponente 7 , que permite
atuação em seu nome de pessoa sem o devido credenciamento.
Daquilo que consta do presente instrumento forma-se um juízo de certeza sobre o
fato de que o ato de citação alcançou a sua finalidade e produziu os seus efeitos. Ponderase que questões interna corporis, que interessam exclusivamente à Agravante, não
sustentam o alegado vício de citação, no caso não ocorrido.
Pacífica a jurisprudência no que tange à validade da citação de pessoa jurídica,
quando efetivada na pessoa que se aparenta como seu representante legal:
“É válida a citação recebida por pessoa que se diz empregada da empresa,
diante da teoria da aparên-cia; que pressupõe que aquele que se encontra em suas
dependências age como seu preposto, tendo legitimidade para recebê-la.” 8
Prevalece a certidão do Oficial de Justiça sobre a regularidade da citação da
Agravante, pela ine-xistência de prova de qualquer ordem que possa afetar a eficácia
jurídica e a fé pública emanada do documento.
Como o Mandado de Citação foi juntado aos autos originários em 3 de setembro de
2008 (folha 36), o prazo de 15 dias para eventual resposta terminou em 18 de setembro de
2008, conforme certificou a Serventia Judicial (folha 65). Intempestiva a contestação
protocolada somente em 30 de setembro de 2008 (folha 41), correta se apresenta a r.
decisão agravada.
5 - Paulo, L. 3, § 3º, Dig. Pro Socio = A favor do sócio.
6 - Ap. c/ Rev. 806.279-0/0 - ext. 2TACivSP/10ª Câm. - Rel. Juiz IRINEU PEDROTTI - j. 19.11.2003.
7- Do latim, Praeponente; Que ou quem constitui, em seu nome, por sua conta e sob sua dependência, para
ocupar-se dos negócios relativos a suas atividades, um auxiliar direto.
8- Ap. s/ Rev. 455.870 - ext. 2TACivSP/12ª Câm. - Rel. Juiz LUÍS DE CARVALHO - j. 7.3.1996.
Agravo de Instrumento nº 1287088004 – Voto nº 13381
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Em face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
IRINEU PEDROTTI
Desembargador Relator.
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