Relatório Técnico nº 99 642-205 - 43/384 5 TENDÊNCIAS ATUAIS DE CONTRATAÇÃO E GERENCIMENTO DE OBRAS SUBTERRÂNEAS Obras subterrâneas são claramente diferenciadas de outros tipos de construção pela sua natureza inerentemente relacionada à total dependência das condições geológico-geotécnicas do maciço, e principalmente à interdependência entre essas condições e os meios e métodos utilizados na construção, da qual resultam os riscos associados. Dessa forma, é muito importante que se reconheça que as práticas contratuais em obras subterrâneas sejam também diferenciadas dos demais tipos de construção. Neste capítulo são apresentados e discutidos os principais tipos de contratos utilizados em obras subterrâneas, abordando as vantagens e desvantagens de cada um, as tendências atuais de contratação e as práticas de gerenciamento de projeto. 5.1 Principais Tipos de Contratos Qualquer que seja a modalidade de contratação, o projeto básico é desenvolvido pelo proprietário do empreendimento (ou uma contratada), identificando as suas necessidades e visando a preparação dos documentos da licitação. Dois são os tipos básicos de contrato para a execução de grandes obras civis: • No contrato do tipo Preço Unitário (PU), o detalhamento do projeto básico, ou seja, o projeto executivo, é elaborado por uma projetista contratada diretamente pelo proprietário do empreendimento e a partir desse segue-se a construção, totalmente guiada pelo projeto. A construtora vencedora da licitação é remunerada pelos serviços executados, de acordo com os preços unitários estabelecidos em sua proposta apresentada na licitação. Internacionalmente é conhecido como Design-Bid-Build (DBB). • No contrato do tipo Preço Global (PG), o projeto executivo constitui-se em encargo da entidade executora e é elaborado por uma projetista, que é parte dessa entidade ou subcontratada por ela. A execução da obra é realizada por Relatório Técnico nº 99 642-205 - 44/384 um preço global fixo, estabelecido na proposta da entidade executora apresentada na licitação, e a remuneração é efetuada de acordo com os termos estipulados no contrato. Internacionalmente é conhecido como Design-Build (DB), ou simplesmente contrato turnkey. Há variantes dessas duas modalidades de contratação. Um terceiro tipo, por exemplo, conhecido como Design-Build-Operate (DBO), é também ocasionalmente utilizado, principalmente em projetos que envolvem concessão de operação, mas nesse tipo de contrato, a parte referente à construção não difere dos contratos por preço global (PG ou DB) e por isso não é discutido neste item. A forma clássica utilizada em obras civis, principalmente pelo setor público, tem sido a contratação por preço unitário (PU ou DBB). O proprietário do empreendimento (ou cliente), a projetista e o construtor estabelecem uma relação de três partes independentes, onde cada parte deve se relacionar com as outras duas (Figura 5.1). O projeto básico, aqui definido como aquele preparado para a licitação, tem que estar suficientemente detalhado, identificando os meios e métodos construtivos e indicando precisamente os quantitativos de serviços e materiais, pois passa a ser a base para todo o processo de licitação e contratação. É importante frisar que os processos de licitação, fundamentados em projetos básicos mal definidos, conduzem fatalmente a obras com prazos e custos que podem ultrapassar em muito os previstos. Nesse caso, os riscos estão mais associados a atrasos na programação e a elevação dos custos da construção do que aos riscos de acidentes durante a construção, embora esses últimos não possam ser desprezados. A principal vantagem dos contratos por preço unitário (PU ou DBB) é que o proprietário detém, de forma independente, o controle direto e contínuo sobre a projetista e a construtora durante todo o desenvolvimento do empreendimento. A principal desvantagem nesse tipo de contrato é a duração mais longa e custosa da fase de prélicitação. Relatório Técnico nº 99 642-205 - 45/384 Figura 5.1 - Esquema das relações entre partes em contratos por preço unitário (PU ou DBB). Pela flexibilidade que caracteriza essa modalidade de contratação, possibilitando que sejam realizadas adaptações para fazer frente a mudanças de condições durante a construção sem a ocorrência de litígios relevantes, o Grupo de Trabalho 19 (WG-19) da Associação Internacional de Túneis e Espaço Subterrâneo (ITA), sobre Túneis Convencionais, aponta a contratação por preço unitário (PU ou DBB) como a mais adequada para a construção de túneis de acordo com a filosofia NATM, por permitir aprovação e certificação de ajustes e modificações de projeto e métodos construtivos dentro de um curto espaço de tempo (ITA, 2008). Ou seja, esse tipo de contrato se ajusta perfeitamente aos requisitos necessários para a construção de túneis pelo método NATM, e contempla integralmente o que esse método tem de melhor, que é a sua alta flexibilidade. Por outro lado, o sucesso de empreendimentos contratados por preço unitário requer que seja bem estabelecida uma política equilibrada de compartilhamento de riscos entre o proprietário e a construtora; do contrário as disputas entre as partes serão inúmeras, com resultados negativos no cronograma e nos custos do empreendimento. A forma de contratação do tipo Preço Global (PG ou DB) para grandes obras subterrâneas foi desenvolvida mais recentemente, durante as últimas duas décadas. Nesse tipo de contrato, o proprietário se relaciona apenas com uma parte, que é a Relatório Técnico nº 99 642-205 - 46/384 entidade executora, formada pela construtora e suas subcontratadas, e pela projetista (Figura 5.2). Nessa modalidade, o projeto básico elaborado para a licitação e a contratação é mais simplificado, sendo fornecidas apenas as diretrizes principais do empreendimento e as especificações técnicas e de desempenho relevantes, deixando para a entidade executora a escolha de métodos, serviços e materiais, desde que o produto final atenda às especificações técnicas e de desempenho contratadas. Figura 5.2 - Esquema das relações entre partes em contratos por preço global (PG ou DB). A principal vantagem dos contratos do tipo Preço Global (PG ou DB) é que o proprietário tem que se relacionar apenas com a entidade executora, o que simplifica o processo de comunicação entre as partes e a administração dos contratos gerenciados pelo proprietário. Adicionalmente, o processo de licitação pode ocorrer mais cedo na escala do tempo de desenvolvimento do empreendimento, pois uma parte substancial da complementação e detalhamento do projeto será executada pela entidade executora, após a adjudicação do contrato. Esses fatores normalmente reduzem prazos e custos, na fase de pré-licitação do empreendimento. Ademais, nessa modalidade é minimizada a ocorrência de longos e custosos litígios e evitam-se negociações sobre mudanças nas condições. Outras vantagens decorrem da interação mais cedo da construtora com a Relatório Técnico nº 99 642-205 - 47/384 projetista, tais como: apresentação de contribuições ao projeto, identificação e discussão de aspectos de construção etc. Por outro lado, a principal desvantagem desse tipo de contrato é a perda, por parte do proprietário, do controle total do empreendimento, ficando mais difícil manter equilibrado o tripé qualidade - produção - custos, fatores esses que freqüentemente são mutuamente excludentes. Nesse tipo de contrato, tem sido recorrente a dificuldade de proporcionar condições de igualdade entre a projetista, responsável pelas especificações técnicas e qualidade do projeto, e a construtora, naturalmente mais interessada no avanço da obra e custos, já que o contrato por preço global normalmente impõe pesadas multas por atrasos e, além disso, ganhos de produtividade representam incrementos da lucratividade. As pressões para a produção, portanto, devem necessariamente ser equilibradas por medidas preventivas que assegurem a segurança e a qualidade da construção, pois a primeira está estreitamente relacionada com a segunda. Um dos primeiros e mais notáveis exemplos de contratação do tipo Preço Global (PG ou DB) de obras subterrâneas refere-se à construção do Túnel do Canal da Mancha, entre o Reino Unido e a França. O proprietário, a empresa denominada Eurotunnel, manteve um controle rígido em todas as fases do empreendimento. Apesar disso, a entidade executora apresentou uma demanda de ajuste financeiro do contrato, alegando mudanças nas condições do maciço, cuja decisão final lhe foi favorável. O que vários exemplos de obras subterrâneas contratadas do tipo Preço Global têm ensinado é que, se o proprietário julgar que transferiu todos os riscos para a entidade executora pode ignorar a garantia técnica, então é provável que as questões técnicas não tenham precedência sobre os aspectos relacionados aos recursos orçamentários, programação e avanço dos trabalhos. Essa constatação tem requerido adaptações contratuais para que o proprietário continue exercendo certo nível de controle, tornando necessária uma definição mais clara da política de gerenciamento e compartilhamento de riscos. A Figura 5.3 mostra a relação entre os tipos de contrato, os graus de risco correspondentes ao proprietário e à construtora e os custos finais relativos do empreendimento (Ciria, 1978). Na modalidade denominada Reembolso de Serviços Prestados o proprietário é responsável pela definição completa do empreendimento e a Relatório Técnico nº 99 642-205 - 48/384 construtora apenas realiza as tarefas e é reembolsada pelos trabalhos executados. Nesse caso há uma predominância completa das especificações técnicas e os riscos do empreendimento recaem integralmente sobre o proprietário. No outro extremo, situam-se os contratos por preço global, onde a predominância agora é de especificações de desempenho, e em um ponto intermediário, estão os contratos por preço unitário (combinação de especificações técnicas e de desempenho). A tendência de custos mais elevados para contratos por preço global se deve à contingência embutida no preço ofertado para compensar os riscos que a entidade executora avalia que irá correr ao longo da construção. O ponto correspondente ao custo mínimo varia em função das bases da contratação, das parcerias estabelecidas e do grau de confiança nas relações entre as partes, mas está nas vizinhanças dos contratos por preço unitário, quando esses empreendimentos são licitados com base em projetos bem estudados, definidos e especificados, e executados por empresas capacitadas e experientes, e fiscalizados de forma equilibrada e eficaz. 0% 100 % 100 % 0% Figura 5.3 - Relação entre os tipos de contrato, os graus de risco correspondentes ao proprietário e à construtora e os custos finais relativos do empreendimento (modificado - Ciria, 1978) Para grandes obras civis, eventualmente são utilizados contratos híbridos, com parte do empreendimento realizado do tipo Preço Unitário (PU ou DBB) e o restante do tipo Preço Global (PG ou DB). Por exemplo, na recém-inaugurada extensão leste da Linha Gold do Metrô de Los Angeles (EUA), os trechos em obras subterrâneas (túneis e estações) foram contratados do tipo Preço Unitário (PU ou DBB) e os trechos em superfície do tipo Preço Global (PG ou DB). Isso em razão do proprietário ter considerado que o grau de risco envolvido era maior nos trechos subterrâneos e, portanto, essa Relatório Técnico nº 99 642-205 - 49/384 parcela do empreendimento requeria uma supervisão mais cerrada de sua parte. Um contrato similar foi utilizado no Brasil para a construção do Metrô de Salvador.