SIRLEI BERGEL VOZ DO TRANSEXUAL MASCULINO Monografia apresentada ao CEFAC - Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica para a obtenção do certificado de conclusão do Curso de Especialização em Voz PORTO ALEGRE - RS 1999 FICHA CATALOGRÁFICA BERGEL, Sirlei Voz do Transexual Masculino, Porto Alegre , 16 p. 30cm. (Monografia - Curso de Especialização em Voz - Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica) Descritor: Distúrbios da Voz NLMC - WV500 3 CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: VOZ COORDENADOR: Profª. Dra. Sílvia Maria Rebelo Pinho Mestre e Doutora pela UNIFESP Escola Paulista de Medicina, Especialista em Voz e Coordenadora dos Cursos de Especialização em Voz do CEFAC ORIENTADOR DE CONTEÚDO: Profª. Dra. Sílvia Maria Rebelo Pinho Mestre e Doutora pela UNIFESP Escola Paulista de Medicina, Especialista em Voz e Coordenadora dos Cursos de Especialização em Voz do CEFAC ORIENTADOR METODOLÓGICO: Profª. Maria Helena U. Caetano Mestre pela UNIFESP - Escola Paulista de Medicina, Especialista em Audiologia e Doutoranda em Ciências na Área de Fisiopatologia Experimental da Faculdade de Medicina da USP 4 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 05 2. LITERATURA ................................................................................................... 06 3. DISCUSSÃO ...................................................................................................... 10 4. CONCLUSÃO .................................................................................................... 15 5. RESUMO ........................................................................................................... 16 6. SUMMARY ....................................................................................................... 17 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 18 8. FONTES CONSULTADAS ............................................................................... 20 5 INTRODUÇÃO Transexualismo é uma desordem de identificação sexual. Transexuais são pessoas que sentem intimamente que pertencem ao sexo oposto ao seu sexo anatômico. O tratamento para estes indivíduos inclui terapia hormonal, cirurgia plástica e terapia fonoaudiológica, com acompanhamento na área psicológica. Indivíduos geneticamente masculinos submetidos à cirurgia de mudança de sexo sentem a necessidade de ter uma conduta social adequada ao sexo, o que inclui modificar as características vocais, tornando-as femininas. Os transexuais femininos submetidos à terapia hormonal modificam algumas características gerais como o crescimento de pêlos e barba, além da modificação da voz que se torna mais grave pelo aumento da massa das pregas vocais. A administração de estrógeno para as pessoas geneticamente masculinas resulta em alguma feminilidade do corpo, mas não na modificação da voz. Transexuais masculinos têm feito esforços espontâneos para modificar a voz, mas estes esforços não têm sido suficientes para modificar as características vocais. Diante da necessidade de adequação da voz ao padrão sexual escolhido, no caso o feminino, a finalidade deste trabalho é de investigar quais os aspectos que estão envolvidos nesta transformação e dessa forma descobrir qual a técnica de tratamento mais eficiente, ou seja, quais os parâmetros fonoaudiológicos para se adquirir a voz feminina. Em caso de insucesso, quais os procedimentos cirúrgicos viáveis para o tratamento e se esses garantem a aquisição de uma fala feminina. 6 LITERATURA WOLFORT & PARRY (1975) referiram a proeminência da cartilagem laríngea como causadora de um constrangimento para os transexuais masculinos. Citaram a necessidade de cirurgia para redução da cartilagem laríngea no tratamento desses indivíduos e descreveram a técnica cirúrgica utilizada em onze transexuais masculinos que ficaram satisfeitos com o resultado. BRALLEY, BULL, GORE, EDGERTON (1978) descreveram o tratamento para elevação do pitch de um transexual submetido à cirurgia para mudança de sexo. O paciente já havia recebido terapia hormonal, não apresentando modificação na qualidade vocal. Por meio de terapia vocal, conseguiu elevar a freqüência fundamental (Fo) de 145Hz para 165Hz, o que está bem abaixo da freqüência encontrada na típica voz feminina ao redor de 200Hz. Referiram que a redução da cartilagem tireóide ou a redução do terço anterior do segmento vibratório das pregas vocais como intervenção cirúrgica pode resultar na elevação do pitch em níveis equivalentes aos do falante feminino, mas deve ser considerado como um adjunto da terapia vocal. A fonoterapia é necessária para evitar a possibilidade de abuso vocal, cirurgicamente criado. Deve haver cautela para evitar procedimentos que possam causar excessiva fadiga vocal, rouquidão ou obstrução da passagem de ar. DONALD (1982) citou que o maior problema dos transexuais masculinos é a permanência da voz masculina. Relatou a cirurgia à qual se submeteram três transexuais masculinos para aumentar a freqüência fundamental pela diminuição do comprimento vibratório das pregas vocais. Através de uma laringo-fissura o terço anterior de cada prega vocal foi desnudado e aproximado, criando uma membrana anterior , tendo resultado safisfatório na elevação do pitch nos três casos. ISSHIKI (1983) citou que o pitch vocal pode ser modificado com cirurgia. Referiu cinco técnicas cirúrgicas: aproximação cricotireóidea; expansão da ala tireóide; incisão longitudinal nas pregas vocais; injeção intracordal de esteróide; evaporação de laser CO2 nas pregas vocais. O autor usou a aproximação cricotireóidea em onze pacientes, produzindo substancial elevação do pitch. Referiu também que as cirurgias intracordais devem ser usadas com cuidado, porque podem interferir na vibração das pregas vocais. 7 COLEMAN (1983) referiu que profissionais que tratam de transexuais afirmam que a característica de gênero mais resistente à mudança é a voz. Reforçou este dado, principalmente em se tratando do transexual masculino; pois, embora parecesse que a simples elevação do pitch da voz para a região feminina apropriada seria efetivo, observou que, mesmo sob tais circunstâncias, as outras características vocais masculinas ainda persistiam em grande parte dos casos. O autor refere que, apesar de a freqüência fundamental poder ser elevada com relativa facilidade, as grandes dimensões do trato vocal masculino são fixas, e os transexuais masculinos não conseguem eliminar completamente suas características vocais. Em função disso, o autor recomendou que pessoas que estivessem aguardando a cirurgia para mudança do sexo masculino para o feminino, fossem informadas de que talvez não conseguiriam eliminar totalmente a qualidade masculina de suas vozes. SPENCER (1988) referiu que, para transexuais femininos, a administração de andrógeno baixava o pitch vocal, mas a administração de estrógeno para os transexuais masculinos resultava em alguma feminilização do corpo, sem modificação da voz. O autor demonstrou a diferença de amostra de fala pré e pós-terapia de oito transexuais masculinos; quatro desses indivíduos aumentaram a freqüência fundamental de suas vozes e foram percebidos como sendo femininos, mas nenhum deles tinha estatura acima de 170 cm de altura. Isso poderia indicar que indivíduos de baixa estatura teriam trato vocal curto. Sendo assim, a combinação de alta freqüência fundamental e pequena estatura teriam resultado mais favorável no conjunto de características ideais para os transexuais. Concluiu que fonoterapia pode auxiliar um indivíduo a mudar seu estilo de fala, mas, certamente, nem todo transexual masculino consegue essa modificação. MOUNT & SALMON (1988) demonstraram a modificação das características vocais de um paciente transexual de 63 anos de idade, submetido à cirurgia para mudança de sexo, ensinando progressivamente a elevação da Fo, passando de 110 para 205Hz, anteriorizando a língua a fim de adquirir características ressonantais mais altas do trato vocal, bem como, promovendo um ataque vocal aspirado e estabelecendo padrões apropriados de inflexão de acordo com a freqüência mais alta utilizada. A anteriorização da língua se mostrou aspecto importante na percepção de feminilidade. WOLFE, RATUSNIK, SMITH, NORTHROP (1990) fizeram um estudo comparando freqüência fundamental e padrões de entonação em dois grupos de transexuais: os identificados como tendo voz masculina e os identificados como tendo voz feminina. Concluíram que existe uma variação muito restrita separando a Fo média da voz transexual percebida como masculina em relação à percebida como feminina. Além disso, o menor valor de Fo percebido como feminino foi de 155Hz. 8 Também observaram que a voz feminina é menos monótona e mais variável que a voz masculina, sendo este dado importante na identificação sexual quando a freqüência fundamental é ambígua. Assim, padrões individuais de entonação podem contribuir para uma representatividade de qualidade vocal mais feminina. GÜNZBURGER (1995) referiu que duas principais diferenças entre vozes masculinas foram bem documentadas e podem ser explicadas no plano anátomo-fisiológico. A primeira e mais importante em termos perceptivos pode ser explicada pelo fato de as pregas vocais do homem serem maiores e mais espessas do que as da mulher. Em conseqüência, a Fo ou pitch é menor na voz do homem. Segundo, porque o homem tem o trato vocal maior e as freqüências ressonantes são mais baixas. Biologicamente, a voz e as diferenças de fala são caracteres sexuais secundários e são causados pela influência hormonal durante a puberdade. O autor também ressaltou que várias características de fala não podem ser explicadas por fatores biológicos. Padrões de influência cultural, pressão social e os meios de comunicação participam no desenvolvimento de determinadas características vocais observadas. Em termos de diferenças masculinas/femininas, encontrou evidências de hábitos vocais e articulatórios dependentes do sexo e que tiveram origem em idades bem anteriores à puberdade. GÜNZBURGER (1995) analisou amostras de fala de seis transexuais masculinos com o propósito de analisar as diferenças possíveis entre as realizações femininas e masculinas quanto ao pitch e suas variações, loudness e suas variações e características de vários formantes, concluindo, que apesar das restrições anatômicas, e devido à grande motivação, sujeitos geneticamente masculinos foram capazes de intuitivamente adotar características vocais que são identificadas como padrão feminino. Relacionou a voz suave com o estereótipo feminino de ternura, afeição e submissão e da forte intensidade relacionada ao estereótipo masculino de vigor, ambição e dominância. Referiu ainda a importância da elevação dos valores do terceiro formante na produção da voz com características femininas através do consciente ou inconsciente encurtamento do comprimento da cavidade da boca pela retração das comissuras labiais. THOMPSON (1995) referiu que hormônios podem influenciar o trato vocal. O andrógeno quando usado em mulheres pode masculinizar a voz. Embora não tenha justificado, também referiu, que o estrógeno em homens pode feminilizar a voz quando usado no tratamento de carcinoma de próstata, o que não ocorre quando usado para elevação do pitch vocal nos transexuais. 9 MAHIEU, NORBART, SNEL (1996) referiram que a elevação do pitch vocal com monitoramento da voz durante a cirurgia pode ser adquirida pela aproximação da cricóide e da tireóide, às vezes em combinação com avanço da comissura anterior. Em função da relativa alta incidência de fratura da cartilagem cricóide, puxando extremamente as suturas na mais extrema aproximação cricotireóidea para elevação do pitch em pacientes transexuais, indicaram também o uso de um colchão de silicone na cartilagem cricóide. A média pré-operatória de pitch foi de 127Hz. E no pós-operatório, os pacientes tinham adquirido pitch de 174 a 262Hz, correspondente à extensão feminina, sendo que a média pós-operatória foi de 191Hz. A elevação de pitch da voz falada foi de sete semitons, mas a extensão melódica diminuiu quase uma oitava no pós-operatório. PHILLIPS (1998) relatou sua experiência pessoal para tornar sua voz feminina, descrevendo sete fatores como responsáveis pela modificação: pitch, ressonância, entonação, enunciado, vocabulário, gramática e gestos. Citou que, na realidade, o pitch masculino e feminino estão muito próximos, que a diferença maior está na ressonância. Salientou a variação da entonação, tendo esta efeito de música e junto a isso o gesto, que faz com que a voz soe mais feminina e humana. Compara a voz feminina com a música e o gesto com a dança, formando os dois juntos um conjunto sinfônico. 10 DISCUSSÃO Transexualismo é uma desordem de identificação sexual. Um indivíduo é anatomicamente masculino, mas sente-se como uma mulher desde a infância ou é anatomicamente feminino e sente-se como homem. Segundo VIEIRA (1996) o tratamento para transexuais masculinos consiste em: terapia hormonal com administração de estrógeno; retirada de testículos; retirada do pênis ou aproveitamento do tecido do pênis para a construção de um neovagina, com cirurgia plástica. A terapia hormonal, só é realizada após, pelo menos, três meses de psicoterapia. A cirurgia é realizada após, pelo menos, dois anos de acompanhamento terapêutico, com diagnóstico de transexualismo e carta de recomendação de dois profissionais da área da psicologia (psicólogo, psiquiatra ou psicanalista), sendo que um deve ter doutorado na área. Para uma melhor interação social, transexuais masculinos submetidos à cirurgia de mudança de sexo, sentem a necessidade de modificar as características de voz para torná-la feminina. Realizam esforços espontâneos para alterar seu jeito de falar, que, muitas vezes, são insuficientes para caracterizar o sexo escolhido. COLEMAN (1983) referiu que terapeutas de transexuais afirmam que a característica de gênero mais resistente à mudança é a voz, principalmente no caso do transexual masculino. Acredita-se que isso ocorra devido ao fato de que, como foi referido por SPENCER (1988) para mulheres transexuais, que são geneticamente femininas, a administração do hormônio andrógeno baixa o pitch vocal, mas a administração de estrógeno para os geneticamente masculinos resulta apenas em alguma feminilidade do corpo, sem modificação vocal. LAWRENCE (1987) e SATALOFF e col. (1995) que relataram o efeito dos medicamentos sobre a voz , também não fizeram nenhuma referência sobre a eficácia dos mesmos quanto à elevação do pitch vocal. LASS e col. (1975) fizeram uma investigação para determinar a relativa importância da freqüência fundamental e as características ressonantes do trato vocal na identificação sexual do falante, chegando à conclusão que a Fo laríngea é a característica mais importante. Entretanto COLEMAN (1976) referiu que, embora parecesse que o simples aumento de pitch vocal para a extensão apropriada feminina seria efetivo, a qualidade distinta vocal masculina muitas vezes persistia. Isso poderia ser explicado pela teoria source-filter, que é referida por LIBERMAN 11 (1977) e FANT (1981), ou seja, que a voz consiste de dois principais componentes acústicos: o tom gerado pela laringe e, o efeito de modulação no tom pela ação do trato vocal como uma série de duplos ressonadores acústicos. O primeiro componente desta teoria é o de que as pregas vocais aproximadas são forçosamente sopradas e separadas pela ação do ar em elevação que pressiona a laringe e uma porção de ar é liberada. As pregas vocais se reaproximam por meio de uma combinação de forças que incluem a elasticidade do tecido, a redução da pressão subglótica que ocorre quando as pregas são separadas e o efeito aerodinâmico as leva para a linha média. Com a reaproximação das pregas vocais, a pressão de ar subglótico novamente se eleva a um ponto em que ela supera a resistência fornecida pelas pregas vocais e o processo é repetido. As séries de fluxo de ar liberado assumem uma qualidade tonal cuja periodicidade é determinada por uma complexidade de fatores, incluindo a massa, a tensão das pregas vocais e o grau de pressão de ar subglótico. Devido ao fato de a maior massa das pregas vocais masculinas fornecer maior resistência , o ciclo de vibração é um pouco mais lento do que nas mulheres e o pitch mais baixo, sendo esta uma característica perceptiva muito distinta de voz masculina. O segundo componente acústico da voz resulta da ação do trato vocal sobre o tom gerado na glote. O trato vocal é um tubo contínuo que se estende da glote até os lábios. Em função da maior estatura dos homens, o trato vocal masculino é em torno de dois centímetros mais comprido do que o feminino. Na fala, as cavidades ressonantes do trato vocal moldam o tom glotal de maneira consistente com as leis de ressonância acústica. Como o trato vocal masculino é um pouco mais longo que o feminino, as freqüências nas quais a energia vocal é concentrada no sinal de fala masculino são um pouco mais grave. COLEMAN (1983) baseando-se nessa teoria, referiu que a Fo pode ser elevada com relativa facilidade, mas, como as dimensões do trato vocal são fixas, muitas vezes os homens não conseguem eliminar completamente a qualidade masculina de suas vozes. SPENCER (1988) demonstrou que quatro indivíduos geneticamente masculinos aumentaram a freqüência fundamental de suas vozes e foram percebidos como sendo femininos e nenhum deles tinha estatura acima de 170 cm de altura. Isso poderia indicar que indivíduos de baixa estatura teriam trato vocal curto. BEHLAU & PONTES (1995) também referiram que o tipo físico tem sido tradicionalmente considerado como um fator importante para a classificação da voz e, embora com o passar dos tempos tenham-se verificado inúmeras exceções em cantores de sucesso, continua valendo a regra anatômica geral de que quanto mais alto em estatura é o indivíduo, mais grave é a sua tessitura vocal. 12 Sendo assim, pode-se pensar que a combinação de alta freqüência fundamental e pequena estatura terá resultado mais favorável na modificação da voz dos transexuais. Mas, no caso do indivíduo que tem alta estatura, deve-se pensar no que foi citado por MOUNT & SALMON (1988) ao afirmarem que características de ressonância do trato vocal poderiam ser a segunda sugestão acústica para identificação do falante. Demonstraram haver uma concordância entre freqüência fundamental e freqüência formante na identificação da voz como feminina, sugerindo a aquisição progressiva da freqüência fundamental feminina e após a aquisição do segundo formante (F2) para este gênero, através da anteriorização da língua. Também referiram a importância de promover um ataque vocal aspirado e estabelecer padrões de inflexão de acordo com a freqüência mais alta utilizada. Já GÜNZBURGER (1995) demonstrou que valores de primeiro e segundo formantes não conseguiram indicar uma relação sistemática entre realização feminina e masculina, mas freqüências centrais do terceiro formante (F3) foram altas na versão feminina. Provavelmente, sendo o resultado da consciente ou inconsciente diminuição no comprimento da cavidade bucal, através da retração dos cantos da boca, aumentando o valor de F3. OHALA (1984) já mencionava que o uso diferencial na expressão facial durante a fala, incluindo maior retração dos cantos da boca, é considerado como característica dos falantes femininos num contexto cultural. Como técnica fonoaudiológica no tratamento dos transexuais masculinos, acredita-se ser necessário elevar o pitch gradativamente, evitando esforço e usando ataque vocal aspirado, modificar o trato vocal, reunindo o que foi dito pelos autores acima, ou seja, anteriorizando a língua e diminuindo o arredondamento dos lábios. Mas também é importante pensar no que foi referido por BENNETT & WEINSBER’S (1979) ao declararem que crianças masculinas e femininas falando monotonamente foram identificadas como sendo masculinas, que a redução da variabilidade de pitch é uma característica do padrão de fala masculino, o que já é adquirido pelos meninos precocemente. E SHAEFER (1982) citou que transexuais do sul acham mais fácil alterar suas vozes; o autor acredita que isso é secundário ao uso de uma variação mais ampla dos padrões de inflexão nos homens com sotaque sulista. SPENCER (1988) ressaltou que os indivíduos que participaram de sua pesquisa procuraram imitar o padrão característico de entonação feminino. Também MOUNT & SALMON (1988) referiram que houve uma variedade no padrão de entonação, enquanto aumentava a freqüência fundamental do paciente. Apesar de este não ter sido um dos objetivos de seus trabalhos, citaram- 13 no como um fator importante na perceptividade feminina da voz. Isto se confirma no estudo de WOLFE e col. (1990) que analisaram a freqüência fundamental e entonação em dois grupos de transexuais; um grupo identificado como tendo voz masculina e outro identificado como tendo voz feminina, chegando à conclusão que o limite máximo para a identificação vocal masculina foi de 145Hz. E que o limite inferior para a identificação da voz feminina foi de 155Hz. Este valor foi um pouco menor do que os valores sugeridos por SPENCER (1988). Nesse estudo foi interessante que o falante com voz considerada como a mais feminina tinha freqüência fundamental de 155Hz, a mais baixa de todos os falantes padronizados como femininos, isso devido, possivelmente a sua alta percentagem de variação de entonação. A comparação de padrões masculinos e femininos com similar Fo sugeriu que a maior variação na entonação auxiliou na representatividade vocal mais feminina apesar da Fo ser ainda considerada por eles como a mais importante característica de identificação sexual. BOONE (1996) ressaltou que a voz da mulher americana apresenta uma tendência de inflexão para cima ao final das sentenças, o que contrasta com o padrão típico masculino, que caracteristicamente cai ao final das sentenças. Essa mudança de inflexão para cima parece ser culturalmente aprendida e projeta uma impressão de fragilidade. A voz masculina clássica, tem inflexão para baixo, transmitindo uma mensagem de confiança. Devido a padrões de influências culturais, pressão social e meios de comunicação, certas imagens vocais são desenvolvidas. Assim como o autor acima, KEY (1975) referiu que há outros fatores consistentes cujas diferenças são facilmente detectáveis entre falantes femininos e masculinos como a construção sintática, o vocabulário, a articulação, a qualidade vocal e o padrão entonacional. PHILLIPS (1998), que é transexual, ao relatar sua experiência pessoal para tornar sua voz feminina, também incluiu esses fatores como responsáveis pela modificação da voz masculina em feminina, acrescentando a ressonância e o gesto. Citou que, na realidade, o pitch masculino e feminino estão muito próximos, que a diferença maior está na ressonância. Salientou a variação da entonação, junto ao gesto que faz com que a voz soe mais feminina e humana. Também referiu que o enunciado da mulher é mais suave e contínuo, que o vocabulário e a ordem das palavras nas sentenças denota submissão, ao contrário do homem que usa palavras e frases mais afirmativas, denotando poder. GÜNZBURGER (1995) também relacionou a voz suave e a variação da entonação com o estereótipo feminino de ternura, afeição e submissão e a forte intensidade ao estereótipo masculino de vigor, ambição e dominância. Mesmo com a modificação do papel da mulher na sociedade de hoje, acredita-se que esses 14 fatores culturais ainda se encontram muito arraigados às pessoas e, pensando na importância do que foi referido pelos autores acima, acredita-se ser fundamental na fonoterapia do transexual masculino, valorizar e modificar esses fatores, quando necessário. Alguns autores referiram procedimentos cirúrgicos microlaringoscópicos para modificar a tensão das pregas vocais, almejando a elevação do pitch vocal. DONALD (1982) defendeu a criação de uma membrana na comissura anterior das pregas vocais para elevar o pitch. Pela redução do comprimento vibratório das pregas vocais e aumentando a tensão das mesmas pela cicatriz formada, ocorre a elevação do pitch. Às vezes, fica difícil controlar o comprimento das pregas vocais ao formar a membrana; por isso, nem sempre, os resultados são positivos. MAHIEU e col. (1996) demonstraram que a elevação do pitch vocal com monitoramento da voz durante a cirurgia pode ser adquirido pela aproximação da cricóide e da tireóide, às vezes em combinação com avanço da comissura anterior. A maioria dos 29 pacientes transexuais submetida a esta cirurgia, ficaram satisfeitos com o resultado e consideraram suas vozes como vozes femininas normais; apenas quatro pacientes não ficaram satisfeitos. A média pré-operatória de pitch foi de 127Hz, e pós-operatória foi de 191Hz. A elevação de pitch da voz falada foi de sete semitons, mas a extensão melódica diminuiu quase uma oitava no pós-operatório. Esse dado é fundamental para ressaltar a importância da fonoterapia no pós-cirúrgico, pois o paciente, sentindo a diminuição na extensão melódica, pode fazer esforço vocal no novo modo de fonação como foi referido por BRALLEY e col. (1978). Baseado nos resultados nem sempre satisfatórios das cirurgias e pelo fato de que a elevação do pitch não seja suficiente para a modificação da voz do transexual masculino, acredita-se que a cirurgia seria indicada nos casos em que com fonoterapia o transexual masculino não consiga uma Fo acima de 155Hz, valor referido por WOLFE e col. (1990) como limite inferior para identificação da voz como feminina. A fonoterapia se faz importante para orientar o transexual quanto aos fatores que estão envolvidos na modificação vocal, indicando o que pode ser modificado com fonoterapia e em quais os casos é indicada a cirurgia, advertindo quanto aos riscos da mesma, e quanto à importância do trabalho fonoterápico no pós-cirúrgico. 15 CONCLUSÃO Com este estudo conclui-se que há vários fatores que interferem na aquisição de uma voz mais feminina no caso do transexual geneticamente masculino: variação na entonação; mudança na ressonância do trato vocal através da retração dos lábios e anteriorização da língua; e elevação da freqüência fundamental. Também é importante que sejam observados os aspectos sócio-culturais como o vocabulário, a gramática, o enunciado e os gestos na produção da voz com características femininas. Em função dos riscos e dos resultados nem sempre positivos da cirurgia e levando em consideração que o pitch é apenas um dos fatores na modificação vocal para a forma feminina, acredita-se que esta seria indicada nos casos em que com fonoterapia o transexual masculino não consiga uma Fo acima de 155Hz, que é considerado como limite inferior para a identificação da voz como feminina. Como há poucos trabalhos publicados sobre esse assunto, sugerem-se novos estudos com o objetivo de avaliar as técnicas fonoaudiológicas e a real necessidade da cirurgia para a produção da voz com características femininas no tratamento do transexual masculino. 16 RESUMO É de fundamental importância que o transexual masculino desenvolva uma conduta social feminina na sociedade. E sendo a voz fundamental na identificação do falante, descreveram-se os parâmetros fonoaudiológicos e os procedimentos cirúrgicos necessários para a aquisição da voz com características femininas. Os fatores fonoaudiológicos fundamentais são: variação na entonação; mudança na ressonância do trato vocal através da retração dos lábios e anteriorização da língua; e elevação da freqüência fundamental. Também é importante que sejam observados os aspectos sócio-culturais como o vocabulário, a gramática, o enunciado e os gestos na produção da voz com características femininas. A cirurgia da aproximação cricotireóidea ou a cirurgia da criação de uma membrana na comissura anterior das pregas vocais podem elevar o pitch; mas, sendo este apenas um dos fatores envolvidos na modificação vocal para a forma feminina e em função dos riscos e dos resultados nem sempre positivos da cirurgia, acredita-se que esta seria indicada nos casos em que, com fonoterapia, o transexual masculino não consiga uma Fo acima de 155Hz, que é considerada como limite inferior para a identificação da voz como feminina. 17 SUMMARY It is basically important for the male-to-female transsexual to develop a feminine social behavior in society. And as the voice is fundamental in the speaker’s identification, we describe the fonoaudiologic parameters and necessary surgical procedures for the acquisition of the voice with feminine characteristics. The basic fonoaudiologic factors are: variation of intonation, change in the resonance in the vocal tract by lips retraction and tongue forward movement, and elevation of the fundamental frequency. It is also important to observe socio-cultural aspects such as vocabulary, grammar, enunciation and gestures in the production of the voice with feminine characteristics. The surgery of cricothyroid approximation or the surgery to creat a membrane in the frontal comissure of the vocal folds can elevate the pitch but as this is just one of the many factors involved in the vocal change for the female form and due to the risks and not always positive results of the surgery, this would be indicated in the cases in which, with fonotherapy, the male-to-female transsexual can not reach a fundamental frequency above 155Hz that is considered the lowest limit for the voice to be identified as feminine. 18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AJURIAGUERRA, J.D. 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