O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO NO CDES
DOCUMENTO SÍNTESE
..................
Conselho de
Desenvolvimento
Econômico e Social
Secretaria de
Relações Institucionais
Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social
Presidência da República
Vice-Presidência da República
Secretaria de Relações Institucionais
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Secretaria de Relações Institucionais - SRI
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES
Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - SEDES
O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO NO CDES
DOCUMENTO SÍNTESE
Brasília, março de 2010
Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – SEDES
Secretária
Esther Bemerguy de Albuquerque
Secretária Adjunta
Ângela Cotta Ferreira Gomes
Diretoria de Gestão
Diretoria de Tecnologia de Diálogo Social
Diretor
Ronaldo Küfner
Diretora
Ana Lúcia de Lima Starling
Gerente de Projeto
Raquel de Albuquerque Ramos
Gerente de Projeto
Maria França e Leite Velloso
Gerente de Projeto
Luiz Carlos Emanuely Osório
Gerente de Projeto
Rosa Maria Nader
Gerente de Projeto
Eduardo Almeida
Auxiliar Técnico
Karen Vaz Silva
Diretoria de Políticas de Desenvolvimento
Diretoria Internacional
Diretor
Adroaldo Quintela Santos
Diretora
Maria Luiza Falcão Silva
Assessora Técnica
Patrícia da Silva Pego
Especialista
Cristina Ribeiro Fernandes Quadra
Anexo I – Ala “A”, sala: 202 – (61) 3411.2199 / 3393
Brasília – DF – CEP: 70.150-900
[email protected] www.cdes.gov.br
Disponível em: CD-ROM
Disponível também em: <http//www.cdes.gov.br>
Tiragem: 1.000 exemplares
Impresso no Brasil
Catalogação feita pela Biblioteca da Presidência da República
D63
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES - documento síntese. Brasília: Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES, 2010.
184 P.
1. Desenvolvimento CDES 2. Seminário sobre Desenvolvimento 3. seminário Internacional de Desenvolvimento . I Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
CDD - 338.981
Índice
Composição do CDES (2009/2011)
Prefácio
Parte I – Mesa-Redonda: Diálogo social, alavanca para o
desenvolvimento (2004)
Apresentação
Abertura
Entrevista com Professor Celso Furtado
I Painel: Como empreender o desenvolvimento que interessa
ao conjunto da sociedade brasileira?
II Painel: Como construir o diálogo social pró-desenvolvimento
Parte II – Seminário sobre Desenvolvimento: Agenda Nacional de
Desenvolvimento em debate (2009)
Apresentação
Abertura
Mesa-Redonda I: O desafio do desenvolvimento brasileiro e a
AND
Mesa-Redonda II: O desenvolvimento em perspectiva
histórica e internacional
Parte III – Seminário Internacional de Desenvolvimento (2009)
Apresentação
Introdução
Abertura
Mesa-Redonda: Novo padrão de desenvolvimento crescimento, estabilidade e inclusão social
Conferência: “Desafios para o Desenvolvimento Brasileiro”
Mesa de Diálogo: O papel do estado no mundo pós-crise e os
desafios do estado brasileiro
Mesa de Diálogo: O processo de integração latino-americana
- possibilidades de desenvolvimento e os efeitos da crise
financeira internacional
Mesa de Diálogo: Globalização financeira e perspectivas de
um novo sistema de financiamento e regulação do sistema
financeiro internacional
Mesa de Diálogo: Novo papel das instituições financeiras
multilaterais
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171
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Composição do CDES (2009/2011)
Presidência da República
Vice-Presidência da República
Secretaria de Relações Institucionais
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
Comitê Gestor
Conselheiros – Sociedade Civil
Abilio Diniz - Presidente do Conselho de Administração do Grupo Pão de Açúcar
Adilson Antônio Primo - Presidente da Siemens do Brasil e Vice-Presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e
Eletrônica (ABINEE)
Adilson Ventura - Membro da União Brasileira de Cegos (UCB)
Alberto Broch - Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Altemir Tortelli - Coordenador Geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul (FETRAF-Sul)
Amarílio Proença de Macêdo - Presidente das Empresas J. Macêdo
Antoninho Marmo Trevisan - Presidente das Empresas Trevisan
Antonio Carbonari Netto - Reitor do Centro Universitário Anhanguera
Antonio Carlos Rego Gil - Presidente Executivo da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e
Comunicação (BRASSCOM)
Antonio Carlos Valente da Silva - Presidente Executivo do Grupo Telefônica do Brasil
Antônio Fernandes Neto - Presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB)
Arildo Mota Lopes - Presidente da União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Social (UNISOL)
Artur Henrique da Silva Santos - Presidente Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Augusto Canizella Chagas - Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)
Bruno Ribeiro de Paiva - Diretor Executivo do Instituto Dom Helder Câmara (IDHEC) e Advogado da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE)
Candido Mendes - Reitor da Universidade Candido Mendes
Carlos Gilberto Cavalcante Farias - Presidente do Sindicato dos Produtores de Açúcar e Álcool da Bahia
Cláudio Elias Conz - Presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (ANAMACO)
Clemente Ganz Lúcio - Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)
Daniel Feffer - Vice-Presidente Corporativo da Suzano Holding S.A.
Danilo Pereira da Silva - Presidente da Força Sindical de São Paulo
Enilson Simões de Moura (Alemão) - Vice-Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT)
Fabio Colletti Barbosa - Presidente da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) e do Grupo Santander Brasil
Fernando José Cardim - Professor Titular de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Germano Rigotto – Consultor, ex-governador do RS, ex-deputado federal
Humberto Mota - Presidente da Associação das Empresas Concessionárias dos Aeroportos (ANCAB) e da Dufry South
América
Ivo Rosset - Presidente das Empresas Rosset & Cia Ltda e Valisère Ind. & Com Ltda
Jackson Schneider - Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA)
Jacy Afonso de Melo - Secretário de Finanças da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
João Batista Inocentini - Presidente do Sindicato dos Aposentados do Brasil
João Bosco de Oliveira Borba - Presidente da Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores AfroBrasileiros (ANCEABRA)
João Elisio Ferraz - Presidente da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida,
Saúde Suplementar e Capitalização (CNSEG) e da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização
(FENASEG)
João Paulo dos Reis Velloso - Presidente do Fórum Nacional - Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE)
Jorge Gerdau Johannpeter - Presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau
Jorge Nazareno Rodrigues - Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região
José Antônio Moroni - Membro do colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e da Direção
Nacional da Associação Brasileira de ONGs (ABONG)
José Carlos Cosenzo - Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP)
José Carlos Bumlai – Produtor Rural
José Lopez Feijóo – Vice-Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
José Vicente - Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e Presidente da Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento
(AFROBRAS)
Joseph Couri - Presidente da Associação Nacional de Sindicatos da Micro e Pequena Indústria (ASSIMPI)
Juçara Maria Dutra - Secretária de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e VicePresidente da Internacional da Educação (IE)
Laerte Teixeira da Costa - Secretário de Políticas Sociais da Confederação Sindical dos Trabalhadores(as) das Américas e
Vice-Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT)
Lincoln Fernandes - Presidente do Conselho de Política Econômica e Industrial da Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais (FIEMG)
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Luiz Aubert Neto - Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ)
Luiz Demétrio Valentini - Presidente da Cáritas Brasileira
Luiz Eduardo Franco de Abreu – Diretor Presidente das Empresas do Grupo NSG
Luiza Helena Trajano Rodrigues - Presidente da Rede Magazine Luiza
Manoel José dos Santos (De Serra) - Secretário de Finanças e Administração da Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (CONTAG)
Manoel Silva da Cunha - Presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS)
Marcelo Neri – Economista Chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/IBRE/FGV)
Márcio Lopes de Freitas - Presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)
Marcos Jank - Presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (UNICA)
Maria Elvira Ferreira - Vice-Presidente da Associação Comercial de Minas Gerais
Maurício Botelho - Presidente do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (EMBRAER)
Maurílio Biagi - Presidente do Grupo Maubisa e Presidente do Conselho de Administração da Usina Moema
Moacyr Auersvald - Secretário Geral da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST)
Murillo de Aragão - Presidente da Arko Advice Pesquisas
Nair Goulart - Presidente da Força Sindical da Bahia
Naomar Monteiro de Almeida - Reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Nelson Côrtes da Silveira - Controlador e administrador da empresa DF Vasconcelos Ltda
Oded Grajew - Conselheiro do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e Coordenador do Movimento Nossa
São Paulo
Paulo Antônio Skaf - Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP)
Paulo D’Arrigo Vellinho - Representante da Empresa Granóleo S.A. – Óleos Vegetais
Paulo Godoy - Presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB)
Paulo Safady Simão - Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC)
Paulo Speller - Presidente da Comissão de Implantação da Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira
(UNILAB)
Paulo Tigre - Presidente Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS)
Raimundo Cezar Britto - Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
Renato Real Conill - Presidente do Grupo Süd Metal
Ricardo Patah - Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT)
Rodrigo da Rocha Loures - Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP)
Rogelio Golfarb - Diretor de Assuntos Corporativos e Comunicação para América do Sul da Ford
Rozani Holler - Cooperativista da Cooperativa de Agentes Ambientais (COOPERAGIR)
Sergio Antonio Reze - Presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (FENABRAVE)
Sérgio Haddad - Coordenador Geral da Ação Educativa
Sérgio Rosa - Presidente da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI)
Silvio Meira - Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e fundador do Porto Digital de Recife
Sônia Regina Hess - Presidente da Empresa Dudalina S.A.
Tania Bacelar - Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Vicente Mattos - Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil da Bahia (SINDUSCON-BA)
Viviane Senna Lalli - Presidente do Instituto Ayrton Senna
Walter Torre Júnior - Presidente da WTORRE S.A.
Zilda Arns - Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa
Conselheiros – Governo
Ministra de Estado Chefe da Casa Civil
Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Relações Institucionais
Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral
Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional
Ministro de Estado da Fazenda
Ministro de Estado da Pesca e Aquicultura
Ministro de Estado da Secretaria de Assuntos Estratégicos
Ministro de Estado das Relações Exteriores
Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Ministro de Estado do Meio Ambiente
Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão
Ministro de Estado do Trabalho e Emprego
Ministro de Estado Presidente do Banco Central do Brasil
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Prefácio
O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES da Presidência da República vem, ao longo
dos anos, realizando estudos e debates sobre o tema do desenvolvimento do Brasil. Estas reflexões fazem parte
do trabalho cotidiano do CDES que, ao ser criado pelo Presidente Lula como uma instância de assessoramento à
Presidência da República, tomou para si a tarefa de pensar de maneira sistemática e organizada o melhor modelo
de desenvolvimento para o País.
Apesar dos vários documentos publicados sobre o tema, com destaque para a Agenda Nacional de Desenvolvimento – AND e os Enunciados Estratégicos para o Desenvolvimento, os conselheiros e conselheiras do CDES
sempre souberam que este é um tema dinâmico e complexo, com vários eixos estruturantes em constante interação
com a conjuntura política e econômica nacional e internacional.
Foi por isso que, ao longo dos anos, alguns eventos marcaram a produção do Conselho em relação a este tema.
O primeiro momento foi a realização, em 2004, da Mesa-Redonda “Diálogo Social: Alavanca para o Desenvolvimento”. Na ocasião, representantes de conselhos econômicos e sociais de outros países se juntaram aos conselheiros
e conselheiras do CDES e aos Ministros de Estado para fazer um primeiro grande debate sobre o tema. A abertura
do evento, em um momento marcante para o Conselho, foi feita pelo economista e professor Celso Furtado, que
concedeu ao então Ministro Jaques Wagner uma entrevista histórica em que colocou a importância do tema do
desenvolvimento para o futuro de uma Nação. Tomo aqui a liberdade de citar suas palavras, que foram sempre um
guia para o Conselho em sua empreitada: “Crescer sem desenvolvimento produz concentração de renda. E concentração de renda é antissocial por definição”, e por fim, alertou: “o desenvolvimento é o resultado de um desejo da
sociedade, uma construção fruto da vontade coletiva de uma nação”.
Passado pouco mais de um ano de intenso trabalho de elaboração da Agenda Nacional de Desenvolvimento,
o Conselho concluiu que era hora de alargar o debate sobre o assunto, tendo como base para os debates a AND.
Para o CDES, a relevância da Agenda está tanto no conteúdo, que traça objetivos estratégicos e diretrizes para o
País, quanto pelo fato de resultar de consensos obtidos em um grupo de conselheiros cuja característica é a heterogeneidade de sua composição, que inclui grandes empresários, lideranças sindicais, personalidades da academia,
lideranças sociais, formando um mosaico fidedigno da sociedade brasileira.
Foi então realizado o “Seminário sobre Desenvolvimento: Agenda Nacional de Desenvolvimento em debate”
em março de 2006, reunindo especialistas como a professora Maria da Conceição Tavares, o ex-ministro João Paulo
dos Reis Velloso, o ex-ministro Delfim Netto, além de economistas internacionais de grande relevância, como Jan
Kregel e Ha-Joon Chang. O debate de alto nível sobre o conteúdo da agenda de desenvolvimento apontou caminhos
para a continuidade dos trabalhos do CDES.
Em março do ano passado, diante de uma complicada conjuntura causada pela grande crise econômica internacional, o CDES promoveu um Seminário Internacional sobre Desenvolvimento e reuniu especialistas como a
professora Maria da Conceiçao Tavares, Otaviano Canuto (BID), Paulo Nogueira Batista Jr (FMI), Rogério Studart
(BIRD), o professor James Galbraith, o economista Ignacy Sachs, o professor de ciências sociais Jorge Bernstein
(Argentina), Gerardo Caetano (Observatório Político do Uruguai), o economista Robert Guttman, entre outras
personalidades. No debate, ficou claro que o Brasil é um dos poucos países do mundo que reúne condições para
sentir de forma mais amena os impactos da crise e liderar o processo de superação da crise econômica mundial.
Para possibilitar aos leitores uma visão sistêmica do debate sobre o desenvolvimento promovido pelo CDES,
reunimos neste documento os anais de cada um destes eventos. A idéia é contribuir para que o debate sobre o desenvolvimento continue a ser disseminado na sociedade brasileira e que, a partir disso, continuemos a ter clareza
sobre como avançar no caminho do desenvolvimento com sustentabilidade, distribuição de renda e inclusão social,
e respeito ao ambiente.
Alexandre Padilha
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
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Parte I
Mesa-Redonda:
Diálogo social,
alavanca para o
desenvolvimento
(2004)
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Mesa-Redonda: Diálogo social, alavanca para
o desenvolvimento (2004)
“Estamos a apenas dezenove meses nessa viagem em busca de um Brasil novo
que pulsa dentro desta Nação materialmente tolhida e espiritualmente inferiorizada que herdamos, e que, felizmente, já está mudando...
Talvez seja esta a primeira grande oportunidade de respirarmos um pouco do
ar saudável do futuro, testando limites e sondando o horizonte além da neblina
espessa que prendia o Brasil a um passado de impossibilidades.
O desenvolvimento se constrói a partir de consensos. E o Conselho tem sido
um espaço fundamental para que façamos isso. (Por isso) faço um chamamento
a este Conselho, um chamamento aos trabalhadores e um chamamento à nação
brasileira.
Faço-o por acreditar, sinceramente, que o grande tema do desenvolvimento,
que se recoloca de modo muito mais concreto a partir de agora, não deve se esgotar nos limites do debate técnico.
Trata-se, sobretudo, de construirmos um novo consenso estratégico nacional.
Falo de um entendimento muito bem negociado, de longa duração, para assegurar
que as oportunidades que se abrem para o Brasil não sejam perdidas. Um entendimento que incorpore a grandeza do desafio histórico que está sendo colocado
diante de nossa geração.
Para alcançá-lo, é necessário cada vez mais convergência, baseada em diagnóstico que não desperdice as conquistas do passado, mas, tampouco, abdique das
possibilidades abertas e, principalmente, atenda cada vez mais os clamores do nosso povo, sufocado ao longo da história do Brasil.(...) O nosso compromisso histórico é chegar a um porto seguro que abrigue com dignidade todo o povo brasileiro.
... Creio que temos um consenso básico na sociedade, de que é preciso construir
o presente e o futuro do Brasil respeitando os nossos valores fundamentais..” .
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 8ª Reunião Plenária do CDES, em 04/08/2004
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Apresentação
O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES realizou, no dia 5 de agosto de 2004, a MesaRedonda ”Diálogo Social, Alavanca para o Desenvolvimento”. Esse momento foi um marco no processo de mobilização pelo desenvolvimento empreendido pela Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social - SEDES.
O Professor Celso Furtado reconhecido mundialmente como um dos principais economistas e pensadores sociais por sua vasta obra e pelo tratamento pioneiro das questões relativas ao desenvolvimento econômico e social,
foi homenageado.Para gravar seu depoimento, fui à residência do ex-ministro do Planejamento, em Copacabana,
rio de Janeiro, sorver diretamente da fonte suas experiências e ensinamentos. A conversa gravada em vídeo foi
exibida na abertura dos debates da Mesa-Redonda sobre a Agenda nacional de Desenvolvimento, em construção
pelo CDES.
Furtado chama a atenção para a necessidade de se pensar o Brasil politicamente. Recomenda metas mais ambiciosas de crescimento, calcadas no planejamento estatal, e reafirma a importância de se incluir a questão social na
abordagem dos problemas, reconhecendo que, na época, em que foi ministro do Planejamento estava mais preocupado com o crescimento e não com o desenvolvimento. Para Celso Furtado, a criação de emprego tem de ser o
objetivo principal de qualquer governo.
“É preciso distinguir crescimento de desenvolvimento. Crescer sem desenvolvimento produz concentração de
renda. E concentração de renda é anti-social por definição”, transmitiu Furtado. Explicou que a diferença entre os
dois conceitos é que, o crescimento da economia de um país é medido essencialmente pelos indicadores econômicos, enquanto o desenvolvimento pressupõe o avanço dos indicadores sociais. A economia pode crescer bastante,
com pouco ou quase nenhum desenvolvimento.
Participaram do debate os conselheiros do CDES e membros de Conselhos Econômicos de outros países, Ministros de Estado e seus assessores e estudiosos e especialistas do tema.
Durante o debate, ficou claro que o País precisa mobilizar sua capacidade de planejamento em um projeto de
desenvolvimento que tenha foco na geração de emprego, renda e ocupação remunerada. Empregos que criem riqueza e tenham impacto na produção. O Estado não pode renunciar à condução política desse projeto, e para que
isto aconteça de maneira eficiente, é necessário um verdadeiro exercício de democracia para que a vontade coletiva
se expresse. E é essa a missão do CDES.
Este documento é a primeira parte de um esforço do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de
ampliar o debate sobre a Agenda Nacional de Desenvolvimento para além das fronteiras do CDES, e que culminará
com a realização da Conferência Nacional de Desenvolvimento.
Para que esta Agenda pudesse começar a ser construída foi necessário, entre outras coisas, ter em mente o que
é Desenvolvimento. Que objetivos deve um País ter para se desenvolver, quais são as variáveis envolvidas neste
processo? Como vocês terão oportunidade de ver, o debate promovido pela Mesa Redonda foi muito rico para se
responder a estas perguntas.
Entendemos que a força de uma agenda de desenvolvimento está justamente no seu processo de construção, no
diálogo social democrático que precede sua elaboração e na sua apropriação pelos atores sociais. A pactuação de
um projeto nacional de desenvolvimento em um país democrático será sempre o resultado de um grande acordo
que exprima os valores e princípios, as visões, os desejos e os interesses comuns aos atores sociais de uma determinada sociedade. Uma agenda de desenvolvimento deve expressar o máximo consenso social possível, em uma certa
circunstância, em um tempo definido e deve ser permanentemente atualizada, quando levada à prática.
A Agenda Nacional de Desenvolvimento em elaboração pelo CDES é um conjunto de diretrizes estratégicas
orientadoras das ações de todos os atores sociais empenhados em combater as situações que nos impedem de sermos o País que gostaríamos de ser. A agenda aponta o destino desejado, indica o que deve ser superado, estabelece
os valores que selecionam e dão consistência às escolhas a serem feitas ao longo do percurso para que os objetivos
sejam alcançados. A agenda assinala o rumo a ser seguido, estabelecendo os compromissos a serem assumidos por
todos os que se dispuserem a caminhar juntos em busca do destino comum. Por isso também a Agenda é dinâmica,
se ajusta aos tempos, incorpora novos compromissos. Enfim, é uma proposta de empreender a construção de um
novo país.
Sabemos que um projeto nacional não elimina conflitos, não suprime o embate entre interesses legítimos. Sequer assegura que todos ganhem ao mesmo tempo. É um acordo que sanciona ganhos e perdas ao longo do tempo,
com vistas a que todos se beneficiem em um prazo mais dilatado. Estabelece as bases e como devem ser aplicados os
esforços e recursos detidos por todos os pactuantes, objetivando a realização dos interesses comuns, à construção
daquelas características de país que foram objeto de consenso. O que não foi contemplado no projeto pactuado
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continuará em disputa ou poderá vir a ser incorporado em sucessivas concertações. Este não é um processo que se
encerra, tampouco um projeto com prazo finito.
Sabemos também que existe um outro Brasil se fazendo na solidariedade, na tomada de consciência dos graves
problemas, na criatividade e na inovação, na disposição para conversar com o outro e ouvir os seus argumentos, na
soldagem de interesses diferentes em prol de algo comum, no agrupamento de vontades para coletivamente produzir o novo. Soma-se a isso um governo democrático, com interlocução sincera com a sociedade e empenhado em
ajudar a construir um Brasil de todos, com um governante sensível e que busca responder aos desafios que estão
postos.
Isto não é pouco e pode ajudar muito. Se o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, juntamente com
o governo e os demais atores sociais comprometidos for capaz de estimular e coordenar as vontades coletivas, serão
grandes as chances de conseguirmos.
Com esta publicação pretendemos estimulá-los a caminhar conosco nesta empreitada para que o Brasil possa
se tornar uma Nação desenvolvida, socialmente inclusiva, com crescimento econômico sustentado e sustentável,
sempre tendo em mente as palavras do saudoso Celso Furtado: “o desenvolvimento é o resultado de um desejo da
sociedade, uma construção fruto da vontade coletiva de uma nação”.
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Abertura
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES
Agradeço a presença dos conselheiros e conselheiras, dos representantes de diversos ministérios e órgãos
do Governo Federal, da sociedade civil, de parlamentares. Esta Mesa Redonda faz parte do esforço que o
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) vem fazendo, desde fevereiro, para construir uma
Agenda Nacional de Desenvolvimento. É um esforço que se soma a um outro, coordenado pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que é o Projeto Brasil em Três Tempos. Ambas as iniciativas
têm como objetivo fazer com que a sociedade brasileira e o governo tenham uma visão de médio e longo prazo
do Brasil que queremos construir. São dois esforços e, nos dois, o Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social participa promovendo o diálogo com a sociedade.
Esta Mesa-Redonda será dividida em duas partes. Pela manhã, teremos a exposição e o debate sobre o
estilo de desenvolvimento que queremos para o Brasil e, à tarde, inclusive com a presença de amigos e amigas
de fora do País, vamos discutir a metodologia de construção do diálogo social voltado para o desenvolvimento. Contaremos com a presença da Dra. Maria João Rodrigues, Assessora da Presidência da União Européia,
que trabalhou muito com a questão do diálogo social para que se chegasse ao Consenso de Lisboa; de Roger
Briesch, Presidente do Conselho Econômico Europeu, e do companheiro Julian Arizza, Vice-presidente do
Conselho Econômico e Social Espanhol.
Era nossa vontade que nesta primeira mesa tivéssemos a presença do professor Celso Furtado, grande
economista, grande planejador e um dos criadores da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e
o Caribe). O professor Celso Furtado não teve condições de estar conosco, mas fez questão de contribuir gravando um vídeo. Estive com ele em sua casa para colher o seu pensamento e o testemunho daquilo que viveu.
Portanto, vamos primeiro assistir ao vídeo. Antes, no entanto, quero relembrar a proposição feita pelo
Presidente Luis Inácio, na UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento), de se construir um Centro do Pensamento para a América Latina que seja batizado com o nome de Celso
Furtado. Esta é mais uma homenagem que fazemos a uma figura tão importante da inteligência nacional.
Esta Mesa-Redonda faz parte do esforço de construção pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico
Social de uma Agenda Nacional de Desenvolvimento, articulada com o Projeto Brasil em Três Tempos, coordenado pelo NAE (Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República), pelo Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), pela Casa Civil e pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
O painel da manhã dedicou-se aos aspectos de conteúdo e o da tarde aos aspectos metodológicos, ambos
abordando a importância do diálogo social, da pactuação com a sociedade para o processo de desenvolvimento. É crença do presidente Lula que nós não realizaremos a missão que a sociedade brasileira nos conferiu se
não a fizermos em parceria, em cumplicidade com o conjunto da sociedade civil. É este o nosso propósito.
Nesta Mesa-Redonda vamos trocar idéias, debater para que nós do CDES possamos nos apropriar da inteligência e da sabedoria coletiva, sem o estabelecimento das falsas dicotomias, que sempre nos atrapalham.
Entendo que o equilíbrio entre as partes irá garantir esse crescimento sustentado. Não há crescimento sem
economia organizada, não há economia organizada sem crescimento sustentado e desenvolvimento inclusivo.
Portanto, para mim, é falsa a tentativa de estabelecer um dogma entre essas duas pernas do mesmo corpo, que
é o Brasil desenvolvido que queremos. Faço essa observação porque, muitas vezes, as pessoas tentam, no lugar
de buscar a síntese, aprofundar as falsas dicotomias. Esse é o pior caminho que uma sociedade pode escolher.
Quando fui líder do PT na Câmara dos Deputados em 1995, tivemos o começo do processo de privatização
do governo Fernando Henrique e eu dizia que se a decisão estivesse tomada, caberia à sociedade brasileira
discutir de que forma ela deveria ser executada para que a privatização acontecesse da melhor forma possível,
nos limites da decisão política adotada. Infelizmente, se estabeleceu a dicotomia ”dinossauro e modernos” e
eu acho que quem perdeu foi a sociedade brasileira, porque poderia se ter empreendido um esforço, nos limites da decisão política tomada, através da eleição presidencial, por meio do qual a sociedade se apropriasse
melhor daquela decisão política.
É este o pensamento da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e espero que
nós possamos com essa Mesa-Redonda contribuir para um melhor entendimento deste processo. Agradeço
a todos que aceitaram o nosso convite: o sindicalista e conselheiro Luis Marinho, da CUT, o empresário e
conselheiro Eugênio Staub, o professor da Unicamp e conselheiro Luiz Gonzaga Belluzzo, o professor Luciano
Coutinho, da Unicamp, e o economista Ricardo Bielschowsky, da Cepal. Não vou agradecer ao Ministro José
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Dirceu porque ele, como eu, está aqui cumprindo a sua tarefa. A presença do Ministro José Dirceu aqui é a simbologia da criação, por decisão do presidente Lula, da Câmara de Política de Desenvolvimento, para construir dentro
do Governo a sinergia em torno do desafio maior do desenvolvimento.
Registro ainda a presença do general Jorge Armando Félix, Ministro-Chefe da Secretaria de Segurança Institucional, do Ministro José Fritsch, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, do Embaixador Samuel Pinheiro,
representando o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, do Cláudio Langone, Secretário-Executivo do
Ministério do Meio Ambiente.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Entrevista com o Professor Celso Furtado
Um pouco de história
“Eu fico pensando: o Brasil não era assim, havia muito mais harmonia entre as pessoas, entre os grupos
sociais. Hoje, temos um conjunto de dificuldades para governar que não eram conhecidas no passado. Mas
agora, vendo de fora, sem estar no governo, sinto o seguinte: existe no Brasil uma espécie de ojeriza, de repúdio
a pensar sistematicamente as coisas, a ter pensamento globalizante. A hegemonia do pensamento econômico
neoclássico/neoliberal acabou com a possibilidade de pensarmos um projeto nacional; de planejamento
governamental, então, nem se fala.
Em um país como o nosso, que tem um trabalho de construção estrutural a fazer, é necessário uma visão
global das coisas. Aprendi a fazer isso com a escola holandesa, foi Tinbergen que compreendeu que para
reconstruir o capitalismo, para salvar o capitalismo, era necessário um bom planejamento. Esse planejamento,
esta ambiciosa visão global das coisas, esse pensar holístico, foi o que permitiu a nossa vitória nas Nações
Unidas, a permanência e o sucesso da Cepal.
O Brasil é um país com vocação diversificada porque tem uma sociedade muito heterogênea. Ele precisa
realmente partir para uma verdadeira reconstrução, de se pensar de novo.
Ao iniciarmos os primeiros estudos sobre o desenvolvimento, o Brasil era o quarto país na América Latina
em termos de renda per capita, quando todo mundo imaginava que ia ser o primeiro, porque tinha o maior
território, a maior população, o maior mercado potencial. Portanto, deveria ter a liderança.
Mas, o que diziam os conservadores? “O Brasil é um país que não tem líderes, não tem capacidade de
autogoverno, não tira proveito de suas potencialidades”. Então nós saímos com a proposta da industrialização,
com um projeto nacional de desenvolvimento.
Em 1950, o Brasil estava muito atrás da Argentina, era mais atrasado que o Chile, e muito atrás do México.
E quando terminaram os dez anos de trabalho com persistência nessa luta pela industrialização, o Brasil
estava em primeiro lugar como economia, na região latinoamericana.
Uma transformação completa. O Brasil mudou a sua ótica no segundo governo Vargas, que construiu Volta
Redonda, que partiu para implantar a Petrobrás, que fez todas essas obras de infra-estrutura, que se lançou
nesta direção e tirou o país lá de baixo e o levou a ser líder na industrialização da América Latina. E esse era
o caminho.
Planejamento e Governo
Agora, não se aceita mais isso. O domínio do classicismo econômico criou uma visão completamente
diferente - a economia feito empresa. Mas para mim, o que preza é a política. Esta coisa microeconômica,
então, é um disparate completo, mas é a doutrina que prevalece no mundo e que prevalece no Brasil. Não
espero que haja o milagre da superação desse pensamento pequeno, pois hoje em dia não tem ninguém que
lidere essa luta ideológica. Todo mundo foge desta confrontação ideológica.
Planejar o presente e o futuro do país passou a ser coisa do passado. Como você pode dirigir uma sociedade
sem saber para onde vai? O mercado é que decide tudo. O país passou a ser visto como uma empresa. Isso é
um absurdo.
A coisa mais importante para o governo de um país são os homens que você vai governar, é a massa da
população, não são abstrações. Portanto, é preciso colocar o social à frente de tudo. Quando quem lidera é a
microeconomia, tudo fica diferente, e o governo não tem responsabilidade nenhuma, é o mercado quem decide.
Este processo se inicia pela renuncia à política. A política passa a não ter nada a ver com a economia,
separam uma coisa de outra e isto leva à situação que nós temos hoje, onde um importante instrumento para
governar - a política monetária - não é mais seu, foi alienado, entregue para a banca internacional. Os bancos
centrais passam a ser respeitáveis porque são dirigidos pelos que são de fora dos governos, de fora da política.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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O Brasil é um caso típico de um país com enorme potencial de desenvolvimento e fica andando de lado,
crescendo uns 2% ao ano. Sou de uma geração que viu, durante trinta anos, o Brasil crescer a 5%, 6%, 7%, 8%,
ao ano. Quando coordenei o Plano Trienal, coloquei como meta 7% de crescimento anual do PIB, achando
que era algo modesto, pois queria ir mais rápido e mais longe. O debate entre nós era esse: sempre exigir mais;
o Brasil tem potencial; o Brasil acumulou muito atraso, e esse atraso se deveu à falta de política, nunca à falta
de bons gerentes, bons advogados. O que faltou foi política. Hoje, ignora-se a política, a macroeconomia é
usada para suavizar o mercado. Isso é muito grave, porque a sociedade renuncia a se governar e delega isto a
uma abstração, o mercado.
Se existisse somente uma intervenção positiva, seria a intervenção do Estado no sentido de aumentar os
investimentos, de forçar a sociedade a investir mais. O desenvolvimento é uma construção da sociedade,
mas é preciso que ela tenha vontade de fazê-lo.
Crescimento econômico e desenvolvimento
A distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento é uma questão que muito me apaixona. Fui quem
primeiro formalizou este problema, o que significa crescimento e o que significa desenvolvimento, mostrando
que quando se fala desenvolvimento se introduziu o social e o político. Não se fala de desenvolvimento senão a
partir do social, ao passo que se fala de crescimento econômico a partir dos agregados estatísticos: PIB; renda
nacional; exportações. Não precisa do social. Você pode ter crescimento econômico bastante forte, como o
Brasil teve durante 30 anos seguidos, com crescimento de 7% ao ano, um crescimento extraordinário, com
pouco desenvolvimento, desenvolvimento quase nulo, porque o sistema, a estrutura do sistema, não favorecia
a abordagem dos problemas sociais.
Continuo convencido que o ponto certo para dar partida a uma política de governo é distinguir
desenvolvimento do crescimento. Não estar contra o crescimento, pois ele é essencial também, mas saber que
você pode ter crescimento sem desenvolvimento. É possível ter esse crescimento forte de 7% ao ano que o Brasil
conheceu, sem ter repercussão na estrutura social, pelo contrário, gerando concentração de renda e riqueza.
Isto aconteceu porque prevaleciam os interesses dos grandes centros capitalistas. Era o caminho para
concentrar renda, criar os mercados para os supérfluos, portanto, isto favorecia os interesses de certos setores
da sociedade privilegiada. O Brasil, durante 30 anos, foi o país que mais cresceu no mundo e ao mesmo tempo
foi o que mais concentrou renda. Por isso, a orientação deve ser a seguinte: se não avança na criação de
emprego e na distribuição de renda, estamos andando para trás.
Getulio Vargas considerou dar um aumento de 100% ao salário mínimo. Foi uma briga tremenda: onde
vamos parar; a inflação vai disparar etc. Não aconteceu nada, a não ser a massa assalariada viver melhor. O
que aconteceu foi o país ficar melhor. O aumento do salário mínimo deu um forte impulso ao crescimento,
pois com uma antecipação do mercado dessa ordem, todo mundo planejou investimentos, o que estimulou
mais investimentos, isto foi positivo. O que importa é criar empregos, distribuir renda e, em simultâneo,
estimular o desenvolvimento.
Desenvolvimento quer dizer avanço no social.
A grande dificuldade quando se sai com uma política de crescimento improvisada é exatamente o combate
à inflação. O governo teria que simultaneamente ter uma política de crescimento de demanda e uma de
crescimento da oferta. Mas o crescimento de oferta precisa de mais tempo. Exige planejamento de qualidade,
sofisticado. O planejamento é uma coisa que abre possibilidades de equilíbrio dinâmico, de equilíbrio para o
futuro.
O estilo de desenvolvimento que interesse ao conjunto da sociedade brasileira
A recente experiência brasileira dá a impressão de que se tomou a direção errada, de que se cometeu um
grande pecado. O Brasil exagerou no esforço para restabelecer o equilíbrio comercial, superávits na balança
comercial, e pagou um preço muito alto, pagou o preço do desemprego. Houve uma transição muito séria. A
verdade é que se saiu de uma situação de déficit na balança de pagamento para uma de superávit, uma coisa
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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fantástica. Mas eu diria que se levou longe demais o esforço e se pagou por isso, em grande parte, com o
desemprego. A ultima batalha a perder é a do emprego...
Não faz sentido, à primeira vista, criar emprego se isto não tem nenhum efeito sobre a oferta, são
empregos não sustentáveis. Frentes de trabalho geram trabalho artificial, que não produz nada e que custa
para a sociedade. Este é um caminho errado. Devem ser criados empregos que criem riqueza, que incidam
na produção. Para isto, é preciso ter planejamento porque uma coisa compensa a outra, senão acaba criando
pressão inflacionária. A coisa mais fácil do mundo para desequilibrar o balanço de pagamento é fazer crescer as
importações, aumentando a oferta interna e, portanto, combatendo a inflação. Isto é o que se faz normalmente,
se privilegia a visão anti-inflação. Mas se a gente não olha simultaneamente o outro lado, a política é suicida.
A chegada de Lula ao governo deixou muita gente desorientada. De Lula se esperava muita mudança e, no
entanto, ele firmou uma linha econômica tradicional e muito rigorosa. Desorientou, mas teve conseqüências
positivas, porque daquele enorme medo se passou, de repente, para tudo estar muito bem. Por outro lado,
o novo clima instaurado desarmou a possibilidade de uma política alternativa. De alguma maneira nós, que
estávamos fora do governo, pensávamos que a ortodoxia seria temporária, de alguma forma acho que é o que
Lula pensava: seis meses de ortodoxia como uma transição.
Todavia, não se pode admitir uma transição que dure seis anos. A primeira leitura que fazemos é que o
Governo está sendo arrastado por uma inércia, o que não é bom para o País. Hoje em dia você fala com o
pessoal do business, com o pessoal do mundo do negócio e todos estão convencidos que esta é uma política
definitiva, que não há alternativa, não há espaço para mudar. Que já se andou tanto no sentido de se ver as
vantagens dessa condição que não se pode mais mudar. Será grave se estivermos mesmo amarrados a essa
trajetória. Digo isto como uma reflexão para o Presidente Lula... .
Para sair de uma situação como a que vivemos é necessário ter uma política global que explicite as coisas,
que abra o jogo, diga em que direção nós vamos para criar confiança no futuro. Sem essa confiança no futuro
não se consegue criar, investir, inovar e fazer coisas sólidas. Fica tudo muito tímido...
A estratégia que conduz a esse desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade é a do que chamei
de desenvolvimento autêntico. É desenvolvimento quando o crescimento cria emprego, distribui a renda,
melhora o perfil da estrutura social. Teria que abranger amplamente essa área de modificação qualitativa da
oferta de fatores. Há uma discrepância muito grande, no Brasil de hoje, entre potencialidades e efetividades
ou realizações, pois muitos recursos não são usados. Somos uma economia que tem uma enorme capacidade
potencial de oferta e uma enorme demanda reprimida. Para sair dessa enrascada tem que ter o Estado articulado
com a classe empresarial. Com planos de obras públicas, de investimentos e o empresariado disposto a aceitar
riscos. Mas nesse caso é pouca economia e muita coragem política...
Mando a seguinte mensagem para os participantes da Mesa-Redonda “Diálogo Social, uma Alavanca
para o Desenvolvimento”: é preciso guardar fé e confiança no Brasil, é preciso ser otimista. Talvez muitas
pessoas na platéia estejam a pensar que a situação presente seja definitiva. Ela não é. O Brasil tem enormes
possibilidades, tem uma sociedade muito maleável e que aceita muitos sacrifícios. Por isso, em primeiro lugar
deve estar a confiança no Brasil. Em segundo, privilegiemos o social como a variável mais importante. Temos
que fazer política séria, estabelecer compromissos e assumi-los para que o futuro, no Brasil, seja o que nós
queremos. É isso que falta hoje em dia...
Temos que ter coragem política. Coragem política é um fenômeno social que decorre do estado da
sociedade. Ter coragem política na ditadura é uma coisa. Outra, muito diferente, é ter coragem política na
complexa e instável realidade em que vivemos. Considero fundamental que a coragem política seja posta a
serviço das autênticas causas do povo brasileiro.
Um abraço para todos os participantes.
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I Painel: Como empreender o
desenvolvimento que interessa ao conjunto
da sociedade brasileira?
Qual o estilo de desenvolvimento que interessa ao conjunto da nossa sociedade?
Quais os requisitos desse estilo de desenvolvimento?
Qual estratégia conduz ao desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade?
Expositores:
1. José Dirceu - Ministro-Chefe da Casa Civil
2. Ricardo Bielschowsky - Oficial de Assuntos Econômicos da Comissão Econômica para América Latina e
Caribe (CEPAL)
3. Luciano Coutinho - Professor Doutor em Economia da Unicamp
4. Luiz Marinho - Conselheiro do CDES
5. Eugênio Staub - Conselheiro do CDES
6. Luiz Gonzaga Belluzzo - Conselheiro do CDES
José Dirceu
Ministro-Chefe da Casa Civil
Acredito que a primeira condição para o desenvolvimento é a vontade política de uma coalizão, uma coalizão
político-social, políticoparlamentar, e de um governo. Em outras palavras, o desenvolvimento depende de uma
aliança e de um pacto político, num determinado momento histórico, numa sociedade. Foi o que aconteceu, no
meu entendimento, com a eleição do presidente Lula, com o programa e com a proposta de aliança que fizemos
nas eleições de 2002. Um projeto de desenvolvimento significa, também, apoio na sociedade e, particularmente, no
Parlamento. Isso significa uma reorganização do Estado, da sua capacidade de planejamento e dos seus instrumentos
de governo para realizar um projeto de desenvolvimento nacional.
Sem um projeto de desenvolvimento nacional, sem uma aliança político-social entre as classes populares e
o empresariado nacional, não haverá desenvolvimento no Brasil. Sem uma reafirmação do Brasil como um país
soberano e independente também não haverá desenvolvimento. E sem pensar a América do Sul também não
haverá, para o Brasil, um projeto de desenvolvimento. O Brasil não pode pensar o seu projeto de desenvolvimento
sem pensar a América do Sul e a América Latina, sem pensar o seu hábitat natural, seu destino natural, e, para fazêlo, precisa ter uma política externa que corresponda a esse projeto de desenvolvimento nacional.
Um projeto de desenvolvimento nacional tem como desdobramento o exercício do poder nacional - o exercício
desse poder nacional tem de se expressar, também, numa mobilização política nacional. Não há possibilidade de
um projeto de desenvolvimento nacional sem a adesão da sociedade, sem uma mobilização política nacional. Não
basta que haja idéias, propostas e programas, é preciso que haja participação popular, empresarial, política, enfim,
da sociedade como um todo, num projeto de desenvolvimento nacional.
E não há projeto de desenvolvimento nacional sem uma expressão de poder políticomilitar. Um país que deseje
se fazer respeitar no mundo de hoje, além de ser uma nação justa “onde o povo, que é seu principal capital, seu
principal patrimônio, esteja integrado no desenvolvimento”, precisa ter força econômica, tecnológica e militar. Sem
isso, nós estamos jogando palavras ao vento e o Brasil precisa tomar isso ao pé da letra, porque o mundo em que nós
vivemos é um mundo de conflitos, de disputa de interesses, de hegemonias unilaterais. È um mundo desigual, um
mundo desigual também do ponto de vista do poder político mundial, das instituições políticas mundiais, sejam
elas políticas ou comerciais, ou qualquer tipo de instituição política que as Nações Unidas hoje abarcam.
Nós acreditamos que o Brasil, no hemisfério sul, é o país com mais condições para o desenvolvimento, pelo
que alcançamos, pela herança que recebemos dos nossos antepassados. Somos mais do que um povo e uma nação,
somos uma civilização dos trópicos - e quero repetir que o nosso maior patrimônio é a nossa cultura, o nosso
povo e a herança que recebemos: um país industrializado, porque o Brasil é um país industrializado, um país com
capacidade de desenvolvimento científico-tecnológico, um país que tem uma das agroindústrias mais modernas do
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mundo, um país que tem indústria pesada (são poucas as nações e os países que a têm) e um país que já possui um
grande mercado interno e uma infra-estrutura moderna em alguns setores e facilmente modernizável, em poucos
anos, em outros setores.
Mas o Brasil é um país que tem profundas desigualdades sociais, uma parcela importante de seu povo é excluída,
tem problemas gravíssimos do ponto de vista econômico. Particularmente, temos uma herança de infra-estrutura
estrangulada, principalmente na área de transportes, e temos um endividamento grave do Estado, inclusive pela taxa
de juro. E, o que faz esse endividamento mais grave ainda, há um passivo externo que temos que administrar: pagar
juros, royalties e dividendos sobre esse passivo, sejam os investimentos feitos no país, seja a dívida privada ou pública.
E temos a herança de um Estado desorganizado, sem capacidade de planejamento, sem capacidade de gestão.
É preciso, como nós estamos fazendo, que se retome um projeto de desenvolvimento nacional, que se retome
a capacidade de planejamento do Estado e que se reorganize a máquina administrativa a partir dos objetivos do
projeto de desenvolvimento nacional. É preciso recapacitar o Estado para fazer investimentos. O Estado brasileiro
tem que investir, no mínimo, 3% do Produto Interno Bruto, o que significaria, hoje, R$ 45 bilhões – mal conseguimos
investir 0,75% do PIB.
Mas, investir em quê? Em primeiro lugar, quando falo de projeto de desenvolvimento nacional, falo de uma
aliança político-empresarial, popular-empresarial, falo de um país aberto ao investimento externo, de um país
aberto ao comércio externo, falo de um país que deseja se integrar no mundo, na América do Sul e na América
Latina. Por isso a parceria público-privada, o estabelecimento de marcos regulatórios, o estabelecimento de
garantias jurídicas - e daí a reforma do Judiciário, daí as legislações de marcos regulatórios e as mudanças legais que
estamos fazendo, daí reorganizar uma estrutura que herdamos, talvez uma das heranças mais benéficas do Brasil, o
sistema financeiro público. Não é pouca coisa um país ter o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal,
o Banco da Amazônia e o Banco do Nordeste, porque isso significa que podemos financiar a iniciativa privada, os
investimentos de longo prazo, porque, pelas taxas de juros e pela estrutura do sistema bancário e financeiro, pelos
spreads, seria inviável a maioria dos financiamentos e investimentos que estamos fazendo, como na infra-estrutura,
a não ser por financiamentos externos, captados no mercado internacional - e as conseqüências disso todos nós
conhecemos -, como também os investimentos públicos: financiar o saneamento e a habitação, financiar as obras de
infraestrutura, financiar e investir, com recursos do Orçamento, em ciência e tecnologia e em educação.
O País precisa de uma revolução educacional e tecnológica. É inconcebível pensar o desenvolvimento com
quatro anos de ensino médio da população brasileira, com as crianças da quarta série não sabendo ler e escrever,
com 11 milhões de jovens fora do ensino médio, com a estrutura de ensino técnico e profissional que nós temos
hoje. Investimento em ciência, tecnologia e educação e investimento em infra-estrutura são as prioridades que
o Governo deve ter. Nós temos que equacionar a questão da infra-estrutura do País seja, pela parceria públicoprivada, seja pelos investimentos privados, seja pelo investimento público.
O Brasil precisa fazer desenvolvimento com inclusão social - inclusão social é emprego, o nome da inclusão social é
emprego. Transferência de renda é combate à pobreza e à miséria, ação de emergência. Educação e saúde são políticas
públicas e sociais. Mas o nome da inclusão social é emprego. Nós temos que levar em conta que somos um país e temos,
talvez, um segundo patrimônio, que é o meio ambiente, a natureza. E o desenvolvimento tem que se compatibilizar com a
preservação do meio ambiente e da natureza, sem os fundamentalismos que inviabilizam os investimentos na infra-estrutura.
O País tem profundas diferenças regionais - e não subestimemos isso, faz parte da nossa história e da nossa
cultura. Nós temos que fazer um desenvolvimento que reduza as desigualdades regionais. Não é concebível o
desenvolvimento que aprofunde a desigualdade do Nordeste em relação às regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste,
até porque o Centro-Oeste vai alcançar o Sul e Sudeste proximamente. O Norte e o Nordeste do País têm que ter
políticas diferenciadas e essas políticas têm nome e têm custos, o País tem que assumir isso, senão nós teremos
graves problemas. Da mesma forma, o desenvolvimento tem que resolver o problema da miséria e da pobreza, o
desenvolvimento também tem que resolver o problema da desigualdade social.
Portanto, acredito que o Brasil tem nesse momento uma oportunidade histórica de consolidar um projeto
de desenvolvimento nacional, porque tem uma aliança políticoempresarial, político-popular, tem maioria no
Congresso, tem um Governo com vontade política de fazê-lo, está reorganizando o aparelho do Estado, retomando
o planejamento, tem consciência de que a estabilidade é fundamental, mas a estabilidade com desenvolvimento. O
Governo tem o desafio de compatibilizar as políticas monetárias, as políticas fiscais com o desenvolvimento, com
o aumento da poupança privada, com a reforma tributária - que o pais vai ter que continuar fazendo. Nós temos
que reduzir no médio prazo a carga tributária, para viabilizar o desenvolvimento do País. Temos que reformar a
estrutura tributária, porque ela é regressiva e injusta. Temos que resolver o problema da Previdência, do contrário
não solucionaremos a questão do salário mínimo.
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Ao lado das políticas que o Governo vem fazendo - de reforma agrária, de transferência de renda, de microcrédito,
de investimento em saneamento e habitação -, o que nós precisamos é criar condições para mais investimento e
para que a poupança nacional se desloque do rentista para a produção e para o investimento, porque sem isso
também é mera retórica falar em desenvolvimento.
Ricardo Bielschowsky
Oficial de Assuntos Econômicos da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL)
Trago aqui uma mensagem para aqueles que estão elaborando o Brasil em Três Tempos e a Agenda Nacional
de Desenvolvimento. Temos que partir do que está acumulado em termos de conhecimento e existe um momento
nobre desse acúmulo: o Plano Plurianual 2004/2007. Ele contém umas dez páginas introdutórias onde está
desenhado um projeto que integra crescimento e distribuição de renda. Integra todos os elementos fundamentais
do quebra-cabeça do desenvolvimento numa peça única e num movimento historicamente viável, que está escrito
na lógica do funcionamento da economia brasileira. Aquilo que está apresentado no documento, na sua estratégia
de desenvolvimento, inspira-se nas experiências clássicas européias das sociais-democracias avançadas, de amplos
mercados internos onde o consumo de massa é favorecido e potencializado por políticas sociais de distribuição de
renda e esta é potencializada pelo mercado, pelo emprego criado no mercado de consumo de massa.
Vocês podem perguntar por que estou recorrendo ao texto de apresentação do PPA 2004/2007. Porque de
uma forma muito inteligente - considero um avanço em relação aos PPAs anteriores - as quatro mil ações que
integram os 374 projetos do PPA (que, por sua vez, respondem a 30 desafios e às várias dimensões do projeto de
desenvolvimento que está ali contido) estão orientadas para uma explicitada estratégia do desenvolvimento de
longo prazo. Eu vou tentar traçar algumas pinceladas sobre elas para chamar a atenção da importância de que tudo
isso seja considerado na elaboração da Agenda Nacional de Desenvolvimento e do Brasil em Três Tempos.
Processo de Elaboração
Plano Plurianual 2004/2007
Estratégia de
Desenvolvimento
3 Megaprojetos (5 dimensões)
30 Desafios
374 Programas e
cerca de 4.300 ações
Os três elementos centrais dessa estratégia são: a dinâmica do consumo de massa, as políticas sociais integradas
a essa dinâmica e o fortalecimento da produção doméstica, através de investimentos em inovação e capacidade
indutiva para sustentar o crescimento e reduzir a vulnerabilidade externa. A idéia básica da dinâmica de consumo
de massa é que os investimentos produtivos elevam a produtividade, através de ampliação de escala e do progresso
técnico. E essa produtividade é transmitida aos rendimentos dos trabalhadores. É a idéia do círculo virtuoso onde
os investimentos produtivos aumentam a produtividade e dão sustentação à transmissão de renda para as famílias
trabalhadoras. Isso amplia o consumo popular que, por sua vez, provoca e estimula os investimentos. Esta é a idéia
central.
Aquela primeira setinha, em baixo, é uma avenida, tem um potencial extraordinário, pelo mercado interno que
nós temos. Agora não se trata mais, talvez, de estimularmos os setores de líderes, mas sim, de ampliarmos de forma
horizontal essa estrutura produtiva que se presta admiravelmente a um consumo de massa. Em todos os momentos
em que se aumentou radicalmente a renda do trabalhador, houve um estímulo às empresas modernas. A grande
pergunta é: como se faz para construir essa dinâmica de crescimento que está inscrita na lógica de operação da
economia brasileira e que, portanto, é viável.
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Aumento de
rendimentos
das famílias
trabalhadoras
Ampliação
do consumo
popular
Aumento de
produtividade
Investimentos
produtivos
?
?
São dois os âmbitos de política para a construção, representados no gráfico pelos dois pontos de interrogação. O
primeiro ponto de interrogação é como se transmite produtividade às famílias dos trabalhadores, tal como ocorreu
na França, na Inglaterra, nas experiências social-democratas bem sucedidas. É através de políticas de crescimento
rápido e estável, de políticas sociais, e de políticas de concorrência. Tenho uma boa notícia, que é a seguinte - isso
ainda está em estudo, não é nada acabado: reunindo trabalhos de algumas universidades podemos traçar as curvas
de demanda e a demanda por mão-de-obra, usando aqui a idéia do Ministro José Dirceu e do Celso Furtado de
que a verdadeira inclusão social se dá pelo trabalho. O mercado de trabalho favorável ao trabalhador é aquele onde
escasseia a mão-de-obra. E existe uma convergência potencial, se mantivermos o crescimento entre 4% e 5% ao
ano, convergência entre oferta e demanda de mão-de-obra; isto permitirá, efetivamente, que se dê no mercado de
trabalho uma transmissão de produtividade ao salário.
Mas não basta ficarmos dependendo disso, porque sabemos que o crescimento traz progresso técnico, que é
desempregador de mão-de-obra. Temos que garantir esse escasseamento no mercado de trabalho através de outros
mecanismos e é aí que todas as políticas sociais são convergentes à dinâmica de consumo de massa.
A reforma agrária e a agricultura familiar criam emprego. Reduzem, dessa maneira, a pressão sobre o mercado de
trabalho. A Bolsa-Família reduz a oferta de mão-de-obra, ao exigir a freqüência escolar e transferir renda. A universalização
de assistência aos idosos e o acesso à previdência rural também reduzem a oferta e tornam disponível renda às famílias. E
há as políticas que correspondem às formas clássicas de emprego, inclusive salário mínimo com valores reais recuperados,
e de rendas indiretas: moradia, saneamento e transporte, educação, saúde etc. Tudo isso é convergente e necessário. São
elementos necessários para a dinâmica de crescimento que estão inscritos na lógica de operação da economia.
Para não deixar uma má impressão, quero insistir no seguinte: o objetivo fundamental das políticas sociais,
evidentemente, é a justiça social. Mas há, também, objetivos associados ao crescimento, não só pelo aumento da
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eficiência da força de trabalho, mas porque as políticas sociais terminam por fortalecer um mecanismo muito
alvissareiro de crescimento, pelo mercado interno. Isto também favorece as exportações, porque ao aumentar
a produtividade, pela ampliação das escalas de produção doméstica, nós estamos ganhando competitividade,
ampliando mais a escala, através de exportações.
Vamos agora ao segundo ponto de interrogação, a questão dos investimentos, que não é uma coisa nada
pequena, e que nada tem de trivial. A propensão em investir nas economias latino-americanas em geral e, talvez,
muito particularmente, na economia brasileira, está bastante debilitada. Estamos longe daquele período onde
investíamos vinte e tantos por cento do PIB. A capacidade financeira do setor público está esgotada e as condições
institucionais para o investimento do setor privado ainda estão sendo gradualmente montadas, faltando muito para
que possam operar a contento.
Estou falando, evidentemente, de políticas, de instrumentos ativos de investimento, tanto em capacidade
produtiva quanto em inovação, em progresso técnico e em todos os âmbitos. Não só na indústria, mas na
agricultura, nos serviços, na cultura etc. É fundamental uma política articulada, coordenada, para mobilizar o País
nessa direção. Há um grande ponto de interrogação sobre como efetivamente se conseguir que essa engrenagem do
consumo de massa funcione.
Em função do tempo escasso de apresentação, fiz uma listinha de elementos que deveriam ser considerados.
Consolidar o equilíbrio macro, ampliar a oferta de crédito interno de longo prazo a custos adequados. É preciso
coordenar e impulsionar o investimento em capacidade produtiva, em conhecimento e inovação. Temos aí
esse trabalho importante, a criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, a política industrial,
tecnológica e de comércio exterior. Todas elas servem para viabilizar, dar sustentabilidade ao crescimento e reduzir
a vulnerabilidade externa, por meio da ampliação da capacidade produtiva.
Não menos importante, é preciso coordenar, impulsionar os investimentos em infraestrutura. Ontem
mesmo tivemos um pronunciamento da Ministra Dilma Rousseff nos trazendo esperança em relação a
seríssima questão da oferta de energia elétrica. Agora depois de havermos resolvido essa parte, é preciso criar
uma institucionalidade mais favorável aos investimentos. Fala-se bastante na agenda microeconômica. Ela é
importante, mas, evidentemente, ela é apenas parte de um programa muito maior, de uma visão de longo prazo,
de transformação muito mais ampla.
É possível, evidentemente, promover a harmonia territorial, tornar a atividade econômica ambientalmente
sustentável. Tudo isso faz parte desse ponto de interrogação. Sem políticas adequadas não conseguiremos mover
essa lógica de crescimento, esse padrão de crescimento que precisamos para o Brasil. E que é possível. Quando
coloco esses círculos (No gráfico 2), não estou falando da ignição do processo. Aliás, quando o Plano Plurianual
se refere à agenda de longo prazo, à estratégia de longo prazo, não está tratando da ignição, está tratando do
seguinte: em havendo o crescimento, qual é a modalidade que se deseja, qual é o padrão que se deseja para
combinar crescimento com redistribuição de renda? É disso que se está falando.
Termino insistindo no seguinte. Está em curso o Projeto Brasil em Três Tempos, esse importante projeto
de conceituação do futuro do País. E também está em curso, neste Conselho, a formulação de uma Agenda
Nacional de Desenvolvimento. É preciso levar em consideração o esforço já realizado, que é herdeiro de uma
tradição que vem do Celso Furtado e que está inscrito no Plano Plurianual 2004/2007, coordenado pelo Ministro
Guido Mantega, enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional e aprovado. Isso já existe, são dez
páginas introdutórias ao plano e isso precisa ser considerado no exercício que se vai fazer sobre o futuro daqui
para frente.
Luciano Coutinho
Professor Doutor em Economia da Unicamp
A intervenção do Ministro José Dirceu é irretocável. Creio que ela traduz tudo a que a nossa geração se
dedicou e lutou para recuperar as condições de desenvolvimento do País e para dotar o Estado brasileiro da
capacidade de retomar um projeto de desenvolvimento. Entretanto, quero ressaltar algumas condicionantes que
me parecem críticas. A agenda de desenvolvimento já está bem delineada - o Ricardo Bielschowsky mostrou aqui
uma agenda que é a mesma que o Ministro havia apresentado. Creio que há uma premissa ao desenvolvimento que
é consolidar as condições de sustentabilidade para o crescimento da economia, condições estas que estão colocadas.
As premissas que estão listadas são a demonstração de que o endividamento interno está sob controle, que a dívida
é administrável e tem uma trajetória declinante, embora isto custe a sustentação muito onerosa de um superávit
primário bastante elevado.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
25
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Premissas da Sustentabilidade
Premissas
A – Manutenção da trajetória declinante da relação dívida/PIB
B – Robustecimento persistente da posição externa aumento das reservas próprias, aumento
da exportação) resulta em melhoria do risco-soberano
Superávit fiscal primário e superávit comercial
(suficientemente altos pata A e B) são pilares da sustentabilidade
A segunda premissa é o processo de robustecimento do balanço de pagamentos que começou, mas não se
completou. Ainda não alcançamos um estágio suficiente de blindagem das nossas contas externas, para que esse
grau mínimo de autonomia necessária a um Projeto Nacional de Desenvolvimento se dê. Sem isso, inexistem as
condições objetivas que, além de um pacto político, possibilitem a inserção brasileira na economia mundial e
permitam que o País possa desfrutar deste grau de autonomia, de conviver com a economia mundial sem ser
recorrentemente vitimado por crises. A construção deste processo requer a sustentação de um superávit comercial
ainda por um longo período.
Quero listar aqui cinco desafios que me parecem críticos para se chegar a esse estágio.
O primeiro é um desafio de curto prazo: que é expandir os investimentos críticos em infra-estrutura.
Especialmente, pela ordem, em logística e transportes - que estão seriamente deteriorados, em energia, em
saneamento e habitação. O grande desafio é fazer isso sem comprometer o desempenho fiscal. Isso requer
engenharias de funding complexas e nas quais estamos ainda engatinhando.
Criação da Sustentabilidade
Cinco desafios: difíceis, mais possíveis!
Expandir inversões em infra-estrutura (energia, logística, saneamento/habitação) sem
comprometer a performance fiscal;
Expandir a capacidade exportadora e avançar em competitividade e em inovação
tecnológica;
Manter a governabilidade e o suporte político;
Desenvolver sistema de crédito e financiamento de longo-prazo;
Aperfeiçoar o sistema tributário e melhorar o perfil do gasto público.
Segundo desafio: expandir a capacidade exportadora rapidamente, para sustentar o esforço de crescimento.
O agronegócio responde extraordinariamente bem, mas os outros investimentos não respondem. A siderurgia,
por exemplo, já está estrangulada, já ameaça até a sustentação do crescimento do complexo automotivo e outros.
Há a necessidade de deslanchar investimentos privados e de deslanchar um programa de inovação tecnológica
que permita ao País melhorar a sua pauta de exportação, para que possa ter um desempenho de exportação de
longo prazo. Desta forma, a política tecnológica e cientifica é, também, indispensável nesse esforço.
sTerceiro desafio: é que nada disso se faz sem o desenvolvimento do crédito e do financiamento de longo
prazo. Muito embora o Brasil disponha do privilégio de ter um sistema público de crédito, como o Ministro
José Dirceu bem ressaltou, o BNDES, o Banco do Brasil, isto não é suficiente para o esforço de poupança e
de investimento que o País terá que fazer. Uma agenda não discutida é a de desenvolvimento do crédito, do
financiamento, para a qual haverá necessariamente de trazer o setor bancário, o setor financeiro, para um esforço
de desenvolvimento nacional. E essa transição, em que o sistema bancário deixa de ser o corretor da dívida
pública e passa a ser um fornecedor importante de crédito e formas de financiamento à acumulação de capital,
é o quarto desafio.
26
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
O quinto desafio: é o de aperfeiçoar o sistema tributário e melhorar o perfil do gasto público. Melhorar o
perfil do gasto público, mas aperfeiçoar o sistema tributário. A carga tributária brasileira é exageradíssima sobre
o sistema formal de produção. É preciso deslocar a carga tributária da produção para a renda. Este é um desafio,
extremamente importante e complexo, a ser enfrentado. Pesa sobre o governo a imensa responsabilidade de
sustentar a governabilidade e de garantir o suporte político parlamentar para poder fazer tudo isso.São cinco
desafios dificílimos, mas acho que eles são possíveis de ser enfrentados. Não vou passar por todos eles.
Criação da Sustentabilidade
Deslanche dos Investimentos Infra-estruturais
Recursos fiscais escassos devem alavancar funding de mercado aos projetos consistentes:
PPP/project finance + fundos de recebíveis + garantias + crédito (BNDES, Agências
Multilaterais)
Projetos privados, mistos, estatais
Marcos regulatórios bem definidos, estáveis, com viés pró-investimentos (energia,
saneamento, transportes)
Regulação isenta, habilitada, independente e transparente
Planejamento de longo prazo, redutor de riscos
Sobre a questão dos investimentos infra-estruturais, me parece o seguinte: os recursos fiscais são escassos,
eles precisam ser multiplicados. Isso significa que formas inovadoras de estruturar funding sejam encontradas - a
aprovação da PPP é urgente e deveria merecer um esforço para ser antecipada, embora, infelizmente, não acredite
que ela sozinha seja uma panacéia, ela é um instrumento. Há a técnica de project finance que é usual. Existem
outras técnicas, mas o importante é somar. Securitização de recebíveis, garantias, tudo visando a mais crédito para
multiplicar a capacidade de investimento do setor público em projetos privados, em projetos mistos ou em projetos
estatais. O importante é a qualidade dos projetos e sua urgência. Aqui, me parece haver a necessidade de um foco
muito delicado para resolver os problemas específicos e desbloquear essa agenda.
Criação da Sustentabilidade
Expansão da Capacidade Exportadora + Inovação
Articulação de Políticas por Cadeias – Integradas
-
Competitivas: aumento da capacidade, robustecimento grandes empresa para atuação
global, inovação
Transnacionais: valorização plataforma-Brasil, política ativa de atração de IDE, viésexportação
Cadeias PMFs / Desenvolvimento regional = clusters e APLs
Cadeias com deficiência: reestruturações produtiva, tecnológica e de gestãogovernança
Setores da inovação: políticas estruturantes / tecnologia / foco no mercado
No que diz respeito à criação de nova capacidade produtiva, para sustentar o esforço exportador e o esforço
inovador, além da alavancagem (o quanto mais rápido possível, das cadeias onde o Brasil é competitivo e precisa
aumentar a sua presença internacional), vejo aqui, como um ponto essencial, a necessidade de uma agenda nova
com as empresas transnacionais. O Brasil já tem a maior parte das empresas internacionais instaladas aqui, mas
a plataforma das transnacionais brasileiras está desvalorizada dentro do sistema global. É preciso uma política de
valorização das plataformas brasileiras, para que elas possam exercer um papel ativo de mudança de sinal dentro
do sistema internacional. É preciso trazer a contribuição do investimento estrangeiro para esse processo. Quero
sublinhar, também, a importância da política regional, a importância da política de arranjos produtivos locais, a
importância da política de inovação.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
27
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Tenho uma média móvel da economia americana nos anos 90 e do que está acontecendo agora. Nos anos 90,
nós tivemos um ciclo de desenvolvimento extremamente longo, de oito anos consecutivos de desenvolvimento.
Correspondeu ao mandato do expresidente Bill Clinton. No primeiro período do governo houve uma oscilação
forte, com ajustes importantes, a taxa de juros teve que subir, foi feito um ajuste fiscal importante e, nos últimos
cinco anos da década, ocorreu um extraordinário período de crescimento, a 4,5% ª.a, da maior economia do
mundo, o que puxou o crescimento mundial. Infelizmente, nós, com o câmbio valorizado, não aproveitamos
nada disso. Quem aproveitou foi a China, foi a Ásia, ficamos fora disso. Vem a crise mundial e nós mergulhamos
junto nela.
Foi uma crise mundial abortada, porque a política de reversão do déficit americano, mais os juros negativos do
Alan Greenspan abortaram a recessão americana. A economia americana recupera o crescimento (a linha cheia
no Gráfico acima). Pode fechar o ano perto de 4%, mas é altamente provável que nos próximos meses a economia
americana tenha que passar por um ajuste complicadíssimo. A situação do dólar é bastante frágil, está sendo
sustentada pelos Bancos Centrais asiáticos. O John Kerry, caso ganhe a eleição, vai fazer um indispensável ajuste
fiscal nos Estados Unidos porque o déficit público americano é muito alto. O FED, Banco Central Americano,
vai ter que subir os juros; vem turbulência pela frente.
Espero que essa turbulência seja administrável, que a economia mundial não vá para uma recessão. Mas o
espaço brasileiro, extraordinariamente favorável até agora num mundo com juro negativo, com alta liquidez,
com crescimento, vai acabar. Vamos ter um período turbulento. Não é um período necessariamente desastroso,
mas nós temos que fazer um grande esforço adicional para consolidar o quanto mais cedo a nossa posição
externa. A nossa posição externa está melhorando, mas não é crível imaginar que um crescimento de 25%,
que é o que estamos tendo na exportação, se sustente no ano que vem. Reduzindo as taxas de crescimento de
exportação, ainda para taxas altas, supondo que a economia mundial não vai para uma recessão, ainda assim, nós
teríamos que fazer quatro, cinco anos de esforço.
Crescimento sustentado é possível!
 Balanço de pagamentos se robustece, reservas sobrem..., risco-soberano cai...
Unidades
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Saldo comercial
US$ billhões
24,8
30,7
26,8
25,5
24,4
23,5
Exportações
US$ billhões
73,1
91,3
100,4
113,4
128,1
145,4
% ao ano
21,1
25,0
10,0
12,9
13,0
13,5
US$ billhões
48,3
60,7
73,6
87,9
103,8
121,9
Total
Importações
Total
28
% ao ano
2,1
25,6
21,3
19,5
18,0
17,5
Conta corrente
US$ billhões
4,0
8,9
3,4
2,5
- 1,0
- 2,6
Conto corrente
% do PIB
0,9
1,8
0,7
0,5
- 0,2
- 0,5
Investimento direto
US$ billhões
10,1
10,1
13,0
15,0
16,0
16,0
Reservas líquidas
US$ billhões
17,4
24,8
34,4
52,3
66,2
79,3
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Essas projeções me parecem razoavelmente realistas, pois nós projetamos a importação crescendo a taxas
bastante mais altas, por causa da necessidade de importar bens de capital e até importar matérias primas - porque
vamos precisar importar aço para sustentar o crescimento, infelizmente - mas a manutenção desse esforço somente
daria condições de o Brasil chegar a uma posição de ser grau de investimento, ser considerado um país confiável
em termos internacionais em 2008, de 2007 para 2008. É muito tempo, é uma travessia ainda muito longa para
podermos desfrutar da autonomia necessária a um projeto nacional. É um período ainda longo. Os indicadores
estão aí.
Indicadores
 Mas, ainda há um longo percurso...
Dívida externa/PIB
Serviço da dívida/PIB
Exportações/PIB
Dívida externa/X
Serviço da dívida/X
Juros líquidos/X
Reservas brutas/dívida externa
Reservas brutas/serviço da dívida
Em %
Em %
Em %
Em %
Em %
Em %
Em %
Em %
2003
47,6
8,9
16,2
2,94
0,55
0,18
22,9
123,0
2004
39,7
10,3
18,5
2,15
0,56
0,15
25,5
99,0
2005
37,4
9,1
20,2
1,85
0,45
0,14
28,6
117,7
2006
34,4
8,0
22,3
1,54
0,36
0,12
34,7
149,0
2007
32,0
7,3
25,0
1,28
0,29
0,09
40,4
176,4
2008
31,9
5,1
28,8
1,11
0,18
0,09
49,2
306,4
Se compararmos com indicadores atuais, por exemplo, só chegaremos em 2007/2008 a indicadores como
os que o México desfruta hoje, ou que a Rússia desfruta hoje, dois países em desenvolvimento que já têm um
status de investment graded no cenário internacional e, portanto, têm um risco país inferior a 150 pontos
base, enquanto o nosso está lá em 600 pontos base. Não é fácil reduzir os juros sem fazer esse percurso.
Então, me parece que o desafio de sustentar o crescimento requer a manutenção de uma política
macroeconômica em que a taxa de câmbio não se aprecie de forma sustentada, ao longo do tempo. A taxa de
câmbio brasileira precisa ser persistentemente estimulante à competitividade e à exportação. Que a política
de juro, na medida do possível, seja pró-redução das taxas, obviamente respeitado o controle das expectativas
de inflação, mas indo além disso.
Indicadores
Reservas / Dívida externa (%)
2002
2003
2004
Brasil
18,00
22,9
25,5
México
34,3
37,2
39,7
Coréia do Sul
96,6
97,7
103,3
Venezuela
39,1
58,0
57,2
Rússia
30,1
40,9
43,9
Polônia
36,3
38,5
42,1
2002
2003
2004
Brasil
3,49
2,94
2,15
México
0,87
0,91
0,88
Coréia do Sul
0,77
0,77
0,72
Venezuela
1,42
1,55
1,54
Rússia
1,36
1,29
1,40
Polônia
2,49
2,39
2,27
Dívida externa / exportações
Conceber estímulos ao investimento competitivo, mediante a política industrial e tecnológica prócompetitividade me parece absolutamente imprescindível para chegar mais cedo àquilo que as projeções indicam
como possível só em 2008. Obviamente, se a economia mundial nos ajudasse mais, se esse cenário atual pudesse
ser prolongado, nós poderíamos chegar lá mais cedo. Mas nós não chegaremos lá sem um grande esforço. Um
grande esforço de manutenção de uma política de libertação da economia brasileira das injunções da dependência
financeira e da dependência de um balanço de pagamento frágil.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
29
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Crescimento sustentado é possível!
 Meta de superávit primário deverá ser mantida com alguma flexibilização
seletiva, até 2007
-
Condições fiscais (um pouco) menos apertadas no longo prazo
 Dívida líquida do setor público em trajetória de queda lenta
% do PIE
Resultado Primário
DLSP
2003
4,37
58,7
2004
4,25
57,2
2005
4,25
56,3
2006
4,25
54,7
2007
4,25
54,2
2008
4,25
54,4
enPor isso, quero dizer o seguinte: divisa, reserva não se fabrica, não se toma emprestado. O pressuposto de um país
que exerce soberania e tem blindagem diante da crise internacional é, infelizmente, ter hoje um colchão substancial
de reservas. Então, nem a política de distribuição de renda, nem a política de criação de emprego, nem a política
de estruturação de um Projeto Nacional de Desenvolvimento será possível sem esse pressuposto e, quero ser aqui
um economista implicante que vai chamar a atenção para esse ponto essencial, porque é a partir dele que se pode
construir o conjunto de condições subseqüentes. É dele, e só a partir dele, que se pode construir o conjunto de
forças, que o Ministro José Dirceu de maneira tão correta, tão precisa, apresentou aqui e que é, de fato, a síntese do
projeto que todos nós queremos, entusiasticamente, assinar em baixo.
Crescimento Sustentável é Possível!
 2005-08: redução gradativa de juro real, para 6% ao ano apesar dos períodos de desaquecimento global e contratação de liquidez
internacional.
Câmbio (R$/US$)
Câmbio (R$/US$)
Juros nominais
Juros reais (IPCA)
Juro básico
IPCA
IGP-M
Unidade
2003
2004
2005
2006
2007
2008
a.m. de período
média anual
% ao ano
% ao ano
% ao ano
% ao ano
% ao ano
2,93
3,08
23,1
12,6
16,5
9,3
8,7
3,12
3,03
16,0
8,3
15,5
7,2
10,5
3,25
3,20
14,9
8,4
14,0
6,0
5,5
3,40
3,33
12,9
7,8
12,0
4,7
4,5
3,55
3,48
11,4
6,9
10,5
4,2
3,5
3,65
3,60
10,8
6,7
9,5
3,8
3,5
Criação da Sustentabilidade
 2005-08: em trajetória de desaceleração, moderada e passageira, acompanhando tendência esperada para a economia mundial.
 2005-08: economia em expansão moderada e mais regular.
2003
PIB (preço de mercado)
- 0,2
Produção industrial
- 0,1
Ocupação
2,5
Rendimento médio real*
- 8,6
Massa de Renda Total
- 5,0
Consumo de duráveis
- 5,0
Consumo Básico**
- 1,6
FBCF
- 6,6
* Trabalho, ** Bens de consumo não duráveis e serviços.
2004
3,7
6,0
2,7
3,0
5,1
7,8
2,3
5,5
2005
3,5
4,0
2,7
0,8
3,2
4,1
2,1
5,5
2006
4,2
5,1
2,9
0,7
3,7
9,2
2,7
7,4
2007
4,0
4,7
2,7
1,4
4,1
6,6
3,1
7,8
Variação anual, em %
2008
3,4
4,4
2,5
0,9
3,4
5,1
2,5
5,2
Conclusões
1.
2.
3.
4.
5.
30
Inflação controlada, finanças públicas saudáveis e salto qualitativo no balanço de
pagamentos permitem construir sustentabilidade;
A política de desenvolvimento precisa ganhar urgentemente velocidade, coesão e
instrumentos dentro do governo;
A estruturação de funding para um novo ciclo de investimentos é fundamental – o
setor financeiro e o mercado de capitais poderão contribuir decisivamente;
A inovação tecnológica deve, necessariamente, cumprir um papel-chave para a
competitividade;
O Brasil deveria abreviar a obtenção do “grau-de-investimento”.
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Eugênio Staub
Conselheiro do CDES
Vou falar sobre quatro tópicos importantes: vontade política, planejamento estratégico do Brasil, o papel da
indústria no desenvolvimento e alguns riscos que nós estamos correndo em curto prazo, se não tivermos aprendido
as lições do passado.
Sobre vontade política, a coisa mais eloqüente que posso fazer é relembrar dois trechos de editoriais de um
grande jornal brasileiro. Esses editoriais são um pouco antigos, têm 50 anos, mas estão atualizados, como vamos
ver. Esses textos são de outubro de 1953 e tratam da criação da Petrobrás. Não sabia que o ex-ministro Celso
Furtado ia abordar o tema da Petrobrás. Começar essa sessão com o depoimento de Celso Furtado foi excelente.
Ele disse coisas simples, que são verdades há muito tempo e sobre as quais nós concordamos em gênero, número
e grau, mas que ainda não temos sido capazes de realizar. Temos que nos mostrar capazes de corresponder a esse
legado que nos deixam.
Esses editoriais afirmam algumas coisas interessantes. O primeiro fala sobre o racionamento de gasolina, é de 08
de outubro de 1953: “A atitude do Legislativo e Executivo Federais, em relação ao problema do petróleo, denuncia a
absoluta irresponsabilidade, em face dos interesses nacionais. Quanto ao gênero e a necessidade de tudo se fazer com o
objetivo de prospectar, explorar as riquezas petrolíferas que o nosso subsolo por ventura encerre, a solução encontrada
foi a Petrobrás, que onerará excessivamente os contribuintes a ponto de prejudicar a economia nacional sem nos
trazer a menor esperança de resultados positivos. A Petrobrás significará um considerável desperdício de dinheiro e
de tempo, atestando a nossa incapacidade de resolver os mais urgentes problemas econômicos nacionais”. E por aí vai.
Em seguida, no outro editorial, ataca-se a Petrobrás, a lei recém assinada e também a direita, porque afirma
que até a União Democrática Nacional foi ignorante e demagógica: “Mais uma vez tivemos o ensejo de registrar
e condenar a irresponsabilidade da UDN nessa questão. A aprovação e a sanção do Projeto de Lei que cria a
Petrobrás explicam-se menos pela ignorância do que pela submissão do Executivo-Legislativo à demagogia e
a argumentos eleitoreiros”. O editorial começa, na realidade, repetindo uma frase do então presidente Getulio
Vargas: “Elogiando a lei que criou a Petrobrás, o senhor presidente da República, Getulio Vargas, salientou que
a nova empresa resulta de uma firme política nacionalista num terreno econômico já consagrado por outros
arrojados empreendimentos e em cuja viabilidade sempre confiei. Quando se construiu Volta Redonda, muitos
eram descrentes das suas possibilidades, mas hoje a grande siderurgia se ergue como testemunho irrefragável da
capacidade criadora nacional”. Em seguida, critica-se a posição de Getúlio, afirmando que a comparação não cabe,
porque Volta Redonda foi realizada por técnicos estrangeiros: “Já que fizéramos o mal, criando a Petrobrás, pelo
menos que usemos a tecnologia internacional para ter alguma chance de sucesso”.
Essas premonições foram desatualizadas pela História. Cinqüenta anos depois, o Brasil é um dos poucos
países que chega à auto-suficiência em petróleo, reforçando o nosso poder nacional. Nós desenvolvemos a melhor
tecnologia em perfuração submarina, formamos centenas de milhares de técnicos, engenheiros, demos emprego
de qualidade a centenas de milhares de pessoas, através de várias gerações e nós temos uma das maiores empresas
petrolíferas do mundo!!!
Qual é a lição? A primeira lição é que Getulio Vargas teve nesse episódio e em outros, como a criação do BNDE,
visão estratégica. Ele definiu o que precisava ser feito. A segunda lição é que Getúlio teve vontade política, que não é
trivial, e foi capaz de enfrentar o ceticismo. Eu era garoto, a maioria aqui não era nascida, mas os estudantes tiveram
que ir a rua dizendo: “o petróleo é nosso” - esse era o slogan. Não sabíamos sequer se havia petróleo, mas afirmouse: “O Petróleo é Nosso”. Getulio Vargas bancou esta posição e se fez a Petrobrás. A terceira lição é que isso foi feito
com competência, ao longo do tempo.
Visão estratégica, vontade política e competência tornaram realidade esse projeto e muitos outros que sofreram
igual oposição e incredulidade, como foi o caso da EMBRAER. Um jovem oficial cearense, Casemiro Montenegro
Filho, teve, em 1938, a visão de que o Brasil precisava dominar a tecnologia da aviação. Criou um Instituto, CTA,
que gerou tecnologia e nós somos, hoje, a terceira ou quarta potência mundial de aviação. A mesma situação
ocorreu em relação à Embrapa. Há muitos exemplos desse tipo. Ouço há 30 anos oposição à Zona Franca de
Manaus que é, apesar de todas as críticas que apareceram, um projeto de desenvolvimento de sucesso. Repetiu-se à
exaustão o mesmo argumento: “Manaus irá acabar com o resto da indústria no País”. Isto não se provou verdadeiro
ao longo de 30 anos, mas continua sendo repetido. Ao longo do tempo, primeiro os militares, depois os demais
governos tiveram vontade política de sustentar o modelo que é da maior importância para aquela região. Esta é a
lição. Temos que compreender que vontade política e isso foi muito bem abordado e está no contexto do que foi dito
pelo Ministro José Dirceu - e visão estratégica são imprescindíveis.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
31
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Há pouco mais de dois anos havia dois candidatos que podiam chegar à Presidência da República. Um, com
o qual eu tinha muita intimidade, não só com ele, mas com os companheiros dele, era um excelente economista
e era o candidato da elite empresarial. O outro, com o qual eu não tinha nenhuma intimidade, que era oriundo
do movimento sindicalista, tendo sido presidente de sindicato, tendo formado uma central sindical, tendo
formado um partido, era um político. Num certo momento, meus companheiros da indústria, principalmente,
chegaram à conclusão de que o primeiro candidato, o economista, iria ganhar. Eu tomei a decisão de apoiar
o outro, porque a minha visão, que continua sendo a mesma hoje - sem nenhum arrependimento - era que o
cargo de Presidente da República é um cargo político, que exige visão política e que exige a capacidade de unir
o país em torno de objetivos estratégicos importantes.
Isso me leva ao segundo tema, que é a questão do projeto estratégico. Nós já tivemos planejamento neste
País. Tivemos Juscelino Kubitschek, que fez os “cinqüenta anos em cinco” com o seu Plano de Metas; tivemos
Celso Furtado, com o Plano Trienal do Governo João Goulart; tivemos o primeiro, o segundo e o terceiro
PND (Plano Nacional de Desenvolvimento). Mas, a partir de 1984, o Brasil deixou de ter planejamento. A
agenda nacional, durante dez anos, foi derrotar a inflação. Essa era a prioridade e era ao que se resumia o
planejamento do país. Isso era necessário, mas não o suficiente. A inflação, finalmente, terminou a partir de
1994. A agenda nacional passou a ser dominada pela crença, e esse é um dos riscos que corremos ainda hoje,
de que o mercado tudo resolve. Acredita-se que se fizermos a nossa “lição de casa”, tudo vai se resolver. Não
precisamos planejar mais nada. Celso Furtado se referiu a isso hoje, na sua apresentação. Em 1999 veio a dura
realidade e a agenda nacional, a partir daí, passou a ser essa que vemos na imprensa todos os dias. Qual é
o superávit primário? Qual é o superávit comercial? Qual é o superávit da balança de pagamentos? Qual é a
relação dívida/PIB? Todos são indicadores importantes, mas é muito pouco. É medíocre.
O Brasil precisa definir para onde está indo! O governo do Presidente Lula está se dedicando a esse tema,
através do Núcleo de Assuntos Estratégicos e através do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, que
é o fórum para discutir isto com a sociedade. Nós temos que resgatar, como também disse Celso Furtado e como
já foi dito aqui hoje, a capacidade de planejar o nosso destino. O que queremos fazer com esta grande cultura
tropical, com esta grande nação que é mais do que uma nação? Queremos ser uma versão mais pobre dos
Estados Unidos? Não é isto. Por este motivo é tão importante esta discussão, que foi (re)iniciada recentemente
e que está progredindo aqui hoje, para estabelecermos quais são os nossos objetivos fundamentais.
Nós temos que saber o que nós queremos. Vamos ter que definir de 6 a 10 objetivos que queremos alcançar.
Quais são os objetivos estratégicos? Dentre eles, eu vejo dois importantes. Um é a plena ocupação. Hoje, nós
temos um desemprego em torno de 12%, o México tem 3%, o Japão, que está estagnado há mais de dez anos,
consegue manter entre 3% e 4% que é, de fato, a plena ocupação. Nós temos toda a condição de fazer isso no
Brasil, se definirmos isso como objetivo estratégico do País.
Além disso, outro objetivo deve ser o da inclusão digital. Temos que ter um objetivo como tem a Coréia,
que dentro de alguns anos todos os brasileiros possam estar conectados na internet em banda larga, que
prestigia a comunicação, a educação, o lazer e a informação. Isto é planejamento estratégico. Quando se fala de
inclusão digital está se falando da criação de oportunidades estratégicas para se aproveitar o grande capital de
conhecimento que nós temos nesse País, na área de ciência e tecnologia e, como resultante, de se criar novos
setores industriais e empregos de qualidade.
Quero falar, ainda, sobre o papel da indústria. Nós temos uma herança industrial, o Ministro José Dirceu
falou disso hoje e eu estou convencido. Tornei-me, por força das minhas atividades, nos últimos dois anos, um
estudioso da China. O Brasil, em todos os termos, é melhor que a China. A China é um país admirável, um
país com o qual faz todo o sentido mantermos estreitas relações. Mas o Brasil é muito melhor e a sua indústria
é muito melhor. Nós estamos em outro estágio.
Considerando-se a indústria brasileira, nós devemos classificá-la em três categorias. Uma das categorias é a
de geração de empregos. Todas as indústrias que nós temos ou podemos ter ordenadas em níveis decrescentes
de geração de empregos. Para cada R$ 1 milhão de reais investidos, quantos empregos são gerados? Isso cria
um primeiro tipo de ordenamento. O outro ordenamento, para os mesmos setores industriais, é classificar as
empresas segundo o impacto sobre a balança de pagamentos. Quem gera mais exportações ou importação?
Qual é a sua contribuição para esse indicador? E, finalmente, uma visão estratégica - com o que é preciso ter
cuidado, pois é um termo que se permite a tudo. É preciso identificar quais são os setores mais estratégicos
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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para o país. Uma matriz desse tipo e tendo uma visão de que nós queremos realmente gerar ocupação, permite
chegar a conclusões muito interessantes. O setor de papel e celulose, que eu admiro muito, tem um projeto de
investimento de US$10 bilhões em 10 anos para dobrar a sua capacidade de produção e gerar 55 mil empregos.
Isso precisa ser avaliado com outros olhos.
A outra forma de analisar a indústria é a de olharmos as vocações que estão consolidadas, por exemplo:
papel e celulose, siderurgia etc. Temos indústrias nacionais ou estrangeiras, não importa, com muita tradição
e temos as novas oportunidades que irão gerar riqueza para o futuro. Há um grande trabalho, no interior do
planejamento estratégico do País, que precisa ser realizado no segmento industrial.
Por último, os riscos. Os riscos são os do “já deu certo”. Nós estamos vivendo, nesse momento, uma seqüência
natural das políticas adotadas. A economia passou a ser puxada fortemente pelas exportações. A economia,
nos últimos 18 meses ou mais, foi sustentada pelo setor do Ministro Roberto Rodrigues (Agricultura), mas
agora outras políticas estão começando a gerar resultados e estão começando a gerar crescimento, como,
por exemplo, a ampliação do financiamento ao consumo - onde o financiamento com desconto na folha de
pagamento tem sido uma importante inovação. De repente, no entanto, corremos o risco, e nós já vimos isso
depois do Plano Real, de achar que as “coisas estão dando certo” e não é preciso fazer mais nada. Este é o
primeiro risco.
O outro risco é que estamos assistindo a nossos amigos do setor financeiro muito alvoroçados com a possível
necessidade de aumentar os juros. Afirma-se que há o risco de a inflação voltar e é preciso aumentar os juros.
Isso seria desastroso. O risco é o de nós não abordarmos essa questão de uma forma técnica, desapaixonada,
daqui para frente. O Brasil paga dois spreads muito acima da média de qualquer outro país. O primeiro spread
é o do famoso “risco Brasil”. Já procurei explicações internas e externas, e mesmo na Cepal, sobre o “risco
Brasil”, Qual a explicação de termos um risco dos mais elevados do mundo? Maior do que o México, maior do
que o Chile, apenas superado pela Turquia e mais um outro país. Isso precisa ser investigado.
O segundo spread, que se soma a esse, é o spread interno. Creio que, bem ao estilo deste Governo e que é o
estilo correto, deveria se promover um diálogo com o setor financeiro para entender como é que nós vamos,
de uma forma negociada, sem nenhuma agressão, sair deste enorme spread interno que acaba gerando um
custo financeiro para uma empresa normal de 30% a 40% ao ano.
Resumindo o assunto risco, penso que o risco que estamos correndo é o de acharmos que essas coisas
não têm que ser abordadas, pois a economia vai bem. Tudo isso precisa ser resolvido para assegurarmos o
desenvolvimento acelerado e sustentado.
Luiz Marinho
Conselheiro do CDES
Se nós observarmos desde a abertura, com a fala do professor Celso Furtado, a exposição do Ministro José
Dirceu e dos demais companheiros, vamos notar que nós já estamos com o diagnóstico prontinho do que
precisamos, do que queremos e de onde queremos chegar. Falta o como chegar, como fazer, como passar esse
gargalo. Eu tenho dito que nós corremos o risco de bater no teto e não conseguir construir essa passagem e aí
perderemos mais uma década. Precisamos trabalhar rapidamente para passar por esse gargalo.
Não é o meu papel aqui, mas queria ousar fazer um reparo num ponto do que disse o Ministro José
Dirceu, para estabelecermos um debate em torno dele. É sobre o problema da Previdência Social. “Temos que
organizar o problema da Previdência ou não teremos como resolver o problema do salário mínimo”. Quando
ouço esta frase fico muito preocupado. Porque já ouvi inclusive o Presidente Lula falando, explanando sua
visão sobre isso, e fiquei apavorado, porque para mim o problema da Previdência reside no fato de ainda não
termos uma rede de informática a serviço da Previdência totalmente equipada, preparada e modernizada
para impedir a corrupção. Além disso, termos elevada sonegação e falta de crescimento econômico/emprego.
Estes três itens resolvem o problema da Previdência, pelo que tenho conversado com ex-ministro, com o atual
ministro, com várias pessoas entendidas no assunto. Como não sou entendido no assunto, tenho que dialogar
com quem entende. Queria só fazer este registro para estabelecermos um dialogo em relação a essa questão.
Parece-me que, do ponto de vista de para aonde vamos, nós estamos aqui afirmando a necessidade de
ter o salário mínimo como indicador de distribuição de renda e desenvolvimento. Isto é uma necessidade.
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Estamos falando que educação, tecnologia, conhecimento, crescimento, desenvolvimento, investimento em
infra-estrutura, são os gargalos, as necessidade atuais. Então, me parece que há um grande consenso em
relação a esta questão. O problema é de como fazer. Há um texto aí na pasta que vocês podem olhar - não vou
me guiar exatamente por ele -, mas quero dizer que nos últimos meses tenho dialogado com muita gente em
relação a esta questão do como fazer.
O empresariado brasileiro tem reclamado de vários problemas e tem afirmado que para viabilizar os
investimentos é necessário ter segurança. Precisa ter segurança nos marcos regulatórios, mas precisa também
ter segurança de que este crescimento é sustentável, que ele vai perdurar, que ele vai continuar. Para ele
perdurar, precisa ter, como já falamos aqui, investimento, infra-estrutura etc. O governo não pode abrir mão
de arrecadação, o Estado brasileiro não pode abrir mão de arrecadação. Como, então, atender à solicitação do
empresariado de reduzir a carga tributária, entendendo essa redução como um fator necessário, impositivo
para que se possa viabilizar novos investimentos?
Até porque, nós não precisamos somente ampliar a infra-estrutura, nós precisamos ampliar também a
capacidade produtiva do País. Eu conversava com um grande empresário do setor petroquímico na semana
passada e ele me falava que, no primeiro semestre deste ano, em relação ao primeiro semestre do ano passado,
ocorreu um crescimento de 26% no mercado interno. Mas, para atender a esse aumento de demanda, ele já
teve que reduzir a sua exportação. Bom, manter a exportação é importantíssimo, aliás, temos que manter
e sempre objetivar crescer. Então, está claro que estaremos batendo no teto, daqui a pouco, da capacidade
produtiva do País.
Bem, por outro lado, o Luciano Coutinho e o Eugênio Staub falaram sobre isso, e mesmo que os banqueiros
sempre fiquem bravos quando tocamos neste assunto, me parece que falta um planejamento com metas do
que nós vamos ter, do que nós vamos lutar para ter daqui a doze meses. Nós só temos metas para a inflação do
ano que vem. Bem, então, qual é a meta dos juros para o ano que vem? Qual é a meta do emprego para o ano
que vem? Qual é a meta da carga tributária para o ano que vem? O que vamos ter de carga tributária? Nós não
temos nada disso. O Governo provavelmente tenha isso, tenha objetivos e está trabalhando para alcançá-los.
Mas a sociedade não está participando desse debate. Acho que isto é uma necessidade. Precisamos construir
uma negociação nacional, uma pactuação nacional envolvendo os trabalhadores, os empresários, o Governo,
o sistema financeiro, todos os setores da sociedade sobre a forte liderança do Governo. O Governo precisa
assumir a liderança de uma negociação para valer. E, nessa negociação para valer, me parece que temos que
objetivar o que queremos para daqui a seis meses, daqui a doze meses, daqui a vinte e quatro meses, daqui a
trinta e seis meses, para viabilizar esse processo de desenvolvimento.
Parece que temos clareza que é um objetivo reduzir a carga tributária para podermos viabilizar os
investimento. Agora, reduzir carga tributária é necessariamente redução do orçamento do Estado? Na minha
opinião, não. Aliás, deve ser ao contrário. A redução da carga tributária tem que ser feita de forma negociada,
de forma que o empresariado se comprometa a trabalhar, a honrar os investimentos e a honrar a ampliação
da base de arrecadação para poder sustentar a manutenção ou o crescimento da arrecadação do Estado. É um
processo de negociação para valer. Às vezes, o Governo, o Estado brasileiro, concede benefícios para setores
a, b ou c, sem a devida contrapartida nesse processo. Às vezes, um setor reclama, reclama, e o governo vai lá
e resolve o problema, mas não negocia numa mesa a contrapartida que, eventualmente, aquele setor poderia
fornecer.
O sistema financeiro precisa reduzir o spread lá na ponta. À redução da taxa SELIC não corresponde a
mesma redução para o tomador lá na ponta e precisa corresponder. Há banqueiros que falam o seguinte: “o
drama não é o spread, o problema é que tenho x do orçamento do sistema financeiro comprometido com
compra de títulos do governo. Então, se o governo não consegue reduzir essa necessidade, não tenho dinheiro
para ofertar lá na ponta. É por isso que o spread é alto lá na ponta”. Isto me parece que pode ser verdade. Mas
não, necessariamente, só isto. Parece-me que o governo precisa ver se tem algo a negociar, também, com o
sistema financeiro, no sentido de obrigá-lo - não de forma autoritária, mas num processo de negociação,
de comprometimento, de troca, de ganha-ganha para todos os setores - para que o sistema financeiro possa
cumprir a sua obrigação, que é financiar, dar crédito para a sociedade consumir, produzir, investir. Gerar
esse círculo virtuoso, de que tanto se fala. Existem algumas peças faltando nesse processo. Nós precisamos
incrementar isso de forma que se criem as condições para se resolver os problemas sociais do Brasil.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Recentemente, me fizeram a seguinte abordagem: “Marinho, você ficou o ano passado inteiro e um pedaço
deste ano reclamando, criticando e cobrando a necessidade de aumentar o investimento produtivo para gerar
emprego. A economia está crescendo agora, tem mais de um milhão de saldo de emprego formal, além das
ocupações geradas, através da criação de empresas e de outras formas de ocupação. E aí? Você mantém a
mesma crítica?” Eu disse: mantenho, é claro. Porque no ano passado eu já me referia á tendência de 2004 ser
um ano melhor do que 2003: haverá crescimento, haverá geração de emprego, mas não será suficiente para
resolver os problemas sociais do País.
Ou nós planejamos e consideramos também o emprego como indicador junto com a renda, junto com
a taxa de juro, junto com a inflação, junto com o superávit, junto com o superávit da balança comercial
ou não vamos resolver os problemas sociais, porque o simples crescimento necessariamente não responde
ao problema do desemprego, ao problema da desocupação da força de trabalho. A não ser que cresçamos
rapidamente, a mais de 7% ao ano, vamos levar uns dois ou três anos para alcançar isso. Esperamos que
alcancemos. Temos que rezar para o petróleo ficar comportado no preço que está, quem sabe abaixar. Mas há
risco de aumentar. Então, se aumentar, qual é o drama que vai acontecer para a nossa economia?
Temos setores na economia brasileira, particularmente os fornecedores de matéria-prima e de insumos,
que, talvez, estejam com pressa de recuperar os anos perdidos. Precisamos negociar esse processo. Negociar em
quanto tempo esses setores irão recuperar a sua rentabilidade e os eventuais sacrifícios do passado. Podemos
citar vários setores. Um, por exemplo, é o de siderurgia. A indústria reclama do setor siderúrgico. E reclama
por quê? Porque dizem que o setor siderúrgico se aproveita da situação, da retomada do crescimento e de
uma boa parcela de exportação. Está faltando matéria-prima, o próprio Luciano Coutinho falou que teremos
que importar aço. E vamos ter que importar aço para sustentar o crescimento da atividade econômica e da
indústria, mas tem que ficar claro, qual o compromisso de manutenção de preços. Não é a volta do CIP, não é
o controle do preço, não é disto que estou falando.
O que defendo é a negociação entre as partes, num processo civilizado de negociação e planejamento do
processo de crescimento. Vamos planejar esse ganho ao longo de x anos, para que toda a sociedade possa
dele partilhar, possa ganhar ou para que alguns setores possam ter o benefício de sair ganhando na frente. A
rentabilidade, a lucratividade dos bancos, na ordem de grandeza em que está ocorrendo, é compatível com
uma sociedade tão sofrida, sem emprego e sem oportunidade, com uma parcela passando graves necessidades?
Qual a sociedade que queremos? Vamos fazer um jogo onde todos estejam participando, de forma a todos
poderem ganhar, num curto espaço de tempo? Parece que é isso que está faltando. Então, eu queria sugerir
aqui que o Governo pense seriamente no processo de negociação mais efetiva, que planeje essa negociação,
que façamos essa negociação buscando uma pactuação nacional, de forma a garantir esse processo.
Por fim, quero dizer que todo mundo quer crescer, mas há uma certa intriga aí colocada: BNDES,
Ministério do Desenvolvimento, Ministério da Fazenda, há muita reclamação com a Fazenda e com a Receita.
O tesoureiro sempre recebe críticas de todas as instituições, mas é preciso, também, que o tesoureiro tenha
sensibilidade. No caso em questão, o Ministério da Fazenda, que dirige tão bem nossa economia sob alguns
aspectos, mas que sob outros é questionável, precisa ter sensibilidade para que nessa negociação possamos
objetivar o crescimento e o desenvolvimento. É impensável, por conta dessa retomada do crescimento e por
conta de uma pequena reação da inflação provocada por preços administrados, começar a pensar em aumentar
os juros para segurar a demanda. Precisamos segurar a inflação com oferta, com mais produção, com mais
crescimento, com mais desenvolvimento, e não com juros mais altos ou com ajustes fiscais. Inibir créditos
para inibir a demanda, para inibir o crescimento e o emprego é um erro e se nós cometermos esse erro, vamos
nos arrepender amargamente, porque chegaremos à conclusão de que, daqui a dois anos no máximo, teremos
perdido mais uma década.
MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DESEJÁVEL
Defendemos um modelo de desenvolvimento que articule:
Políticas de crescimento econômico
Distribuição de renda
Geração de emprego
Democratização das relações de trabalho
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Políticas de
Emprego e
Relações de
Trabalho
Políticas de
Distribuição
de Renda
Políticas de
Educação
Políticas de
Gênero
Políticas de
Saúde
Modelo de
Desenvolvimento
Econômico e
Social
Políticas de
Combate à
Discriminação
Racial
Políticas de
Segurança
Alimentar
Democratização
do Estado e
Controle Social
Políticas de
Proteção ao
Meio
Ambiente
Crescimento
Políticas para
Jovens
Políticas para
Idosos
PROPOSTA de um “ACORDO NACIONAL”
Defendemos que este momento de retomada do crescimento econômico é o ideal para a realização de um
acordo nacional para consolidar a rota e a retomada do desenvolvimento.
Participantes:
 Governo Federal
 Centrais Sindicais
 Representações empresariais
 Representações da sociedade civil
Objetivos centrais:
 Consolidar a retomada do crescimento
 Manter o processo de estabilização em curso
 Aumentar a taxa de investimento
 Buscar consensos sobre variáveis-chave da economia
 Estabelecer política do “ganha-ganha”
 Manutenção da arrecadação e queda da carga tributária
 Incrementar a geração de postos de trabalho
CONTRAPARTIDAS PARA O ACORDO:
Compromissos do setor produtivo:
 Estabilização de preços
 Abastecimento adequado
 Investimentos crescentes
 Meta de geração de emprego e renda
 Limitação das horas extras
Compromissos do setor financeiro:
 Redução dos spreads e das taxas de juros
 Redução das tarifas
 Ampliação do crédito
 Apoio às atividades geradoras de emprego e renda
Compromissos dos trabalhadores:
 Negociação de política salarial de longo prazo
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Compromissos do governo:
 Políticas monetárias compatíveis com o crescimento
 Diminuição do compulsório bancário
 Desoneração do investimento
 Política cambial favorável às exportações
 Metas de redução da carga tributária associada à manutenção da arrecadação
 Prazos de pagamentos de impostos das empresas compatíveis com o prazo médio de faturamento
 Transferência da contribuição previdenciária da folha de pagamentos para o valor adicionado
 Reforma tributária relativa à pequena e média empresa
Resgate do papel dos FÓRUNS DE COMPETITIVIDADE
 Buscar consensos em relação a itens da cadeia produtiva
Objetivos:
 Geração de emprego, ocupação e renda;
 Desenvolvimento produtivo regional;
 Capacitação tecnológica;
 Aumento das exportações e competição com as importações
Os atuais Fóruns não atendem a esses objetivos. É necessária uma estratégia mais clara que permita:
 Redefinir seu papel e regras de funcionamento
 Redefinir setores estratégicos para a retomada dos investimentos: setores industriais, de serviços, do
agronegócio.
PROPOSTA
Em cada Fórum de Competitividade definir prioridades.
Promover reuniões dos Fóruns de Competitividade nas regiões de maior concentração de cada setor.
Estabelecer cronograma claramente definido (início, meio e fim).
Preparar seminários de decisões, setor a setor.
Priorizar um ou dois temas para as discussões.
Evitar a abertura de GTs.
Luiz Gonzaga Belluzzo
Conselheiro do CDES
Tenho a felicidade de falar por último e não é sempre que nós podemos fechar um debate em que as exposições
foram tão competentes. Por este motivo, sinto-me poupado de repetir aquilo que já foi dito, de forma tão clara e
tão analítica, pelos que me antecederam. Quero apenas chamar a atenção para algumas questões que considero
importante.
A primeira delas, é que nós precisamos e já estamos, felizmente, abandonando as falsas dicotomias como,
por exemplo, Estado e mercado, integração externa e autarquia, crescimento e estabilidade. Ou seja, estamos
caminhando na direção de reconhecer que essas questões são muito mais matizadas e mais complexas do que os
slogans que comandaram a década de 90 e, infelizmente, pareciam fazer crer que fossem questões simples. Sempre
me lembro de uma frase do economista Joseph Schumpeter que dizia o seguinte: “nós precisamos nos precatar
contra os arquitetos que nos oferecem casas baratas e os economistas que nos oferecem soluções simples”. Estamos
num momento extremamente rico, e este debate demonstra isso, de superação dessa limitação, mesmo que boa
parte da sociedade brasileira não tenha se dado conta, ainda, de que estamos partindo para essa superação, para
esse matizamento do debate.
Porque, infelizmente, tenho que dizer aqui, até como diretor de uma revista, a imprensa não ajuda, porque gosta de slogans.
Ela gosta de soluções simples, como dizia o Schumpeter. Se a pessoa dá uma entrevista e ela fica um pouco mais complexa, o
jornalista começa a ficar nervoso. Porque aquilo não se encaixa exatamente no escaninho que ele tem na cabeça. Na verdade,
eu não estou fazendo uma crítica, estou me referindo a um processo social de aprendizado, conhecimento, reprodução. Não
é nenhuma crítica pessoal, não é uma crítica ad hominem que, aliás, desculpem o latim, é uma outra coisa que precisamos
superar no debate brasileiro. Ou seja, dizer que, se o sujeito tem opinião contrária à nossa então, necessariamente, é uma
pessoa de má fé. Existe opinião contrária! Devemos reconhecer isto. É uma conquista da humanidade, a possibilidade de
haver opiniões contrárias. E é isso que faz com que a sociedade humana tenha avançado tanto, apesar de tantos problemas.
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Depois deste preâmbulo pseudofilosófico, eu quero me fixar em algumas questões que já foram abordadas aqui. A
primeira delas foi levantada pelo Celso Furtado e diz respeito à recuperação da nossa tradição de planejamento e de
articulação do Estado com o setor privado. Quando os ideólogos mais à direita dizem que “o Brasil era um país que
cresceu através da estatização”, é mentira. O Brasil cresceu na cooperação público-privada, com a iniciativa do Estado
de colocar um horizonte para que o setor privado pudesse crescer, e isso ocorreu sempre em meio a conflitos.
Quando ouvi o Celso Furtado falando, me lembrei do chamado “Consenso dos anos 50”. Eu era menino
mas lembro muito bem que tanto Getúlio quanto Juscelino levaram a cabo aquele processo de planejamento e
desenvolvimento, em meio às críticas mais cerradas. Vamos nos lembrar que um deles se suicidou e que o outro foi
vítima de três tentativas de golpe de Estado. No entanto, havia na sociedade brasileira um substrato, um consenso
que não era xenófobo, mas que era anticosmopolita, de crença na capacidade nacional de fazer as coisas, o que,
infelizmente, se perdeu, se desfez. Mas, posso dizer que hoje nós estamos, aos poucos, recuperando isso.
O que é o cosmopolitismo? Quando leio Eugênio Gudin - e releio sempre Eugênio Gudin, porque temos que
reler os conservadores para saber o que não devemos fazer, tal como os editoriais desse jornal que o Staub leu.
O que dizia o Eugênio Gudin? Que o Brasil não era capaz. Não era capaz de se industrializar, não era capaz de
produzir uma sociedade moderna. Ele sempre ia buscar o exemplo fora. Não é que seja ruim olharmos o exemplo
de fora. Nós somos muito sincréticos, sempre incorporamos, como diz o Roberto Schwartz, de alguma maneira, as
idéias externas às nossas. Isto é a nossa riqueza. O que aconteceu nos anos 90 foi que começamos a jogar fora esta
riqueza. Formou-se um consenso idiota a respeito da trajetória da economia brasileira e da sociedade brasileira a
ponto de um presidente do Banco Central dizer que foram 40 anos de burrice. Eu escrevi dizendo o seguinte: 40
anos de burrice que nos livraram da exportação de café, do bicho-do-pé e da hemoptise e que transformaram o país
numa economia urbana industrial.
Para terminar, vou pontuar as questões que eu considero essenciais. A primeira delas é a que o Luciano
Coutinho mencionou, que nós temos não só de manter o superávit comercial e aumentar as nossas reservas como
também graduar as nossas exportações e, além do brilhante esforço que o Ministro Roberto Rodrigues fez, graduar,
inclusive, nossas exportações do agronegócio. Isso vai exigir a recuperação do Sistema de Ciência e Tecnologia
Brasileira e sua integração com o esforço empresarial de inovação. Não há nenhuma possibilidade de um país, hoje,
ser moderno sem isto. Portanto, a redução da vulnerabilidade externa continua sendo uma questão essencial, não
pode ser dada como uma batalha ganha.
A segunda questão é que nós temos que discutir o papel e a formatação, desculpem a palavra formatação, o
papel e a formatação do sistema de financiamento no Brasil, ou seja, do sistema financeiro. O Eugênio Staub disse
que tem mantido muitas relações com a China; pois bem, os países asiáticos fundaram a sua expansão sobre um
sistema de crédito com objetivos claros em relação ao crescimento e à industrialização. Sem isso não vai acontecer
nada, porque o capitalismo inventou essa beleza que se chama “a capacidade de o sistema de crédito adiantar
recursos, criar recursos na frente”. Essa criação desvencilhou o capitalismo da necessidade da poupança prévia, ao
mesmo tempo em que a industrialização se produzia.
A poupança é importante ex-post. Por isso é importante que tenhamos um sistema bancário que seja capaz
de criar liquidez na frente e mercados de capitais capazes de realizar o funding dessa operação. Por este motivo
é que a questão de como serão manejados os fundos de previdência é muito importante, é decisiva. Fiquei quase
que solitário no meu meio, ao defender a reforma do sistema previdenciário, porque ela era importante para criar
funding de longo prazo. Nós temos que pensar como iremos desenhar essa institucionalidade, porque poderemos
criar uma dinâmica financeira capaz de criar liquidez e, ao mesmo tempo, fornecer o funding que a economia
precisa.
A terceira questão é que nós temos que restringir seriamente - e as experiências passadas comprovam este
argumento - o acesso ao financiamento externo. Devemos, de fato, estimular a entrada de investimentos diretos
estrangeiros, mas não devemos nos esquecer que tivemos duas experiências desastrosas com endividamento externo
que estão, em boa medida, na raiz das nossas dificuldades atuais. Porque os senhores não tenham dúvida de que a
dívida pública que temos hoje é resultado do processo de endividamento dos anos 90. Quer dizer, formamos uma
dívida pública que não tem, fundamentalmente, origens fiscais, mas que nos cria problemas fiscais e nos obriga a
constranger o investimento público. Uma estratégia de contenção do acesso ao financiamento externo é necessária,
como bem podemos observar nos países que se mantiveram com maior estabilidade, com menores taxas de juros
e com maiores taxas de crescimento.
É incrível que as pessoas não percebam que há uma conexão entre a abertura financeira, tal como nós a
fizemos, e os problemas que temos hoje. Quero dizer a vocês, como professor de economia, que na atualidade
esse problema já é de percepção geral na literatura universal. É uma percepção partilhada por gente que foi
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do Fundo Monetário Internacional, por gente que ainda o é e que, por isto, não pode falar e, também, por
observadores independentes. Há o entendimento de que a abertura financeira dos anos 90 foi desastrosa para
alguns países, foi um equívoco. Hoje, todo mundo fala em descasamento de moedas. No entanto, é mais que óbvio
que desde os anos 70 fizemos pesados investimentos, como, por exemplo, na nossa infra-estrutura, financiados
em dólar. Tudo o que aconteceu ao final dos 70 e início dos 80, quebrou as empresas de serviço público e obrigou
que fizéssemos uma privatização, do meu ponto de vista, igualmente equivocada. Então, estas três questões:
a) redução da nossa vulnerabilidade externa; b) construção de um sistema de financiamento que realmente
funcione; c) encaminhamento progressivo da construção de um sistema de inovação e de ciência e tecnologia
são os pontos centrais, ao meu nodo de ver, da nova estratégia de crescimento.
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES
Esta segunda parte do nosso trabalho é reservada às manifestações da platéia. Como não temos um tempo
ilimitado, concederemos prioridade às inscrições de ministros e de ministras, de conselheiros e de conselheiras. Se
esta etapa for vencida dentro de um tempo razoável abriremos as inscrições para os demais presentes.
Quero lembrar que esta é uma Mesa Redonda inserida no trabalho de elaboração da Agenda Nacional
de Desenvolvimento e não um seminário acadêmico convencional e que, portanto, não se vai colocar em
questionamento as falas dos expositores, ainda que isso não esteja proibido, evidentemente. Do ponto de vista do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, seria mais enriquecedor se as intervenções se destinassem a
levantar questões, não necessariamente referenciadas aos que fizeram as exposições, com o objetivo de iniciar o
processo de debate e elaboração. Ninguém está impedido de questionar. Eu só estou lembrando que, do ponto de
vista metodológico, o que queremos é promover o acúmulo de idéias. Esta reunião não tem a intenção de gerar um
produto final. O produto final vai demorar ainda um tempinho para chegar, como todo processo de construção de
uma agenda, de diálogo, de pactuação, como estamos tentando. Lembro a todos que a pergunta chave desta primeira
mesa é: Como empreender o desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade brasileira? Cada inscrito terá
três minutos para sua fala. Com a palavra o ministro do Turismo Walfrido dos Mares Guia.
Walfrido dos Mares Guia
Ministro do Turismo
Como Ministro do Turismo, é a primeira vez que tenho a oportunidade de estar aqui no Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social. Como a discussão é sobre premissas e condições para o desenvolvimento,
quero dizer o que está acontecendo com o turismo neste ano e meio, depois que o Presidente Lula, numa
demonstração inequívoca de vontade política, criou o Ministério do Turismo, parte e instrumento de uma agenda
de desenvolvimento econômico e social para a geração de ocupação e emprego, renda, salários e divisas.
O nome do turismo é emprego, renda e divisas. É a maior atividade econômica do planeta Terra, hoje. Representa
10% do PIB mundial, segundo os dados da Organização Mundial de Turismo, OMT, um organismo especializado
da ONU. Portanto, são dados formais. A atividade econômica do turismo atinge hoje, no mundo, a cifra de US$3,7
trilhões. Um de cada nove empregos criados em todo o mundo é gerado pelo turismo, é o setor que mais gera
empregos e o que exige o menor valor por emprego criado. O Eugênio Staub disse que o setor de papel e celulose que é um setor importante, estratégico e que está dentro das vantagens comparativas que o Brasil possui - gera 55
mil empregos com um investimento de US$10 bilhões numa década. O turismo gera 55 mil empregos para todos
os tipos de trabalhadores brasileiros em um ano, com a entrada adicional de US$ 1 bilhão trazidos dos turistas
estrangeiros. Repito, a cada bilhão de dólares a mais que entra no Brasil, devido à chegada de turistas estrangeiros,
proporciona a geração de 55 mil novos empregos diretos.
Ao recebermos o honroso convite para dirigir o Ministério de Turismo, preparamos um plano que foi apresentado
pelo Presidente da República, em 29 de abril do ano passado. O plano tem cinco metas: 1) gerar 1,2 milhão de
empregos até 2007; 2) atrair 9 milhões de turistas internacionais até 2007; 3) proporcionar um ingresso de US$ 8
bilhões; 4) gerar, até 2007, 65 milhões de desembarques domésticos, porque computar o volume de desembarques
domésticos é a única maneira formal que temos de medir o fluxo dos turistas domésticos; e 5) expandir a oferta
turística nacional, disseminando, no mínimo, mais três produtos de categoria internacional em cada estado. Todas
essas metas estão sendo conseguidas.
Entre 1995 e 2002, o Brasil produziu US$ 20 bilhões de déficit na balança do turismo. Nós jogamos fora US$
19.949 bilhões (dado do Banco Central). Nós jogamos fora, pois não ficou aqui uma máquina, um telefone, um
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metro de asfalto, uma cadeira, um computador. Foi a farra de achar que o nosso dinheiro tinha um valor que
não tinha e deixamos lá fora dezenove bilhões, novecentos e quarenta e nove milhões de dólares em oito anos.
No ano passado, nós geramos US$ 217 milhões de superávit na balança do turismo e até junho deste ano US$
370 milhões de superávit na balança do turismo. Os desembarques internacionais aumentaram 17% até junho
deste ano, estamos no melhor momento da história, e os desembarques domésticos aumentaram 15%. Já geramos
neste ano 78 mil empregos diretos e a nossa meta é gerar 200 mil empregos diretos. Todas as metas do turismo
estão postas, colocadas, divididas por trimestre. Estamos prestando conta delas no Conselho Nacional do Turismo,
estão no site www.turismo.gov.br. É uma atividade econômica, a mais importante atividade econômica hoje da
economia mundial. Gera emprego, traz divisa e distribui o dinheiro em todos os 27 estados do País, para o perfil do
trabalhador brasileiro, que tem seis anos de escolaridade.
Bernard Appy
Secretário-Executivo do Ministério da Fazenda
O tempo é muito curto e, por isto, vou falar rapidamente. Quero destacar dois pontos importantes. Entendo
que estamos hoje, sob a ótica macroeconômica, em uma das situações mais favoráveis das últimas décadas para o
crescimento sustentado. Vivenciamos uma conjunção de fatores que inclui contas fiscais em ordem, contas externas
bem mais sólidas do que tivemos nos últimos anos e uma política adequada de controle da inflação. Essa conjunção
macroeconômica, esse ambiente, permitirá que o País cresça com pouca volatilidade nos próximos anos. O ritmo
em que ele vai crescer dependerá do ritmo dos investimentos e do aumento da produtividade da economia nacional.
Os nossos desafios agora são exatamente esses: criar condições para que o investimento seja o maior possível nos
próximos anos; criar condições para que a eficiência da economia cresça o máximo possível nos próximos anos; criar
um ambiente adequado para que os empresários possam investir. Esta é a grande agenda que temos de desenvolver.
Este Governo tem ainda muito trabalho a realizar, mas acho que as condições para fazê-lo estão dadas. O que estamos
discutindo hoje é qual o ritmo em que vamos crescer nos próximos anos. Temos muito a fazer para que possamos
crescer mais aceleradamente do que estamos crescendo. O Brasil é um país que pode crescer 5%, 6%, 7% ao ano, de
forma equilibrada e temos que ter consciência disso. Temos que lutar por isso e criar as condições para isso.
Quero aprofundar um ponto que foi abordado pelo professor Luiz Gonzaga Belluzzo e com o qual eu concordo
totalmente. Disse ele que para esse processo dar certo vamos ter que criar condições adequadas de financiamento
do investimento nacional, que terá de ser feito com recursos domésticos. Entendo que este é um ponto fundamental
para o País. Para cumprir esta agenda teremos que criar as condições adequadas: estimular a poupança de longo prazo
no País, criar um ambiente adequado para os investidores investirem. Principalmente, no entanto, precisamos levar
em conta que a intermediação de recursos privados de longo prazo no país só vai ocorrer quando se consolidar a
estabilidade. À medida que se consolida a estabilidade, nós criamos condições para o desenvolvimento do mercado
de capitais e do financiamento de longo prazo no País.
Esta é uma das conseqüências da estabilidade que ainda não colhemos. Este é um ponto importante. Estamos
hoje experimentando os resultados de uma política macroeconômica consistente. Estamos vendo o crescimento
da economia, mas muitos dos frutos dessa estabilidade macroeconômica ainda não colhemos. Um desses frutos é
a criação de condições para o desenvolvimento de uma estrutura de financiamento de longo prazo na economia
brasileira. Não vai haver financiamento de longo prazo se o Banco Central reduzir os juros hoje e os empresários
olharem e falarem: “daqui a 6 meses ele vai ter que subir de novo”. Vai haver financiamento de longo prazo quando
o Banco Central reduzir o juro e os empresários olharem e falarem: “as condições estão dadas para que ele reduza de
novo, daqui a 6 meses, daqui a 1 ano, daqui para frente, que reduza de forma consistente”, pois essa é a conseqüência
da solidez da política macroeconômica.
Outro fruto da estabilidade macroeconômica, que nós ainda não colhemos, é a mudança na forma de atuação
das empresas. Trata-se de uma mudança que vem aos poucos e que ainda está longe de estar completa. O que
acontece à medida que se consolida a estabilidade? O que acontece é que as empresas passam a atuar de forma
menos defensiva, seja em sua política de investimento, seja na própria fixação de suas margens de lucro. Em um
ambiente de instabilidade macroeconômica, as empresas se defendem investindo menos - e, portanto, reduzindo o
risco de perdas futuras -, mas se protegem também fixando altas margens de lucro, o que é natural, pois é isso que
pode garantir sua sobrevivência, face à instabilidade. À medida que se consolida a estabilidade e o crescimento se
torna menos volátil, as empresas se tornam propensas a investir mais, pois o risco de perdas, em função de grandes
oscilações macroeconômicas, se torna menor. Os benefícios da estabilidade vão ainda, além disso. Em um ambiente
estável desenvolvem-se condições mais favoráveis à concorrência entre as empresas, que passam a atuar de maneira
menos defensiva, com margens de lucro menores, beneficiando os consumidores.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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É importante destacar aqui que estabilidade macroeconômica não diz respeito apenas à manutenção da inflação
em patamares baixos, mas também à perspectiva de baixa volatilidade de todas as variáveis macroeconômicas.
Um país que precisa de taxas de juros de 40% ao ano para poder atrair e manter capitais externos é um país
instável. Um país com um déficit brutal em conta corrente - como foi o caso do Brasil - é um país instável. Uma
das conseqüências dessa instabilidade é que as empresas adotam uma postura defensiva: elas investem menos para
se protegerem, para não se comprometerem muito com o futuro, e operam com margens de lucros mais elevadas
para se proteger da própria instabilidade. Na medida em que se consolidar a estabilidade, as empresas irão começar
a operar de forma diferente. Ou seja, estamos no Brasil hoje numa situação em que o país pode mudar de forma
qualitativa e não apenas quantitativa. Não colhemos ainda todos os frutos desse processo, mas estamos trabalhando
para que os possamos colher. Certamente quando isso ocorrer, o Brasil vai crescer de forma sustentada, de uma
forma diferente da que ocorreu no passado e vamos ter um país melhor, inclusive do ponto de vista da distribuição
de renda, porque quando as empresas operam de forma defensiva quem paga é o consumidor.
Temos um trabalho grande a fazer e o diálogo é fundamental para que esse trabalho dê certo. Espero que esse
diálogo consistente continue e gostaria de agradecer muito a qualidade dos expositores aqui presentes, muitos dos
quais foram meus professores, me ensinaram muito e aos quais devo muito até hoje.
Cláudio Langone
Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente
A primeira questão que vou levantar para comentários da mesa é a seguinte: acho que o Brasil é um pouco
perseguido pela síndrome de país do futuro. Isso nos impede de ter uma agenda concreta e consistente de
retomada do crescimento. Temos todas as condições para fazer isto, mas tenho ouvido, visto e lido muita
coisa, principalmente falas de economistas, no sentido de que, como condição para o desenvolvimento, nós
teríamos que perseguir a seguinte equação: “o governo tem pouco dinheiro para investir, é o setor privado que
tem recursos para investir”. Portanto, uma fala como: “o governo não deve atrapalhar”. Isso faz com que uma
das palavras mais usadas nos últimos tempos para essa discussão seja “gargalos”. E o meio ambiente tem sido
apontado como um dos “gargalos”.
Obviamente, nós temos um conjunto de questões que estão sendo enfrentadas pelo governo: o marco
regulatório, o tema dos licenciamentos ambientais etc. Isto repõe uma discussão que há 10 anos teve um
papel, mas que já não tem mais sentido fazer no Brasil, que é a discussão sobre a função do Estado. Pareceme que a opinião média de todos os que estão construindo ou que querem construir uma agenda consistente
para o desenvolvimento, é a de que o Estado tem um papel fundamental e que a discussão sobre o Estado
mínimo está deslocada, não está mais no âmbito da presente conjuntura. Então, eu gostaria que os painelistas
abordassem um pouco essa questão do papel do Estado, particularmente, do governo nesse processo.
A segunda questão é que estamos perseguindo a superação dos problemas ambientais mas, na nossa opinião,
estas questões decorrem da falta de inserção da dimensão ambiental numa estratégia de desenvolvimento.
Como se perdeu a dimensão de planejamento de políticas setoriais, é razoavelmente fácil explicar por que não
há essa inserção. Na medida em que não temos uma prática moderna de planejamento, fica difícil inserir uma
variável específica no planejamento de ações setoriais. O Governo está retomando isso através das Câmeras
Setoriais, com a participação efetiva do setor ambiental, mas seria importante que nós explorássemos a
dimensão ambiental não só como resolução de problemas, de gargalos, mas também como potencialidade.
Vou citar, na comparação com a China, o Brasil e a indústria brasileira. A China hoje tem 18 a 20
reclamações na OMC por dumping ambiental. O Brasil tem hoje, nos setores produtivos de infra-estrutura, um
padrão de desempenho ambiental que nos permite competir em nível de igualdade no contexto globalizado.
Nós temos setores da economia, vou aproveitar a fala do Ministro do Turismo, com um potencial muito
grande de crescimento, como por exemplo, o do enorme conjunto de investimentos realizados em grandes
complexos turísticos na costa do Nordeste brasileiro, onde o principal capital é a beleza natural do Brasil.
Nessa região, toda a atratividade turística e a atratividade dos investimentos estão vinculadas ao necessário
equilíbrio entre a preservação da nossa condição natural e do capital natural que temos e que já foi abordado
aqui pelo Ministro José Dirceu. Entendo que seria interessante que tivéssemos essa abordagem da questão
ambiental não só como um gargalo, mas também como potencialidade, dentro de uma agenda consistente de
desenvolvimento.
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Eduardo Suplicy
Senador Federal
O professor Luciano Coutinho ressaltou o crescimento extraordinário dos Estados Unidos nos anos 90
e, sobretudo, o ocorrido durante os anos Bill Clinton. No livro “My Life”, autobiografia do Bill Clinton, ele fala
dos principais fatores que levaram a isso. Gostaria de aproveitar a oportunidade, inclusive pela presença das
representações dos empresários e dos trabalhadores, porque nem sempre nós tivemos a preocupação como
sociedade, - sejam os trabalhadores, os empresários, o governo ou o Congresso - em entender as relações que levaram
àquele crescimento. Há 17 referências no livro do Bill Clinton sobre qual foi um dos principais instrumentos que
ele adotou. Foi a expansão extraordinária do Sistema de Transferência de Renda, ali denominado Crédito Fiscal por
Remuneração Recebida, o IATC, que ele mais do que dobrou e expandiu, inclusive para as famílias de trabalhadores
ocupados que não tinham dependentes, porém mais para os que tinham dependentes.
Quanto ganha um trabalhador recebendo um salário mínimo nos Estados Unidos? US$ 5,20 por hora. Se
trabalhar 160 horas, ganhará cerca de US$ 800 por mês, US$ 10.000 por ano, aproximadamente. Um trabalhador
que tiver mulher, duas ou mais crianças, e remuneração de US$ 10.000 quanto recebe? Alguém aqui sabe responder
quanto ele recebeu no ano passado? US$ 4.200 a mais. Ele recebeu US$ 14.200 no total. Qual foi o resultado disto,
do ponto de vista da competitividade dos Estados Unidos em relação a nós? Se não fizermos algo semelhante ou
melhor, os Estados Unidos e as suas empresas estarão sendo mais competitivos em relação a nós, devido à ausência
de um sistema adequado, pelo menos tão bem adequado, aqui no Brasil.
O que fez a economia que mais diretamente compete com a dos Estados Unidos? O Tony Blair, PrimeiroMinistro da Inglaterra, criou o Family Tax Credit. Um trabalhador que ganha algo modesto no Reino Unido, £ 800
por mês, recebe £ 400 a mais de Family Tax Credit, de crédito fiscal. O que o conhecimento acumulado de todos
os economistas que estudaram esta questão denota? Esse foi um sistema adequado, mas há um mais adequado
que, nos Estados Unidos mesmo, é provado como melhor e que é justamente aquilo que felizmente o Congresso
Nacional aprovou e o Presidente Lula sancionou: a Renda Básica da Cidadania; um sistema consistente para a
competitividade da economia brasileira. Felizmente, o Brasil está hoje avançando na direção correta, com o Bolsa
Família, e que poderá se transformar na Renda Básica de Cidadania. Que já é lei.
Quero ressaltar a importância dos programas de transferência de renda, não apenas como uma emergência para
combater a miséria, mas como um instrumento consistente para a competitividade da economia brasileira e para a
maior liberdade e dignidade de todos os seres humanos e, em especial, dos trabalhadores.
Juçara Dutra
Conselheira do CDES
Quando o Luiz Marinho disse que estava fazendo falta uma mulher ali à mesa, fiquei pensando que, talvez,
estivesse fazendo falta também um jovem. Não estou chamando ninguém de velho, embora a velhice seja algo que
todos perseguimos, todos nós queremos chegar lá. Estou falando na questão da juventude no sentido de que temos
que ter ousadia quando pensamos um projeto para o Brasil, porque estamos vivendo na realidade mundial uma
encruzilhada do processo civilizatório.
Estou falando isso porque sou professora há 34 anos - e, portanto, também não seria uma jovem à mesa - que
debateu, nos últimos dias, duas questões fundamentais, em um encontro que reuniu educadores de 165 países em
Porto Alegre e que contou com a presença do Presidente Lula. Uma delas é o financiamento da educação, tendo
em vista a tendência à mercantilização verificada nos últimos anos O deslocamento do debate sobre educação,
por exemplo, da UNESCO para a Organização Mundial do Comércio. Discutimos uma coisa que, aparentemente,
não deveríamos discutir nesse início de século e de milênio, que é o direito de o aluno aprender. Por que discutir
o direito de aprender quando temos crianças tão inteligentes quanto eram antigamente e temos todas as teorias
pedagógicas que permitiriam que as crianças aprendessem? No entanto, como o Ministro José Dirceu falou e como
as estatísticas mostram, temos crianças da 4ª série que não sabem ler.
Assim, entendo que quando pensamos um projeto para o Brasil temos que pensar em alguns pressupostos.
Um deles é o combate ao analfabetismo, de todas as formas e com toda consistência. O outro é o direito de a
sociedade ter uma educação escolarizada o que, no Brasil, não é tão simples quanto possa parecer. Esta questão tem
relação com o pacto federativo, já que mais da metade dos municípios brasileiros sobrevive de transferências dos
governos estaduais e federal. Só começaremos a resolver o problema da educação escolarizada quando os estados e
municípios forem também envolvidos na sua resolução. Temos, além disso, ao lembrar alguns pressupostos para o
desenvolvimento do Brasil, que pensar no Projeto Universidade. Não será possível o desenvolvimento do País sem
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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repensarmos profundamente a universidade brasileira no seu papel de ensino e também no seu importante papel
de pesquisa. Pesquisa que é indutora da autonomia e da soberania nacionais e é também indutora de qualidade de
vida para a população brasileira.
Quero trazer essas reflexões e deixar como sugestão ao Ministro Jaques Wagner que nós convidemos o Ministro
Tarso Genro para falar de três questões: do analfabetismo; do financiamento, especialmente do FUNDEB (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que é financiamento da educação básica, e para falar também
da Reforma do Ensino Superior. Tudo isso na perspectiva de estarmos integrando esses temas ao nosso debate.
Pedro Ribeiro de Oliveira
Conselheiro do CDES
Eu quero comentar o que disse o nosso mestre Celso Furtado: “Desenvolvimento difere de crescimento porque
pressupõe o social”. Indagado pelo Ministro Jaques Wagner: “Mas o que é o social?”, ele responde: “Geração de
emprego, ocupação, trabalho digno para todos e para todas”. Eu lembro que trabalho é uma necessidade na cidade
e no campo. A reforma agrária também é parte do desenvolvimento.
Segundo esse critério, a geração de mais de um milhão de novos postos de trabalho é sinal de que o Brasil
entrou mesmo na rota do desenvolvimento. Espero que sim. Agora a questão é: o que colocou o Brasil na rota
do desenvolvimento? Seriam maciços investimentos externos? Não, porque até agora o Brasil não atraiu capitais
produtivos. O risco Brasil, inclusive, continua surpreendentemente alto.
O desenvolvimento deve ser atribuído a uma conjuntura externa favorável, mas também à atuação do
sistema público de financiamento. Antes de tudo, no entanto, relembro aqui o mesmo que disse Celso Furtado:
“o surpreendente vigor da economia brasileira”, onde trabalhadores, trabalhadoras e o empresariado fazem de
tudo para aumentar e melhorar a produção de bens e serviços. Apesar de todas as dificuldades, o nosso povo
quer trabalhar e os nossos empresários querem produzir. Isso independentemente da política macroeconômica
obcecada pelo equilíbrio fiscal. A recessão está sendo vencida pelo vigor do nosso povo, do nosso empresariado.
Precisamos agora aumentar o investimento. Investimento que alavanque esse vigor que já existe. Isso significa
investimento público. O Ministro José Dirceu disse, com toda razão, que o investimento do Estado deve ter o
patamar de, no mínimo, 3% do PIB. Isso significa, necessariamente, uma redução drástica do superávit primário,
que está superior a 4%, e da taxa de juros. Ou seja, derrubar dois dogmas da política macroeconômica. O Presidente
Lula nos lembrava ontem que “os dogmas cegam”.
Para fazer isto precisamos de vontade política, como nos disse o conselheiro Eugênio Staub com toda razão. Mas
coragem política o Presidente Lula tem; a vida dele o demonstra. O que precisamos, mais do que tudo é o apoio
da sociedade. Apoio da sociedade e vontade política do Governo. Aqui eu vejo a importância estratégica do nosso
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Da minha parte quero assegurar que as 80 mil Comunidades
Eclesiais de Base, de quem sou aqui a referência, querem dar todo o apoio ao Governo Lula para enfrentar esses
dogmas financeiros e levar adiante um projeto nacional de desenvolvimento.
Francisco Dória
Conselheiro do CDES - Suplente
Eu quero falar da presença do Brasil num mundo que é dito virtual, mas que é tão real e tão concreto quanto
o mundo das coisas sólidas, talvez na aparência, mas sólidas. Há cerca de seis meses aconteceu na internet um
fenômeno originado nos Estados Unidos chamado Orkut. Só é possível entrar neste sítio a convite. Hoje em dia,
para escândalo, horror e reações violentas dos americanos a presença do Brasil no Orkut está se aproximando dos
60%. Os americanos são apenas 20% da população do Orkut e, mais ainda, a presença dos brasileiros no Orkut se
situa entre 15 e 30 anos, média de idade consideravelmente abaixo da média de idade dos demais participantes. O
que quer dizer isso? Isso mostra como o Brasil é capaz de assimilar tecnologia de ponta muito rapidamente e usá-la
de maneira até inesperada. Isto inclui toda a área de software.
Posto isso, quero fazer apenas uma observação. Essa garotada que está no Orkut, toda antenada, toda voltada
para tudo que existe de mais atual na área de comunicação através de meios eletrônicos, não tem nenhum programa
nacional destinado a incentivar o seu desenvolvimento científico. Estou assinalando a faixa de idade. Começa em
15 anos e acaba em 30 anos, que é a ponta superior. Não existe nenhum programa que comece a incentivar o talento
científico a partir dos 15 anos de idade. Talento que se manifesta espontaneamente. Se um garoto desse que, de um
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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modo geral, costuma usar software livre, quiser pedir bolsa ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico), não vai poder porque o acesso ao CNPq é através do software proprietário. Quem usa
Linux, quem usa Unix, quem usa qualquer tipo de software livre não consegue pedir bolsa aos nossos maiores
financiadores de pesquisas. Esse paradoxo precisa ser resolvido.
Sulamis Dain
Conselheira do CDES - Suplente
Eu quero falar sobre a dicotomia entre o econômico e o social. Em uma Agenda Nacional do Desenvolvimento
me parece que o social tem que sair do papel de ser um exercício de má consciência de todos nós para assumir a
centralidade que ele sempre deveria ter tido nesse processo. Se fizermos o exercício de abandonar essa dicotomia e
pensar a política social de forma integrada, poderemos começar a construir esse processo de planejamento, afirmando
as vinculações da política social que são parte de uma política de Estado. Se fizermos isso teremos grande tensão,
porque certamente as metas de superávit serão mais difíceis de cumprir. Mas esta é uma tensão verdadeira que tem que
estar explicitada. Ou seja, quando mudamos a ordem da prioridade não é o social que é deficitário, nem o ministério
da área social que é o gastador. Ao contrário, eles são partes orgânicas desse mesmo processo.
Nessa linha, os países da Europa nos oferecem uma coisa nova que são as políticas de proteção social ativa.
Através dessas políticas, havendo se diagnosticado o problema da diferença de rendas entre homens e mulheres,
as mulheres foram protegidas no sentido de poder voltar mais rapidamente ao mercado de trabalho. Com isso, a
diferença de renda entre homens e mulheres desapareceu, a taxa de natalidade dos paises nórdicos aumentou e eles
hoje têm as mais altas taxas de crescimento da economia. Se isso fosse feito no Brasil, certamente a Ministra Nilcéia
Freira, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, e os demais ministros da área social seriam artífices dos
bons resultados da economia brasileira. Eu espero que esse tempo chegue.
Se nós aplicarmos essa idéia à política da saúde, tão bem lembrada aqui pelo Celso Furtado, como
emblema da área social, reconheceremos que ela é uma política que integra um complexo. Um complexo do
qual faz parte uma política de medicamentos, uma política de soberania nacional, uma política extremamente
expressiva de recursos humanos e de emprego e, também, a política industrial, a científica e a tecnológica. Se
nós a aplicarmos como uma política de proteção ativa, finalmente escreveremos a política social no coração
da Agenda Nacional de Desenvolvimento. Se assim acontecer, nós deixaremos de falar em resgate da dívida
social porque, na verdade, teremos assumido um compromisso permanente com a política social. Enquanto
isso não acontecer, defenderei a vinculação de recursos da área social para que a política social possa ocupar
o lugar que ela merece.
José Mendo Mizael de Souza
Conselheiro do CDES
Sou José Mendo Mizael de Souza e procuro trazer ao Conselho a contribuição da área da mineração para o desenvolvimento
sustentável do Brasil. Pego carona na citação do professor Luiz Gonzaga Belluzzo quando disse: “cuidado com o arquiteto
que oferece a casa muito barata” e emendo: cuidado com o arquiteto que faz a casa sem alicerce. A mineração é o alicerce
do crescimento e do desenvolvimento sustentável. Ela é a base da cadeia produtiva do agronegócio, da construção civil, da
indústria e do turismo, que o meu caro amigo Ministro Walfrido dos Mares Guia destacou tão bem.
Agora o que estamos precisando no Brasil é, em primeiro lugar, termos a percepção da importância da
mineração. É lamentável - e eu já disse isso, ontem, na reunião plenária do Conselho e repito hoje, porque aqui tem
um público composto de outras pessoas - que, ao comemorar 18 meses de trabalho e esforço, o Governo Federal
não cite a palavra “mineração” nem uma vez, em sua publicação de prestação de contas. Isso mostra uma falta de
percepção que, em um país minerador como o nosso, não podemos ter.
E por isso é importante marcar, como minha primeira observação, que o recurso mineral é um recurso
ambiental. Não existe essa falsa dicotomia entre mineração e meio ambiente. O que existe é a necessidade de se
aproveitar melhor os recursos ambientais. E aí entra o conceito de sustentabilidade ao qual devemos incorporar
duas ferramentas fundamentais. A auditoria de conformidade, que seria paga pelo próprio empreendedor, que
proporcionaria ao governo a informação precisa do andamento dos seus respectivos projetos e empreendimentos,
a qual, inclusive, propiciaria informações importantes para a sustentabilidade dos mesmos. Se queremos aumentar
os investimentos - e eles são indispensáveis à criação dos empregos de que tanto necessitamos - precisamos ter
licenças ambientais em tempo e à hora, haja vista a atual velocidade na decisão e implantação de empreendimentos.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Evidentemente, não vou nem citar a questão da carga tributária, porque como mineiro e da mineração, no
passado já tivemos Tiradentes sacrificado por rebelar-se contra uma carga tributária de 20% (vinte por cento) do
PIB [a Lei do .Quinto. do ouro]. Se fosse hoje teríamos que ter dois Tiradentes, porque a carga tributária já está a
atingir praticamente 40% do PIB.
O segundo ponto é a questão do conhecimento geológico. Não podemos ter o Brasil reconhecido internacionalmente
como o maior e melhor ambiente geológico do mundo, enquanto nós próprios o conhecemos tão pouco. Agora,
finalmente - e felizmente! - a Ministra Dilma Rousseff propôs e o Congresso Nacional aprovou recursos financeiros
para o referido conhecimento geológico, a partir do qual poderemos iniciar os estudos e mapeamentos respectivos.
Hoje, inclusive, está havendo um seminário no Ministério de Minas e Energia, para a retomada dessa questão. Agora,
o crucial é que não se pode contingenciar os recursos orçamentários para esses estudos nem para a tecnologia mineral.
Porque cada jazida é uma jazida e cada uma precisa ter desenvolvida a sua tecnologia particular. Então, por favor,
não contigenciem. É melhor menos quantidade sem contigenciamento do que a esperança de valores maiores com
contigenciamento. E não podemos nos esquecer de que a questão da infra-estrutura é fundamental.
Encerro, lembrando que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que cada emprego
gerado na mineração sustenta outros 13 empregos na economia. Eis que a mineração tem efeitos para frente e
para trás, pelo que é absolutamente essencial considerá-la em nosso processo de desenvolvimento sustentável,
porque todos os países que cresceram no mundo, das duas, uma: ou cresceram em cima de sua base mineral Inglaterra, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Austrália e Chile, por exemplo - ou importando fortemente minerais,
como o caso do Japão. E me permito lembrar que, na história do Brasil, foi a mineração que fez a democracia,
construiu o Estado e nos fez pensar e lutar pela liberdade.
Firmin Antônio
Conselheiro do CDES - Suplente
A questão apresentada é como empreender um estilo de desenvolvimento que interesse ao conjunto
da sociedade brasileira. Ou seja, com inclusão social, com emprego, com formação rápida de educação de
adultos, em atividades com a cara do Brasil. Estas atividades deverão corrigir rapidamente as desigualdades
sociais entre as regiões ricas e as desfavorecidas, reduzindo a informalidade e a insegurança – os dois cânceres
da vida econômica e social do Brasil - como desejou o Ministro José Dirceu, mas tudo isso deverá ser feito em
curto prazo e com custos de investimentos modestos, em relação às garantias do retorno para a sociedade. A
resposta encontrada no mundo - e não será diferente no Brasil, pelos resultados obtidos dentro deste governo
atual, como informou o Ministro Walfrido dos Mares Guia - é, sem dúvida, a atividade do turismo.
TURISMO - sete letras mágicas que representam a melhor indústria do mundo, mas que ainda é
pouco desenvolvida no Brasil. O Brasil é o 15º no PIB mundial e o 30º no mundo no ranking mundial de
recepção de turistas. O turismo é, também, a indústria do otimismo e da confiança num país; é a indústria
da exportação e do desenvolvimento sustentável, porque mexe com emprego, educação, cultura, meio
ambiente, agricultura, construção civil, infraestruturas, transportes, segurança. Pois quem tem turismo
tem paz, sendo, também, uma atividade de comércio exterior.
Como se falou aqui, o turismo já é o terceiro item no ranking de divisas do Brasil nesse semestre, imaginem
no futuro. O turismo é também a indústria da pequena economia, o que ainda não se falou aqui, pois envolve
52 segmentos de atividades: da hotelaria ao taxista. É uma indústria extremamente atomizada e importante.
Acredito, senhoras e senhores, por experiência própria, nacional e internacional, que o Brasil poderá
ser um destino turístico importante e singular. Isto depende de um grande mutirão que envolva toda a
sociedade: ministérios, estados, municípios, iniciativa privada, organismos internacionais, sociedade em
geral. A minha sugestão é a de que este é o momento para fazer esta aposta. “É a batalha a não perder”, como
disse o professor Celso Furtado, referindo-se à prioridade do emprego.
Concluo, apoiando, portanto, as iniciativas do Ministério do Turismo e da Embratur em torno do Plano Nacional
do Turismo, que, na minha opinião, deveria ser a nossa cartilha para todos os fóruns, inclusive, da Câmara de
Política de Desenvolvimento Econômico, colocada nas mãos do Ministro José Dirceu, e do próprio Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, que, após todo esse tempo, ainda não se expressou sobre o papel do turismo
no desenvolvimento equilibrado e sustentável deste País. O Presidente Lula é o maior inspirador de uma nova era.
Não vamos deixar escapar essa chance. Ousadia e iniciativa é o que esperamos.
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Tânia Bacelar de Araújo
Conselheira do CDES
Eu quero afirmar que não existem regiões destinadas a ser pobres no Brasil. Essa dicotomia de concentração
de pobreza e destino de pobreza é falsa, até porque nas regiões mais ricas do Brasil se concentram, também hoje,
enormes bolsões de pobreza. A realidade nos impõe rever esse conceito e tratar o regional, no Brasil, não como um
problema porque, se da herança que ficou a desigualdade regional aparece como um problema, a dimensão regional
no Brasil nos ajuda a descobrir que um de seus grandes potenciais é exatamente a magnífica diversidade regional
brasileira. Num país continental, com dezenas de biomas, fomos capazes de montar bases produtivas e culturas
diferenciadas. Isso faz a riqueza do Brasil e o potencial do Brasil. Por este motivo, mudar esse olhar e enxergar o
problema e o potencial é muito importante.
A segunda coisa a romper é que o problema regional brasileiro não é Norte, Nordeste, Centro-Oeste. Como
disse o Ministro José Dirceu, o Centro-Oeste não está ai. Todos os estudos mostram que o Centro-Oeste tem
padrões mais próximos do Sul e do Sudeste do que do Norte e do Nordeste. Então, na escala macro nosso problema
se chama Norte e Nordeste, ponto. Só que na escala sub-regional, se colocarmos uma potente lupa na escala macro,
todas as regiões brasileiras têm problemas regionais. São Paulo tem problemas regionais. A Grande São Paulo
tem problemas regionais. Então, precisamos trabalhar numa outra escala, uma escala mais fina, para descobrir os
problemas regionais brasileiros e tratá-los, não somente no Norte e Nordeste, mas em todas as macro-regiões do
País e, aí, a dimensão do tratamento tem que ser a de uma política nacional.
O grande desafio é não tratar a política regional como política compensatória. Embutir a dimensão regional nas
políticas setoriais. Estamos avançando bastante em fazer isso com a dimensão ambiental, mas estamos a anos-luz
de fazer isso com a dimensão regional. O Eugênio Staub deu três critérios importantes para escolher intervenções
de política industrial, com os quais concordo. Quem é que cria emprego? Quem é que estimula mais a exportação?
Quem é estratégico para o futuro do país? E tudo isso tem que ser pensado com a dimensão regional junto, que
informa para onde deveriam ir esses investimentos. O que cria mais emprego vai para onde? O que gera mais
exportação vai para onde? E o que é estratégico vai para onde? Os Estados Unidos fizeram isso. A Europa fez isso.
Nós precisamos aprender a fazer isso. O Governo avançou em alguns pontos e teve alguns recuos. O Governo
tentou criar um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Não foi compreendido pelos governadores, que
transformaram o fundo num FPE 2 (Fundo de Participação nos Estados), com a visão velha da questão regional
brasileira. O Governo agora criou a Câmara Nacional de Política Regional, junto à Casa Civil, para fazer o que estou
dizendo: discutir a dimensão regional nas políticas setoriais. Política de inovação é estratégica e fundamental, mas
65% do parque produtor e as principais empresas inovadoras do País estão em certas regiões. Portanto, na Política
de Inovação o tratamento da dimensão regional é fundamental. É uma nova agenda.
Jurema Werneck
Conselheira do CDES - Suplente
Fico contente por muitas pessoas que falaram antes de mim terem introduzido e abordado grande parte do que
eu tinha para dizer. Ou seja, responder a uma das premissas de qualquer projeto ou proposta de desenvolvimento: o
desenvolvimento necessariamente implica em desenvolvimento humano, na face humana e nas necessidades humanas e,
também, nos desejos humanos de alegria e felicidade.
Quando falamos da face humana, nós sugerimos os humanos que são mulheres e homens, como bem lembrou o
conselheiro Luiz Marinho, mulheres e homens, brancos, negros, indígenas, asiáticos, ciganos, judeus e tantos outros.
Somos homossexuais, heterossexuais, trans-sexuais, travestis e o que mais a diversidade humana puder inventar. Somos de
diferentes gerações também, como já foi lembrado aqui pela conselheira Juçara Dutra. Somos múltiplos, somos variados,
mas quando pensamos nessa humanidade brasileira é preciso lembrar que participamos tanto da formulação quanto do
resultado do desenvolvimento brasileiro, de forma diferenciada. E como diferenciada aqui eu quero dizer hierarquizada
e, desde o lugar que ocupo, inferiorizada. Isso precisa ser considerado em qualquer discussão sobre desenvolvimento.
Por outro lado, é preciso recuperar também a necessidade de “desnaturalizar” essa inferiorização. Nós temos
participado, sim, de forma inferiorizada. Nós mulheres, nós negros, nós pobres, nós tantos temos participado de forma
inferiorizada, mas temos contribuído ao longo desse tempo todo. Só estamos aqui, no século XXI, diante de toda a
violência que significa a desigualdade, porque trabalhamos e trabalhamos muito, ainda que, em grande parte do tempo,
de forma isolada. Passamos grande parte do tempo sem sentar à mesa do debate do desenvolvimento. Agora estamos
aqui, e para estar aqui custou muita luta, custou muita gente que ficou para trás. Mas estamos aqui e é preciso
considerar que temos que continuar aqui e cada vez mais.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Eu represento uma legião de pessoas. Represento as mulheres organizadas, represento os negros organizados,
de alguma forma represento os indígenas que não estão no Conselho1, represento as ONGs que ainda são minoria,
represento uma legião de tantos que vieram de favelas, que estão em muitos lugares. Então, é preciso ampliar e
reconhecer que necessitamos participar mais efetivamente, ter ressonância da luta que temos travado ao longo dos
500 anos até aqui.
Como represento as ONGs, também entendo que é importante distinguir em qualquer proposta de
desenvolvimento as ONGs das organizações da sociedade civil. E também deixar de incorrer em muitos erros nos
quais temos incorrido sobre qual o papel das ONGs. Vou dizer primeiro o que não é papel das ONGs. Não é papel
da ONGs terceirizar serviço público. Não estamos aqui para fazer aquilo que o governo não consegue fazer, o que
o Estado não consegue fazer, inclusive, os cadastros. Não somos fazedores de cadastros, por exemplo. Não somos,
também, aquele setor que contribui para dar ganho de imagens às empresas nem dar ganho de impostos de renda
às empresas. As ONGs precisam ser consideradas como atores políticos importantes na formulação de projetos.
Temos feito isso ao longo do tempo e acho que se vamos pensar em desenvolvimento é preciso considerar que as
ONGs têm muito a declarar, têm muita produção e precisam estar cada vez mais representadas nesse diálogo.
Rodrigo Loures
Conselheiro do CDES
Concordo com as contribuições de todos os participantes e, inclusive, com a dos que me precederam, mas quero
dar um destaque para uma questão que é estratégica e que, na percepção da indústria, é um tema que permeia o
interesse de todos os setores do País: a questão da energia. Muito do nosso endividamento, muito da nossa história
tem a ver com os erros ou desacertos ao se tratar da energia no passado.
A questão da energia no Brasil, nos últimos 50 anos, foi tratada fundamentalmente pela Petrobrás e Eletrobrás.
Daqui para frente, não será possível se equacionar a solução apropriada para o desafio da energia apenas pelas
iniciativas de estatais. Todas as evidências indicam que vai haver uma grande mudança, uma grande transformação
na matriz energética do planeta. Para o Brasil isto representa simultaneamente uma ameaça e uma grande
oportunidade. A nossa percepção é a de que o tema energia precisa ser tratado de uma forma mais aprofundada e
ampliada, envolvendo, necessariamente, o setor produtivo, a iniciativa privada, o empreendorismo.
É preciso encontrar apropriados formatos e processos de trabalho para que o Brasil enfrente, de uma forma
eficaz, os obstáculos e as dificuldades que vão surgir nos próximos anos - e estamos falando num horizonte bastante
próximo para um país. Por exemplo, as nossas reservas conhecidas de combustíveis fósseis durarão 18 anos, o que
não é nada. A nossa capacidade hidrelétrica, conquanto haja considerável potencial, grande parte dela está na
Amazônia e é de difícil equacionamento.
Assim sendo, necessária e obrigatoriamente, vamos ter que trabalhar com o conceito de energia renovável,
biomassa, desenvolver competências nessa área. Poderemos, inclusive, pretender, em muitas destas áreas, sermos
os líderes em todos os aspectos relacionados à energia, à tecnologia, à operação, à produção, à logística. Enfim,
temos condição, temos potencial para sobressair muito bem, nos próximos anos. O que se percebe, no entanto, é
que o tema está sendo tratado pelos canais tradicionais e há como que uma inércia nacional em relação a ele. Há a
necessidade de se dar maior atenção à temática da energia. Essa é a nossa percepção, a nossa contribuição.
José César Castanhar
Conselheiro do CDES - Suplente
Eu quero fazer duas considerações sobre aspectos mencionados pelo conselheiro Eugênio Staub, ao final de
sua apresentação, destacando dois riscos que estão presentes no momento atual. O primeiro risco diz respeito à
sensação ou à noção de que já deu certo. Ou seja, de que a política radicalmente ortodoxa de ajuste fiscal adotada
na transição do governo deu certo e, mais do que isso, de que a retomada do crescimento, que hoje se observa,
seria decorrência natural e espontânea dessa política e que, portanto, ela deveria prosseguir inalterada e, talvez, até
aprofundada. Quero discordar dessa avaliação e argumentar que, se os dados atuais sobre o crescimento econômico
são de fato positivos e importantes, são em grande medida, se não na totalidade, decorrentes, paradoxalmente,
de iniciativas de políticas do Governo contrárias à ortodoxia do ajuste econômico. Quero mencionar duas dessas
políticas e iniciativas: o financiamento agressivo ao setor agrícola com taxas pré-fixadas de 8,75% ao ano, portanto
com significativa diferença e, também, o aumento expressivo de financiamento à exportação, através do sistema
1 Desde 10 de março de 2005, o CDES conta com a participação de uma representante dos povos indígenas, Joênia (Wapichana) Batista Carvalho.
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público - BNDES e Banco do Brasil, principalmente - também com taxas inferiores às praticadas no mercado.
Além dessas iniciativas de políticas governamentais, é pouco percebido o papel do excepcional dinamismo do setor
empresarial brasileiro, especialmente do interior do País, que reage de forma extremamente eficaz e entusiasmada
ao menor estímulo que recebe.
O segundo risco levantado pelo conselheiro Eugênio Staub, para o qual também acho decisiva uma discussão
mais ampliada, diz respeito ao risco de que o crescimento econômico possa trazer pressões inflacionárias,
justificando aumentos na taxa de juros. Nesse sentido, quero fazer duas considerações. Primeiro, observar que a
taxa de juros real do Brasil é absurdamente alta. Passou-se para a sociedade brasileira a noção de que uma taxa
real de 10% ao ano é natural, que ela é resultado de um estudo técnico, de uma avaliação técnica que não pode ser
questionada. Só quero lembrar que países como Rússia, México, Polônia, Peru, Venezuela, Ucrânia e outros têm
condições macroeconômicas comparáveis ou piores que as do Brasil, especialmente com um setor produtivo muito
mais frágil do que o do Brasil, e praticam taxas reais de 1% a 2% ao ano. Passa a impressão de que existe uma teoria
econômica para o Brasil e uma outra para o resto do mundo. Nesse sentido, é bom lembrar que 1% de redução dos
juros representa R$ 5 bilhões de economia por ano, 3% são R$ 15 bilhões e, portanto, 1% do PIB.
O último ponto é levantar a possibilidade de discutir formas de combate à inflação que não seja exclusivamente a
política monetária. Quero lembrar, por exemplo, que a Polônia, que é considerada o caso de maior sucesso na Europa
Oriental, obteve rápida redução da inflação por meio de um grande pacto entre empresários, trabalhadores e governo.
Quero lembrar que o Chile, hoje considerado o caso de maior sucesso da América do Sul, levou 15 anos para trazer a
inflação de 200% para 20% ao ano e mais cinco anos para trazer de 20% para um dígito. Portanto, é importante a discussão
de formas mais criativas e estratégicas de combate à inflação e este Conselho pode ser um espaço apropriado para isso.
Paulo Roberto Figueiredo
Conselheiro do CDES
Tenho insistido, ao longo das reuniões do Conselho na discussão da questão regional. Preocupam-me
as profundas desigualdades regionais que marcam a história brasileira, ao lado das conhecidas e reconhecidas
desigualdades sociais. Sou da Amazônia. Na Amazônia verifica-se, de forma incontestável hoje, “indesmentível”,
um acirramento da chamada “cobiça internacional”. O mundo todo se volta para a Amazônia de forma ávida, no
sentido de se apropriar das riquezas que nos pertencem, que pertencem ao País, que pertencem ao Brasil.
O Ministro Dirceu levantou a questão e a conselheira Tânia Bacelar, com muito brilhantismo, discorreu sobre
ela. Não é possível realizar qualquer projeto sério de desenvolvimento brasileiro, de desenvolvimento nacional, sem
a superação das desigualdades regionais. A propósito, uma imposição de natureza constitucional. A Constituição
Federal, o chamado Diploma da República, consigna este objetivo como um dos maiores da República. Na verdade,
pouco temos feito no sentido da superação das desigualdades regionais.
O conselheiro Eugenio Staub levantou a questão da Zona Franca de Manaus. Aqui presente nós temos a honra
de ter a Superintendente da Zona Franca de Manaus, Dra. Flávia Grosso. Funcionária da instituição e que tem
desenvolvido um trabalho notável. Prefiro, inclusive, chamar a Zona Franca de “Pólo de Desenvolvimento Regional”.
A Zona Franca é o único pólo exitoso de desenvolvimento que temos no País. Apenas acrescentaria às observações
feitas pelo Eugênio Staub que a Zona Franca é importante não apenas para a região, mas para o Brasil. Hoje, temos
um projeto de exportação, por exemplo, que é reconhecido em todo o País.
Enfim, lamentavelmente, o tempo é curto. Vou continuar insistindo no tema, na questão do desenvolvimento
regional. Já propus ao Conselho que realizássemos uma sessão plenária do Conselho em Manaus, que é o centro
geográfico da Amazônia Continental, exatamente para que possamos discutir a questão do desenvolvimento
regional.
Zilda Arns
Conselheira do CDES
Sou Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança, um organismo de ação social da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil. Quero dizer que o melhor indicador de desenvolvimento social de um país, aceito mundialmente,
é o índice de mortalidade infantil. O Brasil foi o país que mais conseguiu reduzir a mortalidade infantil, nos últimos
15 anos, segundo os dados expostos na Meta de Cúpula para a Infância, em Nova York, na sede da ONU, em maio
de 2002, onde estive presente como delegada oficial do Brasil. Reduzimos a mortalidade infantil porque o fizemos
com ações simples realizadas em larga escala e que atingiram as famílias mais pobres do País. Por exemplo, a
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Pastoral da Criança colaborou muito com o Sistema Único de Saúde. Tratávamos com prioridade as três causas
de morte que mais induzem à mortalidade infantil no Brasil, como a mortalidade perinatal, as diarréias e as
pneumonias e concentramos esforços nos bolsões de pobreza e miséria. Entretanto, a pobreza exige intervenção
na área de geração de renda, realizada com metodologia própria de empreendedorismo e que também inclui a
promoção da auto-estima. Existe experiência bem sucedida nessa área na própria Pastoral da Criança e que poderá
ser multiplicada em larga escala.
A segunda coisa que urge entrar nas políticas públicas é a consciência de que, realmente, a violência só acaba
se cuidarmos da criança desde antes de nascer. Isto é comprovado por pesquisas. Uma criança maltratada, antes de
completar um ano, tem tendência significativa à violência e muitas delas se tornam criminosas. Por isso, temos que
dar prioridade absoluta às crianças desde a gestação, passando pelo parto, pelo primeiro ano de vida, durante os
primeiros seis anos e na escola. Quando vejo tanta coisa, tanta violência ocorrer com meninos, com adolescentes, e
o quanto se gasta com polícia, hospitais, em conseqüência da violência, com tanto sofrimento das famílias, penso:
por que a escola não pode melhorar de qualidade e funcionar em dois períodos, incluindo música, arte, esporte
e educação para o trabalho? São fatores que educam, impõem limites e valores para a cidadania. Por que não
colocamos em prática, tendo em vista que sai mais barato, preservar o maior tesouro de uma nação que são os seus
recursos humanos?
Por último, diria que os programas sociais - o nosso Senador Eduardo Suplicy já falou um pouco sobre isso
- a Bolsa Família, o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), o auxílio aos idosos, ao portador
de deficiência são muito bons programas. Mas precisam ser estendidos a todo o País. Ainda são poucos os
que recebem esses benefícios. Se cuidássemos que esses benefícios se estendessem a todo o País e fizéssemos
programas estruturantes, simples, multiplicáveis em larga escala, tendo como promotora do desenvolvimento a
própria liderança comunitária, estaríamos construindo um país mais justo e fraterno. Com certeza, estaríamos
promovendo a cidadania e auto-suficiência das famílias e, assim, o Brasil não precisaria mais gastar tanto com
programas suplementares.
Hélgio Trindade
Conselheiro do CDES
Sou professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, atualmente, exerço o encargo
(porque não é um cargo) de presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior. Primeiro, quero
cumprimentar a mesa porque aquilo que poderia ser chamado, no passado, de uma sessão nostalgia, sob a batuta desse
extraordinário Celso Furtado, que é a referência de todos nós, se transformou, pelo arco de presentes na mesa, sob a
batuta do Ministro Jaques Wagner e com a presença de empresários, sindicalistas e economistas numa sessão real de
pensar concretamente o Brasil do futuro. Portanto, saúdo esse momento como um momento marcante para a nossa
transformação enquanto sociedade e que pretende ter um projeto de País.
Quero destacar que nós não podemos pensar o desenvolvimento econômico e social sem incorporar algo que já
foi mencionado pela conselheira Juçara, em que pretendo mais especificamente me concentrar - o tema da educação
superior e da ciência e tecnologia. Representando também a professora Glaci Zancan, ex-presidenta da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, devo dizer que vivemos no Brasil, na área de Educação Superior, uma situação
muito perversa.
Temos um pequeno sistema público de educação superior que é, por sinal, o melhor da América Latina e cujo
mérito se deve, inclusive, a políticas que foram realizadas de forma sistemática a partir da reforma de 68, durante
o governo militar. Hoje, no entanto, estamos vivendo o processo de deteriorização desse sistema que representa
ainda 90% da pesquisa científica e tecnológica realizada no País e estamos com uma situação global extremamente
preocupante. Somos o país da América Latina, salvo um pequeno país da América Central ou alguns países asiáticos,
que tem o maior nível de privatização no ensino superior. Temos hoje mais de 70% da matrícula no setor privado.
Setor privado que, ressalvadas exceções, tem um nível muito questionável. Aqui no Distrito Federal e em São Paulo,
já são 85% das matrículas no setor privado e não há nenhum controle sobre esse processo.
Dito isto, quero dizer que uma das preocupações da comissão que presido é exatamente fazer a avaliação
desse sistema, para que o Estado o regule, pois não podemos permitir que os nossos jovens fiquem submetidos a
empresas educacionais de cunho lucrativo. No Brasil, o sistema é majoritariamente empresarial, ao contrário dos
Estados Unidos onde apenas 1% do ensino privado é empresarial. Quis apresentar essa questão porque vivemos um
verdadeiro descalabro nesse sentido. Apenas um dado: no último ano do governo anterior, se aprovavam seis cursos
universitários por dia no Brasil, e quase todos no setor privado.
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Concluindo, gostaria de chamar atenção para o fato de que um país como os Estados Unidos, um país como a
Alemanha, portanto dois países capitalistas avançados, terem políticas estatais de investimento maciço na área de
Ciência e Tecnologia, para desenvolver a sua pesquisa, e no caso da Alemanha esse sistema é público e gratuito.
Portanto, são dados que nós temos que considerar.
Termino, citando uma frase do Relatório Atalli, que analisou a situação da educação superior na França ao
se inserir no Mercado Comum Europeu, que dizia: “mais do nunca a qualidade de vida de um país depende da
qualidade da educação superior”. Quero chamar atenção para esse aspecto.
Inocêncio Uchoa
Conselheiro do CDES - Suplente
O que me preocupa nessa discussão toda é que podemos estar falando em desenvolvimento e praticando o
crescimento econômico. É preciso que tenhamos isso bastante claro, porque não basta gerar empregos com o
crescimento. A geração de empregos é uma decorrência natural do crescimento. É preciso que se gere empregos
com qualidade, com salários decentes, com boas condições de trabalho, estáveis se possível. Ou seja, não basta
criar empregos, é preciso que o desenvolvimento seja, de fato, colocado na prática. Para isso é necessário que
se modifiquem os marcos regulatórios. A Central Única dos Trabalhadores, a Força Sindical, enfim, as centrais
sindicais aqui presentes, os trabalhadores em geral, devem fazer um esforço muito grande nessa nova fase do
País, no sentido de colocar isso bem claro, colocar isso na agenda, inclusive do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social. É importante que o Brasil cresça, mas é preciso que ele se desenvolva. Desenvolvimento
só teremos quando tivermos, obviamente, a ocupação integral e de boa qualidade no campo; quando tivermos
moradia digna, com infra-estrutura básica, com energia, com água, com saneamento. Desenvolvimento só vamos
ter, de fato, se tivermos resolvido as questões das desigualdades regionais, tão bem apresentadas pelo Ministro José
Dirceu e por alguns companheiros aqui presentes.
O Brasil está se preparando para crescer e se desenvolver e o Governo está fazendo a sua parte e o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social é uma parte desse processo. O Governo está demonstrando que tem atuação
política e está fazendo a sua parte, o empresariado também e o Congresso Nacional, de certa forma, também.
O Conselho é parte de todo esse esforço que só resultará em desenvolvimento se, de fato, tomarmos medidas
concretas: a legislação tem de ser modificada, os marcos regulatórios instituídos, não só a Constituição deve ser
modificada, mas também aspectos infraconstitucionais, no sentido de colocar, de fato, na legislação o bem-estar da
comunidade.
Gerar emprego é uma decorrência natural do crescimento, mas é preciso que esse emprego seja estável, que
ele tenha boa remuneração, que ofereça condições de trabalho decentes, que ele seja exercido em um ambiente
saudável, não só no campo como nas cidades. De modo que é esta a preocupação que trago para o Conselho: que
o desenvolvimento que está sendo pensado seja, de fato, desenvolvimento. Porque nós podemos estar falando em
desenvolvimento e praticando crescimento. Já tivemos isso no passado e levou a uma grande desigualdade social,
a uma enorme concentração de riquezas, o que no presente se quer evitar. Mas para evitar temos de tomar medias
para efetivar, de fato, esse desenvolvimento.
Manoel dos Santos
Conselheiro do CDES
Sou Manoel dos Santos, de Serra Talhada, em Pernambuco, agricultor familiar e presidente da Contag. Trago
aqui uma demanda que penso ser fundamental, e deve ser debatida com profundidade neste Conselho, que é a questão
rural. A discussão de como anda, de fato, o processo de desenvolvimento rural e qual a relação desse desenvolvimento
aqui apresentado com a distribuição de renda, a geração de emprego, com os trabalhadores desse mundo rural.
Temos acompanhado o setor do agronegócio exportador como o principal segmento alavancador da geração de
divisas nos últimos tempos, mas precisamos discutir qual a relação dessa geração de divisas com a geração de emprego,
com a justiça nas relações de trabalho. A nossa preocupação vem do fato de que, nos últimos anos, verificamos uma
linha de declínio nas relações de trabalho formal e de diminuição da remuneração do assalariado, no campo.
Discutindo essa questão, precisamos também discutir outra: qual a participação da agricultura familiar nesse
processo? Porque, no momento do lançamento do Plano Safra, o Presidente Lula disse muito bem que até na soja,
que é o principal produto de exportação, 32% é produzido pela agricultura familiar. E, muitas vezes, aparece como se
a agricultura familiar fosse apenas a lona preta, o acampamento, o conflito. Devemos discutir a realidade do campo
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como ela é.
Nessa discussão sobre o rural precisamos, a partir da fala do Ministro José Dirceu e da Dra. Tânia Bacelar, trazer a
questão regional e, dentro dela, chamar a atenção prioritária para o Nordeste. Não podemos pensar desenvolvimento
se não houver uma política clara de inclusão social na região Nordeste. É uma região que tem uma população grande,
não temos para aonde levá-la, e nem é esse o caminho - levar essa população para outro lugar. Os investimentos que
temos hoje se concentram prioritariamente na área do turismo e ficam em torno das capitais, o que não deixa de ser
importante, mas a 100 Km da capital já ninguém sabe mais qual o investimento e qual o seu significado.
A discussão que estava sendo iniciada, e era um compromisso do Presidente Lula, de retomar a SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE ou o que quer que seja), acabou com a decisão dos
governadores de não alocar recursos na SUDENE como instrumento planejador e promotor de ações complementares.
Hoje o que se fala do Nordeste são duas questões: a transposição do rio São Francisco, como se resolvesse o problema,
que não resolve - é importante, mas irá beneficiar apenas quem está naquela faixa, e a outra questão é o turismo, que
é um investimento concentrado.
Portanto, penso que é fundamental discutirmos aqui o desenvolvimento rural, da agricultura familiar, porque ele
é o outro lado do desenvolvimento que precisa ser compreendido e precisa, de fato, ser consolidado.
Joseph Couri
Conselheiro do CDES
Eu represento a micro e a pequena empresa, sou do SIMPI (Sindicato da Micro e Pequena Indústria). Quero
começar dizendo que o caminho do sucesso eu desconheço, mas o do fracasso, com certeza, é o de agradar a todos.
Isso foi dito por John Kennedy. O professor Celso Furtado e todos que falaram - e eu ressalto o pronunciamento
do Ministro José Dirceu - citaram a necessidade de mudanças, tal qual o professor Luiz Gonzaga Beluzzo o fez,
tal qual o professor Luciano Coutinho o fez, o Luiz Marinho o fez e, claro, o meu companheiro Eugênio Staub
o fez e, também, o Ricardo Bielschowsky o fez. Nós precisamos de mudanças. E não podemos perder o foco na
guerra do emprego. Esta foi a colocação central do professor Celso Furtado e do Ministro José Dirceu. Quero
lembrar dois aspectos: 100% dos novos empregos no mundo foram gerados por micro e pequenas empresas.
No Brasil, nos últimos cinco anos, 98% dos novos empregos foram gerados por micro e pequenas empresas, de
acordo com estudos feitos recentemente pelo BNDES.
A Constituição Federal, no seu art. 179, garante à micro e pequena empresa o tratamento diferenciado.
Talvez até por sua importância e seu peso, algumas áreas do Governo, infelizmente, estão na contramão do
que está ocorrendo aqui hoje. As micro e pequenas empresas participam de todos os discursos e, ultimamente,
até de alguns modismos, como a pré-empresa, o Simples do Simples, o Super-Simples e, o pior, essa discussão
não ocorre com a sociedade, mas sim fechada dentro do Governo e com uma parte da imprensa. Como todos
falam dos modismos, isso é natural. No entanto, aqueles que os representam e o próprio comitê temático deste
Conselho e do Fórum Permanente não estão sendo consultados sobre o tema.
A questão é: como mudar, como focar e objetivar resultados concretos imediatos? Porque o Brasil tem pressa.
Enquanto nós ficamos apenas falando, anualmente, fecham 400 mil micro e pequenas empresas, levando milhões
de trabalhadores ao desemprego, em função da quebra das mesmas. Como fazer, no Conselho e no Governo,
para colocar a questão das micro e pequena empresas em grau de igualdade com as grandes questões nacionais?
Justiça tem de ser feita. Este Governo é um governo disposto ao diálogo, aberto ao diálogo e que realmente
dialoga nas grandes questões e, também, na questão das micro e pequenas empresas, mas este assunto ainda está
mal colocado.
Para finalizar, a economia não tem nenhum sentido se não tiver como objetivo maior a melhoria da qualidade
de vida do ser humano e o seu aprimoramento. Quero crer que foi este o consenso de todos nós com o qual todos
da mesa concordaram, inclusive o conselheiro Luiz Marinho.
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - CDES
Agora passaremos aos comentários finais. Inverto a ordem e começaremos pelo conselheiro e painelista Luiz
Gonzaga Beluzzo.
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Luiz Gonzaga Belluzzo
Conselheiro do CDES
Vou começar com uma citação do escritor Jorge Luís Borges, ao dizer que apreciava mais os livros que leu do que
aqueles que escreveu. Eu também apreciei mais a contribuição da platéia do que aquilo que eu falei. Penso que foi
muito rica a contribuição dos que falaram como debatedores e que trouxeram a integração da questão social no projeto
de desenvolvimento. Isso é uma conquista das classes subalternas no pós-guerra, obrigar que o social seja levado em
conta. Foi uma conquista que custou muitos sacrifícios. À professora Sulamis Dain agradeço essa contribuição, assim
como à professora Tânia Bacelar por ter levantado, com grande propriedade como sempre, a questão regional, que tem
de ser vista de uma ótica distinta, tem que ser vista de uma ótica nacional.
Outra observação é que houve uma omissão grave de nossa parte com relação à importância do potencial turístico
brasileiro na melhoria da qualidade do superávit comercial. O nosso potencial turístico é subexplorado, pois depende
muito de investimento em infraestrutura. Não há nenhuma região rica em geração de receita turística sem que tenha
havido investimento pesado em infra-estrutura. Outro ponto que eu julguei muito importante, eu diria mesmo
fundamental, levantado pelo professor José Castanhar, se refere ao fato de que a política monetária não pode sustentar
sozinha, não pode cumprir todas as funções que lhe atribuem. O que acontece hoje no debate de política econômica,
é que se atribui à política monetária funções múltiplas que ela não pode exercer ao mesmo tempo.
Voltando às políticas econômicas da segunda metade do Século XX, as políticas de renda, as políticas de pactuação,
eram políticas generalizadas e foram abandonadas à medida que foi se introduzindo essa idéia de que se tem apenas
dois instrumentos: o instrumento fiscal e o instrumento monetário, com a predominância recente do instrumento
monetário por conta, na verdade, da predominância dos mercados financeiros na decisão econômica.
Para terminar, já que estamos em um fórum de discussão e nos valendo da oportunidade do diálogo social que
este Governo nos abre, quero afirmar que a pactuação social representa a criação de um outro instrumento, de uma
outra instância de regulação da economia, porque, na verdade, houve um empobrecimento, num certo sentido, dos
instrumentos econômicos. Se nós estamos falando de planejamento, temos que falar da construção de instituições
adequadas para países que não têm moeda dominante. Porque política monetária é algo bom para países que têm
moeda-reserva, que têm moeda forte. Os países que não têm ficam submetidos a uma série de tensões que acabam
desaguando num prejuízo ao crescimento econômico.
Luiz Marinho
Conselheiro do CDES
Quero acrescentar que no processo de discussão, negociação e pactuação nacional, teremos que introduzir nos
fóruns de competitividade que deverão ser constituídos, a lógica da negociação das cadeias produtivas, objetivando
metas, crescimento e desenvolvimento.
A contribuição da plenária, nas várias questões colocadas, veio aperfeiçoar e complementar o que os integrantes
da mesa apresentaram. Mesmo na questão regional, penso que cabe adotar a prática da negociação e do entendimento
para que se possa focar oportunidades de desenvolvimento regional. O regional não pode ser visto como um problema,
mas como solução. Concordo plenamente com a visão apresentada aqui.
Eugênio Staub
Conselheiro do CDES
Quero me centrar na questão do desenvolvimento e dos objetivos estratégicos. Penso que temos um exemplo
recente no País, que é muito relevante. Há cerca de dez anos, nós, da indústria, e uma boa parte da sociedade, olhávamos
para a agricultura com desdém e com pena. “Trata-se de um setor primário, que não irá agregar nada ao País”. Era isso
que imaginávamos. “São uns chorões com um lobby muito forte”. Eu estou falando de dez anos atrás, não é de hoje.
“Estão quebrados, devem tudo e mais um pouco ao Banco do Brasil e nada vão agregar ao país”.
Dez anos depois, os fatores climáticos são os mesmos, as terras são as mesmas, as culturas são as mesmas - com
alguma evolução tecnológica -, os empresários são os mesmos e este setor puxa o País! O que aconteceu? Aconteceram
algumas coisas importantes que podem demonstrar o potencial de desenvolvimento econômico para este e outros
setores. Aconteceu que eles realmente eram muito chorões e tinham lobby forte. Por isso, renegociaram uma dívida
impagável e no processo quase quebraram o Banco do Brasil. Mas o Banco do Brasil foi capitalizado e salvou o setor, o
que era muito importante. Não é isso o que estou advogando para a indústria, eu estou apenas fazendo recordar fatos
da história recente.
À luz da experiência do insucesso do endividamento anterior, conseguiram a taxa de juros que foi mencionada
aqui anteriormente, uma taxa não baixa, mas muito razoável no contexto brasileiro. Criou-se, nesse meio tempo, um
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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poderoso instrumento, que foi o Modermaq, que implicava numa renúncia fiscal e que, ao fim, não foi renúncia fiscal
porque o que se recolheu de tributos - e esta é uma outra lição - em decorrência de vendas maiores de máquinas e
implementos motivados pela redução de tributos, acabou gerando mais recolhimento. O pagamento era realizado a
uma prestação fixa que transformou a indústria desse setor no País e frutificou um trabalho de 30 anos da Embrapa,
em termos de tecnologia. Este setor se transformou na principal locomotiva da economia brasileira nos últimos anos
e isso pode ser replicado em outros setores industriais. Penso que, neste Conselho, temos de olhar essa lição.
Para finalizar, a minha proposta é que, cada vez mais, nos centralizemos na questão do emprego. Penso que temos
de conseguir chegar a um consenso de que o emprego - e eu me refiro a emprego qualificado - é o objetivo estratégico.
Não falo de gerar pleno emprego ou plena ocupação, que é um bom objetivo estratégico, a qualquer custo. Não vale
roubar no jogo, não vale tirar um trator para colocar enxada. Ou seja, não vale voltar atrás em termos de produtividade,
não vale deixar de colocar um robô. Temos de gerar pleno emprego o mais cedo possível e pleno emprego com
objetivo dinâmico, com alvo móvel. A cada ano esses empregos têm que ser melhores, não pode ser qualquer emprego.
Se, no começo, tivermos de fazer frente de trabalho para carpir, para ocupar as pessoas, ótimo. Mas temos de evoluir.
Se tivermos isso em mente, muitas outras decisões ficarão muito mais fáceis.
Citando o exemplo da política industrial, o Governo, em muito boa hora, escolheu quatro setores de política
industrial, mas há diferenças importantes entre os setores que têm que ser analisados. Peguemos apenas software e
microeletrônica, como exemplos. Microeletrônica é um setor estratégico importante, todos concordam, e o Brasil, há
anos, tenta se desenvolver nisso - é um setor que gera empregos qualificados, bons empregos qualificados. Software
é também estratégico e gera empregos qualificados. A diferença é muito grande. Não estou defendendo um em
detrimento do outro, mas as coisas ficam muito mais claras se temos objetivos estratégicos. Microeletrônica gera bons
empregos, mas em softwares geramos muito mais, porque o custo todo é emprego.
Esta é a mensagem que eu gostaria de deixar: vamos olhar essa questão do emprego e colocar isso como objetivo,
emprego não, ocupação total como objetivo deste Conselho e tentar criar um consenso nacional em torno disso,
porque acabaremos resolvendo muitos problemas do País.
Luciano Coutinho
Professor Doutor em Economia da Unicamp
Creio que o Luiz Gonzaga Beluzzo e o Eugênio Staub sintetizaram muito bem vários dos pontos que exigiam destaque.
O que eu vejo é que há uma oportunidade do Brasil, da sociedade brasileira e do Estado tomarem o controle sobre os seus
destinos. Ainda não temos plenas condições de fazer isso. Um país que não tem moeda conversível, como é o nosso caso,
precisa ter grandes reservas.
O Eugênio Staub fez uma pergunta: “eu queria saber como se chega a um pequeno grau de investimento?”. As empresas
de classificação de riscos que, hoje, infelizmente, sob a égide dos mercados financeiros, determinam a qualidade e a reputação
dos créditos dos países, estabelecem quais são as economias em desenvolvimento que merecem grau de investimento, pois
têm uma relação de dívida sobre exportação perto de 1. A nossa já foi 3,5 e está agora em 2,4. Mas para chegarmos ao grau
de investimento precisamos exportar muito mais. Devemos ter uma exportação chegando a mais de US$ 120 bilhões, US$
130 bilhões e precisamos dobrar nossas reservas.
Um outro critério é que a reserva sobre dívida se aproxime de 50%. Nós precisaríamos ter uma reserva de US$ 55
bilhões para US$ 60 bilhões e uma exportação perto de US$ 120 bilhões. Assim eu tiro os US$ 60 bilhões da dívida líquida
e me aproximo de uma relação de 1,2 para merecer dos mercados um grau de investimento. A Polônia e a Rússia têm
índices de solvência externa muito melhores do que o brasileiro. Nós, infelizmente, ainda não completamos um processo
de robustecimento. Nós temos que completar isso, o que requer uma clara e persistente busca de objetivos na política de
desenvolvimento.
Penso que a agenda de desenvolvimento está ficando clara. O Luiz Gonzaga Beluzzo disse, com muita clareza, que os
falsos dilemas estão sendo, finalmente, derrubados. O falso dilema entre estabilidade ou crescimento. Temos de superar isso,
temos de construir as condições de transição para o crescimento. Temos de superar o falso dilema da política macroeconômica
versus a política de desenvolvimento. E temos condições de superar. Mas esse diálogo requer a aproximação, requer pontes,
requer a construção de propostas, requer objetividade na construção de propostas, requer foco na construção de propostas.
Portanto, resistindo à tentação de falar sobre política regional, sobre política de tecnologias; resistindo à tentação de
falar sobre micro e pequenas empresas; resistindo a essas tentações, eu faço um apelo no sentido de que este Conselho seja
um elemento de construção de diálogo. De construção de diálogo com, por exemplo, o sistema financeiro, que precisa
ser atraído para a grande tarefa de construir crédito de longo prazo junto com a necessidade de construir formas
de poupança de longo prazo para que o País possa ter suporte. Então, penso que este Conselho é um elemento de
superação dessas falsas contradições. Creio que estamos num caminho muito construtivo, muito alvissareiro, mas
pesa sob a responsabilidade deste Conselho uma grande tarefa.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Ricardo Bielschowsky
Oficial de Assuntos Econômicos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL
O Secretário Paul Singer me perguntou se eu estou otimista. A resposta correta seria que, em relação ao curto
prazo, estou dividido, mas otimista em relação ao longo prazo, se a transição for feita. Se tivermos alguns anos de
crescimento, teremos um belíssimo projeto, uma belíssima agenda de desenvolvimento a realizar.
Estou dividido porque, evidentemente, lendo todos aqueles que escrevem sobre a vulnerabilidade externa, sobre o
passivo externo que nós temos, e verificando, também, a dívida interna que nós temos, sabemos que a macroeconomia
não é a melhor do mundo. Mas, por outro lado, vivemos uma situação em que, pela primeira vez em décadas, temos
estabilidade de preços, um superávit comercial considerável e uma taxa de câmbio razoável. A combinação dessas três
coisas é nova, o que me faz ficar dividido em relação ao curto prazo.
Quero terminar tentando convencer os conselheiros de que temos uma bela estratégia de desenvolvimento definida
no Plano Plurianual e que seria interessante que o CDES distribuísse esse documento para os conselheiros. Dele
vou ler um parágrafo: “o PPA 2004/2007 tem por objetivo inaugurar a seguinte estratégia em longo prazo: inclusão
social e desconcentração de renda, com vigoroso crescimento do produto e do emprego; crescimento ambientalmente
sustentável, redutor das disparidades regionais, dinamizado pelo mercado de consumo de massa, por investimentos e
elevação da produtividade; redução da vulnerabilidade externa, por meio da expansão das atividades competitivas que
viabilizam o crescimento sustentado e o fortalecimento da democracia”.
O meu otimismo em relação ao longo prazo se deve, também, ao fato de que o governo não pode tudo. A tarefa das
políticas é atenuar as resistências às boas tendências e fortalecê-las. É preciso que exista um processo histórico viável,
inscrito na lógica de operação da economia, da sociedade, para que o governo tenha efetividade, pois, o que está dito
no documento do PPA é que, efetivamente, esse processo histórico está para acontecer porque temos uma tendência
a escassear o mercado de trabalho se continuarmos crescendo devido ao fato de que, há 20 anos, foi feita uma quebra
na curva demográfica.
Isso pode acontecer desde que o Governo atue com muito carinho e com muita insistência sobre as duas grandes
áreas complicadas, que são as políticas de investimento e a transmissão do aumento da produtividade ao salário, via
uma série de políticas. Eu quero me solidarizar com o que foi dito pelo Senador Eduardo Suplicy e pela professora
Sulamis Dain, ao afirmarem que o processo de crescimento econômico que desejamos é aquele em que o social é parte
integrante de toda a política. A política social é um elemento da política de crescimento. Efetivamente, o que está
apresentado no Plano Plurianual é esta idéia.
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES
Estou profissionalmente e politicamente muito satisfeito por tudo que vivemos nesta manhã. Este foi um grande
momento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Sou profundamente crente de que sempre é possível,
dentro do jogo democrático, construir unidade na diversidade. Temos que superar as dicotomias, que são muito boas
para manchete de jornal mas são péssimas para a construção do que desejamos, pois o que queremos passa pela
capacidade de todos os segmentos sociais e do governo e do Conselho, de nos mover de nossa posição ao encontro
dessa convergência que, para mim, é o símbolo e o sinal do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social instrumento no qual o Presidente Lula faz uma grande aposta.
À tarde vamos beber um pouco da experiência portuguesa, espanhola e da União Européia, refletir sobre como
esses processos foram construídos, lembrando que nada, por si só, dará solução para um país tão complexo como
o nosso. Portanto, o Conselho não é a panacéia para tudo, mas é um espaço, como ficou provado aqui hoje, para
construirmos os caminhos de solução. Uma das grandes potencialidades do nosso povo é a capacidade de incorporar,
absorver e dar seu próprio tratamento às informações que chegam. Acredito que é absolutamente possível construir
a unidade. Não há duas vontades no Governo. Há uma única vontade, que é fazer este País trilhar o caminho do
desenvolvimento sustentado, como tão brilhantemente afirmou, abrindo o nosso dia, o professor Celso Furtado.
Resumindo o conceito de desenvolvimento, ele falou em emprego e nós vamos falar de ocupação remunerada, de
empreendedorismo, de microempresa, de grande empresa.
Quero dizer aos conselheiros que divido a tarefa que o professor Luciano Coutinho disse estar nas minhas costas
com a equipe e com os conselheiros e conselheiras, porque não construirei nada sozinho. O meu papel aqui no CDES
é de intermediário entre a vontade da sociedade e a vontade do Governo, com vistas a produzir esta convergência.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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II Painel: Como construir o diálogo social
pró-desenvolvimento
Como construir viabilidade para esse projeto de desenvolvimento?
Como o diálogo social contribui para viabilizar esse projeto de desenvolvimento?
Expositores:
1. Maria João Rodrigues - Membro da Coordenação da Agenda 2000 da União Européia e Assessora da
Presidência da União Européia
2. Roger Briesch - Presidente do Comitê Econômico e Social Europeu
3. Julian Ariza Rico - Vice-presidente do Conselho Econômico e Social da Espanha
4. Carlos Lessa - Presidente do BNDES
5. Rodrigo Loures - Conselheiro do CDES
6. Sonia Fleury - Conselheira do CDES
7. Clemente Ganz Lúcio - Conselheiro do CDES
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES
A segunda parte da nossa Mesa Redonda tem como motivação o diálogo social como alavanca para o
desenvolvimento. As perguntas-chave propostas aos expositores são:
1) Como construir o diálogo social pró-desenvolvimento?
2) Como construir a viabilidade para esse projeto de desenvolvimento e como o diálogo social contribui para
viabilizar esse projeto?
Para esta segunda parte contaremos com a contribuição de três amigos europeus que têm vivência no processo
que nós estamos tentando construir a partir do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. A Dra. Maria
João Rodrigues, que foi coordenadora da Agenda de Desenvolvimento da União Européia 2000/2010, atualmente
Assessora da Presidência da União Européia; Roger Briesch, do Comitê Econômico e Social Europeu, atualmente
exercendo sua presidência; Julian Ariza, Vice-presidente do Conselho Econômico e Social da Espanha. Contaremos
também com a contribuição do professor Carlos Lessa, Presidente do BNDES, por conta, inclusive, de incursões
que fez sobre essa temática; do nosso conselheiro Rodrigo Loures, empresário; do conselheiro Clemente Ganz
Lúcio, diretort écnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos); e da
conselheira Sônia Fleury, da Fundação Getúlio Vargas.
Quero recordar que na parte da manhã falou-se muito de desafios, de convergências, das potencialidades
do Brasil e muitos ressaltaram a importância do diálogo social, que é próprio do nosso Conselho, da
pactuação, com vistas a se construir a coesão social em torno de um projeto de desenvolvimento. Pela manhã
trabalhamos mais diretamente sobre conteúdos, ouvimos muitas opiniões sobre o tipo de desenvolvimento
que nós queremos e, agora à tarde, vamos nos debruçar sobre a construção desta pactuação, sobre o processo
como ela se dá e faremos isto bebendo um pouco na experiência de quem está vivendo o diálogo social na
Europa.
Começaremos ouvindo a Dra. Maria João, que tem uma larga experiência nesses processos e, por intermédio do PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), está auxiliando a equipe da Secretaria Especial do Conselho na
concepção da metodologia e da organização, para que seja cada vez mais eficiente e eficaz o diálogo que promovemos.
Maria João Rodrigues
Membro da Coordenação da Agenda 2000 da União Européia e Assessora da Presidência da União Européia
Quero começar por fazer um elogio. Tenho estado em mesas redondas desse tipo em todos os países da Europa
e em muitos outros pontos do mundo e raramente tenho visto uma Mesa-Redonda com tanta qualidade como a
que assistimos hoje pela manhã.
Ficou claro, a meu ver, que o Brasil está em frente a uma janela de oportunidade para lançar uma nova agenda
de desenvolvimento. As condições parecem, de fato, reunidas e, portanto, estive a pensar e devo dizer que alterei
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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completamente o que tinha preparado para dizer, exatamente por causa da discussão que tivemos esta manhã. Me
indaguei como eu poderia ser útil para o momento em que o Brasil se encontra e para o debate que está a decorrer, ao
longo do dia de hoje. Tentarei fazer uma ponte entre o que foi discutido nesta manhã, sobre o quê (quais prioridades) e o
como, uma vez que este painel tem essa tarefa particularmente difícil de discutir o como - e, às vezes, o difícil é o como.
Pensei que a maneira de ser útil seria, justamente, não fazer aqui propostas em relação a aquilo que
o Brasil poderá fazer, porque isso serão os brasileiros a discutir e a decidir, mas pensei que poderia ser útil
contar uma experiência que está, neste momento, a ocorrer na Europa, justamente em torno de uma agenda de
desenvolvimento. Acontece que há aqui alguma semelhança, porque a idéia de uma agenda de desenvolvimento
surgiu na Europa, no ano de 2000, exatamente num momento em que se conjugavam condições muito
particulares de taxa de crescimento - que começava a melhorar -, de vontade política, do aparecimento de um
novo paradigma de pensamento - e eu vou sublinhar bastante isso, porque me parece importante - e, finalmente,
a capacidade que houve de envolver todos os atores - chave para lançar essa agenda.
Talvez, seja importante sublinhar que a nossa base sempre foi, em tudo o que fizemos, partir da nossa própria
identidade como a principal força criativa para se lançar em um projeto de longo prazo. Isso aconteceu na
Europa, no ano 2000, e permitiu-nos adotar uma agenda de desenvolvimento que estará em curso até o ano
de 2010. Eu vou contar-vos aqui a minha experiência, na medida em que estive envolvida na preparação desta
agenda e hoje, de certa maneira, percorro a Europa, no meu dia-a-dia, exatamente para seguir a implementação
prática desta agenda, em cada região européia. Talvez esta experiência seja útil para aquilo que se está a passar
no Brasil.
O nosso ponto de partida foi ter uma idéia clara sobre qual era a questão central à qual nós queríamos
responder. E a questão central que nós nos propúnhamos tem muita semelhança com a questão que, parece,
está a aparecer aqui nestes debates e que é esta: como podemos lançar uma nova trajetória de desenvolvimento
combinando crescimento com emprego e coesão social e, isto, no quadro atual da globalização?
Esta era a nossa questão central. Nós elaboramos e inventamos uma agenda de desenvolvimento justamente
porque também adotamos uma abordagem nova, superando as dicotomias tradicionais e as oposições tradicionais.
Este problema foi referido nesta manhã e eu penso que é da maior importância. Exemplo: a oposição tradicional
entre o econômico e o social. Não têm que se opor, nós temos é de conseguir fazer uma sinergia entre os dois. O
econômico sustenta o social, mas o social vale por si e é, também, um enorme fator produtivo. Nós temos esse
slogan na Europa: a política social enquanto fator produtivo.
Uma dicotomia é entre produtividade e emprego; produtividade e valorização do trabalho. Às vezes,
parece que funcionam ao contrário, mas não é assim. Há forma de combinar isso numa sinergia positiva, se
nós soubermos construir outros fatores competitivos, baseados na qualificação e na inovação que, justamente,
precisam de trabalho qualificado, de trabalho motivado e bem remunerado.
Outra dicotomia tradicional é a que existe, muitas vezes, entre desenvolvimento e política macroeconômica.
Hoje, de acordo com o pensamento mais atual, já é possível fazer uma síntese entre política macroeconômica a
favor da estabilidade e do controle da inflação e que seja amiga do crescimento e do desenvolvimento.
Finalmente, a dicotomia clássica do que fazer face à globalização: estar contra ou estar a favor? Há que
ultrapassar essa dicotomia, dizendo que o que nós precisamos é de uma estratégia proativa em relação à
globalização, no sentido de alterar as condições em que nossa economia está inserida em termos internacionais.
Portanto, estes são alguns exemplos de como, no pensamento atual, é possível superar estas dicotomias e eu
senti exatamente isto nesta manhã, quando muitos dos participantes e oradores falaram. É preciso levar esta
nova abordagem às suas últimas conseqüências.
Vou agora falar do processo que nos permitiu justamente lançar essa agenda de desenvolvimento, portanto,
algo que nos é comum.
Momento um: a definição da estratégia, o big bang. Consistiu, no fundo, em mobilizar tudo que havia de
melhor de peritos, de conhecimentos e, também, todos os atores relevantes que tinham uma palavra a dizer e
uma experiência a transmitir. A questão-chave era definir um objetivo estratégico claramente formulado. Um e
apenas um objetivo estratégico. Exemplo: lançar uma trajetória de desenvolvimento sustentável, criando mais
e melhores empregos, reduzindo a desigualdade social com base em uma economia competitiva, inovadora e
assente no conhecimento. Esta é uma formulação possível e é, de fato, a que nós adotamos na Europa.
Também neste momento um, houve um esforço para definir as prioridades estratégicas. Mais uma vez
aqui há necessidade de um esforço de pensamento preciso, rigoroso. A lista das prioridades tem de ser curta.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Não podem ser doze nem podem ser dez. Quatro ou cinco, no máximo. Exemplo de prioridades possíveis,
as que adotamos na Europa, mas que podem ter semelhança com o que acontecerá aqui, no Brasil: foco
central no emprego. Mais e melhores empregos, explorando novas áreas de criação de emprego com base em
investimento, produtividade, inovação e capacidade de transmitir isso à melhoria dos trabalhos e condições
de vida.
Segunda prioridade, por exemplo: novas políticas de inclusão social mais voltadas para equipar as
pessoas para se tornarem ativas, para se promoverem socialmente, do que por uma lógica fundamentalmente
compensatória.
Terceira prioridade possível: construção de novos fatores competitivos, baseados na qualidade, na inovação
e na mobilização do sistema nacional de inovação.
Quarta prioridade possível: afinação da política macroeconômica. Estou a falar no termo afinação,
portanto, estou a falar de alterações que não são de fundo, mas que podem ser muito importantes e que
possibilitem uma relação com o crescimento, na base também de uma reforma do sistema financeiro. Isto nós
estamos a fazer na Europa.
Finalmente, o repensar da nossa política de inserção à economia internacional. Agora, não tenho
possibilidade de falar nisso, muito gostaria de dizer sobre o que aconteceu recentemente do ponto de vista
da abertura dos mercados externos por parte da Europa. A Europa terá de se preparar para fazer isto e muito
mais. Este foi o momento um do processo.
O momento dois foi um momento de fortes impulsos políticos, momento de consagração pública
da estratégia, em que é preciso apresentar o máximo de vontade política e o máximo de capacidade de
mobilização da sociedade civil. É o momento da consagração, como se fosse a consagração de uma espécie
de partitura musical que, depois, será desenvolvida. Portanto, a estratégia será transformada em agenda do
desenvolvimento por todos os atores que estão em questão.
O momento três: transformar a partitura musical, a estratégia, em uma agenda, desdobrando-a em planos
para as políticas setoriais. Nós, neste momento, temos planos para onze políticas setoriais. Por exemplo,
para política da sociedade de informação, política de inovação, política científica e tecnológica, mas também
política de emprego, reforma da previdência social, inclusão social, política do meio ambiente.
A estratégia para planos de ação implicou, evidentemente, identificar medidas concretas, mas, também,
indicadores de monitoramento. Nesta manhã falou-se na questão dos indicadores e é importante dotar o
país de indicadores, que não são apenas os indicadores macroeconômicos, mas os indicadores de progressão
na frente do desenvolvimento: indicadores de emprego, de qualificação, de níveis de salários, de níveis de
adaptação social e de redução da pobreza.
O momento quatro é o momento da implementação desses planos de ação, o que implica, em primeiro
lugar, um trabalho grande de adaptação a cada região, a cada local. Porque, evidentemente, essas linhas gerais
têm que ser adaptadas e, para isso, tem que haver novamente o envolvimento dos atores relevantes. Isto tem
enormes implicações para o problema do desenvolvimento regional, que foi hoje também abordado. Porque,
de fato, se nós quisermos ultrapassar uma lógica meramente compensatória da política regional, o que está
em causa é pedir a cada região que traduza para as suas próprias condições a estratégia geral que o país adotou
para si. E isso é um novo exercício de participação e de invenção estratégica.
Finalmente, o quinto momento é o do monitoramento, de verificar se aquilo que nós queríamos é o que
está a acontecer, de corrigir a trajetória, de trocar experiências entre as regiões, aprender uns com os outros,
para que os casos de sucesso se difundam mais rapidamente.
Quero concluir respondendo a uma questão: se um processo destes é lançado, o que é pedido a um
Conselho como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social? O que é pedido é uma função da maior
importância: que ele tenha a capacidade de sentir a pulsação da sociedade civil e de, a partir daí, ajudar a
inventar essa estratégia e a implementá-la de forma adaptada a cada local. E, portanto, isso quer dizer que o
Conselho vai ser chamado a participar do momento da concepção, da invenção da partitura musical a que me
referi há pouco; vai ser chamado a participar no momento da implementação, da adaptação na região, e vai ser
chamado na altura do monitoramento e da correção da estratégia. Portanto, são funções da maior importância
em que o que se pede a um Conselho destes é que ele tenha a capacidade de sintetizar a alma de um povo, o
que é, talvez, a tarefa mais complicada de fazer, porém a mais interessante.
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Roger Briesch
Presidente do Comitê Econômico e Social Europeu2
Senhor Jaques Wagner, gostaria de agradecer a todos vocês por esse convite e pela oportunidade que me
ofereceram de falar de novo, porque já estou me habituando a vir aqui. Achei muito boa a qualidade dos debates
ocorridos nesta manhã, como apontado por nossa colega, sem dúvida nenhuma foi muito positivo e encorajador.
Minhas senhoras e meus senhores, o papel do Comitê Econômico e Social Europeu no sistema institucional da
União Européia é realizar uma forma particular de diálogo, de concertação e de consulta e contribuir, desse modo,
para que os órgãos legislativos e executivos da União Européia tenham em conta as experiências, as expectativas e
as propostas das organizações representativas da sociedade civil.
Dentro deste mesmo espírito e ao longo do tempo, o Comitê desenvolveu outras atividades, designadamente a
de reforçar o papel e o lugar da sociedade civil organizada e das suas diversas componentes, em especial os parceiros
sociais, dentro e fora da União. É neste contexto que cooperamos com os Conselhos Econômicos e Sociais e
instituições similares na Europa e no mundo. Lembraria, a propósito, que o CESE e o Conselho do Desenvolvimento
Econômico e Social do Brasil concluíram um acordo de parceria e de cooperação que já deu frutos interessantes.
Em todas as suas atividades o Comitê sempre teve o cuidado de não se sobrepor às organizações da sociedade
civil, sobretudo às organizações de empregadores e aos sindicatos, presentes e ativos nos diversos setores da
sociedade; a nossa ação tem por objetivo criar as condições para o reforço da sua ação e da sua autonomia.
No sistema político europeu, o diálogo social está inscrito nos Tratados como instrumento importante da
democracia econômica e social. Tem um fundamento institucional. Este diálogo social formalizado prevê que a
Comissão Européia, sobre a orientação a dar a cada ação comunitária, deva consultar os parceiros sociais, isto é,
as organizações européias de vocação geral de empresários e de trabalhadores, as organizações interprofissionais,
assim como as organizações específicas e setoriais. Se a Comissão considerar que deve ser lançada uma ação, tem
de consultar os parceiros sociais também sobre o próprio conteúdo dessa ação.
Esta dupla consulta permite ter em conta o parecer das partes interessadas e avaliar, desse modo, o impacto de uma
eventual regulamentação. A Comissão pode, por conseguinte, formular políticas adaptadas na forma e no conteúdo
aos problemas tratados. A consulta pode desembocar num diálogo social autônomo, no plano interprofissional ou
setorial e, portanto, em acordos entre parceiros sociais e, eventualmente, acordos que podem ser integrados, a seguir,
no direito comunitário, sem passar pela via estritamente legislativa. O Conselho de Ministros, que representa os
governos dos Estados-Membros da União, pronuncia-se sobre o texto dos parceiros sociais sem lhe alterar o conteúdo.
Os Estados-Membros deverão, igualmente, associar os parceiros sociais à transposição para o plano nacional do texto
comunitário, objeto de um acordo negociado. Este procedimento permite aplicar, de modo concreto, uma política
social definida pelos parceiros sociais, tomando em consideração as suas próprias realidades.
Se, pelo contrário, este diálogo social resultar num insucesso, a Comissão é livre de iniciar a via de decisão
legislativa, com a plena participação do Parlamento Europeu e do Comitê Econômico e Social Europeu, tomando
o Conselho de Ministros a decisão final.
A esta consulta obrigatória e sistemática no quadro do processo de decisão comunitária juntam-se as consultas
organizadas nos comitês consultivos da Comissão, bem como a participação ativa dos parceiros sociais europeus,
em cada Cimeira (intergovernamental) da Primavera. Estes mesmos parceiros participam, igualmente, de modo
estruturado e durante todo o ano, no diálogo macroeconômico, no diálogo sobre o emprego e no diálogo sobre a
proteção social.
Preocupadas com desenvolver um diálogo social europeu autônomo, as organizações dos parceiros sociais
europeus adotaram um programa de trabalho conjunto (2003-2005), dando desse modo uma contribuição útil
para a estratégia européia de Lisboa, programa estruturado em torno de três grandes prioridades: o emprego, a
mobilidade e o alargamento. Regozijamo-nos com o fato de a nova Constituição para a Europa, que foi aprovada,
em 18 de Junho, pela Conferência Intergovernamental, conter o artigo 47º, especificamente sobre os parceiros
sociais e o diálogo social autônomo entre as disposições relativas a “a vida democrática da União”. Responde isto a
uma pretensão forte dos parceiros sociais e do Comitê Econômico e Social Europeu.
O diálogo social de que vos falei, agora, não é da competência do Comitê Econômico e Social Europeu.
Representa, todavia, algo de essencial e de vital para nós. Lembraria que dois terços dos membros do CESE,
representantes das organizações dos empregadores e dos sindicatos, estão, direta ou indiretamente, implicados no
2 O texto que se segue é o texto oficial do pronunciamento do Sr. Roger Biesch, conforme a versão traduzida fornecida pelo autor à secretaria
do CDES.
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diálogo social no plano nacional ou europeu. Compreenderão Vossas Excelências, assim, o interesse que dedicamos
não só aos seus atores, mas também aos seus conteúdo e procedimentos.
Minhas senhoras e meus senhores, permitam-me que diga também uma palavra sobre aquilo a que chamamos
o “diálogo civil” que completa o diálogo social, no sentido de um diálogo “societal”. Este tipo de diálogo é mais
diretamente da competência do Comitê Econômico e Social Europeu, porque visa à participação não só dos
parceiros sociais - os empresários e os trabalhadores -, mas também de todas as forças de natureza econômica e
social, profissional, cultural e cívica da sociedade civil. Para este diálogo não há fundamento jurídico. Não há sequer
consenso sobre o próprio conceito, sobre o seu alcance, os procedimentos e os atores. Muitos refletem sobre isto, a
começar por nós próprios.
Para o Comitê Econômico e Social Europeu, o diálogo civil toma três formas:
a primeira é o diálogo entre as organizações européias representativas da sociedade civil sobre a evolução e
o futuro da União e das suas políticas;
a segunda é o diálogo estruturado e regular entre estas organizações e a União;
a terceira é o diálogo setorial quotidiano entre as organizações da sociedade civil e os seus interlocutores
dos poderes legislativo e executivo.
Na nova Constituição para a Europa, que já citei, pode ler-se a este propósito: “As instituições da União estabelecem
um diálogo aberto, transparente e regular com as organizações representativas e com a sociedade civil. A fim de assegurar
a coerência e a transparência das ações da União, a Comissão procede a amplas consultas às partes interessadas.”
Estas disposições não respondem exatamente às expectativas de uma sociedade plural e complexa nem às
exigências de uma governança moderna. É certo que importa prever um diálogo entre as instituições executivas
ou legislativas e as organizações da sociedade civil. Mas não basta. É preciso, também, facilitar o diálogo
permanente entre as organizações da sociedade civil para favorecer o estabelecimento de um consenso dinâmico,
no seio da sociedade, sobre o processo de integração européia e a sua evolução. Além disso, não se trata só de
as organizações da sociedade civil serem consultadas. As organizações da sociedade civil insistem, com razão,
na necessidade, (eu diria mesmo, na exigência democrática) de serem implicadas no processo de elaboração das
políticas e de preparação das decisões, assim como - uma vez tomadas as decisões - na sua execução.
A contribuição de cidadãos ativos e empenhados, bem como das organizações através das quais os cidadãos se
exprimem e agem, é indispensável para realizar a ambição de cada comunidade ou de cada Estado democrático
de ser um espaço de liberdade, de desenvolvimento, de bem-estar e de segurança. Para tanto, importa garantir e
reforçar a legitimidade democrática das decisões tomadas ao nível político. É necessária uma reforma duradoura
dos processos pelos quais os cidadãos são governados nos nossos países - uma reforma que faça da participação e
do diálogo princípios-chave da governança de amanhã.
A organização do Comitê Econômico e Social Europeu em três grupos favorece um diálogo permanente e
estruturado entre as componentes da sociedade civil organizada sobre quase todas as questões que estão na ordem
do dia, na União. O Comitê está situado no cruzamento do diálogo social com o diálogo civil europeus; pode, por
isso, facilitar o processo estruturado de elaboração coletiva, que associa os diferentes setores da vida econômica,
social e cívica, que o Comitê representa, designadamente nos debates estratégicos sobre a futura cidadania européia
e a evolução do modelo europeu de sociedade.
Minhas senhoras e meus senhores, faço questão, e muito, de mencionar também, antes de terminar, que o
Comitê Econômico e Social Europeu desenvolveu, no quadro da sua missão de animar o diálogo entre as sociedades
civis dos países ou conjuntos de países de todo o mundo, uma cooperação interessante e frutífera dos nossos dois
continentes. De 13 a 15 de Abril realizou-se, no México, o 3º Encontro dos Representantes das Organizações e
Instituições da Sociedade Civil da União Européia e da América Latina e Caribe.
A declaração que aprovamos, então, foi largamente retomada pelos chefes de Estado e de governo que se
encontraram, semanas mais tarde, em Guadalajara. Estávamos de acordo - os representantes latino-americanos e
europeus - quanto à necessidade de uma maior articulação da sociedade civil organizada e quanto a ser indispensável,
para o conseguir:
a) que os poderes públicos reconheçam o papel que esta desempenha na governança dos processos de
integração e na obtenção de uma coesão social acrescida;
b) criar instâncias estruturadas de diálogo, ao nível nacional e regional e reforçar as existentes;
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c) reforçar, nos programas de cooperação, as medidas especificamente orientadas para o desenvolvimento das
organizações integradas na sociedade civil organizada;
d) criar e promover redes entre as organizações da UE e da América Latina e Caribe que fazem parte dos
mesmos setores profissionais.
Caras amigas, caros amigos, ao concluir a minha breve intervenção, posso confirmar a Vossas Excelências que
o interesse das instituições européias pelo diálogo social e por um diálogo com a sociedade civil organizada no seu
conjunto tem vindo a aumentar nos últimos dez anos. Reconheceram as instituições européias que não pode haver
boas políticas nem boas decisões sem as pessoas a que dizem respeito serem ouvidas, sem a sua participação e sem
o seu assentimento e que, para serem eficazes, estas decisões devem imperativamente ser aceita pelos interessados.
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES
Quero ressaltar que mantemos um intercâmbio intenso, não só com o Comitê Europeu, mas também com
Conselhos de muitos países da União Européia, por meio da Associação Internacional de Conselhos Econômicos e
Sociais e Entidades Similares, que já reúne a experiência de cerca de 60 países. A próxima reunião desta associação
será na França, em julho de 2005, quando será discutida a relação da sociedade com os impactos do comércio
mundial.
Convido agora o companheiro Julian Ariza, um dos vice-presidentes do Conselho Econômico e Social da
Espanha que, todos nós sabemos, tem uma história de concertação bastante importante.
Julian Ariza Rico
Vice-presidente do Conselho Econômico e Social da Espanha3
Boa tarde. Muito obrigado por permitirem a minha presença neste importante encontro. Trago uma saudação
do presidente do Conselho Econômico Social da Espanha e de todos os conselheiros, pois acompanhamos com
muito interesse o devir tanto do Conselho de Desenvolvimento como da política geral do Brasil.
Sem pretensão de aprofundar-me em questões conceituais, parece-me necessário começar esclarecendo que,
após viver uma série de experiências de diálogo social, participação, negociação e acordos, na Espanha distinguimos
entre o que entendemos por diálogo social e por concertação social. Certamente não é viável a concertação sem a
existência do diálogo social. Mas o que é possível e faz parte de nossa prática é que haja diálogo social e participação
dos agentes econômicos e sociais na conformação das políticas públicas sem que de tais práticas resultem acordos
vinculantes para as partes, que é precisamente o que caracteriza a concertação social. Nossa experiência de
concertação é também muito extensa.
O CES da Espanha é a expressão institucionalizada do diálogo e da participação dos principais agentes
econômicos e sociais no processo de elaboração das leis e de outras normas equivalentes, que tenham relação com
matérias econômicas, sociais e laborais. Mas o CES não é um órgão para a concertação se, como acabo de apontar,
entendemos por tal o processo que se abre quando o governo, o patronato e os sindicatos mais representativos, de
comum acordo e através de sua interlocução direta, se colocam uma série de objetivos, põem em marcha uma ou
várias mesas de negociação para abordá-los e, através do toma-lá-dá-cá inerente a qualquer negociação, culminam
o processo com acordos concretos, com os quais todas as partes se comprometem formalmente.
O diálogo e a participação se materializam no CES de diferentes formas. Em primeiro lugar, mediante ditames
sobre os projetos de lei relacionados com as matérias econômicas e laborais a que antes me referi, o que implica na
necessidade de debates entre os três grupos que conformam esta instituição. A saber, o Grupo Primeiro, formado
pelos sindicatos mais representativos; o Grupo Segundo, onde estão as duas grandes organizações patronais - a
da grande empresa e a das pequenas e médias -, e o Grupo Terceiro, onde, além de seis especialistas nas matérias
concernentes ao CES, estão as principais organizações agrárias, da pesca, da economia social e as de consumidores
e usuários. No total, 60 conselheiros mais o presidente. O governo não está representado no CES.
Em todos os Grupos existe uma clara consciência de que, ao não ser vinculante para o governo (segundo sua
lei constitutiva, somos um órgão consultivo), as opiniões e propostas do CES, a influência e a eficácia práticas do
que decidimos guardam relação direta com o grau de consenso que alcançamos em sua elaboração. Daí o esforço
que fazemos para nos colocar de acordo, coisa que nem sempre é possível. Resumindo, o interesse e a vontade de
3 Tradução realizada com base no texto oficial fornecido pelo autor à secretaria do CDES.
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consenso pressupõe, é óbvio dizê-lo, a existência não somente de diálogo, mas também de formas de negociação e
de busca de acordos que, sobretudo, resguardem sobre cada assunto o que constitua aquilo que poderíamos chamar
de denominador comum.
Nem é preciso dizer que esta prática, iniciada muitos anos antes da própria criação do CES, já é uma tradição
cultural do mundo sindical e empresarial, tanto dentro como fora desta instituição. Faz parte também desta tradição
a prática de buscar, pela via da negociação e do acordo, soluções ou alternativas pactuadas para os problemas,
em alguns casos circunscritos ao âmbito de nossas competências específicas, e em outros, com a participação do
governo, quando se trata de concertação.
Outra via pela qual, no CES, se materializa o diálogo e a participação é através da elaboração de informes,
promovidos, na maioria das vezes, por iniciativa dos próprios Grupos e, em outras, sugerido por algum dos
departamentos ministeriais do governo.
Diferentemente dos ditames, que são impositivos, os informes são facultativos; ou seja, pode o CES abordá-los
ou não.
Provavelmente, a elaboração de informes é uma das mais ricas experiências do diálogo institucionalizado que
se desenvolve no CES. Por esta via temos abordado uma multiplicidade de assuntos de interesse geral para nossa
sociedade, como podem sê-lo, somente para citar um exemplo, os da unidade de mercado e a coesão social em
nosso país, mediante o importante e complexo processo que foi passar de um Estado unitário centralista para um
Estado de autonomias regionais.
Temos também abordado, sempre com as conseqüentes propostas corretoras, o problema do acesso à moradia,
que representa dificuldade para a emancipação dos jovens. Assim temos feito também com relação à economia
subterrânea; com os obstáculos para a mobilidade geográfica dos desempregados/inativos; à situação da mulher;
com relação à proteção social pública; e, para citar os mais recentes, os problemas e as alternativas para o fenômeno
da imigração, vistos do ângulo do mercado de trabalho, e dos efeitos que projetam sobre a economia espanhola a
ampliação da União Européia para 25 membros.
Que valor tem estes informes? É claro que servem para consolidar a prática do diálogo social, fazendo com
que não se limite a declarações de boas intenções, mas que se traduza em algo parecido com uma posição comum
sobre o assunto abordado, cujo valor qualitativo é dado, precisamente, pelo fato de seus autores pertencerem e
representarem as organizações sociais e econômicas mais importantes de nossa sociedade. Permitem, de outra
parte, que assuntos não suscetíveis de serem abordados através da concertação o sejam por esta outra via. Em
outros casos, podem facilitar a concertação, por exemplo, mediante o informe que fizemos anos atrás sobre as
alternativas que pudessem favorecer a redução dos recursos jurídicos às autoridades laborais e instâncias judiciais
para a solução dos conflitos individuais e coletivos de trabalho. Tempos depois, ocorreu um acordo de concertação
- vinculante - entre o patronato e os dois grandes sindicatos espanhóis, encaminhando a solução extrajudicial dos
conflitos de trabalho.
Outro exemplo recente e em vias de incorporação prática à legislação: depois de um informe sobre Imigração e
Mercado de Trabalho o governo se comprometeu publicamente a incorporar ao decreto que deve promulgar a Lei
de Estrangeiros as principais recomendações que o CES expressa no dito informe.
Não somente o governo. Também as forças parlamentares têm, tanto nos ditames como nos informes, análises e
propostas que são de utilidade para suas tarefas legislativas e iniciativas políticas.
Até aqui tenho tentado transmitir a vocês um perfil, necessariamente realizado em grandes traços, do que
caracteriza a instituição CES enquanto âmbito de diálogo entre os interlocutores sociais e econômicos e de
participação dos mesmos no processo de elaboração da legislação socioeconômica e laboral, assim como na
promoção de iniciativas que favoreçam o tratamento e a solução de problemas dessa natureza. A partir daqui quero
lhes transmitir algumas experiências de concertação social que, de certo modo, poderíamos considerar como o
grau mais elevado do diálogo social.
Conforme mencionado, no nosso caso, a concertação iniciou-se muito antes da existência do CES e, basicamente,
foi realizada, e se realiza, pela interlocução direta de seus três atores, isto é, o governo, o patronato e os sindicatos.
Há que se dizer que, em algumas ocasiões, o governo não participou diretamente nas mesas negociadoras. Mas ele
facilitou a negociação dos outros atores, assumindo antecipadamente o compromisso de incorporar à legislação o
que fosse necessário para a materialização do que os atores acordassem. Ainda que este caso tenha sido o menos
freqüente, não foi o menos importante. Veja-se o exemplo do Acordo Interconfederações para a Estabilidade no
Emprego, subscrito em 1997 pela organização patronal CEOE/CEPYME e por CC.OO. e UGT, que são os dois
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grandes sindicatos de nosso país. Com aquele acordo buscava-se corrigir um dos piores aspectos de nosso mercado
de trabalho, como é o de quase uma terça parte dos contratos de trabalho serem temporários. Entre as diversas
medidas adotadas, estava a de promover um novo tipo de contrato de tempo indefinido, dirigido a coletivos de
trabalhadores em situação mais desfavorável para obter um emprego estável. O novo tipo de contrato tinha, entre
outras características, a de reduzir as contribuições sociais das empresas que os subscreveram, assim como fazia
com que o custo teórico máximo da dispensa do trabalho fosse, aproximadamente, 75% menos do que no caso do
tradicional contrato de trabalho de tempo indefinido.
Tudo isto, claro está, implicava reformas legislativas e ação do governo. E o governo assumiu o acordo.
Acrescento que, mesmo sem ter resolvido o problema da exagerada proporção de contratos temporários, desde que
aquele acordo foi posto em marcha, a temporariedade diminuiu sete pontos percentuais no setor privado.
Repito que a prática do diálogo social e a concertação se desenvolvem praticamente desde o início da transição
da ditadura franquista à democracia. Como não é o caso de fazer aqui uma pormenorizada descrição do que
temos realizado a esse respeito nestes quase 30 anos, me limitarei a assinalar alguns aspectos significativos, fazendo
menção especial aos que foram, sem dúvida, a primeira e grande expressão do consenso - político neste caso -,
da sociedade espanhola. Refiro-me aos popularmente chamados Acuerdos de la Moncloa - Pactos de Moncloa (Moncloa é a sede do Governo), subscritos em 1977.
Não foram acordos de concertação do tipo que já foi comentado aqui, mas um pacto político que abordava
múltiplos capítulos - aspectos fiscais, política industrial, desenvolvimento e modernização do Sistema Público de
Proteção Social, políticas de rendas etc. Foram elaborados e subscritos pelos partidos políticos com representação
parlamentar. Mas tanto o mundo empresarial como, de forma mais explícita, os sindicatos, se envolveram em sua
defesa, apesar de que na política de rendas se incluía mudança radical no que havia sido a tradição até então: acordouse que nas atualizações dos salários, nos acordos coletivos, se levaria em conta as previsões de inflação e não a inflação
passada, o que naqueles tempos de inflação crescente resultou fortemente lesivo para os rendimentos do trabalho. Mas
o contexto daqueles Acuerdos era o de que a democracia não estava consolidada, arrastávamos os fortes efeitos da crise
econômica de 73 - que por nossa situação política não se havia enfrentado em seu momento - e que carecíamos de
um marco jurídico-político consistente com o conjunto de liberdades de que se estava dotando a sociedade espanhola.
As primeiras concertações, propriamente ditas, abarcam de 1979 a 1986. Abordaram diversas matérias, incluída
a política salarial. A respeito dela, geralmente, se fixava um intervalo estreito, com um máximo e mínimo, das taxas
previstas de inflação, embora se deva sublinhar que sempre se acordava que existiria uma cláusula de salvaguarda
ante possíveis desvios nessas previsões de inflação, de modo que a diferença que pudesse ocorrer fosse compensada
no exercício seguinte.
As matérias contempladas eram muitas e diversas, em algumas ocasiões, com compromissos quantificados de
criação de empregos. Em um acordo houve, por exemplo, reduções de jornada, compromisso de potencialização da
negociação coletiva, reconhecimento do papel das Seções Sindicais e dos Comitês de Empresa e, particularmente,
compromissos de participação e negociação nas questões relacionadas com a melhora da competitividade das
empresas: inversões, organização produtiva, melhorias tecnológicas, relações laborais, qualificação de mão de obra
etc.
Em outros acordos se incluíam também critérios salariais, porém sem cifras. Sempre partindo da manutenção
do poder aquisitivo e melhorando algo, segundo a situação da empresa ou setor.
A idéia dominante foi sempre tentar melhorar a distribuição da renda entre trabalho e capital, ampliando o
número de assalariados e promovendo melhorias moderadas do poder aquisitivo, tendo presente os ganhos de
produtividade que se podiam dar. Quer dizer, unimos a política salarial com aquela que era nossa maior prioridade,
isto é, a política de emprego.
Segundo o tipo de acordo, particularmente nos casos em que se contava com a presença do governo, ocorreram
compromissos como, por exemplo, melhorar a cobertura e o valor do seguro/auxílio de desemprego ou incentivar
o emprego de determinados coletivos: mulheres, jovens...
Em alguns acordos, se incluíram medidas fiscais: apoio ao investimento e tratamento fiscal mais favorável para
as rendas mais baixas. Também se comprometiam investimentos do Estado para a realização de obras e serviços
públicos. Por exemplo, acordos do Instituto Nacional de Emprego (INEM) com organismos públicos. Tudo isso
para favorecer a criação concreta de emprego.
A intenção de fundo daquele conjunto de acordos era contribuir para remediar os efeitos do desemprego,
controlar a inflação e modernizar tanto a estrutura produtiva de nosso país como o marco geral das relações
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laborais. Tudo isso, por diversas razões, nos interessava a todos. Por isso foi possível a concertação. Sem que seus
atores se sintam identificados com os objetivos que se pretendem, a concertação social é impossível.
A experiência daquele período não foi retilínea nem impediu a aparição de conflitos de certa intensidade, como,
por exemplo, os derivados da reconversão industrial. Este processo teve que se realizar tanto para modernizar
uma estrutura produtiva com setores pouco competitivos, como para concluir, com êxito, o ingresso da Espanha
no Mercado Comum europeu, realizado em 1986. Em apenas cinco anos foram perdidos cerca de um milhão de
empregos na indústria. Era inevitável o protesto social, em alguns momentos realmente duros.
Tampouco impediu que, em setores da sociedade, especialmente nos sindicatos, crescessem as reservas para
com as práticas nas quais os compromissos substantivos pactuados se cumpriam apenas em parte. Este é um aspecto
digno de sublinhar, pois se o que formalmente se subscreve não se transforma logo em realidade, a concertação se
torna indesejável. É bem verdade que não era fácil cumprir em cem por cento alguns pactos, principalmente quando
abarcavam muitas matérias de uma só vez. Foi assim que quando anos mais tarde, - em 1994 - se reiniciou uma nova
e larga etapa de acordos e concertações, evitou-se congregar em um todo único o conjunto de matérias suscetíveis de
negociação. Ou seja, cada grande matéria se negocia em separado, o que em princípio permite que, em alguns acordos,
se aprofunde mais, em outros, menos, e inclusive, possa ocorrer uma combinação de acordos e desacordos.
Antes de continuar fazendo referência às experiências posteriores, considero importante sublinhar que o
período que transcorre entre 1986 e 1994, quando o diálogo e a concertação foram escassos e somente de forma
muito esporádica produziram frutos, foi também o período de mais intenso conflito social - houve três greves
gerais - e, mais além das fundamentadas razões que cada parte pudesse ter para justificar suas posições, não
beneficiou nenhuma. Nem ao governo, que sendo o principal destinatário dos protestos sofreu uma correspondente
deslegitimação social, nem tampouco ao mundo empresarial, para o qual a persistência de conflitos sociais de certa
envergadura sempre representa riscos adicionais para os investimentos e outras iniciativas. Por suposto, tampouco
se pode dizer que fortaleceu os sindicatos. Uma das conclusões que extraímos dessa experiência é que a ausência de
diálogo social e concertação não foram rentáveis nem econômica nem socialmente.
Estes últimos 10 anos têm sido ricos em acordos bipartites e tripartites, alguns deles de especial valor estratégico,
como é o caso do acordo sobre aposentadorias, subscrito pelo governo e os dois grandes sindicatos em 1996, como
desdobramento do Pacto de Toledo, por sua vez, promovido e subscrito pelas forças político-parlamentares. Estes
acordos e suas posteriores atualizações têm contribuído para que, frente às incertezas que tínhamos, há mais de 10
anos, sobre a sustentabilidade do sistema público de previdência social, incertezas a miúdo exageradas por interesses
espúrios, os espanhóis tenham atualmente bastante segurança na viabilidade de nosso sistema de contribuições.
Hoje, ajudado pelo importante e prolongado período de bonança econômica e criação de emprego, não somente
estão saneadas as contas como o sistema possui um fundo de reserva de 18 bilhões de Euros.
Acordos entre patronato e sindicatos, algumas vezes com participação direta do governo, outras sem essa
participação ou, como o Acordo Interconfederações para a Estabilidade do Emprego, com o compromisso
governamental de assumir o acordado, têm ocorrido com a intenção de racionalizar a estrutura da negociação
coletiva, para ampliar a solução extrajudicial dos conflitos de trabalho, para a formação profissional e continuada,
para o desenvolvimento da legislação sobre prevenção de riscos no trabalho e alguns outros de menor expressão.
Nos últimos anos, foram subscritos Acordos Interconfederações para a Negociação Coletiva, onde se estabeleceram
os critérios que patronato e sindicatos se comprometeram a defender nas negociações dos vários milhões de
convênios coletivos que subscrevem, a cada ano, nos setores produtivos e no âmbito das empresas.
Justamente quando preparava minha intervenção para este encontro, se encerrava na Espanha a primeira fase
de contatos para uma nova etapa de diálogo social entre o novo governo, surgido depois das eleições de 14 de março
passado, o patronato e os sindicatos. Foi subscrito entre eles um documento intitulado “Declaração para o Diálogo
Social – 2004”. Ali foi definida uma série de mesas negociadoras, das quais é muito provável que surjam acordos
vinculantes sobre matérias como a contratação temporária, o emprego nas administrações públicas, a imigração,
a formação profissional, a progressão do emprego nos serviços públicos e as políticas públicas de emprego, a
segurança social e alguns outros temas.
Haverá que se esperar para saber o que resulta, mas é claro que a vontade de prosseguir o desenvolvimento de
nossa cultura de diálogo, de participação nas definições das políticas públicas e de acordos de concertação, onde
todos assumimos compromissos, adquire de novo um importante impulso.
Vou concluir. Mas quero fazê-lo com algumas considerações finais. A primeira delas é que, depois de vários
anos participando de reuniões e debates em distintos países latinoamericanos para falar do mesmo assunto que
hoje me trouxe aqui, pude compreender melhor e afirmar, sem que pareça uma frase de cortesia, que não é nada
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fácil adotar as experiências de um país no terreno do diálogo e da concertação se as situações de desenvolvimento
econômico, político e social são muito distintas. Por isso a modéstia com que lhes procurei falar, expondo aqui
nossas experiências e o alto respeito que merecem as experiências de outros países neste terreno. Por exemplo,
há países em que, nos organismos equivalentes ao nosso CES, há participação governamental e eles possuem,
entre suas prerrogativas, o que na Espanha conhecemos como concertação social. Havendo vontade de acordo e
determinadas condições para materializá-lo, esses organismos podem ser tão efetivos quanto o nosso modelo de
concertação que, como já disse, é diferente.
Em todo caso, o que temos podido constatar é que a inexistência de diálogo social, condição necessária ainda
que não suficiente para a concertação e o acordo, é sempre sinônimo de conflito, em geral latente que, se ativado,
pode acarretar conseqüências bastante negativas.
A segunda consideração é que, sem dúvida, a participação e o diálogo social são sempre sintomas de saúde
democrática. Mas todo apelo ao diálogo social pode não ser mais que um apelo moral, sem resultados práticos, se
não existem ou são demasiado débeis alguns requisitos.
Entre estes requisitos ou, se preferir, pré-requisitos, permito-me apontar os seguintes:
- Que haja um reconhecimento, não somente formal mas real, dos grupos sociais e da legitimidade dos interesses que, respeitando as leis, cada um deles representa e defende.
- Que existam bases, tanto de ordem institucional como legislativa, que permitam o desenvolvimento do diálogo social e da concertação social.
- Que exista vontade de resolver, pela via da participação, da negociação e dos eventuais acordos, o conflito de
interesses inerente a toda sociedade plural.
- Que exista autonomia nas organizações que protagonizam o diálogo.
- Que exista um certo nível de articulação social. Sem organizações capazes de representar, ao menos com um
mínimo grau de solvência, os setores e os interesses que intervêm no processo de diálogo social, é difícil que
este renda frutos. Essa articulação pode ser desenvolvida, em especial, por parte dos poderes públicos, tanto
com medidas gerais como em outras derivadas do próprio diálogo e concertação social.
- Que o acordado se cumpra, para o que, é óbvio, se necessita de vontade e capacidade para respeitar e fazer
efetivo o acordado.
- Que exista interesse comum sobre as matérias e os objetivos do diálogo social, na consciência de que seus
resultados não podem ser de soma zero, onde uns ganham e outros perdem. Olhe-se para onde se olhe, toda
negociação é um intercâmbio. A chave é que ganhem todos os que dela participam, ainda se sabendo que nas
trocas não é fácil obter um equilíbrio perfeito.
Se na Espanha a experiência é, globalmente, bastante positiva, tem muito a ver com o fato de estes requisitos
terem sido cumpridos.
Reitero minha convicção de que mimetismos não são possíveis. Mas também reitero que nos notáveis avanços
havidos em meu país, nestes anos de democracia, o diálogo e a concertação social têm tido um papel mais que
importante. Mas em absoluto, o diálogo e a concertação social têm significado a superação do conflito de interesses
que representam os diferentes grupos e setores econômicos e sociais nem tampouco a eliminação das manifestações
desse conflito. No entanto, têm polido mais que consideravelmente suas asperezas. Oxalá estas experiências possam
ser úteis a vocês.
Carlos Lessa
Presidente do BNDES
Creio que em relação à questão proposta durante este debate, talvez a contribuição que possamos dar seja a
partir da cadeira em que estou sentado. Ou seja, pensar na perspectiva de quem está na função de presidente de
uma instituição do Estado nacional, de uma instituição financeira que tem missão absolutamente definida - apoiar
o crescimento do que, em termos muito vagos, se poderia chamar de forças produtivas.
Obviamente, essa instituição não existe no abstrato. Ela está, num determinado momento, ante uma estrutura
histórica que lhe foi atribuída pelo processo genético constitutivo da sua nação. Nessa estrutura há uma dimensão
econômica em que existem capacidades produtivas instaladas, competências; existe um estoque de riqueza, com
uma determinada distribuição dessa riqueza; existe uma estrutura espacial que é extremamente importante, porque
esse estoque econômico está distribuído no espaço, no território, com uma determinada relação com os recursos
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existentes, com uma determinada forma de ocupação desse espaço. Há uma estrutura social cujo ponto mais
relevante é ocupado pelos protagonistas que estão no jogo interativo com a instituição de que se é responsável.
Finalmente, lato sensu, existe algo que, à falta de outro nome, eu chamaria de estrutura cultural, na qual eu
destacaria alguns elementos que julgo serem fundamentais: há um certo sentimento de identidade nacional;
determinados níveis de auto-estima, que não estão distribuídos de forma equalizada por esses protagonistas; e uma
esperança, misto de expectativas, de sonhos, frustrações, quanto ao futuro, inclusive, participantes descrentes de
que não haja futuro e absolutamente prisioneiros do horizonte imediato.
Penso que discutir a concertação ou atuar em relação ao projeto de desenvolvimento, na perspectiva nossa,
começa por ter o máximo de abertura possível a essas dimensões, o que, no limite, seria um programa quase
que megalômano. Na verdade, o nosso recorte se afunila, porque a nossa unidade de decisão é o projeto que,
em última instância, é um projeto de investimento. Todo e qualquer projeto está cercado de peculiaridades e se
apresenta numa determinada configuração. Primeiro, movido por um complexo determinado de interesses e, ao
ser apresentado, obriga a um jogo interativo entre a instituição que irá financiar e o candidato ao financiamento.
Nessa interação é que um organismo como o BNDES pode transportar a essa decisão concreta critérios de
orientações gerais que são definidos pelas políticas públicas, pela estratégia nacional, pelas orientações de governo.
Mas ao fazê-lo, rigorosamente, há uma concertação, permitam dizer, microconcertação. Por quê? Porque estarão,
de certa maneira, naquele espaço quase dramático e hamletiano de ser ou não ser o processo financiado. Se nós
não o financiarmos, ele provavelmente não existirá. Ele terá de sair financiado dentro de uma determinada forma,
que componha, além do interesse proponente e uma constelação de outros interesses, a assimilação de uma série
de critérios.
Necessariamente, essa decisão transporta alguma componente de discricionariedade e nasce de uma negociação
que pode ser de imensa complexidade. Na verdade, muitas vezes, interesses que não se apresentam num primeiro
momento têm que ser prospectados, estimulados, e convocados à mesa para aquela decisão cuja construção é
bastante complexa, mas nem sempre totalmente exitosa.
Nesse caso, o que eu me pergunto é: em que postura nos posicionamos com respeito a isso? Sempre gosto de
recorrer à figura de Miguel de Cervantes porque ele nos forneceu uma polaridade extremamente esclarecedora:
de um lado, o Dom Quixote perseguindo o sonho do desenvolvimento; do outro, o agente público, que tem de
ser o Sancho Pança, a pensar em rigor e prudência. Isso num banco de desenvolvimento é levado ao nível quase
do paradoxismo, ao querermos estimular o projeto a ser o mais audacioso e o mais prudente possível. Este é um
exercício de extrema complexidade, mas que deverá ser feito por esta Nação, que pretende se desenvolver, em todos
os cenários onde se tomam decisões. Decisões que poderão ser macroscópicas ou microscópicas, com maior ou
menor incidência, mas, em última instância, é sempre essa combinação que temos de operar.
Por que tomei esse caminho? Para dizer que para esse tipo de protagonismo que, no momento, sou obrigado a
exercer, a política macroeconômica é um dado. Agora, se me perguntassem se ela é objeto de uma concertação, eu
responderia que sim, mas se me perguntassem se essa concertação maximiza a idéia de desenvolvimento, eu diria
que, provavelmente, não por haver uma dimensão prudencial extremamente associada à impulsão, ou à compulsão
preservadora, na medida do possível, dos níveis adequados de estabilidade.
Quando falamos em desenvolvimento, falamos de rupturas, de aventuras em novas direções, necessariamente
em modificação de cenários existentes, como, por exemplo, a dimensão mais complicada de todas - a inflação. Por
que eu visito a inflação? Porque nós, e aqui estou falando em Brasil, tendo vivenciado décadas de alta inflação,
criamos uma espécie de reação alérgico-instintiva a qualquer ressurgência do fenômeno. E o órgão encarregado de
prevenir isso é o Banco Central, cuja missão não é o desenvolvimento, e sim, evitar que haja esse acesso alérgico,
minimizar o medo da inflação. Mas o fazendo, necessariamente, tem de exacerbar a dimensão de Sancho Pança.
Houve, na história da humanidade, alguns bancos centrais que eram Dom Quixote, inclusive no próprio Brasil, quando
Ruy Barbosa tentou com o encilhamento uma política monetária absolutamente desenvolvimentista. Mas o que eu me
pergunto é se é possível reduzir essa demonização com respeito ao desenvolvimento. Ao meu ver, este processo passa
por empresários, por agrupações de empresários, por produtores, por trabalhadores, por suas organizações, sindicatos e
centrais sindicais. É ou não possível a pactuação em torno de preços e salários? Na medida em que a sociedade avançar nessa
pactuação teremos um Banco Central menos prudente e mais audacioso. Teremos um Banco Central desonerado de uma
tarefa de Sancho Pança, abrindo mais espaço para Dom Quixote dentro da sua atuação. Penso que existe aqui um trade-off a
ser negociado, que é objeto de uma concertação e é uma concertação absolutamente estratégica em relação ao futuro.
A outra questão que eu gostaria de apresentar muito rapidamente é que, além desta macroconcertação, nós
precisamos ter presente que a idéia de desenvolvimento não consiste apenas em buscar, nos atuais protagonistas,
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comportamentos consistentes com o sonho do desenvolvimento e sim, em praticar a prudência dentro da nãoparalisia e da não-inibição, criando novos protagonistas. Esse tipo de tarefa demiúrgica é que eu acho que tem de
ser objeto de uma concertação.
Permitam que eu faça dois exercícios aqui. Um deles em relação à famosa pequena e média empresa. Por
que digo a pequena e média empresa? Porque ela é exaltada em canto e verso como geradora de emprego e, por
conseguinte, operadora ou protagonista de uma das diretivas estratégicas mais importantes, que é a inclusão social
pelo emprego. Um pequeno detalhe: 80% das pequenas empresas morreram depois de três anos de fundadas.
Pouquíssimas pequenas empresas viram médias, muitas médias morrem, também; pouquíssimas viram grandes, e
geralmente as grandes, uma vez grandes, são grandes ad secula, amém.
Ao examinar qualquer estrutura industrial, descobrir-se-á que, para os diversos setores, as lideranças estão
mais ou menos fixadas e duram décadas e décadas. Portanto, a questão da pequena e média empresa é, a meu
juízo, absolutamente essencial no capítulo dos protagonismos. Tem que inspirar determinadas decisões que lhes
garantam robusteza, que lhes garantam saúde, que lhes garantam longevidade. Isto exige a formatação de alguma
instituição que não tenha a característica da pequena empresa - a vida efêmera, como a das borboletas que nascem,
embelezam os ares e fenecem.
Eu creio que, ao falarmos em arranjos produtivos locais, estamos começando a praticar o discurso de criação de
novos protagonistas, que somente será possível se houver uma concertação entre pequenas e médias empresas que
substitua a competição entre elas pela cooperação, a qual as fará se comportar como se grandes fossem. Mas esse
tipo de concertação, meus senhores, não é nada fácil. O Ministro Luiz Fernando Furlan tem se esforçado desde o
primeiro momento em desenvolver o tema. Nós, no BNDES, fazemos um grande esforço, mas todos aqueles que
lidam no segmento sabem como é difícil ser demiurgo diante dos famosos arranjos produtivos locais.
Da mesma maneira, é necessário ter presente que a dicotomia capital/trabalho pode ser superada por
uma série de outras figuras, sendo, inclusive, possível que a dimensão do capital e a dimensão do trabalho
sejam praticadas, em último termo, pela mesma persona. É uma persona complexa, é uma associação, é uma
cooperativa de produtores, é uma forma inventiva qualquer - figuras capituladas no grande título chamado
Economia Solidária, particularmente importante para países como o nosso, que não pode se dar ao luxo de abrir
mão de qualquer novo protagonismo.
Mas como organizar essas formas de economia solidária? Eu sempre fico me perguntando porque não gosto
da idéia do compensatório, não sou daqueles que imaginam ser possível enfrentar a questão social com práticas
compensatórias. Eu acho que é necessário enfrentá-la com práticas demiúrgicas, práticas em que a sociedade abre
novos espaços a protagonistas. Porém a pactuação em torno disso é extremamente complexa e, também, muito
necessária. Fico pensando na imensa importância da modificação de toda a legislação para permitir, por exemplo,
que a falência não seja um gesto destrutivo de capacidade produtiva, mas que, eventualmente, dê origem a formas
cooperadas de operar fábricas. Nós mesmos, no BNDES, por exemplo, ajudamos a Uniforja (Cooperativa Central
de Produção de Trabalhadores em Metalurgia) a existir, numa operação vitoriosa onde capital e trabalho estão
integrados.
Senhores, termino aqui, na perspectiva de quem ocupa uma cadeira que é um observatório privilegiado, mas,
ao mesmo tempo, um espaço dramático de concertações fechadas, em nível de cada operação de financiamento de
um novo projeto de investimento. Percebo assim, que a questão do desenvolvimento exige um grande esforço de
relacionamento de quais são os protagonistas com que podemos contar para esse sonho, quais os que precisam ser
enquadrados e quais precisam ser criados. Esse é um discurso que tem muito pouco a ver com economia de mercado.
É um discurso onde voluntários, solidariedade, a idéia de corpo nacional se constituindo e constitutivo é fundamental.
Clemente Ganz Lúcio
Conselheiro do CDES
Faço esta exposição, tentando resgatar uma experiência que o DIEESE fez nos últimos anos - em regiões
como São Paulo, Rio Grande do Sul e Recife - de desenvolvimento de Observatórios do Trabalho, cujo objetivo
é criar um espaço de produção do conhecimento que apóie um diálogo sobre as questões do mundo do trabalho.
Busco relacionar essa experiência com o desafio proposto para esta Mesa, ou seja, como desenvolver o diálogo e a
negociação em âmbito nacional.
Penso que a primeira questão, na experiência de organização de uma atividade que produza conhecimento e
apóie um processo de diálogo e de concertação, é que a produção de conhecimento se refere a questões do futuro
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e nós não estamos acostumados a pensar, a elaborar, a formular indicadores coletivamente acerca do futuro. Nós
fazemos muitas declarações e boa parte delas sobre o futuro são carentes de base e de uma compreensão histórica
da projeção do futuro.
O primeiro desafio para um processo de construção do diálogo é a possibilidade de desenvolvermos capacidade
cognitiva de construção de conhecimento sobre o futuro. Mas, o futuro é difícil de ser sondado e só é conhecido
quando passado. Entretanto, os atores sociais fazem apostas sobre o futuro. Uma parte do conhecimento necessário
para um processo de diálogo é a capacidade de relacionar a história com as apostas que os atores fazem e de
sistematizar / transformar a produção desse conhecimento, por meio do diálogo social, como conhecimento que é
aportado coletivamente para um objetivo comum.
Não é fácil fazer, como não é fácil desenvolver/transformar a produção científica, assentada em diagnósticos,
em elaboração de indicadores que possam subsidiar o diálogo entre as apostas que os atores fazem, a mediação com
os seus interesses e sonhos, e a possibilidade de partilhar a compreensão desta realidade presente e sobre o que se
quer no futuro. É muito difícil fazer isso.
Considero que, para que o diálogo avance, essa é uma empreitada necessária. Sem isto nós não conseguiremos
transitar de uma conversa que visa ao convencimento do outro sobre uma determinada proposição para a realização
de um diálogo social na construção de objetivos comuns. Ou seja, transitar de uma agenda para uma concertação
e para compromissos, transitar da construção de um sonho para um programa que seja viável e que possa ser
implementado. Isso significa que os atores que partilharam do processo de diálogo estão dispostos a colocar os seus
recursos na mesa. E, mais, a colaborar e atuar coletivamente pela construção desses compromissos, o que significa,
provavelmente, rever apostas, rever alocações de recursos, rever prioridades, e rever uma série de elementos que
estão na apostas particulares.
Considero que, nessa construção, o desenvolvimento de uma metodologia capaz desse aporte é fundamental.
Penso que temos vários elementos que deveriam compor essa metodologia, mas gostaria de destacar três.
O primeiro, é que devemos fazer um esforço para vencer uma lógica de simplificação, ou seja, temos de assumir
que os problemas são extremamente complexos e exigem um investimento sistemático para que sejam conhecidos.
Além disso, por mais que possamos partilhar esse conhecimento, ele estará sempre mediado pelos diferentes
interesses de cada ator social. O diálogo é justamente a possibilidade de partilhar esses conhecimentos mediados
pelos interesses e a possibilidade de identificar alguns interesses comuns - no geral, maiores que os interesses
particulares, sobre os quais estamos dispostos a partilhar os recursos de que dispomos.
Por que acho que isso é importante? Porque nós tendemos, muitas vezes, no momento da análise dos problemas
e na elaboração das soluções, ao uso de uma lógica de simplificação da realidade, o que penso ser extremamente
inadequado para o enfrentamento da agenda para a qual nos propomos.
Segundo, também devemos vencer a dicotomia entre uma tentativa de compreender muito bem o local - e,
na parte da manhã, o debate apresentou isso claramente - e uma tentativa de compreensão da totalidade. Ou seja,
devemos ter capacidade cognitiva para distinguir os diferentes níveis de realidade, compreendendo que as regras
e as leis que valem para um nível podem não valer para outro. Precisamos compreender a diversidade das leis que
regem esses diferentes níveis, e as políticas capazes de tratá-los em sua complexidade.
Terceiro, para sairmos dessa ordem perversa é, de alguma forma, necessário criar a possibilidade de
uma desordem, para que possamos construir uma nova ordem. Transformar os problemas em desafios, o que
significa transformar o olhar do passado em um olhar para o futuro. E, ao mesmo tempo, poder imaginar outras
possibilidades, além das conhecidas até aquele momento. Hoje pela manhã também foram dados alguns exemplos
de afirmações do passado sobre o presente então distante, sobre “a loucura do futuro”. A que foi levantada pelo
Staub, no editorial da década de 50, sobre a Petrobrás, é um exemplo claro de que se não tivermos essa capacidade,
estaremos com a possibilidade do avanço do diálogo relativamente restringida.
Existem vários outros elementos, mas eu gostaria de destacar do debate da manhã - a fala do professor Celso
Furtado e as dos demais participantes da mesa - como elemento convergente, a concepção de que a inclusão se dá
pelo emprego ou pela ocupação. Se isto é um consenso, se há um entendimento forte a esse respeito, precisaremos
enfrentar o desafio da reconstituição de um sistema integrado de estatística sobre o trabalho no Brasil, capaz de
subsidiar as intenções do diálogo social.
Se quisermos ter no trabalho, no emprego, na ocupação, uma centralidade quanto ao projeto de desenvolvimento,
é necessário que o aporte de informação e de conhecimento esteja assentado numa base sólida de produção de
estatística. Se há um trabalho necessário, é a reconstituição dessa base, mobilizando os recursos que já temos no
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país, desde o próprio IBGE, até as outras organizações que produzem estatísticas, para que tenhamos um sistema
capaz de aportar informações adequadas a esse projeto de desenvolvimento.
Acredito, também, ser necessário desenvolver (e tentar conhecer com maior profundidade) . e posso afirmar isso,
porque no Dieese temos essa preocupação presente . a qualidade do emprego e da ocupação existente no interior
da empresa. É preciso que os projetos de investimento - sejam eles públicos ou privados - estejam mediados por
elementos capazes de monitorar a qualidade do emprego gerado para que seja possível estabelecer, na negociação
local entre capital e trabalho, metas que elevem a qualidade do posto de trabalho e da renda que está sendo gerada.
Para finalizar, gostaria de destacar dois elementos da agenda atual de debate na sociedade brasileira, sobre os
quais devemos ter atenção. Por um lado, o debate sobre a reforma sindical que está na agenda do atual governo.
Nós não devemos perder de vista o fato de que qualquer reforma sindical que seja feita deve ser uma reforma que
propicie a elevação da representatividade dos atores sociais, sejam eles empregadores ou trabalhadores. Por outro
lado, a discussão da regulamentação da legislação do trabalho, ou da sua proteção, deve estar diretamente vinculada
ao modelo de sistema de relações de trabalho que passará a vigorar no País.
Esta agenda está posta para o próximo período e é fundamental porque, em se tratando das reformas, cria
as condições para que os atores sociais constituam novos níveis de representatividade. Níveis que permitam a
pactuação e a celebração de acordos, a partir do diálogo que está sendo proposto para que essa pactuação tenha, de
fato, capacidade de ser implementada.
Rodrigo Loures
Conselheiro do CDES
Quero dar a minha contribuição baseada em nossas experiências locais, por entender que um dos aspectos do
desenvolvimento é acontecer em nível local: no local de trabalho, nas fábricas, nas cidades.
Quero, também, dar a minha contribuição baseada no que penso destes encontros e da maioria dos estudos onde
se dá uma grande ênfase às externalidades, ou seja, à maneiro como podemos construir artefatos administrativos,
artefatos políticos, instituições que balizem, induzam e sustentem mudanças. Penso existir uma dimensão de
mudança que se deva processar em termos da consciência do indivíduo, dos grupos, em termos culturais, que
seriam as internalidades. Nesse aspecto, a emergência das mudanças vem de um processo de aprendizagem que se
dá tanto melhor quanto melhor acontece a relação entre os protagonistas do desenvolvimento. De certa forma, esta
foi a questão também levantada pelo professor Lessa e pelo Clemente, quando falaram da importância de encontrar
um método que proporcione mudanças efetivas nas pessoas.
Quero compartilhar com vocês algumas experiências realizadas no Paraná. Nós temos, por exemplo, com
relação a arranjos produtivos, a cidade de Cianorte, que é um centro de indústria do vestuário, com mais de 250
empresas, onde não existe desemprego, o padrão de vida médio é superior à média do estado, não existe violência,
todos estão felizes. O que acontece nessa cidade? Os atores desenvolveram um estágio de cooperação entre si
que lhes permite fazer juntos uma série de coisas. Há cooperação estratégica entre os atores do desenvolvimento
formando, assim, mecanismos apropriados para compartilhamento no acesso a crédito, em processos de compras,
em processos de venda, em programas de aprendizagem, articulando-se no sentido de fazer coisas em comum.
Além desses mecanismos inovadores, há também mudança na atitude dos atores, no estilo de liderança. Nota-se que
quando o líder facilita o processo do diálogo social, permitindo assim, a inclusão de todos os atores, de todas as partes
interessadas no desenvolvimento, esse diálogo flui com mais proficiência e melhores resultados. Esta mesma abordagem
estamos adotando, por exemplo, com relação ao planejamento compartilhado da Federação das Indústrias do Paraná,
no qual mobilizamos cerca de 2,5 mil pessoas, ao longo de três meses, em um processo interativo de construção de uma
visão de futuro e da identificação daquilo que as une, de seus interesses comuns, identificando as mudanças que devem
ser feitas e quais os projetos que mobilizam a comunidade, o que, efetivamente parece tocar o coração das pessoas.
Desta forma, estamos entrando na questão das internalidades. As pessoas são motivadas a fazer coisas juntas,
e, por consequencia, a fazer desenvolvimento. Evidentemente, o diálogo está presente nesse processo, na medida
em que ele permite que aconteça a aprendizagem social, a cooperação social, trazendo a inovação. Uma forma
de garantir que uma organização ou uma comunidade entre num processo de movimento, de crescimento, de
desenvolvimento e de evolução.
Quero, também, fazer menção a uma outra iniciativa que tivemos no Estado do Paraná, relacionada ao
Observatório. Identificamos que uma das necessidades para fazer a promoção do desenvolvimento no nível de
uma grande comunidade - no caso a zona metropolitana de Curitiba - era que houvesse um entendimento quanto
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aos indicadores relevantes para a cidade ou região e que se organizasse as informações de tal sorte que todos os
atores interessados, de alguma forma, em atuar naquela região, pudessem ter acesso às informações importantes
para as suas tomadas de decisão.
Um outro encontro que nós fizemos, esse envolvendo mais de 500 pessoas – incluindo empresários, representantes
da universidade, da sociedade civil e do governo - foi no sentido de fazer dos negócios agentes de benefício do
mundo, uma vez que, reconhecidamente, as empresas podem ser - e são - um espaço amplo de aprendizagem, de
educação e podem mobilizar os seus recursos não só para perseguir os seus interesses específicos, como também os
alinhando com os interesses da sociedade.
Sônia Fleury
Conselheira do CDES
Quero começar minha apresentação pelas discordâncias, já que concordamos com muitas coisas hoje. Quero
dizer que não estou de acordo com a proposta feita pelo Ministro José Dirceu, de que o nome da inclusão é o
emprego. Penso que a inclusão remete à condição de cidadania e não só a uma ocupação. E a cidadania tem a ver
com a inserção de um indivíduo, que é um sujeito político, constituído e autônomo, em uma comunidade de iguais,
na qual esses direitos são respeitados pela autoridade pública e ele pode inserir seus interesses na esfera pública. É
essa condição de cidadania que nos leva à construção de uma esfera pública ampliada e que nos leva à construção
de uma coesão e, em última instância, à construção da própria nação. Eu acho estranho que o termo coesão,
que deveria ser a essência da nossa noção de desenvolvimento, apareça citado pelos europeus e não por nós, que
temos problemas muito mais sérios, pois sequer constituímos mecanismos como um Estado de bem-estar social e
mercado inclusivo, que eles construíram para a inserção das pessoas na esfera pública.
Eu poderia falar disso teoricamente, porque é a minha área de trabalho, mas quero falar empiricamente, porque
estou muito tocada por uma experiência que tive no último fim de semana, numa comunidade no Rio de Janeiro,
mais especificamente em Vigário Geral, que muita gente conhece pela chacina que houve lá, na divisa com Parada
de Lucas. Estou trabalhando nessa comunidade com uma investigação sobre a condição de cidadania, tentando ver
as relações que isso tem com a política pública. Eu realizei um grupo focal com 12 líderes jovens, nessa comunidade.
Dos 12 líderes jovens, dos quais um era estudante - não tinha emprego, mas tinha uma ocupação -, um disse que
não era nada, mas sua ocupação era no tráfico de drogas e ele não quis publicamente declarar, embora fosse sabido
- ele tinha ocupação, também - e os outros dez tinham ocupações, basicamente, em igrejas e em organizações nãogovernamentais.
Isso resolve o problema da inclusão dessas pessoas? Não resolve. Não resolve, porque eles não são tratados na
esfera pública como iguais aos jovens que moram no bairro em que eu moro. O Estado não chega lá ou chega muito
precariamente. A escola pública que existe lá é de péssima qualidade. Eles sabem que não passarão no vestibular
e que estão fazendo um investimento enorme com a quase certeza de que, numa universidade pública, jamais
entrarão e terão de pagar uma universidade privada. O Posto de Saúde é extremamente precário e os trabalhadores
não têm os medicamentos necessários. Estes jovens não podem atravessar uma linha fronteiriça imaginária, por
eles denominada de “Faixa de Gaza”, porque, do lado de cá, que é Vigário Geral, manda o Comando Vermelho, e do
lado de lá, na Parada de Lucas, manda o Terceiro Comando. Tem um CIEP na Faixa de Gaza, uma escola pública,
uma instituição pública e as crianças que a freqüentam vêm dos dois lados, mas no momento de sair, cada um tem
de sair para o seu lado, por seu território, porque ali é uma região de guerra, segundo as palavras que eles usam
constantemente.
Portanto, um emprego só, uma ocupação, não insere. É preciso muito mais para transformar essas pessoas em
cidadãos para que seus interesses possam ser respeitados. É preciso descolonizar o Estado, é preciso que as políticas
públicas tratem as pessoas como iguais. Não quero falar só do como sem falar o quê, já que a minha visão em relação
ao social é que ele é a essência do projeto de desenvolvimento e a questão econômica é a ele subordinada. Todo
o meu discurso será nesse sentido. Quero falar um pouco dos pactos sociais, que foi a outra questão importante
tratada aqui. Quero falar dos pactos de poder que sustentariam um projeto de desenvolvimento. Quais são os
pactos que nós vivemos nesta nossa sociedade e as conseqüências que eles tiveram para nós até agora?
O grande pacto que assim podemos denominar é o pacto corporativo, simbolizado pelo governo Getúlio
Vargas, tão mencionado aqui, e que foi um pacto que nos levou de uma economia agro-exportadora a uma
economia industrializada e urbana. Esse foi um pacto entre as elites e extremamente autoritário. Portanto, o nosso
desenvolvimentismo foi um pacto de crescimento sem democracia, independente do regime político que existiu no
período. Era um tipo de autoritarismo, na medida em que fazia acordos que reservavam a área rural à dominação
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mais tradicional e oligárquica, que também seguia representada nas formas parlamentares, quando o Parlamento
funcionava, possibilitando que “coronéis” e governadores exercessem o mando nas suas possessões regionais.
De tal forma que a estrutura de propriedade da terra nunca pôde ser alterada neste país, com uma
reforma agrária conseqüente que pudesse afetar esses interesses e atender aos interesses dos camponeses
e trabalhadores rurais. O primeiro acordo desse pacto era não mexer na estrutura de poder e na estrutura
fundiária e o segundo era a modernização pelo alto, pela via autoritária, que se fazia numa área urbana,
com a incorporação dos trabalhadores urbanos do mercado formal. Essa incorporação gerou um padrão de
cidadania que o Wanderley Guilherme dos Santos chamou de cidadania regulada pela condição de trabalho,
em que cada um tem os seus direitos sociais de acordo com o poder de barganha que detém frente ao
próprio Estado. Esse pacto começa a fazer água em decorrência do próprio desenvolvimento, do processo
de industrialização, na medida em que ele não comporta mais os interesses da sociedade que se torna
cada vez mais complexo e que, além de tudo, necessitava da presença de outros atores, inclusive do capital
internacional e da associação do nosso capital com ele.
As contradições ocorrem e nós chegamos a um outro pacto. Pulei a história enormemente para chegar a
outra idéia do pacto de uma sociedade já muito mais complexa, na qual os atores tradicionais - os trabalhadores
urbanos, a burguesia industrial - têm que conviver com outros atores que, anteriormente, não faziam parte do
pacto corporativo: movimentos sociais, organizações não-governamentais, agências internacionais financiadoras
que passam a fazer parte desse jogo político com o qual temos que conviver. Nós chegamos a um segundo pacto,
que foi o pacto democratizante. Foi o pacto de transição para a democracia, no qual ocorreu um grande acordo na
sociedade, no sentido de que todos nós queríamos sair do autoritarismo. Este pacto se expressou muito claramente
na Constituição de 1988 e na institucionalidade que esse pacto gerou, que foi uma institucionalidade extremamente
inovadora, especialmente no campo das políticas sociais.
Aceitou-se esse adensamento do tecido social, aceitou-se que havia outros atores, e que, demais, a política pública
não deveria ser deixada nas mãos apenas da democracia representativa, já que os interesses do pacto corporativo
haviam enfeudado o próprio Estado. Assim, para democratizar o Estado, criou-se um conjunto de mecanismos
importantes que foram as conferências nacionais, os Conselhos locais, os Conselhos nacionais - espaços e modos de
formação da vontade política por meio da sociedade e do compartilhamento do poder entre a sociedade e o Estado.
Chegamos, então, a um segundo período. Se o primeiro foi de crescimento sem democracia, agora nós temos um
segundo período, de quase 25 anos, de democracia sem desenvolvimento, sem crescimento nem inclusão social.
Isto gera paradoxos para a própria democracia que a tornam insustentável, em médio prazo.
O que estamos vivendo? Estamos convivendo numa democracia. O que a democracia implica? Ela implica na
diversidade e na capacidade de eleger entre alternativas. Isto é a política. Neste mesmo momento da democracia
temos que conviver com um modelo macroeconômico único, que não pode ser discutido, não pode ser flexibilizado,
que temos de assumir de qualquer forma, que é subordinado à estabilização monetária. Isto é uma democracia com
a negação da política, que é a idéia da construção de alternativas.
Nós estamos vivendo uma democracia - o que, teoricamente, implicaria na incorporação dos indivíduos à
comunidade política e ao mercado - com processos de estagnação econômica, de retrocesso no PIB e manutenção
da concentração de renda e da exclusão social. Ou seja, uma democracia sem inclusão.
Nós estamos convivendo com a democracia - que requer mecanismos de coesão social - com o desmantelamento
das políticas do pacto corporativo, acabando com a política previdenciária, que era uma política que tornava coesa
parte da sociedade, mesmo que fosse apenas uma parte privilegiada, buscando substituí-la por mecanismos de
individualização do risco, através de seguros - mecanismos financeiros, subordinados à lógica do capital financeiro
- e de individualização da pobreza, como se a pobreza também fosse um fenômeno individual, e políticas
compensatórias para indivíduos e/ou famílias.
Nós estamos convivendo com uma democracia - que requer um Estado eficiente na regulação da produção,
na arrecadação dos tributos e na redistribuição, através de um conjunto de políticas universais de acesso aos bens
públicos - com a manutenção de diferentes formas de patrimonialismo e corrupção, conjugadas à ineficiência das
políticas públicas e da diminuição da capacidade produtora do Estado. Portanto, uma democracia sem autoridade
pública e sem o aparato estatal que a corresponde.
Nós estamos convivendo com a democracia - que funda a legitimidade dos governantes eleitos na existência de um
pacto nacional estável de poder - com a presença de atores externos e seus prepostos na burocracia nacional cada vez
mais poderosos, de tal forma que os governantes se vêm na obrigação de buscar a governabilidade para fora e não para
dentro do país. Fazem o pacto para fora, fazem acordos e cartas de intenção para fora e não com os atores nacionais.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Qual a conclusão a que se chega, depois de se viver quase um quarto de século nesse paradoxo? Que eleições só
não bastam para democratizar. São condições importantes para transformar, na medida em que foram as eleições
que levaram a uma busca de transformação, elegendo o governo atual, que foi a expressão da insatisfação da
sociedade em geral com esses paradoxos na democracia. Se o governo ficar prisioneiro dessa lógica e não sair dela,
estará também acabando com a própria possibilidade da democracia, não só com a possibilidade do crescimento.
Para romper com essa lógica, é claro, foi necessário criar novos mecanismos de construção de um pacto que não
fosse a repetição daqueles pactos anteriores, que fosse um pacto novo, porque seria, pela primeira vez, um pacto
que permitiria a inclusão de setores que, até então, tinham sido excluídos da sociedade. Todos nós falamos disso,
mas este pacto não está assegurado no momento. Por quê?
Nós vivemos, tanto do lado da sociedade quando do lado do Estado, inúmeras contradições em relação a isso.
Esta é uma sociedade que permite conviver o agronegócio, a vanguarda da tecnologia da exportação, com o trabalho
escravo. Estamos vivendo o boom da responsabilidade corporativo-social, com o aumento progressivo de acidentes
em locais de trabalho. Estamos discutindo se vamos flexibilizar as regras do trabalho e, ao mesmo tempo, queremos
manter a livre organização dos trabalhadores, nos locais de trabalho. O governo nos diz que faremos tudo isso para
chegarmos a uma democracia social mas, ao mesmo tempo, mantém a DRU (Desvinculação de Receitas da União),
que tira 20% da área social, faz acordo para desvincular as receitas das áreas de saúde e educação, para com elas
pagar os elevados juros da dívida pública e adota uma série de medidas com a idéia de que temos de desvincular os
benefícios previdenciários do salário-mínimo, ao invés de buscar fontes fora do Brasil, como a Taxa Tobin.
Que o governo propusesse no Brasil, também, como eu já propus neste Conselho, que tributássemos o capital
financeiro, que tem ganhado mais do que todos os demais setores da economia, para viabilizar uma previdência
social universal, ao invés de reduzir os benefícios previdenciários. A acordos desse tipo é que temos de chegar.
Nós temos que levar essa discussão para dentro do Conselho porque se não o fizermos vários dos nossos parceiros
não falarão e, se não houver o contraditório, não poderemos chegar a acordos. Portanto, é preciso que se coloque
na agenda propostas absolutamente concretas como essas, para que geremos o contraditório e vejamos até onde é
possível construir esse acordo inclusivo e democrático.
Pedro Teruel
Conselheiro do CDES
Quero reforçar a discussão desenvolvimento versus crescimento. Temos aí um “gargalo”, como já disse alguém.
Desenvolvimento é muito mais do que crescimento. Desenvolvimento, na ótica da maioria das pessoas que se manifestam
aqui, por incrível que pareça, é investimento na pessoa humana. Não existe nação forte se o seu povo é fraco. Portanto,
investir em infra-estrutura, em máquinas, equipamentos, produção e não investir no seu povo é fazer com que esse povo,
ao invés de ser um elemento alavancador do progresso, seja um peso a ser carregado por aqueles poucos que pensam
poder sozinhos construir o progresso. Por isso, há que se promover o fortalecimento das pessoas e famílias.
Quero bater novamente na tecla da pequena e da micro empresa. Como é duro repetir tantas vezes a mesma
coisa! Quero que vocês me perdoem a comparação, mas há muita relação com o que a Dra. Zilda Arns disse
aqui sobre a mortalidade infantil e as pequenas e micro empresas. O Brasil já combateu a mortalidade infantil de
crianças, mas ainda não combateu a mortalidade infantil de empresas. Elas nascem e morrem porque são frágeis.
E aquilo que, por ironia - desculpem a forma de falar - foi muito eficiente para o combate à mortalidade infantil,
para as empresas está sendo o desastre: a “multimistura”. No caso das pequenas e micro-empresas, é a multimistura
de burocracia - taxas, impostos, leis, regras, fiscalizações. Tudo isso é um pacote que a empresa não agüenta, ela
sucumbe, cai, quebra. Desta forma, se nós não alimentarmos as pequenas e micro empresas, entendendo-as como
um novo fator de geração do desenvolvimento, nós vamos continuar sempre com as grandes e vamos prescindir das
pequenas e médias que poderiam crescer e vir a se tornar grandes, também.
Tenho uma outra preocupação quando falamos em diálogo social, quando há o debate e muitos não se manifestam,
pois aqueles que estão silenciosos podem estar influindo mais na decisão do que quem fala. Nós falamos muito e
decidimos pouco e quem não fala nada deve estar decidindo muito e nós nem sabemos quem são eles. Portanto, toda a
transparência desse debate perde para o invisível. Gostei de ouvir os companheiros europeus dizerem que os CES de lá
têm metas e decisões e publicam suas decisões para que a sociedade saiba que o governo não acatou o que o Conselho
decidiu e vai pagar o ônus por isso. Aqui não, não publicamos, não divulgamos nossas decisões.
Outra questão é a desoneração da folha de salários. Estamos discutindo isto há 18 meses e não vejo nada de
prático. Ao contrário, depois de tudo que discutimos sobre a importância de desonerar a folha de salários, vimos o
governo aumentar a tributação de 20% para 20,6%. Portanto, veio na contramão do nosso debate de desoneração.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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José Seráfico
Conselheiro do CDES
Em primeiro lugar, quero saudar a iniciativa do Conselho de resgatar um tema que se constituiu praticamente em um
tabu, durante as duas últimas décadas, quando falar em desenvolvimento equivalia a falar de um anátema. De forma que é
muito confortável para nós vermos resposta a uma questão que deveria constituir prioridade de qualquer governo.
A pergunta que o Ministro Jaques Wagner faz hoje é: como construir o diálogo social pró-desenvolvimento? Mas lembro
que ele deu destaque ao abrir as palestras, à pergunta-chave: como empreender o desenvolvimento que interessa ao conjunto
da sociedade brasileira? Gostaria de retomar um pouco a temática mais geral porque penso que não devemos encontrar
formas antes de sabermos para que são essas formas.
O desenvolvimento que interessa ao conjunto da sociedade brasileira é o desenvolvimento que reduza as desigualdades.
Isto nós temos ouvido, mas temos ouvido, também, outras coisas como a valorização do trabalho humano e a permanência
da escravidão. De forma que é necessário que tragamos todos ao debate e, como disse o conselheiro Pedro Teruel, tentemos
ser transparentes e não nos escondamos, para decidir à sombra. Vamos discutir e decidir ao sol.
Creio que nenhum diálogo pode ser construído e nenhum rumo pode ser dado, se não soubermos escolher o que
queremos e onde queremos chegar. No meu entendimento, e o conselheiro Paulo Figueiredo lembrou isso pela manhã, as
desigualdades regionais e pessoais não podem estar ausentes de qualquer debate quando se trata do desenvolvimento. É
verdade que o desenvolvimento é visto por muitos apenas como uma questão numérica. Prefiro repetir o velho e falecido
professor Samuel Bechimol, e dizer que o crescimento faz maior, mas o que faz melhor é o desenvolvimento. Portanto, é na
busca da melhoria das condições de vida da população que penso se deva concentrar qualquer esforço das pessoas de boavontade, daquelas que acreditam e reconhecem as potencialidades do Brasil.
O conselheiro Luiz Gonzada Beluzzo disse que poucos países no mundo reúnem tantas condições de ser
desenvolvido quanto o Brasil. Disso eu creio que nenhum de nós discorda. Portanto, temos algumas unanimidades
ou alguns consensos, quanto à redução das desigualdades e quanto ao fato de que o Brasil é dotado de potencialidades
que outros países não têm. No entanto, da perspectiva da Região Norte, do Amazonas, eu percebo que, ainda hoje,
nós, que ali vivemos, estamos sobressaltados com a eventualidade da perda de competitividade da Zona Franca
de Manaus. E a Zona Franca de Manaus, não importa como ou em que época foi feita, significa um instrumento
capaz de reduzir as condições de desigualdade em que o Norte sobrevive. No entanto, se continua a ignorar isso
propositalmente.
Não acredito que uma política de redução de desigualdades deva desconsiderar que num primeiro momento de uma
política econômica desenvolvimentista alguma região tenha que perder. Dizia Ruy Barbosa: a igualdade consiste em tratar
desigualmente seres desiguais. A Região Norte há de ser privilegiada tanto quanto o Nordeste, num primeiro momento, até
porque haverá benefícios para as regiões desenvolvidas, que deixarão de atrair pessoas que vão a busca do Eldorado e que
acabam se constituindo em problemas para os cofres públicos, incapazes de satisfazer a todas as necessidades sociais. Enfim,
as regiões desenvolvidas acabam vendo aumentados os seus problemas porque não querem reconhecer quais regiões têm
que perder, num primeiro momento.
Quero lembrar, e desde logo alertar os membros do Conselho, que em novembro haverá uma reunião promovida pelo
INPA, para tratar de problemas muito semelhantes a estes. O INPA é o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, cuja
produção de conhecimentos tem revelado que a Amazônia, longe de ser um problema, é uma solução para muitos dos
problemas brasileiros.
Jurandir Pereira da Silva
Conselheiro do CDES - Suplente
Estou aqui como representante da Confederação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil - Copab. Nós, aposentados da
previdência social e dos governos dos estados e municípios, fomos taxados por um determinado governante de vagabundos.
Mas nós somos observadores do que é feito pelos agentes políticos no País e estamos aqui nesse diálogo para construir uma
nova agenda para o desenvolvimento econômico e social para o Brasil.
Nós, da COBAP, pensamos que para fazer uma nova agenda temos de observar o processo histórico do desenvolvimento
havido no Governo Getúlio Vargas e, também, no Governo JK. Naqueles governos realmente existia um planejamento cuja
execução era feita por técnicos da área de engenharia, da área de tecnologia. Isso foi feito na construção da siderurgia, isso
foi feito também por Getúlio Vargas na Consolidação das Leis do Trabalho, para dar uma sustentação aos trabalhadores que
viviam em regime até de escravidão, pois não existia um ordenamento que beneficiasse os trabalhadores. No governo de
Juscelino Kubitscheck, ele foi buscar Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e foi também buscar um grande técnico para executar a
grande obra pensada, que era Brasília: ele foi buscar Israel Pinheiro, que já tinha demonstrado a capacidade de executar as
metas pensadas do governo JK.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Então, nós não podemos nunca nos esquecer do processo histórico. Quem deu o primeiro pontapé para o desenvolvimento
do País foi sempre o próprio governo. O governo de Getúlio Vargas e o governo de JK. No governo de JK existia o pleno
emprego. Faltavam, inclusive, serventes para as obras de Brasília, fazendo com que eles fossem treinados pelo Senac, Sesi e
outros organismos. E, agora, o que acontece no País? Pensa-se num diálogo para construir o desenvolvimento econômico e
social, mas até a corrupção é legalizada através de lei, através do Congresso Nacional. Falando na corrupção legalizada, nós
temos um elenco de leis que provoca o desvio da seguridade social em R$ 40 bilhões e R$ 900 milhões. O segundo governo
FHC provocou um desvio na seguridade social da ordem de R$ 13 bilhões. No primeiro governo Lula, há o desvio de mais
de sete bilhões de reais. Então, eu gostaria de chegar a um ponto importantíssimo: O governo tem de dar primeiro o exemplo
e demonstrar que a população pode confiar em sua proposta.
Para concluir: nós tivemos uma aula magna do professor Carlos Lessa sobre o projeto da transposição das águas do
Tocantins para o São Francisco, para irrigar o semi-árido nordestino. Eu pergunto: quando sairá a execução do projeto, se
o governo disse que não tem recursos e esses recursos estão desviados? Essa é a grande pergunta: o governo tem de dar o
exemplo, dar o pontapé para o desenvolvimento do País, pois a transposição das águas do Tocantins para o São Francisco
possibilitará o crescimento de uma nova Brasília, no nordeste brasileiro.
José Moroni
Conselheiro do CDES
Quando se fala em diálogo social eu quero dar uma sugestão para o conjunto da Mesa. Não se pode desassociar a questão
do diálogo dos sujeitos políticos desse diálogo. Portanto, minha primeira questão é: quem são os sujeitos políticos que estão
nesse processo de diálogo social?
Uma preocupação que tenho - e a conselheira Sônia Fleury apontou algumas questões e outros também o fizeram - é que
no Brasil existe uma tradição de se tentar fazer concertação pela cúpula da pirâmide social e nunca esse processo desce para
as bases. Por isso é que eu insisto na questão dos sujeitos políticos desse diálogo, algo que já tentamos discutir no próprio
Conselho, pois envolve a representação social no Conselho. O fato é que percebemos que nesse processo está faltando uma
parcela da sociedade, estão faltando alguns sujeitos políticos. Ainda há a predominância de uma forma de olhar a sociedade
do ângulo da relação capital/trabalho. Quando entra um outro olhar, isso ocorre de maneira difusa, confusa, através do
chamado terceiro setor, conceito que me dá alergia. Porque esse campo, que mostra justamente a riqueza da sociedade - da
sua complexidade e de seus diferentes - se tenta homogeneizar num conceito chamado terceiro setor, onde parece que todo
mundo é igual e não é.
Eu sinto falta de sujeitos políticos nesse diálogo. Por exemplo, de organizações e movimentos que trabalham na base
da sociedade, justamente, a parte excluída de qualquer participação social. Se corrermos o risco de colocar na agenda o
processo de diálogo social, o processo de concertação social, da maneira como ele está sendo conduzido, incorreremos no
mesmo erro cometido até hoje, nesses 500 anos do nosso país. Se não conseguirmos romper com esse processo e repensar
sobre os sujeitos políticos desse diálogo, não estaremos construindo nada de novo. Nós estaremos novamente dando um
jeito por cima, entre nós mesmos, mas não estaremos dentro de um processo radical de concertação.
Jurema Werneck
Conselheira do CDES
Inscrevi-me para dizer algo próximo do que disse o conselheiro José Moroni, algo que para mim, também, é muito
importante. Diz respeito a um fato ao qual se referiu o professor Carlos Lessa, quando abordou a questão do diálogo, no
sentido de que há atores e atrizes mais empenhados e outros nem tanto e que precisam, como ele disse, ser, talvez, regulados.
Penso que este é um tema importante a ser incluído no debate da concertação. É preciso saber que existem aqueles que
requisitam espaços como esses e que a política deixa do lado de fora, para que os seus interesses, muitas vezes perniciosos,
possam vivificar, proliferar, como tem acontecido. Penso que é um desafio para este Conselho e para muitos dos nossos
colegas do Conselho, entre os quais me incluo, é aprender novos mecanismos de lidar com esses, que, inclusive, aqui, entre
nós, participam produzindo silêncio e mais silêncio. Seu empenho é basicamente a produção do silêncio, enquanto nós
buscamos o diálogo.
Nesse processo de trabalho do Conselho a conselheira Sônia Fleury apresentou - e até relembrou aqui hoje - uma proposta,
no sentido de que precisamos rediscutir o que fazer com o sistema financeiro, já que o Sistema de Previdência Social aponta,
para um futuro muito próximo, um esquema de exclusão muito maior e mais violento do que o que experimentamos, até
agora. E ela apresentou uma proposta, em relação ao sistema financeiro. É claro que existem alguns conselheiros do sistema
financeiro que não abriram a boca. É claro que há outros que não são do sistema financeiro e que, também, não falaram.
Mas, precisamos, a partir de agora e cada vez mais, fazer empenho em falar sobre isso. De fato, na construção de uma
concertação, nem sempre o acordo possível é um sim para todos os lados. Há sempre alguém que vai perder e espero que
sejam aqueles que estão colocando a política do lado de fora, aqueles que pensam que concertação é mais um novo nome
para redefinir seus interesses.
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Aqui no CDES eu represento a legião daqueles que tem buscado romper o silêncio. O desafio, agora, é para esses setores
que continuam afirmando o silêncio, apesar de dizerem que estão numa mesa de concertação. Que esses setores saiam do
silêncio em que efetivamente têm permanecido e apresentem uma posição mais clara, mais explícita, de que eles, também,
estão do lado de um novo país. É preciso que eles percam um pouco, pois o que irão perder será um ganho para todos.
Pedro Ribeiro de Oliveira
Conselheiro do CDES
Eu vou falar sobre metodologia. A Dra. Maria João disse que ter uma idéia clara sobre a questão que se quer responder
é o ponto de partida. A conselheira Sônia Fleury completou esta afirmação e, a partir dela, procurou estabelecer o
contraditório. O nosso companheiro da Espanha, Juan Ricco, trouxe a reflexão de que acordos vinculantes são um
ponto de chegada e não de partida. Juntando estes dois conceitos, lembrei-me de Guimarães Rosa: “o importante não
está nem na partida nem na chegada; o importante é a travessia”. Travessia é esse diálogo entre nós mesmos para fazer
a concertação.
Quero, então, propor ao ministro Jaques Wagner uma nova metodologia para o nosso Conselho. Esses encontros
com ministros, Mesas Redondas são muito interessantes, mas penso que, agora, a metodologia deveria enfatizar
o diálogo entre nós mesmos. Vamos iniciar a travessia, com todas as dificuldades, dialogando entre nós mesmos,
conselheiros e conselheiras.
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES
Passemos agora aos comentários dos membros da Mesa.
Sônia Fleury
Conselheira do CDES
Acho que foi extremamente interessante o que aconteceu, desde ontem e durante o dia de hoje, aqui. Ficou demonstrado
que o nosso espaço de trabalho é muito grande e muito rico. Acredito ser frutífero esse novo formato, essa busca de
compatibilizar uma democracia representativa - mais ligada às formas da representação e de eleição do que a um conteúdo
moral da democracia - com uma democracia deliberativa – que implica em conteúdo moral, tanto pelo reconhecimento
quanto pela redistribuição. Este espaço aqui é o espaço da democracia deliberativa e nós deveríamos buscar não só convergir
para formas de atuação coletiva, que nos fizessem reconhecer e aceitar o outro como partícipe da esfera pública, mas também
gerar propostas concretas de redistribuição. Reconhecimento de um lado e redistribuição do outro.
Rodrigo Loures
Conselheiro do CDES
Penso que o encontro foi muito produtivo e as intervenções do conselheiro José Moroni, da conselheira Juçara
Dutra e do conselheiro Pedro Teruel foram muito pertinentes. Todos os atores essenciais ao processo têm que estar
se expressando, interagindo, entrando em diálogo e nós, efetivamente, não temos tido diálogo com eles. O diálogo
é um processo por meio do qual as partes estão, em conjunto, debatendo temas de interesse comum e todos estão se
expressando com o espírito de investigação, de pesquisa, de busca de conhecimento e não de fazer as suas alegações
ou a defesa de suas opiniões. O que é válido, também, mas nossos encontros têm sido quase que exclusivamente
voltados para alegações, quando cada um apresenta muito mais suas opiniões, do que um trabalho frutífero de coconstrução, co-criação, visando identificar linhas de entendimento.
Concordo plenamente com a posição dos conselheiros José Moroni e Juçara Dutra. Os silenciosos têm que
participar do processo. Se eles não participarem, não serão sustentáveis eventuais agendas que venham a ser
construídas. Assim como também nós, efetivamente, estamos aqui, num processo de cúpula. Não podemos nos
desconectar do que acontece na sociedade. Acho que esta é uma competência que temos de desenvolver. Por
intermédio de que mecanismos, por meio de que métodos nós poderemos, de alguma forma, traduzir e representar
efetivamente os nossos segmentos e os nossos setores e poderemos fazer com que aquilo que conversarmos aqui
encontre ressonância no resto da sociedade? Este é um grande desafio.
Tenho a certeza, no entanto, de que, na medida em que o diálogo for praticado na sua integridade, dada a diversidade
da composição do Conselho e de outras pessoas que têm sido sistematicamente convidadas a participar dos trabalhos,
poderemos produzir algo bastante próximo dos anseios e aspirações do universo social como um todo. Reforço apenas que
a questão do método apropriado é muito importante para que, efetivamente, possamos entrar em conversações produtivas,
visando fazer avaliações e reflexões apropriadas.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Clemente Ganz Lúcio
Conselheiro do CDES
Manifesto minha concordância com as questões apresentadas, quanto ao método e à importância da representatividade
dos sujeitos. Que esta representatividade sinalize para a complexidade das formas de organização dos interesses, do modo
como os problemas são percebidos e como são pensadas as superações.
É um desafio construir a maneira de fazer essa abordagem, tanto do ponto de vista da compreensão dos problemas
quanto da construção das alternativas, da pactuação, da alocação dos recursos. É um desafio posto, uma experiência nova. A
Sônia resgatou bem as experiências anteriores. O desafio é muito grande, mas os homens, em geral, não assumem problemas
para cuja resolução não estão, e nós estamos, preparados para resolvê-los, o desafio é continuarmos caminhando.
Carlos Lessa
Presidente do BNDES
O projeto de transposição de águas já está, este ano, gerando algumas encomendas relevantes e pelo menos dois governos
estaduais já estão dando início aos seus ramais de distribuição da água que virá do São Francisco. Numa primeira etapa, a
transposição do Tocantins não irá acontecer. A transposição será basicamente do São Francisco, acompanhada de uma
atuação para revitalizar o próprio Rio São Francisco. Creio que vamos ver o projeto ganhar intensidade, nos próximos anos.
Fiquei imaginando uma reunião do mesmo tipo desta, em Moçambique. Eu vou ser absolutamente sincero com vocês,
seria inteiramente inexeqüível. Não haveria como fazê-la, porque 80% da população do país é rural, fala 26 idiomas diferentes
e a população rural é tribal. Muitas categorias e sutilezas do nosso debate estão num horizonte histórico quase inatingível
para o povo de Moçambique que, entretanto, avançou.
Estou fazendo essa referência apenas para dizer aos senhores o seguinte: por mais pesada que seja a nossa crítica ao
presente, não podemos nunca perder de vista o quanto já avançamos. Permitam-me que lance mão da minha idade. Quando
comecei a ter alguma antevisão da coisa pública, tive a oportunidade de participar da campanha O Petróleo é Nosso, muito
inspirado por ter lido O Poço do Visconde, do Monteiro Lobato. Na verdade, era como estudante de ciclo médio que eu
estava apoiando a idéia de que o petróleo tinha de ser brasileiro. Cresci numa geração em que podíamos, sinteticamente,
pensar da seguinte maneira: o passado nos condena, o presente é cheio de problemas, mas o Brasil tem futuro e nós somos
o futuro do Brasil. Eu cresci com essa convicção e, com 68 anos, me recuso a abandonar essa postura.
Eu acho que essa postura é absolutamente fundamental. Ou seja, tudo que é apresentado como crítica tem de
ser referenciado a um processo histórico. Se não for, a própria noção de desenvolvimento deixa de ter sentido, porque
desenvolvimento é a história como projeto de uma vontade social organizada. Se fizermos um exagerado exercício de crítica
do presente, concluiremos que não há saída e diremos como Manoel Bandeira, quando alguém lhe apresentou, depois do
teste fônico do 33, 33, 33, sinais de uma tuberculose em alto grau - só lhe resta dançar um tango argentino.
Eu acho que é preciso dizer que o simples fato de discutirmos desenvolvimento, recuperarmos essa discussão, já é um
sinal de avanço. E esse avanço nos obriga a olhar o passado enquanto construtor desse presente. Caso contrário, não há
saída. Pode ser que os senhores não creiam, mas eu tenho a profunda convicção de que entre desenvolvimento e estabilidade
conservadora a sociedade brasileira vai optar pelo desenvolvimento, sim. Não tenho a menor dúvida quanto a isso. A data,
eu não sei afirmar. Mas é inquestionável que vai nessa direção. A simples expressão desenvolvimento, que fazia parte do
meu cotidiano, desapareceu durante 20 anos do debate público brasileiro. A conselheira Jurema Werneck usou a expressão
“a produção do silêncio”. A produção do silêncio foi tão eficiente que retirou do vocabulário expressões em torno das quais
organizávamos nossas controvérsias, nossos acordos e nossos conflitos. Estamos resgatando até esse temário, como um
temário central. E já não somos mais nada parecidos com Moçambique, não é?!. Somos uma sociedade metropolitana,
com mais de 40% da população vivendo em metrópoles, com mais de 80% da população vivendo em centros urbanos.
Há trabalho escravo, sim, mas, por favor, há trabalho de qualidade, há justiça do trabalho, há uma representação de uma
sociedade muito mais plural, os movimentos sociais estão ganhando identidade, progressivamente ganhando presença. Eu
não posso aceitar uma posição que não nos dê saída. É só isso que eu queria dizer.
Quero, para finalizar, parafrasear Fernando Pessoa: “nada vale a pena se a alma for pequena”. Além da travessia do
Guimarães Rosa: “ninguém faz a travessia se a alma for pequena; não dá nem a partida”. Nós temos sempre que terminar
qualquer reunião destas, repondo uma visão otimista. Caso contrário, por que participar de outra reunião?
Maria João Rodrigues
Membro da Coordenação da Agenda 2000 da União Européia e Assessora da Presidência da União Européia
Quero concluir dizendo que retiro para mim uma lição deste debate, ao longo do dia de hoje: a de que temos de estar
abertos a novas vias de desenvolvimento do diálogo social. Daquilo que me foi dado ver, aliás, desde ontem, pode estar a
acontecer que o Brasil está a descobrir uma via original, específica, de desenvolvimento do diálogo social. Devo dizer que
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isso não me surpreende, particularmente, porque conheço bem a criatividade do povo brasileiro. Isso pode estar a acontecer
e portanto merece que se tente uma certa racionalização dessas experiências à luz de outras experiências internacionais.
Portanto, farei um comentário final não como uma conclusão, mas como questões para a reflexão dos conselheiros,
questões essas que já estão a aparecer e irão, provavelmente, aparecer com mais força. São duas. Uma tem a ver com as
formas de desenvolvimento do diálogo social. Sabemos que o diálogo social pode se desenvolver em vários níveis: ao
nível de um país inteiro, ao nível de cada região, ao nível de setores. E isso é uma tendência extremamente saudável.
Mexendo assim, a questão que se vai apresentar é: que papel o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
quererá desempenhar nesse processo mais vasto de diálogo social que está em vias de ser desenvolvido?
A segunda questão tem a ver com os objetivos do próprio diálogo social. Porque o diálogo social pode visar
apenas ao debate e à consulta; pode querer ir mais longe e visar à consensualização; pode querer visar à concertação
de iniciativas e pode, finalmente, querer ir ainda mais longe no sentido da pactuação, do estabelecimento de um
acordo, de contrapartidas, para viabilizar uma determinada trajetória. Tudo isso é possível com o diálogo social, mas
esses vários objetivos requerem métodos diferentes. Isto desencadearia um outro debate, que se vai perseguir, mas são
questões que valem a pena discutir mais a fundo. Aqui, há várias opções, parece-me, mas para aquilo que estou a ver,
penso que estamos na presença de uma via muito original e muito promissora do que possa vir a ser o diálogo social
como alavanca do desenvolvimento e, portanto, só desejo sucesso a esta experiência.
Jaques Wagner
Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES
Este encontro nos possibilitou dar um passo muito importante. Primeiro, porque estamos aprofundando um leito
natural para o Conselho. Esse leito foi expresso, de certa forma, naquilo que o conselheiro Pedro Ribeiro falou. Penso
que nada precisa ser excludente. Tanto a apresentação e discussão das políticas de governo, como fizemos ontem,
como essa busca que fizemos hoje - a tentativa de construir coesão, de construir a agenda nacional de desenvolvimento
- fazem com que eu me sinta extremamente recompensado.
Aproveitando o que disse a Dra. Maria João sobre sentir a pulsação da sociedade, quero me manifestar sobre quem
são os atores sociais com os quais iremos fazer o diálogo. Entendo que este é um desafio para nós mesmos. Não está
posto que a estrutura deste Conselho é eterna ou definitiva. Nós teremos um primeiro momento para a promoção de
eventuais ajustes, que será no término dos mandatos dos primeiros conselheiros. Nada melhor do que exercitarmos,
em função da vivência que tivemos durante estes anos de existência do CDES, proposições para levarmos ao Presidente
da República. Esta não é uma responsabilidade da Secretaria do Conselho. Insisto em que a Secretaria do Conselho é
constituída por um conjunto de profissionais, todos eles seres políticos, que dão sustentação ao trabalho do Conselho,
mas quem decide ou, pelo menos, quem propõe a forma como vamos nos organizar somos nós. Não sou eu quem
decide ou quem propõe porque, na verdade, eu sou um conselheiro híbrido: sou um conselheiro e, ao mesmo tempo,
sou o representante do Governo, dentro do Conselho.
Há também um outro tipo de desafio, pois só vale sentir a pulsação da sociedade, se o pulsar voltar da sociedade
até o Conselho. Se cada um de nós for para casa e voltar ao Conselho trazendo apenas a sua reflexão individual não
estaremos contribuindo para o enriquecimento do debate ou para a inclusão, por nossas bocas, de outras bocas que
aqui não estão. Portanto, este é um exercício que precisa ser praticado por todos. Mesmo tendo sido uma indicação
presidencial, ela foi feita tendo em vista o que cada um, na diversidade da sociedade, pode aportar não só como
indivíduo, mas como representação.
Insisto que, hoje, vivemos um momento alto, no sentido de vibração, de vontade política, de energia, de troca
de experiência. Penso que serão os conselheiros que farão a qualidade do Conselho. Vocês têm que estar dispostos à
travessia. Vamos reconhecer que esta nau chamada Conselho foi criada por alguém que não nos fez favor. Na verdade,
lendo o pensamento de quem está no comando da Nação, vejo que ele entendeu que era preciso construir esta nau,
trazer determinados passageiros para ela e desafiá-los a fazer a travessia. O leme definitivo é dele, mas, seguramente,
ele não remará sozinho.
Quero dizer a vocês que me sinto bastante recompensado. As coisas, na verdade, não terminam nem começam
aqui. Foi mais uma remada que demos e é muito importante o que o professor Lessa lembrou, ao final, citando
Fernando Pessoa: “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. É bom lembrar o que disse Celso Furtado, ao abrir
o nosso dia. Entre tantas outras reflexões importantes, ele nos recomendou ser otimista com o Brasil. Ser otimista é
reconhecer que outros remaram antes e que nós remamos mais um pedaço. Eu os convido, a todos, a continuarmos
remando e driblando os obstáculos, trocando a água e deixando a criança dentro da bacia.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Parte II
Seminário sobre
Desenvolvimento:
Agenda Nacional de
Desenvolvimento
em debate
(2006)
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Apresentação
Nos primeiros anos da sua gestão, o Presidente Inácio Lula da Silva enfrentou o desafio de conquistar, com
sucesso, a estabilidade macroeconômica do País: conseguiu controlar a inflação; alcançar superávits expressivos
na balança de transições correntes – desempenho essencial para combater a vulnerabilidade externa; controlar as
contas públicas sem prejudicar a inclusão social via implementação de programas sociais. Além da estabilidade
macroeconômica, consolidou o programa bolsa-família, um dos maiores programas de transferência de renda
do mundo; fortaleceu a agricultura familiar com o PRONAF; implantou o programa de microcrédito produtivo;
criou o programa Luz para Todos; e concretizou inúmeras ações de segurança alimentar e nutricional, entre outras
iniciativas.
Considerando que as condições para planejar estrategicamente os caminhos a serem trilhados pelo País, em
médio e longo prazo, estavam dadas, o então secretário-executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social (CDES), Ministro Jaques Wagner, o qual substituí em abril de 2006, considerou que havia chegado o
momento de promover, sob a liderança do CDES, um amplo debate sobre um tema antigo, mas muito pertinente
para nós: qual o caminho que leva ao desenvolvimento?
Seria difícil atingir um consenso quando se trata de discutir o futuro de um país com graves problemas
econômicos, sociais, ambientais e desigualdades regionais como o Brasil. Porém, diante dos resultados da política
econômica a sociedade brasileira passou a questionar, de forma enfática como é possível crescer tão pouco se temos
resultados tão positivos nos nossos fundamentos econômicos. Como representante da sociedade civil no Governo,
o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social não poderia deixar de engajar-se no debate. E o caminho que
encontrou foi a elaboração da Agenda Nacional de Desenvolvimento – AND, construída pelos conselheiros(as) ao
longo de um ano e meio, no intuito de pensar o desenvolvimento brasileiro. Depois de aprovada por consenso pelo
Pleno, o Conselho viu que era necessário expô-la ao debate de um grupo mais abrangente da sociedade.
Com esse intuito, o CDES organizou em Brasília, no dia 22 de março de 2006, um amplo debate reunindo
economistas e cientistas sociais de opiniões diversas, brasileiros e estrangeiros, para se pronunciarem criticamente
sobre a AND e contribuírem com suas experiências pessoais e profissionais para o aperfeiçoamento constante da
Agenda.
Vários analistas presentes no seminário afirmaram que o Brasil deveria redirecionar sua política de modo
a estimular: o investimento de longo prazo; a formação profissional – condição essencial para desencadear um
processo de inovação; e a inclusão social. Assim o País poderá ampliar o nível de empregos, ganhar competitividade,
ampliar mercados e concretizar seu enorme potencial.
São os trabalhos e debates apresentados neste Seminário que colocamos à disposição da sociedade para ampliar
e subsidiar essa discussão que se trava hoje no País: como ampliar as taxas de crescimento econômico com menos
desigualdades. Metas incompatíveis? Estamos certos que não.
Tarso Genro
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Abertura
Mesa de Abertura:
1. Jaques Wagner - Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República
2. José Sérgio Gabrielli - Presidente da PETROBRAS
3. Guido Mantega - Presidente do BNDES
4. Luiz Oswaldo Sant’iago - Vice-Presidente de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental do Banco
do Brasil
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República
Bom dia, a todas e a todos. Quero saudar em primeiro lugar a todos os conselheiros, conselheiros e convidados;
o ministro Furlan; o senador Suplicy; nossos convidados internacionais, que estão aqui e vão nos brindar com
a participação na segunda mesa que acontecerá na parte da tarde. Quero dizer, em primeiro lugar, da minha
alegria de estar nessa abertura do seminário, que considero uma reunião de trabalho. Por isso, temos uma mesa
bastante enxuta para que possamos partir para a mesa de trabalho.
Mais um motivo de alegria é que esse seminário não é conseqüência de formulação de uma ou outra
pessoa. Na verdade é fruto de um debate de um ano e meio, que os conselheiros e conselheiras do Conselho de
Desenvolvimento Econômico Social se dispuseram a fazer, no intuito de pensar o desenvolvimento brasileiro e o
desenvolvimento nacional. A inspiração foi de Celso, e muito me orgulho de termos vivido uma mesa-redonda
no ano passado, onde a abertura foi exatamente uma gravação – uma das últimas gravações que Celso Furtado
fez em vida - debatendo e colocando o seu posicionamento sobre a questão do desenvolvimento brasileiro.
Esse desafio que nos move é um desafio que não tem uma equação seguramente simples. Acho, portanto, que,
como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já dizia, nenhum governo por si só será capaz de fazer essa travessia
se não tiver o conjunto da sociedade civil motivada, engajada nesse processo. Por isso, valorizo muito esse
debate, exatamente porque foi uma tentativa, uma conquista, com o consenso de um mosaico bastante variável
da sociedade civil brasileira, que é o Conselho Econômico de Desenvolvimento Social, onde cada um se colocou
como cidadão e cidadã, buscando superar as distâncias das divergências, enxergando no horizonte um ponto
de encontro da construção de uma sociedade desenvolvida, no conceito de Celso Furtado que, no momento,
significa crescimento da Nação, principalmente visando à inclusão social dos cidadãos.
Convidamos para essa mesa de abertura, três dirigentes de entidades impulsionadoras do desenvolvimento
nacional, que contribuíram para a realização desse seminário. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDES); Guido Mantega, que também estará na próxima mesa junto com a Professora Maria da
Conceição Tavares e o Ministro João Paulo dos Reis Velloso. Portanto, Guido Mantega fique à vontade. Não
quero encurtar o seu tempo. De repente, se você achar melhor falar na próxima mesa, está ótimo. Não estou
cortando sua palavra. Só dando a liberdade de escolha. Queria, em primeiro lugar, passar a palavra, então, para
o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli.
José Sérgio Gabrielli
Presidente da PETROBRAS
Bom dia, Ministro Jaques Wagner. Bom dia, colega presidente do BNDES, Guido Mantega. Bom dia, senhor
Luiz Gonzaga Sant´Iago, Vice-Presidente do Banco do Brasil, bom dia a todos vocês. Primeiro eu queria saudar
a realização desse seminário e centrar a minha fala nos cinco minutos que me foram concedidos na forma como
a Petrobras e o desenvolvimento brasileiro sempre estiveram associados. A Petrobras teve um papel fundamental
na montagem da indústria mecânica brasileira, na engenharia brasileira e na expansão da atividade industrial em
alguns segmentos da economia brasileira.
A Petrobras esteve voltada, durante os últimos 50 anos, para a tarefa fundamental de fornecimento de combustíveis
para o País, para movimentar o país, para movimentar a vida do país. Saímos de uma situação de pequeno volume
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de produção, crescemos a produção durante esses 50 anos, e, esse ano, comemorará a auto-suficiência na produção
do petróleo. Colocaremos o Brasil, portanto, numa situação muito especial no mundo. A situação de auto-suficiência
da produção de petróleo não é uma coisa comum. Poucos países do mundo têm essa situação. Nós não somos um
grande exportador e nem seremos. Não teremos o petróleo como fonte fundamental de geração de divisas. No
entanto, também não precisaríamos seguir e ajustar o fornecimento de combustíveis desse país às flutuações diárias
dos mercados internacionais.
Não precisaremos estar submetidos à pressão da geopolítica do petróleo, que é uma pressão extremamente
importante, porque teremos capacidade de gerir e administrar o ritmo do crescimento de nossa produção. O que
isso tem a ver com o desenvolvimento? Tem a ver porque, na medida em que, para continuar crescendo, e para
continuar viabilizando a expansão de nossas atividades, nós precisamos aumentar nossos investimentos. Para
aumentar nossos investimentos, além dos gastos correntes que são bastante elevados, temos um valor adicionado
estimado entre seis e nove por cento do PIB brasileiro; temos 12,5% da arrecadação pública federal; e somos mais
de 25% da receita de 17 estados da União. Portanto, temos um papel absolutamente fundamental na geração de
recursos para viabilizar a expansão do País.
O efeito para trás sobre o conjunto das atividades econômicas brasileiras decorrente do projeto de investimento
de um setor terá implicações enormes como impulsionador do crescimento e da criação de empregos no país.
Em toda a indústria mecânica, em toda a indústria de equipamentos, nos serviços e num conjunto de atividades
que têm um efeito multiplicador enorme sobre a economia brasileira. Não bastasse isso, saímos, de 2004, com
um déficit comercial de três bilhões de dólares e, em 2005, o déficit foi de apenas 132 milhões de dólares. E
teremos um superávit comercial, em 2006, de aproximadamente três bilhões de dólares. Em três anos, saímos
de menos três bilhões para mais três bilhões. Isso significa, um volume de fluxo de recursos para a estabilidade
da moeda nacional e crescimento das exportações independente e com uma grande inelasticidade em relação
à taxa de câmbio, o que permite que a gestão da taxa de câmbio e a intervenção no mercado, em relação à taxa
de câmbio, tenha outros componentes, porque nós estamos falando aqui em alguma coisa em torno de 7% das
exportações brasileiras.
Nós somos os maiores exportadores brasileiros. Em termos proporcionais, 2,5 vezes maiores do que o segundo
maior exportador brasileiro. Estamos dizendo, portanto, que 7% das exportações brasileiras são inelásticas à taxa
de câmbio, porque nós vamos exportar, independentemente da taxa de câmbio. A indústria de petróleo trabalha
com 100% de capacidade. Ela não tem ajuste de volume de produção. Isso tem um impacto grande sobre a
gestão do câmbio futuro no país. Portanto, nós temos impactos importantes no investimento, temos impactos
importantes na taxa de câmbio, temos impactos importantes nos tributos, e temos impactos importantes no
emprego. Diretamente o nosso emprego não é muito grande.
Nós temos uma indústria que não é intensiva em trabalho. É extremamente intensiva no capital, não há
dúvida. No entanto, os impactos diretos e indiretos do nosso programa de investimento criam alguma coisa em
torno de 700 mil empregos, 700 mil postos de trabalho, por ano, no pico do nosso investimento. Então, também
sobre emprego, o impacto da Petrobras é muito grande, principalmente na cadeia de fornecedores da indústria.
Portanto, pensar a Petrobras apenas como empresa de curto prazo, ter uma visão apenas micro-econômica, é
um equívoco porque a Petrobras é grande demais para ser pensada dessa forma. Temos que planejar e atuar na
empresa. A Petrobras é uma empresa, hoje, com uma estrutura de capital, onde 2/3 de suas ações estão nas mãos
privadas. O governo tem apenas 37% das ações da empresa e 56% do capital votante. Mas, apenas 37% do capital
da empresa. Temos 46% das ações negociadas na bolsa de Nova York. Ou seja, temos rentabilidade, temos que ter
sustentabilidade e temos que ter responsabilidade social. Combinar estes três objetivos estratégicos só pode ser
visto dentro de uma perspectiva de um desenvolvimento econômico nacional, onde a Petrobras tem um papel
importante.
Com tudo isso, a Petrobras sente-se muito orgulhosa de estar presente neste seminário. Muito obrigado.
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República
Obrigado ao José Sérgio Gabrielli. Eu passo a palavra agora ao Presidente do BNDES, Guido Mantega.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Guido Mantega
Presidente do BNDES
Bom dia a todos, quero fazer apenas uma breve saudação ao Ministro Jaques Wagner, ao Ministro Furlan,
ao colega Gabrielli, presidente da Petrobras, a Luiz Oswaldo Sant’Iago Moreira de Souza, Vice-Presidente do
Banco do Brasil, e aos demais participantes desse seminário. Como terei o privilégio de falar mais de vinte
minutos no segmento próximo, eu agora faço um rápido comercial dizendo que o que eu pretendo discutir
no nosso painel é a corrente existência de um círculo de desenvolvimento sustentável em marcha no Brasil.
Então, fico só no comercial e nos veremos daqui a pouco. Obrigado.
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República
Eu tenho certeza que o Presidente Guido Mantega é bem mais generoso do que foi com ele próprio no
tempo, com os financiamentos para alavancar o nosso desenvolvimento. Espero que seja assim. Eu queria
passar a palavra agora ao Vice-Presidente de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental do Banco
do Brasil, Luiz Oswaldo Sant’Iago Moreira de Souza.
Luiz Oswaldo Sant’iago
Vice-Presidente de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental do Banco do Brasil
Eu queria saudar a todos com a palavra da igualdade: companheiras e companheiros. O Brasil vive, hoje,
um momento de extrema mudança, uma mudança que é fruto de uma luta de 500 anos que, às vezes, se
manifestou até pela luta armada, em diversos locais deste, país como em Piratini, no Sul; como a Cabanagem
no Norte; a Inconfidência e Felipe dos Santos, em Minas, e as inúmeras revoluções do Nordeste como
Praieira, Mascates, Beckman, Sabinada, Balaiada, 1917, Guerra da Independência, 1824, Quebra-Quilos e
Intentona Comunista de Natal. Às vezes, se manifestou em movimentos pacíficos de organização social, como
o Condestado em Santa Catarina ou Palmares, Canudos e Caldeirão também no Nordeste. E se manifestou
sempre nas lutas organizadas dos diversos movimentos populares. Entretanto, a gente vive, hoje, na mesma
luta de outros tempos, um ponto muito importante da construção da democracia. Não temos democracia
apenas porque temos instituições ditas democráticas funcionando. Nós temos democracia, principalmente,
quando garantimos a inclusão de cada cidadão nos seus direitos de cidadania. O Banco do Brasil não podia
ficar fora deste momento e a partir da discussão do programa Fome Zero do Governo Federal nós entendemos
que, a par das medidas emergenciais que se precisava construir, para nós especificamente do Banco do Brasil
fazer o programa Fome Zero, significava democratizar o acesso ao crédito. É aí que nasce uma nova estratégia
de crédito que nós chamamos de Desenvolvimento Regional Sustentável – DRS - e que se caracteriza pela
organização da cadeia produtiva com pequenos produtores. Uma organização que vai desde a produção até
a comercialização passando pela capacitação que é muito importante para garantir tanto a produtividade
como a adimplência. Essa estratégia, ela se monta em cima de um quadripé. É um crédito que precisa ser
economicamente viável (não é assistencialista), socialmente justo, ambientalmente correto e culturalmente
diversificado. Nós tínhamos linha de crédito que foram elaboradas para servirem uniformemente do Oiapoque
até o Chuí. Mas como sempre foram pensadas com a cabeça do Chuí, jamais serviram para o Oiapoque. Daí
a intenção de regionalizar essa nova estratégia de crédito no sentido de atender a todos indistintamente,
conforme suas peculiaridades e vocações. É muito importante a capacitação neste processo. Nós temos o
exemplo de São Raimundo Nonato, no Piauí, que tinha uma produtividade de 100 quilos de feijão caupí
por hectare e que, a partir da capacitação e da introdução de novas tecnologias, em um ano que não foi
muito bom de chuva, subiu de 100 para 600 quilos. Um fator de sucesso é exatamente a concertação. Nós
entendemos que só concertamos com “s” este país, concertando com “c”. Daí o fato de que o Banco deseja ser,
em cada comunidade, um animador desse programa, trazendo para cooperação todos os parceiros que estejam
dispostos a tanto. Assim, já estabelecemos parcerias com SEBRAE, EMBRAPA, EMATER, IICA, com Governos
Estaduais, Governos Municipais, ONGs, Igrejas e já discutimos com o BNDES, e com a Petrobrás, parcerias
neste sentido. Eu queria aproveitar este momento para deixar aqui, realmente, um convite a todos aqueles que
possam participar como parceiros desse Desenvolvimento Sustentável para que juntemos as forças para isso.
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Hoje, temos 503 planos de negócios implantados nas regiões Norte e Nordeste, Vale do Jequitinhonha e Vale
do Mucuri, que serviram como piloto exatamente por serem as regiões prioritárias do Programa Fome Zero,
113.314 famílias envolvidas; cerca de 293 milhões de reais em créditos já programados e ainda 1.171 planos
em elaboração e 1.585 dependências do Banco já habilitadas para atuarem com esse programa. Queremos
chegar, ao final de 2006, com cerca de 500 mil famílias envolvidas, com recursos aplicados na ordem de um
bilhão de reais. No Nordeste, pretendemos até o final de 2006, 1.963 planos de negócios; quatrocentos e doze
no Norte; cento e sessenta e seis no Vale do Jequitinhonha e Vale do Mucuri e um total de 2.694 no país. E,
agora, nós passamos a expandir para as outras regiões. Eu queria concluir mostrando o que se pode fazer em
torno de programas como este. Em Chapadinha no Maranhão, eu ouvi de um agricultor pobre quando nós
entregávamos as matrizes para um programa de caprinocultura, ele dizer o seguinte: “Eu como todos os dias
graças a Deus, no céu, e ao Presidente Lula, na Terra, que me deu um cartão Bolsa-Família. Com isso, ele
me deu um direito - palavras dele – que todo bicho tem e que eu não tinha, de poder comer todos os dias”.
Parecia ouvir a voz do velho Gonzagão lá no Nordeste. “Seu doutor, uma esmola, para um homem que é são
ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. Apesar de estar conquistando um direito, como ele dizia, que
todo bicho tem e que ele não tinha, ele ainda se sente humilhado com a doação. Entretanto, ele continuava:
“Com o crédito agora, do DRS, eu vou poder conquistar o meu direito de gente de poder comer, todos os dias,
com o fruto do meu esforço”. Aí eu escuto, não o Gonzagão, mas o Gonzaguinha: “Um homem se humilha,
se castram seu sonho; seu sonho é sua vida e vida é trabalho e sem o seu trabalho um homem não tem honra
e, sem a honra, se morre, se mata”. O que nós podemos fazer, é passar da concessão de um direito que todo
animal tem e que o homem não tem, para o resgate da cidadania, para o resgate da dignidade humana como o
de dezenove famílias de Ceará-Mirim que estarão devolvendo, agora, o seu cartão Bolsa-Família porque não
precisam mais dele. Essa é a grande transformação que a gente tem que operar. Muito Obrigado.
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Intitucionais da Presidência da República
Eu agradeço a participação dos dois convidados desta mesa de abertura. Queria só comungar daquilo
que foi dito pelo nosso vice-presidente do Banco do Brasil e dizer que esse episódio de Ceará-Mirim não é o
primeiro e, seguramente, não será o último. Mulheres de Pombal também devolveram o cartão Bolsa-Família
a partir do momento em que conseguiram, por meio de um criatório de aves, a sua própria sustentação. E
na Bahia, nós já tivemos casos de pessoas que devolveram o cartão Bolsa-Família a partir da conquista de
um trabalho remunerado. Então eu creio que quando emana do executivo, do governo federal, o conceito
de solidariedade, que é bem mais amplo, bem mais profundo do que o conceito de misericórdia, eu creio
que a gente está tocando na consciência cidadã de muita gente desse país porque, afinal de contas, o Estado
deve representar o desejo de uma sociedade. Então, insisto, sinto que o sucesso do Programa Bolsa-Família
se medirá pelo número de famílias que saem do programa e não pelo número de famílias que entram no
programa que, aí sim, dará a demonstração da nossa capacidade e dará auto-suficiência de sustentação para
cada família.
Eu quero agradecer aos três. Vou tentar ser prático para ganhar tempo e antes do cerimonial vou pedir que
a mesa se desfaça. Peço que o Guido já fique aqui e eu já vou formar a próxima mesa de trabalho. Convido
o conselheiro Clemente Ganz Lúcio, que vai fazer a apresentação da Agenda Nacional de Desenvolvimento,
convidando a Professora Maria da Conceição Tavares, que será uma das debatedoras desse tema, o Ministro
João Paulo dos Reis Velloso e o Guido Mantega que nos acompanhará aqui. Nós tínhamos uma previsão de
participação do Professor Belluzzo, mas ele teve um problema de ordem técnica-profissional e nos comunicou
que não poderia comparecer, então nós convocamos o Guido, que já tinha demonstrado interesse de fazer
o debate maior sobre o tema. Desculpem a informalidade, mais é que quero ganhar tempo para os nossos
convidados trabalharem e, portanto, o Guido vai completar.
Eu queria, antes do Clemente apresentar a agenda, e em nome do Conselho, reforçar as palavras que
pronunciei na abertura do Seminário e dizer que a nossa concepção, ao chegarmos no governo, poderia ser
expressa como: mais desenvolvimento e menos desigualdade. Este é o eixo que nos orienta a partir das direções
traçadas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como método de fazê-lo, acreditamos que será, efetivamente,
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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por meio do diálogo social, da concertação, que foi depositada aqui na mesa de abertura e que efetivamente
pode nos conduzir a atingir nosso objetivo. Nós entendemos que o processo de desenvolvimento deve ser
síntese do desejo do conjunto da sociedade. Como dizia Celso Furtado, que nos inspira, o desenvolvimento
só existe quando o fruto do desejo é de uma Nação. Por isso eu quero, publicamente, agradecer à equipe do
Conselho Econômico Social que tem se debruçado sobre essa tarefa. Mas, principalmente, a cada conselheiro,
a cada conselheira, que voluntariamente - porque todos são voluntários aqui - se dedicam, já há 39 meses,
a participar do Conselho. Mas há um grupo, talvez um pouco menor do que 90 pessoas, que se dedicou,
particularmente durante dezoito meses a debater essa questão, questão esta central para o nosso país,
que é o desenvolvimento de geração de empregos, da diminuição das nossas diferenças e a produção da
justiça social. Estou feliz, também, porque, por uma mera coincidência, agente abre esse Seminário com
um novo número do IBGE sobre geração de empregos formal no mês de fevereiro. Os dados do CAGED
batem todos os recordes: é 140% superior a fevereiro de 2005. Com esse total, de fevereiro, nós estamos
fechando, aproximadamente, três milhões e setecentos mil empregos formais com carteira assinada desde o
começo do nosso governo, contribuindo evidentemente para esse desenvolvimento que eu acabei de relatar.
Ressalto esse trabalho porque ele não é um trabalho só intelectual, nem só de debate, ele é um trabalho que
na verdade foi um mix desse debate entre nossos conselheiros e que eu chamo a atenção, pois nós temos
todo um mosaico, no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, de A a Z, de bancos a movimentos
populares, academias, igrejas, sociedade civil, organizações não governamentais, ou seja todo esse mosaico da
sociedade brasileira se sentou, debateu e chegou pelo menos a orientações que deviam nortear um Conselho
do Desenvolvimento. Não sei se era tão evidente, mas a conclusão primeira é que o conceito de eqüidade
deveria ser a mola mestra de tudo que fosse política pública na medida em que o drama maior dessa nossa
sociedade é exatamente a desigualdade regional, social, a distância entre ricos e pobres. Então, nós estamos
aqui num exercício de aprofundamento. Eu tenho até que me desculpar com os conselheiros porque quando
nós começamos a jornada da Agenda Nacional de Desenvolvimento a idéia era que a partir da produção do
primeiro documento, e eu imagino que está nas pastas de vocês, nós produziríamos encontros regionais no
sentido de aprofundar os diferentes problemas. Infelizmente o ano de 2005 foi um ano muito excitado na área
da política e acabou que nós não cumprimos os nossos objetivos. Mas estamos fazendo esse seminário como
um primeiro passo de aprofundamento desse processo que não nos limitará a levar o debate sobre a questão
do desenvolvimento.
E, por fim, para que o Clemente possa falar, gostaria de registrar que com muita alegria, por orientação do
senhor Presidente da República, esse Conselho, como ele tem dito cada vez que participa de nossas reuniões,
não é um coletivo para aplaudi-lo e espera-se que não seja necessariamente para condená-lo. O Presidente,
ou o Governo, é um coletivo que tem tido a absoluta liberdade de se reunir, trocar idéias e eu acho que com
isso tem contribuído. Temas que às vezes seriam mais delicados, para o toque da mão de governo, têm sido
trabalhados, dentro do Conselho, com absoluta liberdade. Debatemos sobre o Conselho Monetário Nacional,
desindexação da economia, temas que talvez promovidos pela instância governamental, agente não tivesse a
produção que tivemos quando como foram debatidos no Conselho. Por isso eu quero, mais uma vez, saudar
os conselheiros, dizer que essa experiência já nos orgulha porque nós não estamos exportando divisas, mas
estamos exportando como foi o recente acordo que assinamos com as organizações das Nações Unidas para
divulgar a experiência do Conselho. Nós estamos exportando experiência institucional de aprofundamento
da democracia, que eu acho que é um valor bastante importante, que não aparece nas notas do superávit
da balança comercial, mas seguramente aparecerão nas notas de superávit da nossa balança institucional
que eu considero que é fundamental para um país que se pretenda um país de todos. Então agradeço a
todos e passo a palavra ao Clemente que em nome dos conselheiros - foi um trabalho longo do Grupo de
Trabalho – fará a exposição da Agenda Nacional de Desenvolvimento abrindo a Mesa-Redonda I: O Desafio
do Desenvolvimento Brasileiro e a Agenda Nacional de Desenvolvimento. Depois submeteremos o conteúdo
da Agenda ao comentário de todos.
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Mesa-Redonda I: O desafio do
desenvolvimento brasileiro e a AND
Expositores:
1. Clemente Ganz Lúcio - Conselheiro do CDES
2. Guido Mantega - Presidente do BNDES
3. João Paulo dos Reis Velloso - Ex-Ministro de Planejamento, Membro Diretor do Instituto Nacional de Altos
Estudos (INAE)
4. Maria da Conceição Tavares - Economista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de
Campinas e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Clemente Ganz Lúcio
Conselheiro do CDES
Bom dia a todos, e a todas, membros do Conselho. Tenho a tarefa de apresentar o trabalho que foi elaborado
coletivamente. Bom dia aos companheiros da mesa, ao Ministro e aos demais palestrantes. Eu gostaria de apresentar,
brevemente, a Agenda Nacional de Desenvolvimento, destacando, principalmente, o método seguido para sua construção.
E, de forma muito breve, indicar quais foram os objetivos e as diretrizes escolhidas pelos conselheiros no processo de
elaboração desta Agenda, dentre aquelas que têm potencial transformador das diferentes situações de desigualdade – as
quais promovem obstáculos ao desenvolvimento – e quais diretrizes teriam capacidade de transformação.
Na construção da Agenda, identificamos um conjunto de diretrizes que fossem orientadoras das ações
para todos os atores sociais que estivessem voltados e empenhados em combater os problemas que impedem o
desenvolvimento do País e visualizar uma nova situação que queremos conquistar para Brasil.
A construção da Agenda visava definir compromissos de evolução de uma situação onde a leitura da realidade
propiciasse um entendimento sobre o atual momento em que vivemos. Mais do que isso, que essa leitura pudesse
identificar interesses convergentes, no sentido de superar essas situações, segundo o diagnóstico apresentado.
Sobretudo, que a Agenda levasse a um compromisso de intervenção e transformação desta realidade.
O processo de construção da Agenda permitiu a realização de um conjunto de reuniões articuladas, realizadas
ao longo de um ano e meio de trabalho, a partir de trabalho dos conselheiros na reunião do pleno. Tomou como
base uma pesquisa feita entre os conselheiros sobre quais seriam os principais problemas a serem trabalhados pelo
Conselho. A partir daí, foram formados três grupos de trabalho. Esses grupos detalharam a Agenda, identificaram
os âmbitos problemáticos – que serão apresentados a seguir – e que foram trabalhados no sentido de identificar
ações e diretrizes que promovessem a superação da situação-problema.
Mais de 100 diretrizes, com potencialidade transformadora da realidade, foram listadas. Mas um longo debate foi
feito, uma vez que se percebeu que esse conjunto de diretrizes era vasto e que deveria haver o esforço por parte do
Conselho de tentar afunilar, agregar e escolher aquelas que fossem suficientemente fortes e transformadoras da realidade,
visando o desenvolvimento. Numa segunda etapa, chegou-se a quase 80 diretrizes e depois, num novo esforço, caminhouse para 27 diretrizes, que foram retrabalhadas nos grupos, permitindo elaborar uma versão final do documento que foi
apresentado na reunião do pleno, na presença dos conselheiros e, nessa reunião, aprovado por consenso.
Ao longo de um ano e meio, a Agenda foi construída com a participação de todos os conselheiros e, por meio
dela, fizemos um esforço de tentar identificar, para além dos interesses setoriais corporativos, uma Agenda Nacional
de interesse público e que incorporasse a perspectiva de desenvolvimento do País e da Nação. Ressalto, portanto,
que essa Agenda é fruto de uma escolha e, como toda escolha, pode ter deixado de fora elementos importantes. Esse
debate tem, inclusive, por objetivo aprofundar coletivamente o nosso trabalho. Bom, vamos ao conceito da Agenda:
A Agenda deve ser entendida como um conjunto de diretrizes estratégicas orientadoras das ações de todos os
atores sociais empenhados em combater as situações que impedem que sejamos o país que gostaríamos. A Agenda
aponta a direção desejada, indica o que deve ser superado, estabelece os valores que selecionam e dão consistência
às escolhas a serem feitas ao longo do percurso, para que os objetivos sejam alcançados. A Agenda assinala o rumo
a ser seguido, estabelecendo os compromissos a serem assumidos por todos os que se dispuserem a caminhar junto
em busca do destino comum, social e participativamente definido. Por isso, é dinâmica, se ajusta aos tempos, tem
compromissos cumpridos e incorporar novos. É uma proposta de empreender a construção de um novo País.
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Na construção da Agenda, identificamos uma visão de futuro ou do Brasil que queremos, e que reflete a visão
que orientaria todo o nosso debate, que está sintetizada no seguinte texto:
“Um país democrático e coeso, no qual a iniqüidade foi superada, todas as brasileiras e todos os brasileiros
têm plena capacidade de exercer sua cidadania; a paz social e a segurança pública foram alcançadas; o
desenvolvimento sustentado e sustentável encontrou o seu curso; a diversidade, em particular a cultural, é
valorizada. Uma nação respeitada e que se insere soberanamente no cenário internacional, comprometida com
a paz mundial e a união entre os povos”.
A partir desta definição de visão do futuro, começamos a trabalhar na construção da nossa Agenda, ou seja:
Qual é a Agenda que permite promover transformações que materializem essa visão de futuro e, portanto, este
sonho? Que valores devem orientar a construção desta Agenda? Foram sete valores destacados como orientadores
do Brasil que queremos:
• Democracia
• Liberdade
• Equidade
• Sustentabilidade
• Identidade nacional
• Respeito à diversidade sócio-cultural
• Soberania
O desafio principal da elaboração da AND foi construir uma visão sistêmica, a partir da percepção pulverizada
de inúmeros problemas localizados, para o entendimento do quadro problemático e do futuro que queremos.
Cada conselheiro abriu mão da sua perspectiva setorial para pensar o desenvolvimento.
Para construir a Agenda, mapeamos o conjunto de problemas e agregamos no que chamamos “Seis âmbitos
problemáticos”. Estes estão sistematizados no caderno intitulado “Agenda Nacional de Desenvolvimento – AND”
distribuído aos participantes deste Seminário.
Vale ressaltar que os âmbitos problemáticos constituíram um recurso metodológico. Resultaram da agregação
de problemas de natureza setorial e visaram tornar mais operacionais as discussões a respeito dos desafios a
serem encarados para construção do Brasil que concretizem a idéia de futuro acima expressa. Cada âmbito
problemático apresenta um objetivo a ser pensado e cada objetivo é detalhado em termos de diretrizes, que
resultaram de um forte debate. Cada diretriz está apresentada no caderno da AND e não serão apresentadas aqui,
por serem 27.
Os seis âmbitos problemáticos identificados foram:
Âmbito Problemático I
O primeiro âmbito problemático foi a extrema desigualdade social, inclusive de gênero e raça. Há crescente
concentração de renda e riqueza, com uma parcela significativa da população vivendo na pobreza e na miséria, e
diminuição da mobilidade social.
Para esse âmbito problemático, identificamos um objetivo a ser alcançado que é fazer a sociedade brasileira
mais igualitária sem disparidade de gênero e raça com renda e riquezas bem distribuídas e vigorosa mobilidade
social ascendente.
Quatro grandes diretrizes estão associadas a esse âmbito problemático:
1.
2.
3.
4.
88
Adotar a eqüidade como o critério fundamental a presidir as políticas públicas. Até agora avançamos
na construção da proposta de um Observatório da Eqüidade, que amanhã vai ser apreciado pelo pleno
do Conselho;
Ampliar substancialmente a escolaridade média da população brasileira, com ênfase na universalização
do acesso e conclusão da educação básica (do infantil ao médio), mediante o estabelecimento de metas
anuais progressivas de qualidade do ensino, submetidas a rigoroso processo de avaliação e amplo
controle da sociedade;
Investir pesado em Ciência, Tecnologia e Inovação;
Tornar o pleno emprego um objetivo permanente dos governos e da sociedade brasileira, entende-se por
pleno emprego a plena mobilização das capacidades produtivas em termos de terra, trabalho e capitais.
Contemplar o pleno emprego tanto na articulação do desenvolvimento quanto no seu desdobramento,
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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no que se refere à valorização da dimensão do trabalho. Enfrentar a questão da miséria com plano e meta
a ser superada num prazo definindo. Metas concretas de superação e o enfrentamento da questão da
reforma agrária num curtíssimo prazo, como elemento básico para dar sustentação ao desenvolvimento.
Âmbito Problemático II
O segundo âmbito problemático referiu-se à dinâmica da economia, insuficiente para promover a incorporação do
mercado interno potencial, suportar a concorrência internacional e desenvolver novos produtos e mercado.
O objetivo a ser alcançado é tornar a economia brasileira apta a incorporar todo o mercado interno potencial, com forte
dinamismo e capacidade inovadora, competente no desenvolvimento de novos produtos e mercados, com participação
relevante na economia internacional. Para esse âmbito problemático e esse objetivo, verificamos três grandes diretrizes:
1.
2.
3.
O governo e representantes de todos os setores empresariais elaborarão proposta de acordo para o
investimento e inovação sistêmicos, base para o aumento global da produção, do emprego, da produtividade,
da qualidade e da competitividade do conjunto da economia brasileira;
A constituição de acordos para a partilha dos ganhos de produtividade deve ser estimulada e perseguida
pelas forças ativas da economia brasileira;
Investimento forte na produção de conhecimento elevando os recursos aplicados em Ciência, Tecnologia
e Inovação.
Âmbito Problemático III
A infra-estrutura logística degradada, não competitiva, promotora de desigualdades inter-regionais e intersetoriais e sociais.
Os objetivos a serem alcançados, neste âmbito, são no sentido de ter uma infra-estrutura logística eficiente e competitiva,
integradora do território, da economia e da sociedade nacionais. Para esses objetivos, foram identificadas três diretrizes:
1.
2.
3.
Implantação de uma política nacional integrada de transportes, que contemple a integração regional/
nacional/sul-americana; a exploração de vantagens/dotações regionais, que objetivem a melhoria
das condições de vida da população, a redução de desigualdades sociais e regionais e o aumento da
competitividade sistêmica da economia brasileira;
Investimento forte no campo energético que leve em conta todas as fontes de energia, com destaque especial
para as fontes renováveis no planejamento energético nacional. Nesse campo específico os investimentos
em Ciência e Tecnologia são fatores determinantes para o sucesso dessa diretriz;
Acelerar a recuperação, em caráter emergencial da malha rodoviária federal.
Âmbito Problemático IV
Identificou-se a inexistência de eficaz sistema nacional público/privado de financiamento do investimento,
estrutura tributária irracional, regressiva e penalizadora da produção e do trabalho.
O objetivo a ser alcançado é a construção de um sistema de financiamento do investimento eficiente e eficaz,
uma estrutura tributária simplificada e racional com tributos de qualidade, progressiva e estimuladora da produção
e do emprego.
Nesse campo, várias diretrizes, também, foram destacadas:
1.
2.
3.
Definir e implantar proposta de sistema público-privado de financiamento do investimento e de
dinamização do mercado de capitais;
Tornar a responsabilidade pelo desenvolvimento do país compartilhada entre governos e atores sociais.
Por exemplo: a ampliação do Conselho Monetário Nacional, passando a incluir membros da sociedade,
mas assegurando maioria aos representantes do Governo;
Conceber uma estrutura tributária fundada em progressividade; de justa partilha federativa de
recursos e encargos; tributos de qualidade incidentes sobre o patrimônio (riqueza), a renda e o
consumo (valor agregado), zelando pela simplificação; combate à sonegação e à evasão tributárias.
Âmbito Problemático V
A insegurança pública e cidadã, justiça pouco democrática, aparato estatal com baixa capacidade regulatória
e fiscalizadora.
Objetivos a serem alcançados: restaurar a segurança pública e a paz social, um sistema judicial transparente,
ágil e democrático e um Estado que regule e fiscalize a contento. Nesse âmbito problemático, as principais
diretrizes destacadas foram:
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
89
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
1.
2.
3.
4.
Articular os três níveis de governo para ações integradas necessárias e suficientes para trazer para
áreas de concentração de pobreza, as condições de vida dignas de cidadania, ampliando acesso a
todos os direitos sociais básicos e fortalecendo a unidade familiar;
Mobilizar o país em prol de uma cultura de paz, da desbanalização da violência e da morte, de
denúncia sistemática dos preconceitos, bem como para a difusão dos valores básicos referentes à
vida, à solidariedade, ao respeito pelo outros;
Acelerar a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), nos termos em que foi concebido;
Implantar, de forma acelerada, a Reforma do Sistema Judiciário.
Âmbito Problemático VI
A baixa capacidade operativa do Estado, dificuldade para gerir contenciosos federativos, desequilíbrios
regionais profundos, insustentabilidade da gestão dos recursos naturais.
O objetivo a ser alcançado é desenvolver um aparato estatal que opere eficiente e eficazmente com um
pacto federativo que seja competente para lidar com conflitos, com equilíbrio entre regiões e capacidade de
manejar recursos naturais de forma sustentável. Neste âmbito problemático, oito diretrizes foram sugeridas,
entre elas:
1.
2.
3.
4.
Implementar os sistemas nacionais de prestação de serviços públicos e de proteção social e ambiental,
previstos ou sugeridos na Constituição Federal;
Os Poderes da República devem priorizar a elaboração e aprovação da Reforma Política;
Estabelecer um processo nacional de repactuação federativa, buscando um arranjo solidário, eqüitativo,
responsável e integrador, que contemple todas as dimensões de uma federação democrática, eficaz no
atendimento às demandas sociais e na promoção do desenvolvimento;
Formular e implantar um projeto de Estado/Administração Pública coerente com os principais
objetivos estabelecidos nessa Agenda Nacional de Desenvolvimento.
Para orientar os participantes gostaria de lembrar que na última página do caderno que apresenta a AND,
construímos um fluxograma que sistematiza e sintetiza ainda mais essa Agenda. Seguindo a apresentação em
power point, descrevemos, de forma muito breve, quais foram os âmbitos problemáticos dos objetivos identificados.
Contudo, os seis âmbitos problemáticos, derivados em diretrizes, foram detalhados e apresentados no documento
base que expõe a Agenda Nacional de Desenvolvimento. No final dos trabalhos destacamos os seguintes conselheiros
que fizeram parte da comissão que sistematizou todo esse trabalho e consolidou a versão do documento que todos
têm à mão, aprovada por consenso pelos membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social: Antonio
Trevisan, Amarílio Macedo, Gabriel Ferreira, Horácio Piva, Pedro de Oliveira, eu (Clemente), Tânia Bacelar e José
Carlos Braga. Nós fomos responsáveis pelo trabalho. Obrigado.
Ministro Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
Obrigado conselheiro Clemente. Convido, então, para fazer sua exposição, o Presidente do BNDES, Guido
Mantega, que terá vinte minutos.
Guido Mantega
Presidente do BNDES
Esquema da apresentação: Balanço Geral da Economia:
• Um novo ciclo de desenvolvimento principiou em 2004;
• Crescimento vigoroso da economia brasileira em 2006 e nos anos seguintes;
• Combinação única de condições favoráveis ao crescimento e ao desenvolvimento;
• Eleições presidenciais não afetarão as condições econômicas do país.
Condições macroeconômicas favoráveis:
• Política fiscal responsável e relação dívida pública/PIB estável;
• Superávits comerciais e em conta-corrente;
• Dívida externa pequena e prêmio de risco em queda;
• Inflação baixa;
• Alto potencial de crescimento.
90
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Eu queria saudar a mesa, os demais participantes eu já saudei antes, Professora Maria da Conceição Tavares, o
Ministro Reis Velloso e Clemente Ganz Lúcio. Vou procurar contribuir para essa discussão do desenvolvimento,
que foi colocada aqui pelo Clemente, fazendo um balanço do que está acontecendo na economia brasileira, para
verificar, no que tange ao âmbito da economia, se este desenvolvimento já se iniciou no Brasil. Nós sabemos que a
economia brasileira está crescendo. Existem sinais evidentes neste sentido. A questão é saber se esse crescimento
é um crescimento pontual, se é momentâneo, como nos acostumamos aqui no Brasil, nos tempos em que aquele
crescimento apresentava um ritmo de stop and go - crescimento momentâneo que depois se desfaz - ou se há um
outro tipo de crescimento em marcha no país. Eu defendo a idéia de que nós já estamos num crescimento continuado,
mesmo que esse crescimento não mantenha o mesmo ritmo. Mas nós podemos dizer que há um crescimento
permanente que se iniciou em 2004. Ouso dizer que em 2004 nós iniciamos um novo ciclo de desenvolvimento e
que esse ciclo prosseguiu em 2005 e, terá continuidade em 2006 e nos próximos anos.
Baseio-me no fato de que hoje nós temos no Brasil a reunião de condições muito favoráveis para o crescimento
sustentável. Condições essas que foram construídas, principalmente, ao longo desses três anos de governo. Defendo,
portanto, a hipótese de que nós estamos diante de um novo tipo de crescimento. Ousaria até falar num novo modelo
de crescimento que consegue fazer uma combinação entre crescimento econômico e crescimento do PIB, acoplado
a uma maior geração de emprego e redução das desigualdades sociais e regionais que sintetizam a idéia básica do
desenvolvimento. Em primeiro lugar, queria observar quais são as condições macroeconômicas que foram criadas
e que favorecem este crescimento continuado e sustentável. O controle da inflação é uma realidade. Nós podemos
observar a trajetória da inflação. O governo do presidente Lula se dispôs a produzir uma redução mais rápida da
inflação se compararmos com estratégia de outros países. Agora, em 2006, nós temos uma previsão de uma inflação
em torno de 4,4% (Figura 1).
Figura 1
INFLAÇÃO SOB CONTROLE: a taxa de inflação ao consumidor caiu de 14%, no início de 2003, para 5,7%, ao fim
de 2005. Para 2006, a atual expectativa de mercado é 4,4%.
18
TAXA DE INFLAÇÃO NOS ÚLTIMOS 12 MESES
16
14
Taxa efetiva
Taxa esperada
12
10
4,4% no fim
de 2006
8
6
4
2
0
2003-01
2003-07
2004-01
2004-07
2005-01
2005-07
2006-01
2006-07
É claro que o fato de termos reduzido essa inflação, de forma mais rápida teve o preço de um crescimento menor
neste período preliminar. Porém, agora, alcançado este patamar mais baixo de inflação, abre-se a possibilidade
de uma aceleração do crescimento, mantendo-se a inflação nesse patamar. Nós podemos observar que, entre os
fundamentos da economia, está uma estabilidade fiscal que foi obtida a partir de um esforço fiscal maior. No
governo anterior, nos últimos anos do governo do Fernando Henrique Cardoso, a meta de superávit primário, a
meta era de 3,5% (Figura 2).
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
91
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Figura 2
POLÍTICA FISCAL: o superávit primário do governo aumentou de uma média de 3,6% do PIB em 1999-02,
para 4,6% do PIB em 2003-05.
6
SUPERÁVIT PRIMÁRIO EM % DO PIB
5
4
3
2
1
ja
n/
99
ju
l/9
9
ja
n/
00
ju
l/0
0
ja
n/
01
ju
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1
ja
n/
02
ju
l/0
2
ja
n/
03
ju
l/0
3
ja
n/
04
ju
l/0
4
ja
n/
05
ju
l/0
5
0
Neste governo nós fizemos um esforço maior para fazer frente às dificuldades que haviam sido deixadas, de modo
a conseguirmos uma estabilidade fiscal maior. Isto teve um impacto na dívida pública que só não foi maior porque os
juros permaneceram num patamar ainda elevado (Figura 3). De qualquer forma, a dívida externa, por exemplo, passa
por uma redução importante e há uma estabilidade da dívida interna. A relação dívida ativa/PIB caiu e poderia ter
caído mais se no ano passado a taxa de juros tivesse permanecido num patamar inferior. Eu fiz uma simulação: se no
ano passado a taxa de juros média tivesse sido 2% menor, a relação dívida/PIB estaria num patamar abaixo de 50%.
Portanto, a trajetória que está sendo percorrida pelas contas públicas é adequada, com uma ou outra distorção por
causa dos juros. Eu diria que os maiores êxitos da política econômica do governo Lula estão na política externa, que foi
modificada de forma importante em relação ao governo anterior e que está aí colhendo os seus resultados.
Figura 3
DÍVIDA PÚBLICA: a dívida pública líquida estabilizou-se em 52% do PIB, e a dívida externa pública tem caído
desde 2003.
70
Dívida Pública líquida como % do PIB
60
50
40
30
20
10
ja
n/
99
ju
n/
99
no
v/
99
ab
r/0
0
se
t/0
0
fe
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01
ju
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1
de
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01
m
ai
/0
2
ou
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2
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ar
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3
ag
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03
ja
n/
04
ju
n/
04
no
v/
04
ab
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5
se
t/0
5
0
Doméstica
92
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
Externa
Total
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Nós passamos de um país deficitário, com déficit de transações correntes permanentes durante quase dez anos
(de 1994 a 2003), acumulamos quase 200 milhões de dólares em déficit de transações correntes, para uma situação
de país superavitário em transações correntes. Isso se deveu a políticas de governo, a novos arranjos geopolíticos,
nova intervenção política no âmbito internacional, atuação junto aos blocos de interesse e também com uma
política que nitidamente incentivou o comércio exterior. O resultado todos conhecem: no ano passado o superávit
comercial ficou acima de 44 bilhões de dólares e, portanto, passou-se a uma posição positiva nas transações
correntes exatamente a partir de 2003 (Figuras 4 e 5).
E isto é muito importante porque se conseguiu, se não eliminar, pelo menos atenuar aquilo que eu considero o
calcanhar de Aquiles da economia brasileira – o que era nossa vulnerabilidade externa.
Figura 4
BALANÇA COMERCIAL: em 2005 as exportações totais foram de US$ 118 bilhões, as importações totais US$ 74
bilhões e o superávit comercial US$ 44 bilhões.
140
Exportações e Importações de bens (FOB) em US$ bilhões
120
100
80
60
40
20
0
1999-01
2000-01
2001-01
2002-01
2003-01
Importações
2004-01
2005-01
2006-01
Exportações
Figura 5
TRANSAÇÕES CORRENTES: a balança comercial estabilizou-se em 5,5% do PIB desde meados de 2004, e o
balanço em transações correntes foi de 1,8% do PIB em 2005.
8%
6%
Balança Comercial e transações correntes como %do PIB.
Acumulado nos últimos 12 meses
4%
2%
0%
-2%
-4%
Comercial
Transações correntes
jan
/
ab 99
r/9
ju 9
l/
ou 99
t/9
jan 9
/0
ab 0
r/0
ju 0
l/0
ou 0
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jan 0
/0
ab 1
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ju 1
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jan 1
/
ab 02
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jan 2
/0
ab 3
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ju 3
l/0
ou 3
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jan 3
/0
ab 4
r/0
ju 4
l/0
ou 4
t/0
jan 4
/
ab 05
r/0
ju 5
l/0
ou 5
t/0
5
-6%
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
93
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
O Brasil foi durante esses 500 anos muito vulnerável aos caprichos e turbulência da economia internacional. Desta
forma - com esta política que não se deveu à sorte, como muitos dizem, e não se deveu só à mudança cambial, embora
seja claro que isso interferiu, mas se deveu a uma política explícita - nós viramos esta mesa e hoje o país possui a menor
vulnerabilidade de todos os tempos, pelo menos desde que eu sou economista. Embora eu nunca tenha visto uma
composição de tão baixa vulnerabilidade, isto não quer dizer que sejamos invulneráveis. Não, evidentemente, mas,
em comparação com outros períodos, é o período de menor vulnerabilidade. Isso pode ser medido, então, pela nossa
solvência externa, ou seja, em relação à nossa dívida externa e nossas exportações, estamos nos aproximando daquele
patamar que nos conceitos internacionais é considerado de baixo risco (Figura 6).
Figura 6
SOLVÊNCIA EXTERNA: a relação entre a dívida externa líquida e as exportações têm caído desde 1999, atingindo
1,0 ao final de 2005.
70.000
RESERVAS EXTERNAS EM MILHÕES DE DÓLARES
65.000
60.000
55.000
50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
ja
n/
m 99
ai
/9
se 9
t/9
ja 9
n/
m 00
ai
/0
se 0
t/0
ja 0
n/
m 01
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se 1
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ja 1
n/
m 02
ai
/0
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t/0
ja 2
n/
m 03
ai
/0
se 3
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ja 3
n/
m 04
ai
/0
se 4
t/0
ja 4
n/
m 05
ai
/0
se 5
t/0
ja 5
n/
06
20.000
Então temos um baixo risco, temos uma boa capacidade de pagamento - as nossas reservas estão subindo, estão
próximas dos 60 bilhões de dólares, isso, pela continuação desse sucesso da economia externa, que se deveu não só ao
câmbio e que, aliás, não se deveu ao câmbio. Não se deveu porque hoje o câmbio já está desfavorável. Deveu-se ao aumento
da competitividade da produção brasileira, um avanço com salto de produtividade e competitividade da produção brasileira
que ocupou o mercado externo. Porém, em função deste sucesso e de outras razões que eu não menciono agora, nós temos
hoje um excesso de dólares na economia brasileira e as reservas estão subindo e o Banco Central deverá estar comprando
divisas de modo que, no final do ano, poderemos chegar a uma situação de 80 a 90 bilhões de dólares de reservas (Figura 7).
Figura 7
RESERVAS EXTERNAS: as reservas externas líquidas têm aumentado desde 2003 e atingiram US$ 57 bilhões ao fim
de 2005.
4,0
Relação dívida externa líquida / exportações
3,6
3,5
3,1
3,0
2,8
2,7
2,5
2,1
2,0
1,4
1,5
1,0
1,0
0,5
0,0
1999
94
2000
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
2001
2002
2003
2004
2005
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Caminhamos, então, para uma situação cada vez mais comportada do ponto de vista das reservas. O risco do
país está no seu patamar histórico mais baixo dos últimos tempos (Figura 8), cerca de 218 pontos. Então este é o
pano de fundo dos fundamentos que favorecem um crescimento sustentável na economia brasileira.
Figura 8
PRÊMIO DE RISCO: o prêmio país declinou de forma contínua nos últimos dois anos, estando agora no seu nível
histórico mais baixo (218 pontos básicos).
2.450
RISCO PAÍS - EMBI+
Fim de período
2.200
1.950
1.700
1.450
1.200
950
700
450
Fonte: Bloomberg
jan/06
nov/05
jul/05
set/05
mai/05
jan/05
mar/05
nov/04
jul/04
set/04
mai/04
jan/04
mar/04
nov/03
jul/03
set/03
mai/03
jan/03
mar/03
nov/02
jul/02
set/02
mai/02
jan/02
mar/02
nov/01
jul/01
set/01
mai/01
jan/01
mar/01
nov/00
jul/00
set/00
mai/00
jan/00
mar/00
200
O que deverá acontecer daqui para frente? Certamente, com um quadro de uma inflação sob controle, a taxa de
juros deverá continuar numa trajetória de queda. Nós tivemos uma elevação no ano passado, mas a trajetória é de
queda, de modo que a taxa de juros deverá permitir um avanço dos investimentos. Os juros de longo prazo (TJLP)
já estão mais baixos do que os juros de curto prazo. Os juros de 360 dias estão abaixo de 15%, portanto puxando a
taxa de curto prazo para baixo. Deverá haver uma continuação dessa trajetória. A TJLP está caindo, caiu na última
reunião do Conselho Monetário Nacional e eu espero que na reunião que vamos ter amanhã ela continue esta
trajetória de queda, de modo a estimular os investimentos. Uma das virtudes do atual crescimento que se verifica
no Brasil, nos últimos anos, é que ele é um crescimento gerador de empregos. Para quem não sabe, nós podemos ter
taxas de crescimento positivas, períodos de crescimento que não são acompanhados de crescimento de empregos
(Figuras 9 e 10).
Figura 9
EMPREGO: a taxa de desemprego cai desde meados de 2004.
14
TAXA DE DESEMPREGO
13
12
11
10
9
v/
05
no
/0
5
se
t
ju
l/0
5
m
ai
/0
5
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ar
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5
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5
ja
n
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04
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/0
4
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4
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4
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4
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ja
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3
v/
03
no
se
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ju
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3
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3
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3
m
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3
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n
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2
v/
02
no
se
t
ju
l/0
2
m
ai
/0
2
m
ar
/0
2
8
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
95
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Isso é muito comum no capitalismo contemporâneo. No entanto, o que nós temos hoje no Brasil é
um crescimento acompanhado de emprego. A taxa de desemprego hoje está situada, em média, num dos
menores patamares dos últimos anos. Eu diria que, dos últimos 4 ou 5 anos, é o patamar mais baixo de
desempregados da economia brasileira. Pegando o período do governo anterior, 8 anos do governo do
Presidente Fernando Henrique Cardoso, o saldo de empregos é de 800 mil empregos criados. Apenas 800 mil
empregos foram criados. Em 3 anos do novo governo já foram criados 3.700.000 (três milhões e setecentos
mil) novos empregos. Portanto, é um crescimento que tem esta peculiaridade, gera emprego mesmo quando
a economia não cresce tanto. No ano passado, a economia cresceu 2,3% e, no entanto, gerou esse volume
de empregos que os senhores podem observar (Figuras 9 e 10). Então, esta é uma peculiaridade importante
e nós acabamos de ter notícias do Jaques Wagner de que o CAGED – Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados - detectou, em fevereiro, a maior taxa de crescimento de empregos formais, empregos
com carteiras assinadas. Maior do que no ano passado, que já foi recorde, quantos são? São 176 mil novos
empregos apenas num único mês.
Figura 10
CRIAÇÃO DE EMPREGOS: em 2004 e 2005 mais de 2,7 milhões de empregos foram criados no setor formal
da economia.
1.523.276
Criação de novos empregos formais
1.253.981
1.300.000
762.414
800.000
657.596
645.433
591.058
300.000
(200.000)
(35.731)
(129.339)
(196.001)
(271.298)
(581.753)
(700.000)
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Passemos a falar do salário real. Depois de uma trajetória descendente, ele já volta a crescer. A massa
salarial cresceu 5% no ano passado e deverá crescer 5% neste ano (Figura 11). Se nós acreditarmos, os
aumentos reais do salário mínimo que já aconteceram nos últimos dois anos vão acontecer agora novamente.
Então nós estamos robustecendo o mercado interno. Se levarmos em consideração, também, os programas
sociais como o Programa Bolsa-Família, então nós teremos um quadro de recuperação do padrão de renda
da população de baixa renda no país e a consolidação do mercado, ou pelo menos fortalecimento do
mercado interno.
Eu queria assinalar uma outra virtude deste crescimento, que por isso eu chamo de ciclo de
desenvolvimento. É que ele vem acompanhado de um crescimento da produtividade e esse aumento de
produtividade se dá justamente no setor que costuma liderar os ciclos econômicos, que é o setor industrial. O
setor industrial, os senhores podem verificar a partir de 2003, passa a apresentar aumentos de produtividade
(Figura 12). Esta produtividade foi maior em 2004 e foi menor em 2005, também em função do crescimento
menor.
96
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Figura 11
SALÁRIOS: o total de salários reais tem aumentado desde meados de 2004.
20.500
TOTAL MENSAL DE SALÁRIOS REAIS EM MILHÕES DE R$
20.000
19.500
19.000
18.500
20
03
20 01
03
20 02
03
20 03
03
20 04
03
20 05
03
20 06
03
20 07
03
20 08
03
20 09
03
20 10
03
20 11
03
20 12
04
20 01
04
20 02
04
20 03
04
20 04
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04
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04
20 10
04
20 11
04
20 12
05
20 01
05
20 02
05
20 03
05
20 04
05
20 05
05
20 06
05
20 07
05
20 08
05
20 09
05
20 10
05
11
18.000
Figura 12
PRODUTIVIDADE: o crescimento da produtividade do trabalho acelerou-se desde 2003-05. Em 2005, a taxa de
crescimento desacelerou devido ao pequeno crescimento do PIB, mas deverá acelerar novamente em 2006.
7%
Crescimento da produtividade do trabalho no setor industrial
6%
6,3%
5%
4%
3%
2,2%
2,1%
2%
1%
0%
-1%
-2%
-3%
0,1%
1999
2000
-1,9%
-2,0%
2001
0,7%
2002
2003
2004
2005
Continuando, eu queria mostrar esse Quadro 1, porque ele faz uma combinação dos elementos que estão
envolvidos neste entendimento, que eu chamo de desenvolvimento.
Quadro 1
Crescimento, Produtividade, Emprego: 2003-2005
Total da Indústria de Transformação e Taxa de variação média anual (%)
Taxa de Crescimento Média Anual
Total Indústria Transformação
Cresc. PIB Total Cresc. Ind.Transf.
Produtividade(1)
Emprego(2)
1998-03
1,50
0,84
-0,52
2,39
2003-05
2,56
2,88
2,91
5,64
2004-05
3,59
4,45
4,08
6,94
Notas: (1) Fontes: IEDI e IBGE.
(2) Fonte: Emprego Formal na Indústria de Transformação - Ministério do Trabalho.
(3) Taxa de desocupação média do IBGE.
Desemprego(3)
11,21
10,66
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
97
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Nós temos, na primeira coluna, a taxa média de crescimento do PIB. Podemos observar, entre 1998 e 2003,
uma taxa média de crescimento de 1,5%. Na segunda coluna temos o crescimento da indústria de transformação
que, como eu disse, costuma liderar o crescimento. Mas, também, quando a economia vai mal, ela costuma ficar
atrás dos outros setores. Ela teve um crescimento médio, nesses 5 anos, de 0,84%. A produtividade caiu, o emprego
crescia pouco, e eu não tenho dados do desemprego. Então podemos verificar que, no período de 2003 a 2005,
nós temos um aumento da taxa media de crescimento. Isso é média anual. De uma média de 2,56%, a indústria
de transformação passa a ter um desempenho mais expressivo de 2,88%. Diga-se de passagem, do setor, que sua
situação ficou cerca de 10 anos estagnada, crescendo muito pouco, mas aqui ela apresenta já um certo dinamismo,
aumento de produtividade de 2,91% ao ano durante esse período e aumento do emprego. Vejam como cresce
o emprego de forma expressiva a 5,64%. E, fazendo-se esta análise para 2004 a 2005, observamos que, neste
período, nós temos um PIB maior (crescimento de 3,59%), com o setor industrial crescendo a 4,45% contando com
produtividade ainda mais elevada (4,08%) e emprego ainda maior (6,94%). Então, ao meu ver, isto configura uma
situação em que você tem o início de um ciclo de desenvolvimento.
Passando adiante, eu queria comentar a Figura 13 porque ela desmente uma série de afirmações que vêm sendo
feitas de que o investimento público está em retração. De fato, nos primeiros anos do nosso governo, principalmente
em 2003, houve uma redução, principalmente, do gasto com investimentos, realizados pelo Governo Federal,
excluindo-se aí as empresas, porque o ajuste fiscal teve de ser muito severo. Não havia dinheiro, havia dívidas a
pagar e nós tivemos que fazer um contingenciamento forte.
Figura 13
INVESTIMENTO PÚBLICO: o investimento do Governo Federal foi pequeno em 2003/04 para atingir as metas
fiscais. Desde então tem aumentado e deve atingir 1,4% do PIB em 2006.
3,5
INVESTIMENTO TOTAL DO GOVERNO FEDERAL COMO % DO PIB
3,0
2,5
1,6
2,0
1,0
1,5
1,3
0,8
1,0
0,5
1,5
0,8
1,3
1,3
1,4
1,2
0,7
0,9
1,0
0,8
0,4
0,6
1999
2000
2001
Gov.Federal
2002
2003
2004
2005
2006*
Estatais
A parte azul do gráfico, em 2003, significa um investimento feito pelo Governo Federal, orçamento federal,
a parte amarela é à parte das empresas estatais. Mas os senhores podem perceber que já há, a partir de 2004,
uma recuperação deste investimento e uma aceleração dos investimentos feitos pelas empresas estatais. Então,
quando nós falamos de Governo Federal, temos que falar em investimento, orçamento federal e mais empresas
estatais. Podem observar que, em 2005, já ultrapassamos todos os patamares do governo anterior: aumentou o
investimento feito pelo orçamento público e aumentaram os investimentos das empresas estatais. A projeção para
2006 é maior ainda, mas eu não vou comentar porque ainda se trata de uma projeção. Nunca as empresas estatais
fizeram investimentos tão altos quanto nesses três últimos anos.
Portanto, o Governo Federal está contribuindo para o aumento do investimento do país, esta fazendo a sua
parte. Mesmo cumprindo a responsabilidade fiscal, mesmo fazendo meio ponto percentual a mais de superávit
primário - estou falando somente da conta do Governo Federal, meio ponto a mais e que representa uns 10 bilhões
em economias -, o governo está cumprindo um programa de investimentos compatível com esta retomada. Uma
98
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
das razões importantes para esta retomada do crescimento e consolidação do mercado interno está na expansão
do credito do país. Nós sabemos que o Brasil é um país que sempre teve uma escassez crônica de crédito e o que
nós podemos ver é que a relação entre crédito e PIB tem aumentado de forma significativa desde meados de 2004
e atingiu 31% ao final de 2005 (Figura 14).
Figura 14
CRÉDITO: a razão crédito-PIB tem crescido desde meados de 2004 e atingiu 31% ao final de 2005.
12
Crédito livre em % do PIB
11
10
9
8
7
de
z/
03
ja
n/
04
fe
v/
0
m 4
ar
/0
4
ab
r/0
m 4
ai
/0
4
ju
n/
04
ju
l/0
ag 4
o/
04
se
t/0
4
ou
t/0
no 4
v/
0
de 4
z/
04
ja
n/
05
fe
v/
0
m 5
ar
/0
5
ab
r/0
m 5
ai
/0
5
ju
n/
05
ju
l/0
ag 5
o/
05
se
t/0
5
ou
t/0
no 5
v/
0
de 5
z/
05
ja
n/
06
6
Firmas
Famílias
Então eu posso dizer que há um aumento no crédito, tanto no ponto de vista quantitativo, quanto ponto do
ponto de vista qualitativo. Novos mecanismos de crédito estão sendo criados na economia brasileira. Ainda não é
uma maravilha: estamos longe disso, estamos longe da performance dos países avançados. Porém, nós conseguimos
avançar muito nesses últimos tempos com o crédito consignado. Há, também, um aumento do crédito para o setor
habitacional, para saneamento e para a agricultura. Nunca houve um volume de crédito tão elevado quanto no atual
momento (Figura 15).
Figura 15
CRÉDITO LIVRE: as operações de crédito livre para pessoas físicas alcançaram 10% do PIB ao final de 2005.
32
Operações de Crédito em % do PIB
31,2
31,0
30,7
31
30,2
29,829,8
30
29,3
28,8
29
28,3
28,1
27,7
27,4
27,2
26,926,927,0
28
27
26
26,2
26,2
25,825,7 25,826,025,925,825,8
25,6
de
z/
05
t/0
5
ou
/0
5
ag
o
05
ju
n/
ab
r/0
5
fe
v/
05
de
z/
04
t/0
4
ou
/0
4
ag
o
04
ju
n/
ab
r/0
4
fe
v/
04
de
z/
03
25
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
99
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
O mercado de capitais passa a ter alguma expressão, a ser revigorado. O crédito é um crédito seletivo, um
crédito que vai para pequenos e médios produtores e consumidores e está na base da explicação para este tipo
de crescimento que nós estamos tendo, crescimento com o aumento de emprego e mais distribuição de renda.
Eu já estou vendo um olhar sinistro do Ministro na minha direção. Portanto, eu vou encerrar por aqui dizendo
que, com este cenário que está sendo configurado, 2006 vai ser um ano de crescimento robusto, no qual
essas tendências que foram mencionadas vão se somar ao aumento do emprego, aumento da distribuição de
renda, melhoria das condições de vida da população de baixa renda, aumento da produtividade dos diferentes
setores.
Resumindo:
Por que a economia brasileira poderá crescer mais rapidamente em 2006?
• Redução nas taxas de juros internas;
• Baixo desemprego e aumento do mercado doméstico;
• Aumento contínuo no salário real médio e na produtividade do trabalho;
• Alta taxa de lucros das firmas brasileiras e aumento no investimento privado;
• Aumento contínuo nas operações de crédito das famílias.
Concluindo:
Eu diria que a economia brasileira já está na rota do desenvolvimento sustentável, dentro daquela idéia, dentro
daquele conceito que os nossos tradicionais professores Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares pregavam no
passado. Verdade que estamos apenas iniciando. Ainda não é uma coisa sólida, ela depende de algumas políticas
que precisam ter continuidade: políticas sociais, políticas econômicas e de ajustes que venham a ser feitos nessas
políticas. Mas eu posso afirmar que nós já estamos na rota do desenvolvimento sustentável. Muito obrigado.
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
Agradeço ao presidente do BNDES, Guido Mantega, pela sua participação e antes de chamar o Ministro
João Paulo dos Reis Velloso, eu queria lembrar a todos os participantes, que com prioridades para conselheiros
e conselheiras, vocês têm nas pastas que receberam uma ficha de inscrição para intervenção após a fala da
Professora Maria da Conceição Tavares. Evidentemente que nós temos um limite e queremos terminar essa
primeira mesa-redonda próximo das 12h30 e numa variação para que possamos retomar a mesa-redonda da
tarde às 14h20. Lembro que as inscrições podem ser feitas com o pessoal de nossa equipe. É só levantar o
braço e o pessoal recolherá as fichas de inscrição, que eu quero reservar para o final os comentários de todos
que compõem a mesa. É isso, Ministro Velloso. Em nome aqui do Presidente do BNDES, quero pedir a todos
desculpas pelo seu afastamento, pois ele está com uma reunião no Palácio do Planalto e teve que se ausentar,
espero que a reunião seja rápida e que a solução seja promissora e ele retorne para os comentários finais. O
Ministro Velloso está com a palavra.
João Paulo dos Reis Velloso
Ex-Ministro de Planejamento, Membro Diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE)
Caro Ministro Jaques Wagner, caro Presidente do BNDES, Guido Mantega, caro Coordenador do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social, e querida Conceição. Caros amigos principalmente, caras amigas, eu quis
dar esta palavra inicial começando pelo fim. O resumo da novela que eu vou dizer é em complemento ao que falou
o Presidente Mantega. É o seguinte: nós precisamos começar a dar um salto na maneira de pensar a questão do
desenvolvimento do Brasil.
Em síntese, a solução para o desenvolvimento brasileiro passa pela imersão do país na Economia do
Conhecimento. Conhecimento em todos os sentidos e, principalmente, com duas idéias: levar conhecimento
a todos os setores da economia, inclusive setores intensivos em recursos naturais como o agronegócio; e levar
conhecimento a todos os segmentos da sociedade, inclusive aos setores de renda baixa. Por quê? Porque se nós
não fizermos, vamos ficar para trás. Nós vimos que países emergentes, como por exemplo à China e a Índia, estão
dando saltos de competitividade e aquela é a única forma de o Brasil, também, dar saltos de competitividade. Eles
estão avançando em mercados na Europa, nos Estados Unidos e no nosso próprio mercado. Então é este salto que
nós precisamos dar.
100
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
Vamos agora a algumas idéias sobre a relação entre a Agenda Nacional de Desenvolvimento e uma
Estratégia de Desenvolvimento. Começarei pelos elementos para um diagnóstico da situação do País:
I
RISCOS ATUAIS PARA A GRANDE ALIANÇA – DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO (O BINÔMIO
D-D)
Nós vemos os riscos para a grande aliança de Democracia e Desenvolvimento, temos o circo de horrores
da crise política e temos outros riscos. Por exemplo, juros ainda estratosféricos, e a questão de por que o Brasil
não é um país de alto crescimento.
II
A QUESTÃO: POR QUE O BRASIL NÃO É PAÍS DE ALTO CRESCIMENTO?
E A NECESSIDADE E OPORTUNIDADE DE UM QUARTO MOMENTO (PARA O DESENVOLVIMENTO)
Nós não estamos mais fazendo os vôos de galinha como fizemos nos anos de 1980 e nos anos 1990. Estamos
num patamar de transição, como colocou o presidente Mantega, mas nós já fomos corredores de Olimpíada,
por isso a necessidade de um quarto momento para o desenvolvimento. Tivemos o Plano de Metas nos anos
1950, tivemos o chamado “milagre” com todos os seus problemas, mas foi um período de alto crescimento,
tivemos a fase pós-crise do petróleo e, com o segundo PND, passamos pela maior transformação estrutural
da economia brasileira e da balança comercial brasileira. Então, necessitamos e temos a oportunidade de
desfrutar de um Quarto Momento para o desenvolvimento econômico, social, político, cultural e de todas as
formas.
III
RECONHECIMENTO DE NOSSAS DEFICIÊNCIAS (APESAR DOS PROGRESSOS FEITOS)
O reconhecimento de nossas deficiências, apesar dos progressos realizados, é fundamental. Temos uma
Síndrome Macroeconômica, então essas anomalias: a taxa de juros, o crescimento rápido das despesas, o
crescimento rápido da carga tributária, o câmbio flutuante (que flutua para baixo), a relação da Dívida/PIB
ainda muito alta e tudo isso interligado é uma síndrome. Há ainda uma camisa de força da situação fiscal,
porque a rigidez da despesa pública é enorme. O investimento público esta aumentando, mas no ano passado
ele foi de 0,2% do PIB, foi residual, mas está melhorando. Certamente para algumas estatais está elevado.
Contudo, investimentos estatais não deveriam entrar nessa historia de ajuste fiscal. Isso não tem nenhuma
base técnica, o próprio Fundo Monetário Internacional hoje reconhece isso e a conseqüência é um país como
“Prometeu acorrentado”: um grande potencial, um início de realização desse potencial, mas potencial que
precisa ser realizado.
IV
QUARTO MOMENTO (I): CONCLUINDO A PREPARAÇÃO DAS BASES
Então para que o Quarto Momento se realize é necessário que primeiro haja uma preparação das bases,
pois nós temos duas agendas que têm que ser tocadas simultaneamente: concluir a preparação das bases e ter
uma estratégia de desenvolvimento.
Preparação das bases, sem dogmatismo, o Pastore escreveu recentemente - Afonso Pastore que foi
presidente do Banco Central - que nós vemos como se executa com um fervor quase religioso a política
monetária. Nós não estamos falando de Religião, então com flexibilidade e sem dogmatismo começaríamos
como ele mesmo Pastore sugeriu: vamos acelerar a redução da taxa básica de juros e aí as coisas começam a
se resolver. Aquela síndrome macroeconômica começa a diminuir e, também, deve-se criar uma reação direta
em relação ao bloqueio fiscal. É um programa fiscal de longo prazo.
Passando à segunda agenda - A estratégia de desenvolvimento propriamente dita. Precisamos de uma
estratégia sem estratégia para voltar ao alto crescimento, com a opção pela Economia do Conhecimento,
como mencionamos de início. Porque a Economia do Conhecimento, já mostramos, é a nova forma de fazer
desenvolvimento. Os países desenvolvidos já estão lá, Coréia já esta lá, a China e a Índia já têm programas de
Economia do Conhecimento. A China desde 2001, então o Brasil precisa ter o seu programa de evoluir para
a Economia do Conhecimento porque o que está por trás de Economia do Conhecimento é gente, é o capital
humano.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
101
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
QUARTO MOMENTO (II): A ESTRATÉGIA
AS PRINCIPAIS DIMENSÕES:
Dimensão I – Opção pelas Tecnologias Estratégicas;
Dimensão II – Estratégia de Competitividade Internacional baseada na elasticidade das vantagens comparativas
(“especializações avançadas” – Hicks, 1959);
Dimensão III – Oportunidade para o Nordeste e a Amazônia, com base em estratégia de dupla inserção;
Dimensão IV – Nova oportunidade para o Brasil, pela conversão em país de alto conteúdo de capital humano.
Vejamos essas dimensões rapidamente.
Primeiro, a opção pelas tecnologias estratégicas (e conhecimento em geral), tecnologia transformadoras da economia
e da sociedade, a inovação como base nas políticas de competitividade.
A segunda dimensão é uma estratégia de competitividade internacional baseada na elasticidade das vantagens
comparativas (as nossas especializações). Isso é algo que os países desenvolvidos já tinham em 1959. Você precisa ter
a capacidade de estar criando sempre novas vantagens comparativas porque se uma começa a perder substância você
coloca a outra, ou as outras, de tal modo que possa realmente ter uma política de competitividade Internacional voltada
para o lado da demanda. E assim, participar da lista dos produtos dinâmicos no mercado internacional. O Brasil está
muito mal representado nesta lista de produtos dinâmicos.
A dimensão três é o Nordeste e a Amazônia. Nós precisamos dar uma oportunidade a essas regiões menos
desenvolvidas, porque há 5 anos que nós discutimos se vai haver nova SUDENE, por exemplo. Não quero saber se vai
haver nova SUDENE. Não quero saber se vai haver nova SUDAM. O importante é que tenhamos uma estratégia de
desenvolvimento para o Nordeste e para a Amazônia com base nas oportunidades de investimentos que eles oferecem.
Eu sei que há vários projetos que estão em execução, mas tem que haver, realmente, uma estratégia.
A dimensão quatro é a nova oportunidade para o Brasil - sua conversão em país de alto conteúdo de capital humano.
Nessa área, estamos muito atrás, por exemplo, da Coréia, que hoje já é um país de alto conteúdo de capital humano.
QUARTO MOMENTO (III): ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
I
Visão é de crescimento com redução da pobreza, mobilidade social e redistribuição. Ver IDS.
II
Importância do binômio E-E: Educação e Emprego. Aí está a essência do desenvolvimento social.
III
CONCLUSÃO
O CORREDOR DE LONGA DISTÂNCIA
(Não basta ser campeão de Olimpíada)
A conclusão é que o desenvolvimento é como a questão de corredor de longa distância. O Brasil foi corredor de
Olimpíada, mas ganhou uma corrida de 100 metros o que não foi suficiente, desenvolvimento é problema de longa
distância. Então vamos a ele, com uma visão estratégica. Muito obrigado.
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
Obrigado Ministro Velloso, que não me deu nem a oportunidade de anunciar os 15 minutos com a sua capacidade
de síntese. Agradeço a participação e convido agora a nossa última palestrante, a Professora Maria da Conceição Tavares
para tecer alguns comentários.
Maria da Conceição Tavares
Economista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de Campinas e Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ)
Bom dia, pretendo ficar aqui na mesa e não me levantar. Não vou colocar nada no quadro porque o Guido
Mantega já botou lá os dados recentes. Nós estamos com dois problemas aqui de interpretação da extrapolação
102
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\ \\\
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
de dados recentes. Tento aceitar a palavra do Guido e recuperar uma idéia apresentada pelo Ministro Velloso que
argumenta que nós temos que continuar basicamente seguindo o símbolo da bandeira: mais ordem e progresso.
Ora, acontece que o que nós propusemos e continuaremos propondo neste governo foi caminhar na direção da
ampliação da democracia e da justiça social, o que é muito mais amplo, sem querer ofender o Velloso daquilo que
se chamou desenvolvimentismo, ou como antes também se dizia “desenvolvimento das forças produtivas”. Deste
último ponto de vista não é verdade que nós corremos 100 metros, nós crescemos durante 50 anos, e, no entanto,
pioramos a distribuição de renda e as desigualdades, de todas as naturezas. Cinqüenta anos, meus senhores, não
são propriamente 100 metros. Vamos discutir para os próximos 50 anos com base no mesmo modelo? Não gostaria
que isso se repetisse. Mesmo porque pouco foi feito em matéria de democratização do Estado até à Convocação
Constituinte de 1985.
A nossa evolução democrática é tão espantosa que quem lançou as bases da justiça social foi o velho Vargas,
ditador do Estado Novo. Pode uma coisa dessas? E até hoje pouco se consegue andar nessa direção. Espantoso que
a Lei de Terras seja de 1850. Por isso que esse negócio dos 500 anos não me interessa, o que me interessa é o que
aconteceu depois de 1850 onde foram lançados os marcos jurídicos fundamentais do capitalismo brasileiro, da Lei
de Terras ao Código Comercial, que só protegeu a propriedade privada. Desde então para cá foi duro lutar pelos
direitos dos “de baixo”, contra proprietários monopolistas, contra as nossas elites sem o apoio decisivo de uma classe
média opiniática, volúvel, e que, em geral, sempre entra em pânico frente a uma suposta desordem social. As leis
democráticas começaram a ser concedida ao povo a partir da pressão social na década de 1920. A década de 20
foi uma década de muitas pressões sociais embora muitos achassem que a questão social fosse apenas questão de
polícia. Tem quem ache isso ainda hoje. Uma boa parte do nosso congresso acha e uma boa parte da nossa opinião
ilustrada não tolera que num governo popular haja reivindicações, greves, lutas sociais aumentadas.
Como acabou de escrever Vanderlei Guilherme, no seu último livro: não é por acaso que as classes sociais
reagem diferente quando a situação política balança. É porque eles sabem, o povão de baixo é claro, que ele pode
avançar nas demandas e na luta em governos populares, mas quando vêm governos autoritários ou repressivos,
quem perde são eles. Porque eu não me lembro da classe média ter perdido coisa alguma do seu status social. É
claro que hoje estamos longe dos anos de chumbo da ditadura. É uma outra coisa que eu gostaria de lembrar aos
progressistas: temos tantos anos de transição democrática quanto tivemos de ditadura. Não basta, não é cartão de
progressista hoje falar dos anos de chumbo, do exílio, de que esteve na cadeia. Já basta, pois vários dos que sofreram
com a repressão são hoje neoliberais convictos, conservadores que apoiaram as políticas neoliberais que levaram
ao que Reis Velloso aqui chamou de síndrome macroeconômica. O neoliberalismo é uma doutrina conservadora
que penetrou fundo nas mentes de muita gente boa. Aliás, os mais ilustres estiveram todos eles no combate contra
a ditadura e pela Constituição cidadã.
O Velloso serviu ao Estado autoritário, mas como servidor público não mudou as suas opiniões em defesa do
Estado Nacional e do desenvolvimento. Então ele mudou pouco. Claro que quando ele fala em “capital humano“
eu fico nervosa, prefiro IDH, o índice de desenvolvimento humano que é aquilo que nos caracterizaria como um
país civilizado. Estou menos preocupada com o “capital humano” em termos de eficiência porque nós estamos
sempre treinando a nossa mão-de-obra, nem que seja no próprio trabalho. Não consta nenhuma ineficiência de
mão-de-obra em todas as indústrias que foram montadas depois do JK. Mesmo quando é um nordestino que vem
de regiões atrasadas. Aprende, corta o dedo no começo. Esse agora não poderia ser metalúrgico, claro, mas também
não consta que os que estão lá e ficaram não tenham aprendido a usar computador, economia do conhecimento e
etc. Praticamente todos esses trabalhadores dominam a informática melhor que eu. Sou um dinossauro que não usa
power point, nem preciso, é claro, para dizer essas coisas, que são velhas como a Sé de Braga, não preciso.
Feita esta ”introdução” - que já tomou não sei quanto tempo - é evidente que eu concordo com toda a agenda
que foi exposta pelos meus companheiros. Falta evidentemente aquilo que nós prezamos muito, que é lutar pela
inclusão social.
Nós estamos empenhados, a partir da Constituição de 1988, eu pelo menos estou, seguindo o exemplo do
mestre Celso Furtado, em não fazer desenvolvimento econômico mantendo o subdesenvolvimento. Está claro
que é fundamental vencer o subdesenvolvimento. Quer-se lutar contra a pobreza estrutural que está aí e que não
desapareceu com o crescimento.
Sobre a atual conjuntura o que eu quero dizer é o seguinte: apesar dessa maldita síndrome macroeconômica,
tem-se avançado nas políticas sociais. Mas com três âncoras pesadas - âncora monetária, cambial e fiscal – é difícil
desenvolver plenamente o país. Com as três âncoras arrastando a plataforma para baixo, é preciso fazer o quê?
Estabilizar, afrouxando as âncoras. Agora há um acordo que devemos baixar os juros e impedir a valorização
cambial. Mas a fiscal não. Há quem proponha que vamos fazer um ajuste fiscal lento e de longo prazo. Quando eu
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
103
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\
ouço o Delfim dizer que precisa um ajuste do déficit nominal no curto prazo, fico perplexa e indignada. Nenhum
país europeu e muito menos os Estados Unidos, conseguiram manter o déficit nominal sob controle na atual
conjuntura internacional. Obviamente que esta liberdade fiscal se deu à custa do resto do mundo, sobretudo à
custa dos países emergentes, entre eles o Brasil. Nós temos um déficit nominal abaixo ou semelhante ao acordo
de Maastricht, e muitos analistas continuam exigindo que este déficit contribua para controlar a inflação quando
esta já está no centro da meta. Não dá para aturar. Eu acho que aqui já é má fé ou ignorância, ou nem má fé nem
ignorância, é uma visão estreita e ortodoxa encobrindo os interesses do capital financeiro.
Voltando às três âncoras. Já levantamos lentamente duas, mas pegamos a outra que é a fiscal e acentuamos
o ajuste nos três primeiros anos. Como é possível crescer gerando empregos e investimento social com aquela
âncora pesadona ali? Como é que vamos fazer serviços sociais se, esses sim, estão nos orçamentos da Federação?
No caso do investimento o que está no orçamento da União são basicamente estradas, e somente aquelas estradas
que não estão privatizadas. Porque as que estão privatizadas também não estão no orçamento fiscal (ao menos
explicitamente). O resto está tudo nas estatais, que só estão no orçamento global (necessidade de financiamento do
setor público) pelo critério do FMI. De acordo com muitos desenvolvimentistas, não deviam estar lá. Nós ouvimos
aqui o presidente da Petrobras que sabe o impacto que a empresa tem no Brasil, sobre o setor de bens de capital,
sobre o investimento e sobre o crescimento do PIB. Eu estou muito preocupada com os gastos em saúde e educação,
que os economistas ortodoxos querem cortar a pretexto de que são despesas de pessoal e de custeio.
A educação não é só um problema de mergulhar na ”época do conhecimento” porque as elites educadas desse
país estão mergulhadas na época do conhecimento e nem por isso melhoram o seu comportamento. Que eu saiba
a tecnologia desenvolvida pela Petrobras nas plataformas é de ponta e é toda nossa, a tecnologia desenvolvida na
aviação é nossa ou apropriada e é de ponta, a tecnologia desenvolvida no agrobusiness, com o apoio da Embrapa,
é de ponta. Nós temos agronegócio cuja tecnologia é de ponta e é mais capitalizado do que o argentino e até
provavelmente que o dos Estados Unidos, que já passou o auge do seu ciclo agropecuário. Nós estamos entrando
pesado de novo, estamos desenvolvendo as forças produtivas nas grandes empresas. Então eu quero dizer o seguinte:
eu tenho certeza que a tecnologia será desenvolvida na ponta por instituições de ponta e as grandes empresas de
ponta. Logo, concordo com o Velloso que quem tem que mergulhar no conhecimento é a massa da população. Esse
é o problema. Temos que universalizar sob pena de não ter uma sociedade civilizada, sob pena de o país ter duas
“castas”: os de cima e os de baixo e uma classe média flutuante em humor, em cultura e em civilização cidadã, o que
causa grandes problemas para o avanço político e social do país.
Então vamos lá, as prioridades, no meu ponto de vista, estão claras neste governo. O problema é como vamos
avançar simultaneamente. Este é o problema. Por acaso não está claro que tem que ter inclusão social? Que a
primeira prioridade é combater a pobreza? Como nós temos destacado, apesar do orçamento ser contingenciado
e dali termos tirado recursos financeiros e feito tanto superávit primário, fomos de algum modo reconhecidos
internacionalmente pela luta contra a pobreza e a instabilidade social. É verdade que temos também que manter a
estabilidade econômica. Mas o problema não poderia ser resolvido baixando lentamente as três “âncoras”? Se não
puder, temos que inventar com criatividade e prudência qualquer outra coisa, porque assim como está, não dá. É um
espartilho porque não nos deixa ampliar o crescimento de forma sustentada, sem dúvida. Agora como é que a gente
explica e deveria estar explicando nossa economia? O povo está encantado com os resultados, mas os economistas
de esquerda, não. Porém, não conseguem explicar certos resultados, nem o crescimento das exportações, nem o
crescimento do emprego.
Como é que se compatibiliza um crescimento do PIB tão pequeno em termos médios, com esta alta elasticidade
do emprego? Será que foi uma acomodação dos ajustes microeconômicos das empresas, com a selvagem abertura
econômica que foi feita na década passada? Uma abertura comercial que jogou quase todo mundo de cócoras
e os que não quiseram ficar de cócoras tiveram que ajustar ou então estaríamos num interregno de um ciclo
tecnológico largo? Porque, se for interregno poderemos crescer com pouco emprego. Agora é ao contrário, estamos
com elasticidade de emprego praticamente superior a um, o que é uma novidade em relação à década de 1990. E
é emprego qualificado, emprego com carteira assinada que todo mundo dizia que, com esta legislação, ninguém
iria empregar com carteira assinada. Ué, mas foi o que subiu além do informal, também. Essas coisas que têm sido
afirmadas ultimamente, separação entre crescimento, distribuição de renda, emprego e avanço social têm que ser
revistas, ou isso é uma transição e não se sabe para onde vamos.
Olhando para frente, tem dois modelos: os que querem repetir a “ordem e progresso“ e os que querem avançar
na democratização do Estado e da sociedade e de uma civilização inclusiva. Mas nos exemplos concretos, também,
não há acordo entre os desenvolvimentistas. Muitos querem que o Brasil fique imitando a China. Mas a China está
com a taxa de distribuição de renda igual à do Brasil de há 30 anos atrás e contra a qual estamos lutando. Está claro,
meus senhores? No seminário de abertura do Centro Celso Furtado falamos sobre isto, Lessa, Castro, Jaguaribe e eu.
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Todos concluímos que repetir a China seria um desastre. A China pode agravar o risco da civilização industrial se
continuar crescendo desse jeito sem recursos naturais, poluindo tudo. E o que fará com uma população gigantesca
rural que virá mais rapidamente sobre as metrópoles e criará megalópoles monstruosas?
Temos que repetir a China? Nós já fizemos uma mini-China entre a década de 1950 e a de 1980. Nós já fizemos
mais que os Estados Unidos em matéria de migrações internas. Já nos atrapalhamos porque, enquanto os Estados
Unidos fez em 80 anos a transição rural-urbana, nós a fizemos em 40 anos. A população agora é basicamente
urbana. A que está no campo está na pequena produção familiar ou está no agronegócio. Está claro ou não? E
para a agricultura familiar, estamos lutando como nunca, para melhorar as condições dos assentamentos da
reforma agrária. É fundamental que tenham vida digna, para não virem inchar mais a periferia de São Paulo ou
a periferia de qualquer grande cidade do Brasil. Vocês já imaginaram o que vai ser a China com aqueles milhões
e milhões de camponeses deslocando-se para as grandes cidades? A Índia, nem me digam. A Índia, que não
terminou o sistema de castas e tem uma elite ”mergulhada no conhecimento” e um povão que dorme na rua, na
maior miséria. Não falam nenhuma língua unificante. Vocês acham que falam hindu? Falam nada! Chofer de táxi
mal fala inglês (a língua do colonizador) porque é impossível se comunicar naquele país. E nós queremos copiar
o quê? O modelo de desenvolvimento deles? Ah! Não queremos copiar esses modelos de crescimento. Queremos
assentar a base do nosso desenvolvimento sustentável que nos permita a inclusão social e o uso correto de
nossas potencialidades. Eu, particularmente, como estou de acordo com tudo que foi dito sobre a Agenda de
Desenvolvimento, necessária ao país.
Meus senhores, peço desculpa pela desordem da minha fala. Em princípio eu poderia ter lido o que trouxe
escrito, mas seria uma coisa inimaginável para uma pessoa como eu ler um pequeno texto num auditório simpático
como este. Quando os auditórios não são simpáticos, até se lê. É para não levar pancada, mas não é o caso aqui.
São todos amigos, inclusive a minhas discrepâncias com o Velloso são basicamente conceituais. Não são porque ele
foi ministro do regime militar e eu nunca fui ministra de nada. É claro que por isso eu posso fazer crítica tanto do
regime que ele serviu quanto daquele que eu gostaria de servir que é o do Lula. Eu sou uma crítica, então vamos lá:
do que é que eu estou a favor, o que quero enfatizar?
Estou de acordo que a síndrome macroeconômica, se não for feito alguma coisa, é um empecilho ao crescimento
sustentado. Não estou de acordo de que se deve crescer em qualquer condição. Por isso estou contra a idéia de
copiar a Índia ou a China que não são copiáveis em nenhum sentido. Deus nos livre e guarde o povo brasileiro de
ser a Índia ou a China. Era o que faltava!
Agora, outro ponto que eu concordo (e deveria continuar independentemente de quem seja o governo e de suas
inclinações políticas ou ideológicas) é a política externa, que é uma política de Estado, de soberania e autonomia
relativas. Temos conquistado presença e capacidade de negociação nos fóruns internacionais. O projeto da
Comunidade Sul-Americana de Nações é um projeto correto, para dar fôlego geopolítico a esta área num continente
em que os Estados Unidos são totalmente dominantes. Os Estados Unidos, ultimamente, não têm ajudado ninguém
a se desenvolver. A era da hegemonia benigna já passou. Agora é um período de hegemonia autoritária. Então
nós precisamos continuar a política externa independente, que, aliás, é da nossa tradição. Só foi interrompida por
alguns poucos anos por uns malucos autoritários que diziam: “que o que é bom para os Estados Unidos é bom para
o Brasil”. Felizmente estão diminuindo o número de malucos. Mas a situação mundial é instável, assim é difícil
negociar inclusive com os nossos companheiros latino-americanos.
Continuar a democratização e a reforma do estado é outra tarefa ao mesmo tempo urgente e de longo prazo. Nós
herdarmos um estado totalmente em cacos, o que não foi culpa só do regime militar, mas das políticas neoliberais
de Estado Mínimo. Foi herdado um estado autoritário mas que tinha uma tecnocracia, tinha uma meritocracia.
O Estado continua infestado de quadros autoritários, mas está faltando meritocracia. É preciso repor os quadros
públicos. Na verdade, na década de 1990 desmantelou-se o aparelho estatal e privatizou-se o estado em todos os
níveis. Não foram somente as grandes privatizações. Da terceirização dos servidores públicos à privatização das
“políticas para pobres”, passando pela enorme influência dos lobbies, gerou-se essa desgraça que ainda está aqui e
que contamina todo mundo. Que faz com que todo mundo diga que toda política é igual. Claro, porque você tem
um estado totalmente vazado. No entanto, está se fazendo um esforço de remontagem e democratização que tem
que continuar.
Finalmente, vem o que Furtado considera que era, no limite a nossa autonomia verdadeira, duas naturezas:
autonomia cultural e autonomia de decisões. O povo tem que poder participar de decisões de governo. Muita gente
diz que gosta do povo, mas o que gostariam é que o povo fique exatamente onde está (no seu lugar!). E isso meus
senhores, que é a mudança fundamental, tem de se reconhecer um esforço nestes últimos anos de caminhar nesta
direção. Vocês podem dizer que tem uma crise política. Mas, há de se reconhecer que ocorreu deste governo alguns
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esforços na direção correta da autonomia da participação popular, de não baixar o cacete em cima do povo quando ele
reivindica. Está claro que não é fácil para um governo popular agüentar as demandas múltiplas arbitradas socialmente,
sem tentar manipular os movimentos sociais, mas é fundamental para o avanço da democratização. O Estado também
tem que cooperar com o setor privado nacional e estrangeiro. Mas só com aqueles que querem produzir e não apenas
especular na “ciranda financeira” que já está aqui há anos e cada vez pior. É então simples? Parece, mas é dificílimo.
O que nós queremos é uma coisa complicada. O país é muito heterogêneo e desigual. Não adianta apenas
crescer, sem planejamento, sem apoio dos de baixo e sem o envolvimento da sociedade com o projeto. Senão, pode
até crescer e aprofundar o subdesenvolvimento. Se por meio desta agenda se concentrarem esforços na direção
correta, o Brasil e a sua capacidade produtiva e a sua agenda social se ampliam. Então eu não tenho por que me
angustiar mesmo que não veja os resultados no meu tempo de vida.
A idéia de que os empresários brasileiros não vão investir não é verdadeira. Vão sim, se lhes derem condições,
vão! Agora, se não for desarmada a armadilha macroeconômica, não vão. Mas isso não quer dizer que não tem
empresários no Brasil. Claro que tem. Eu acho também que há filiais multinacionais que estão interessadas em
investir de fato e expandir um mercado interno de massas. Ao Estado e à sociedade cabe, porém, coordenar-se para
que estes processos se complementem e a luta pela democratização avance. O Estado tem de coordenar os projetos
estruturantes de longo prazo, senão nós continuaremos correndo o risco de regredir ao neoliberalismo. Obrigada.
Debates
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
Muitíssimo obrigado, Professora Maria da Conceição Tavares. Quero cumprimentar a mesa, os conselheiros,
as conselheiras e demais participantes. Vamos, na seqüência, dar início ao debate e, para ordenar melhor para que
o tempo possa ser bem coordenado e não atrasar a mesa da tarde, estamos inscrevendo aqui até dez conselheiros,
dando prioridade a eles e a elas porque são os anfitriões desse seminário. Depois vêm as perguntas feitas por escrito.
O primeiro inscrito é o conselheiro João Bosco.
João Bosco Borba
Conselheiro do CDES
Bom dia a todos, bom dia a todas, bom dia aos membros da mesa. Eu sou conselheiro do CDES e presido a Associação
Nacional de Empresários Afro-brasileiros. Minha pergunta vai à direção da questão da inclusão social. Nós temos hoje,
no Brasil, uma população de 87 milhões de afrodescendentes. São negros que, em grande parte, estão fora economia
formal e excluídos da sociedade. Precisamos saber o papel de uma nova agenda nacional para a inclusão desses cidadãos
na economia. Para isso eu queria fazer duas referências. A primeira é uma pergunta: que estilo de desenvolvimento nós
teremos e para quem nós faremos esse desenvolvimento? Eu fiquei muito chocado com duas cenas que vi no domingo.
Uma, acho que todos os senhores e as senhoras viram, foi o programa da TV Globo sobre os meninos do tráfico. É bom
lhes dizer que 100% daqueles meninos são negros e brasileiros. A segunda referência é sobre a greve de desembargadores
que, me parece, são de Santa Catarina e de Minas Gerais. Eles estão dizendo que ganhar 25 mil reais é muito pouco
para sustentar suas famílias. Isso tem a ver um com o nosso debate, com a primeira questão que formulei. Que país nós
queremos e para quem nós queremos o desenvolvimento do país? Essas são as minhas questões.
Sônia Fleury
Conselheira do CDES
Bom dia a todos. Eu estava aqui pensando: quando eu morrer vou pedir a Deus para nascer economista na
próxima encarnação. Tenho a impressão que vou ser muito mais feliz se eu acreditar nas coisas que os economistas
acreditam, nos números que eles nos apresentam e que me parecem tão distantes do país em que vivo. Estou me
referindo, particularmente, à exposição do Guido Mantega. Li hoje no jornal, ele dizendo que os gastos do governo
na área social caíram 2,7%. Assustadoramente caíram, diminuíram, em relação ao governo anterior: algo da ordem
de 44% na área de habitação e saneamento; quase 20% na área de benefício ao servidor; e 7,5% na área de saúde.
Então, quando nós discutimos o desenvolvimento, todos dizem que o desenvolvimento não é só crescimento do
PIB. Tem que incluir a dimensão social, humana, tudo isso. Mas na hora de apresentar as bases do desenvolvimento,
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a questão social desaparece. Não aparece mais. Aparece a macroeconomia como determinante. Eu queria lembrar
que essa base de desenvolvimento, do novo ciclo que foi falado aqui, é que está permitindo ganhos astronômicos
dos bancos e do capital financeiro. Uma concentração de renda na área financeira inimaginável, inclusive com
transferência de renda da área industrial para área financeira. É ela, esta concentração, que está permitindo, que está
levando a essa redução do gasto social por meio de diferentes medidas. O projeto de Desvinculação dos Recursos da
União (DRU) é uma das ameaças constantes. Zerar o déficit nominal por meio da desvinculação dos recursos da área
social, já está sendo feito. Imagina se desvincularmos os demais. O governo não tem propostas no sentido de superar
questões históricas, como o subfinanciamento da área de saúde. A Emenda Constitucional nº 29 está parada e não
é regulamentada, porque não há interesse de que isso seja regulamentado. Nós continuamos buscando a reforma
democrática desse país, um novo pacto federativo, um novo arranjo do Estado na área de saúde, universalizando o
direito à saúde. No entanto, gastamos menos de um real por dia por habitante na área de saúde. O que é um absurdo,
face aos países vizinhos mais pobres que gastam três vezes mais, como a Argentina e o Uruguai. E temos aumentado o
assistencialismo. Mas será que é este o padrão de democracia que nós queremos? Que seria por meio de transferências
de renda? Não estou dizendo como medida emergencial, mas achando que não é possível fazer um governo e uma
política chamada desenvolvimentista que favorece o capital financeiro, que cuida dos miseráveis, e que deixa todo o
sistema universal fora disso, retirando recursos da educação e da saúde. O resultado de tudo isso é que o programa
do primeiro emprego, concebido para os jovens, não deslanchou. Não há esforço na área de educação básica, e acho
que a questão da violência, aqui mencionada, é o sintoma mais forte disso. Nós não temos uma política de segurança
compatível com a situação que estamos vivendo. Termino, então, dizendo que, para mim, o mais chocante não é o que
passa no Fantástico. Para mim o mais chocante é que no carnaval toda a sociedade brasileira vai para a Mangueira, sob
a guarda dos traficantes e dos bicheiros. Estão lá todas as autoridades e as socialites. E, duas semanas depois, aparece
uma fotografia onde se vê um canhão apontado dos militares para os traficantes, e as armas dos traficantes apontadas
para os militares. Que país é esse? Daqui a pouco esqueceremos tudo. Vem aí a Copa do Mundo.
Paulo Vellinho
Conselheiro do CDES
Senhor Ministro, autoridades da mesa. Eu queria comentar rapidamente tudo que aqui se discutiu. Gostei
muito da apresentação do Guido Mantega porque me dá segurança de que vamos nos liberar das três âncoras.
Quero cumprimentar, também, a Professora Maria da Conceição - que eu ainda não tinha tido a oportunidade
de ouvir pessoalmente, mas sempre li seus artigos. O mundo está dividido entre vencedores e perdedores. Eu
me considero perdedor porque o Brasil que eu sonhei para meus filhos, meus netos e bisnetos, não sei se vai
acontecer. É um país realmente de perdedores. Vencedor é o presidente do Japão. Há cinqüenta anos atrás, eu ouvi
de um japonês a seguinte observação: enquanto vocês constroem Brasília em cinco anos, gastando o que não têm,
num país com analfabetismo e mortalidade infantil elevados, nós investimos na nossa riqueza que é o japonês.
Investimos em saneamento, água e esgoto, nutrição das gestantes, nutrição das crianças, saúde e educação. Isso
há 50 anos. Todos vocês falam na era do conhecimento. No dia em que elegermos um brasileiro que estabeleça o
conhecimento como objetivo da nação, seremos bem diferentes. E tem que começar agora, para dar frutos daqui
a 20 anos. O resto é bobagem. A massa, a grande massa, não tem acesso ao conhecimento. Acho e digo com toda
tranqüilidade e preocupação que enquanto nós não enfrentarmos o planejamento familiar com coragem, rompendo
os estigmas que a igreja nos impõem, não adianta gerar um simples ser biológico, temos que gerar seres humanos.
Um planejamento familiar rigoroso voltado para a solução da pobreza é fundamental. O Programa Fome Zero é
voltado para a gestante e as crianças, mas não é suficiente para que tenhamos uma sociedade mais homogênea, mais
democrática. É isso que eu gostaria de acrescentar ao debate.
Eduardo Suplicy
Senador Federal
Quero cumprimentar o Ministro Jaques Wagner pela realização deste Seminário e, sobretudo, pela prioridade
dada à eqüidade e aos objetivos maiores, mencionados pela Maria da Conceição, de democracia, justiça social para
acabar com a exclusão. Com respeito ao Ministro João Paulo dos Reis Velloso, quando ele colocou a importância
de termos inovação, seguindo até John Hicks, é importante ressaltar que o Brasil, como disse o Professor Celso
Furtado, é o primeiro país que, depois de ter sido um dos últimos a abolir a escravidão, se torna o primeiro a adotar
um sistema de promoção de eqüidade. As pessoas do meio acadêmico, laureados com prêmio mundial, estão
preocupadas com este tópico. Há três semanas, estive na Universidade de Harvard onde ouvi vários professores,
inclusive Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, perguntarem quais os passos que significaram maior justiça
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social. A abolição da escravatura foi um passo nessa direção. A ampliação das oportunidades de educação para
todos os meninos e meninas, também. Mas a renda básica de cidadania, que é um sistema de transferência de
renda, é considerada hoje mais racional e eficaz. E é muito importante que empresários e trabalhadores, presentes
no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, estejam cientes - da importância dos mecanismos de
transferências de renda. Qual é o sistema de transferência de renda mais poderoso do mundo hoje? O sistema
dos Estados Unidos? Quanto se transferiu de renda lá em termos de crédito fiscal, de remuneração recebida? É
importante que cada empresário e trabalhador tenha consciência que um trabalhador nos Estados Unidos ganha
de salário mínimo, cinco dólares e quinze centavos por hora. E, se trabalhar o ano inteiro, ganha dez mil dólares.
Se tiver mulher e duas ou mais crianças, tem um crédito fiscal de 40% a mais e sua renda vai para quatorze mil
dólares. Por ter percebido isso, o Reino Unido é a economia que mais compete com a dos Estados Unidos. Criou
um sistema de crédito familiar, que corresponde a 50% a mais na remuneração do trabalhador. Se nós brasileiros
não tivermos consciência disso, nós estaremos com nossa economia, nossas empresas, nossos trabalhadores menos
competitivos. Mas qual é a forma mais racional do que essa forma de imposto de renda negativo? É o imposto de
renda negativo na forma de renda básica incondicional, que vai para todos. Desde a senhora que devolveu o BolsaFamília, até Paulo Vellinho, Antônio Ermínio de Morais, o presidente Lula e a Maria da Conceição Tavares também.
Mas como? Pagar a cada pessoa, mesmo se essas pessoas não precisam? Sim. Mas obviamente essas pessoas vão
contribuir proporcionalmente mais do que todos os demais recebem, inclusive aquelas pessoas mencionadas pelo
Luíz Oswaldo ao relembrar Luís Gonzaga, quando o Presidente Lula saiu lá de Garanhuns e veio para Vicente de
Carvalho, treze dias num caminhão “pau-de-arara” aos sete anos de idade. O Luís Gonzaga cantava a música que é
considerada a mais bela do cancioneiro popular brasileiro “Triste Partida”, do Patativa do Aceré, “...eu vendo meu
burro, meu jegue e meu cavalo e vamos para São Paulo, viver ou morrer. Depois logo aparece um feliz fazendeiro
que por pouco dinheiro lhe compra o que tem. Ai, ai, meu Deus, faz pena o nortista tão forte e tão bravo, viver
como escravo no Norte ou no Sul”. Ah!, mas isso faz 40, 50 anos. O Brasil se desenvolveu tanto e qual é o grau de
liberdade percebido pelas pessoas hoje? É o que foi mostrado domingo no Fantástico. Os Falcões, ou o que está
registrado nas músicas do hip hop, como do Mano Brown, dos Racionais MCS. É preciso mudar. E a renda básica de
cidadania é a maneira de se prover dignidade e liberdade a todos, porque ninguém vai sentir vergonha de receber
algo que é direito de toda e qualquer pessoa, de partilhar da riqueza da nação. Felizmente o Brasil aprovou a lei. Só
falta implementá-la gradualmente. Vocês sabem que será passo a passo, mas quanto mais rapidamente os membros
do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social compreenderem isso, melhor. Eu quero saudar o Ministro
Jaques Wagner que, em 1991, disse a mim: “Eduardo, vai em frente e apresenta logo o projeto de garantia de renda
mínima porque aqui no partido o pessoal já compreendeu e é preciso levá-lo adiante”. Recomendo a todos que
conheçam melhor o projeto de renda mínima. Obrigado.
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
Nós temos, também, uma série de perguntas por escrito que vou tentar coordenar.
Sérgio Mileto
Coordenador da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (CIVES)
Sou Sérgio Mileto, coordenador da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (CIVES). Queria
agradecer à mesa, ao Conselho, em especial à nossa representante no conselho, Gisela Gorovitz, que tem feito
um excelente trabalho de representação. Como cidadão e empresário tenho uma preocupação muito grande em
ter o foco no desenvolvimento, o foco nas pessoas. Queria manifestar minha preocupação de tornar esse canal
institucional, que realmente eleva civilizatoriamente nosso país, num canal perene. Acho que devemos discutir
como tornar essa agenda e esse canal, de forma que ultrapassem esse governo, se tornem perene e que tenham
maior participação da sociedade. Que seja discutido nas cidades, nos bairros das grandes cidades. Como tornar
isso um canal que leve as discussões e ouça a sociedade como um todo. Minha preocupação também é colocar
como este Conselho pode trabalhar as ações governamentais em relação à Agenda. Durante os anos 70 tivemos
uma política chamada reengenharia, que, hoje, como empresário, fico perguntando se não está na hora de fazermos
a reengenharia reversa. Quer dizer, voltarmos, esquecermos um pouco o conceito da produtividade como aquele
conceito que fala em quantidade de produtos por homem/hora trabalhada. Chegamos a tal absurdo que, em
determinado momento, a coisa menos importante na produção é a mão-de-obra. Quer dizer, ouvimos vários elogios
à competitividade. Mas o que é competitividade? Precisar de menos trabalhadores e ter uma automação maior? Isso
é irreversível? Será que é? Essa irreversibilidade que vemos em longo prazo, qual a visão do futuro que traz? Que
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mundo é esse que estamos construindo, onde, em determinado momento, existia uma publicidade que dizia: “o
meu produto é melhor porque não tem a mão humana” e nós conhecemos nas empresas que a mão humana, o
trabalho humano, ainda é o melhor trabalho. Nosso produto precisa do ser humano. E como garantir? Queria fazer
aqui um apelo: que esse governo, por exemplo, não tome nenhuma decisão sobre a questão da TV digital. Será
uma revolução sobre o conhecimento agora, no ano eleitoral, sob pressão daqueles que controlam a informação
do país. Não estou dizendo qual é o melhor. Não quero defender nenhum projeto. Mas como tomar uma decisão
dessas num ano eleitoral? O que isto vai contribuir para a nossa Agenda? Enfim, eu gostaria de agradecer e ficar
observando com muita atenção o que vai acontecer nas questões e decisões governamentais relacionadas ao que
está sendo proposto na nossa agenda. Obrigado.
Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
Guido, você tem dez minutos.
Guido Mantega
Presidente do BNDES
Bom. Vou comentar as questões referentes à questão social, juntando aí o que disseram o João Bosco e a Sônia.
Eu queria dizer que estranhei muito a menção feita aos dados sociais do governo Lula. Acho que está equivocada.
Se há um setor no qual foram feitos mais gastos, mais investimentos, foi justamente na área social. Mesmo os
dados que Sônia utilizou comprovam que, na área de previdência e assistência social, que inclui o Bolsa-Família,
houve um aumento expressivo. Defendo o Bolsa-Família, porque acho que ele não é um programa meramente
assistencialista, como alguns querem dizer. Na verdade, é um programa que vem atrelado à educação e à saúde. Ele
obriga a família a colocar o filho na escola e só paga um percentual maior do programa caso haja comprovação de
que os filhos estão cursando a escola. Além disso, obriga também as famílias a passarem nos postos de saúde para
vacinar os filhos. Eu considero esse programa muito eficiente. Nunca se fez um programa com essa envergadura no
país. O governo anterior tinha um programa semelhante, mas era um programa desfocado, porque combinava uma
série de penduricalhos, juntava vale-gás com vale-família, bolsa-escola etc. Nós conseguimos fazer uma integração
desses benefícios em um único programa. Refizemos os cadastros que estavam defeituosos e, agora, temos um
programa eficiente que atende a mil famílias. O valor do gasto no programa social, a soma destes que eu mencionei,
os penduricalhos até 2002, era de dois bilhões e quatrocentos milhões. O programa do atual governo está gastando
quase sete bilhões de reais. E, um bom programa se mede pelos resultados. Não é um jogo de retórica, a gente
mede pelos resultados. E, os resultados desse programa apontam para o fato de que três milhões de cidadãos
saíram da linha de miséria. Isso é um dado que não é o governo que produziu. O governo tirou da linha de miséria
três milhões de cidadãos. Acredito, também, que combinando esse programa com a geração de empregos, que eu
mostrei nos gráficos que apresentei na minha exposição - e que não são apenas conversa de economista, podem
ser comprovados, são dados oficiais – o que obtemos é um resultado significativo. Com o aumento do emprego
e o aumento de salário mínimo, nós alteramos o índice de Gini e a distribuição da renda. Não sei se alguém
contesta o índice de Gini. Pode ser que conteste. Eu já vi de tudo hoje. Até gente contestando estatísticas oficiais.
Pode acontecer. Mas o índice de Gini foi para uma posição mais favorável. Houve uma desconcentração de renda.
Caiu a concentração de renda, o que significa que a base da pirâmide social está recebendo mais apoio e está
recebendo mais recursos. A renda do trabalhador está subindo por diversos motivos. A comparação que foi feita
aqui no Seminário é estranha. Usam-se os anos de 2001 e 2002, em comparação com os anos 2003, 2004 e 2005.
Por que não os três primeiros anos do governo passado com os três primeiros anos deste governo? Quer dizer, a
comparação pegou 2001, 2002, os últimos anos do governo anterior, o ano eleitoral, no qual os governos procuram
gastar um pouco mais, comparou com os três primeiros anos do atual governo, incluindo 2003 que foi um ano
que herdamos um orçamento apertado e que tivemos de reduzir alguns gastos. Eu contesto, por exemplo, que na
saúde nós tenhamos gastado menos. Pelo contrário. O orçamento da saúde é o segundo maior orçamento depois
da previdência. E sobe corrigido pelo PIB nominal. O PIB nominal subia e era impulsionado pelo IGP, que vocês
conhecem muito bem, que é da Fundação Getúlio Vargas. Os gastos com saúde subiram de forma extraordinária
de 2003 para 2004. Subiram mais de 10%. Não lembro a cifra exata, mas foi um impacto grande no orçamento. A
gente tem que rever os números que foram colocados aqui. Houve aumento ligado à saúde, habitação e saneamento,
sim. Houve um aumento muito alto, principalmente no nível do financiamento. As ações de saneamento são
promovidas, por um lado, pelo Ministério das Cidades e, pelo outro, pela Caixa Econômica Federal, que faz os
financiamentos. Lembro que em 2002 os financiamentos para saneamento foram algo em torno de R$ 280 mil reais.
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Nós triplicamos esse número. Se você quiser, podemos encaminhar esses números para vocês. Não é uma elevação
pequena. Nunca houve, nos últimos anos, um volume de financiamento para habitação e saneamento como está
havendo neste governo. E a diferença não é de um dígito, não. Estou falando de diferença substancial. Volta a haver
financiamento para habitação. Os senhores podem verificar, tanto no âmbito do setor público, quanto no âmbito do
setor privado, inclusive com redução de tributos sobre os insumos da habitação que acabaram de ser anunciados.
Os setores de habitação e saneamento estão indo muito bem. Mesmo em relação à questão agrária, eu questiono
os resultados apresentados, porque, na realidade, há, também, melhora substancial no governo Lula em relação
ao governo anterior. E com assentamentos de qualidade. Aí existe uma diferença que muitas vezes pode escapar
ao observador mais superficial. No governo passado, se jogava literalmente a população em regiões sem água, sem
infra-estrutura, sem condições de trabalho e produção. Este governo teve que recuperar essas populações e dar
condições para quer elas conseguissem se tornar produtivas. Os assentamentos, além de serem em volume maior,
são de qualidade diferente. Realmente a população está sendo assentada com capacidade de produzir e de trabalhar.
Os aposentados, em função do aumento do salário mínimo, tiveram aumentos reais consideráveis e são o esteio
da família em várias regiões do país. Na região Norte, o cidadão aposentado é que sustenta uma parte importante
do orçamento familiar. Houve uma modificação do tempo de aposentadoria. Antigamente o cidadão só poderia se
aposentar com sessenta e sete anos. Passou a se aposentar aos sessenta e cinco anos, e está sendo assistido. Está nas
contas do Estado. Portanto, eu contesto essa visão de que os gastos sociais caíram. Pelo contrário. Os gastos sociais
aumentaram em praticamente todos os itens. A saúde se move pelo PIB nominal. Então não tem como cair. Se o PIB
subiu, despesa com saúde, obrigatoriamente, compulsoriamente, tem que subir. Se o governo quisesse baixar, não
poderia. Os investimentos em saúde têm que subir. E subiram, sim, consideravelmente. Você pode questionar outros
aspectos deste governo, mas não na área social. Eu diria que há uma harmonia do gasto social com, por exemplo, o
superávit primário. Nós temos uma situação no Brasil de responsabilidade fiscal junto com responsabilidade social.
Nós conseguimos isso. E temos uma melhoria nítida da situação do grosso da população brasileira.
Clemente Ganz Lúcio
Conselheiro do CDES
Selecionei, para esclarecer agora, duas ou três das questões colocadas para o Conselho. Depois respondo questões
específicas por e-mail ou pessoalmente. A primeira questão refere-se ao papel da Agenda, que tem três dimensões:
a)
Na sua construção, buscou-se responder ao desafio colocado pelo Presidente da República: a partir do
mosaico de visões, representações, entendimentos da realidade brasileira, quais seriam os caminhos
possíveis de serem trilhados, para que o Brasil entre em uma rota de desenvolvimento de longo prazo?
b) A Agenda tem por objetivo orientar o próprio trabalho do Conselho. Amanhã, por exemplo, o Conselho
vai tratar especificamente da educação – uma das questões estruturais elencadas na Agenda – com ênfase
na qualidade da educação. Assim, entende-se que o investimento em educação, ciência e tecnologia fazem
parte da centralidade do desenvolvimento, de acordo com os aspectos que já foram destacados aqui pelos
debatedores.
c) De uma vasta gama de opções que poderiam ser adotadas, a Agenda indica, na visão dos conselheiros, um
conjunto de diretrizes ou escolhas com maior potencial ou força de transformação, no sentido de criar um
ambiente favorável para o desenvolvimento.
d) A terceira dimensão da Agenda está na promoção de debates com a sociedade, feitos de forma continuada
pelo Conselho – com mobilização de organizações, interesses, personalidades – colocando o debate do
desenvolvimento e da distribuição dentro de uma visão estratégica.
Nesse sentido, o Conselho deliberou sobre a proposta de criação do Observatório da Eqüidade, cujo objetivo
é verificar como o conjunto das políticas públicas implementadas, e as ações dos setores privados, contribuem
para a promoção da igualdade. É um instrumento que visa subsidiar o trabalho do Conselho. A concepção
deste observatório tem por princípio a construção de redes de organizações que estejam atuando em diferentes
campos da sociedade brasileira e que queiram interagir com a Agenda Nacional de Desenvolvimento, buscando
criar entendimento, avaliação, elaboração de propostas alternativas em diferentes ângulos, desde o nível micro ao
nível macro, das políticas de desenvolvimento. Então, a Agenda é, também, um instrumento de diálogo com as
organizações da sociedade, visando aperfeiçoar e aprimorar o próprio trabalho do Conselho.
Há uma questão específica sobre micro e pequena empresa e destaco que este tema está presente em todas as
diretrizes do Conselho, em diferentes esferas. Ainda no primeiro ano, o Conselho teve um trabalho importante
relacionado à elaboração das leis de amparo à micro e pequena empresa.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Por fim, gostaria de dizer que a Agenda foi elaborada em consonância com os outros instrumentos de
planejamento do governo, em particular o PPA, o Brasil em Três Tempos (programa coordenado pelo Núcleo de
Gestão e Estratégia – NAE) e a Agenda 21, incorporando as metas do milênio como elemento de visão estratégica
para o país. Ou seja, várias referências foram consideradas para a elaboração da AND.
Entretanto, sabíamos, também, que esta não era uma agenda de planejamento global, nem de planejamento de
governo. A Agenda era uma escolha política feita pelos membros do Conselho, no sentido de identificar ações que
o país, os governos e o setor privado têm que fazer para consolidar o desenvolvimento do Brasil. Assim, foram feitas
escolhas que estão presentes nos instrumentos de planejamento e que, na visão dos conselheiros, são diretrizes
com o potencial transformador da realidade brasileira e, portadoras de futuro e desenvolvimento. Obrigado pela
atenção de todos.
João Paulo dos Reis Velloso
Ex-Ministro de Planejamento, Membro Diretor do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE)
Vou concentrar meu comentário na idéia do crescimento com inclusão social. Começarei fazendo uma referência
à situação de favelas e periferias urbanas, que cada vez se torna um problema mais complexo porque estão envolvidos
o narcotráfico e o crime organizado. O ponto básico a colocar aqui é o seguinte: temos que levar oportunidades aos
habitantes das favelas e periferias, particularmente aos jovens. Temos que levar políticas sociais. Favela é um bairro da
cidade. E essa que é a idéia. É um bairro como outro qualquer. Digamos um bairro pobre. Não pode ser essa história
de cidade partida. Temos que levar educação, saúde, saneamento, e não é só urbanização. Temos que levar cultura,
esportes, oportunidades de emprego. E aí passamos à questão da inclusão em geral, com a observação de que nas
condições atuais da economia moderna, com novo paradigma industrial e tecnológico, há um problema complexo. É
preciso ter crescimento, mas talvez o crescimento não seja suficiente para gerar a quantidade de empregos necessária.
Não é como no paradigma industrial e tecnológico anterior. Vimos o que aconteceu, principalmente nos anos
noventa. O emprego cresceu para baixo. Vamos procurar ter um tipo de crescimento que seja mais rico em empregos,
dando ênfase, por exemplo, à pequena empresa como estratégia geral do desenvolvimento. E quando digo pequena,
quero dizer micro, pequena e média empresa. Temos que procurar as políticas especiais de emprego, principalmente
políticas em nível local. É preciso que a União entenda a necessidade de dar apoio a estados e municípios nessas
políticas locais. Em parte, podem ser financiados pelo BNDES ou pelo Banco do Brasil. Tivemos aqui uma referência
a um tipo de programa do Banco do Brasil. Mas é preciso usar criatividade, porque realmente há um grande perigo:
de que o crescimento, mesmo o mais elevado, não seja suficiente para gerar os empregos de que nós precisamos. Era
essa a principal observação que eu queria fazer. Muito obrigado.
Maria da Conceição Tavares
Economista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de Campinas e Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ)
O.K., meus queridos. A lista de perguntas que eu tenho é enorme. Além disso, gostaria de comentar as
observações feitas por algumas das pessoas que falaram como conselheiros antigos e novatos dessa mesa. Há dois
pontos que foram aqui levantados. Um, de viva-voz, pelo João Bosco e outro por escrito por uma moça que está
ligada à Secretaria Especial de Política para as Mulheres. Evidente que a razão fundamental do meu ponto de vista,
posso estar enganada, é de que nem as mulheres e nem os homens negros, como diz o IBGE, têm predominância
em posições de liderança e fazem parte de classes subordinadas, espoliadas, maltratadas, desde sempre. Evidente
que Dr. João Bosco, é exceção. Eu e a Sônia Fleury, também somos vanguarda, imagina, somos da antiga. Entre
os economistas, eu jamais fui matemática. Lembro que debochávamos da matemática aplicada à economia, mas
reconheço que fazia sucesso. Eu continuo achando que não é nada divertido, porque realmente cabeça de planilha
e de contadores, eu já estou de saco cheio há muito tempo. Como eu não me incluo nas suas críticas, eu me sinto à
vontade para responder ao Dr. João Bosco.
Vamos lá: afrodescendentes e mulheres são heranças históricas longas. Longas, no sentido de longa duração,
não pertencem a nenhum governo. Curta é dos anos 30 para cá. Nosso Congresso tem uma grande peculiaridade,
fazem inúmeras leis não aplicáveis e está cada vez mais privatizado, no sentido de que os lobbies, os grupos de
interesses, o aumento da participação dos que são chamados de “baixo clero” – parecem vereadores que tem de
ter um pedacinho de estrada, ou coisa assim – dominam o cenário. Portanto, é difícil atuar como parlamentar. Eu
fui deputada e vi. É difícil você, realmente, a partir do Congresso Nacional, ter iniciativas que não sejam de uma
constituinte.
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Está claro? Essa sim, é uma iniciativa pesada que às vezes provoca mudanças. Mas, nem assim muda com
certeza. Nós fizemos a Constituição de 88 e eu no meu mandato, tentando impedir - de luto, de bandeirinha ou
com o que vocês quiserem imaginar - a reforma econômica que queriam implantar, começando depois de uma
da seguridade social. Não adianta dizer que o Estado e a sociedade civil são entes abstratos. Quando eu digo
democratizar o Estado e ampliá-lo é, em todos os seus segmentos, e isso leva evidentemente uma ou mais gerações.
E agora não se trata apenas de ter uma meritocracia que no momento é duvidosa, de uma geração de 38 a 40,
realmente pretensiosa e que não corresponde em nada à geração sobre a qual o Ministro Velloso se referiu. Eu podia
ser de esquerda, mas o professor Bulhões jamais me discriminou porque ele era um liberal conservador. Um liberal
que dava direito que eu dissesse o contrário do que ele dizia.
A verdade é que a situação no país está muito ruim. Imagine que eu tenho sido consolada pelos velhos
conservadores. Agora predominam os neoconservadores, que são muito piores. Vários deles eram congressistas.
Eu não admito essa choradeira, quando quase todos os quadros dirigentes desse país lutaram contra a ditadura.
Naturalmente não estou falando do Antônio Carlos Magalhães, mas sim dos velhos quadros progressistas e liberais.
Aquele é mais velho do que eu, mas não adianta porque não se emenda mais. Mas, claro, assim como eu também
não me emendo mais. Então não é disso que estou falando, estou falando que o Estado foi desmantelado em vários
níveis, desde as suas burocracias funcionais até a questão da redemocratização e das privatizações. Esta é uma luta
ampla, que cabe a todos, naturalmente cabe em particular hoje aos que estão ocupando os postos a qualquer nível.
Dra. Fleury, é evidente que prefiro políticas universais a políticas focalizadas. Deus sabe que prefiro, e até
briguei, até cheguei a insultar uns meninos da Fazenda que eram muito hábeis, acabei chamando-os de sei lá o quê.
É melhor nem repetir, coitado do sujeito, também jovem, também da Fundação Getúlio Vargas. Mas a Sônia não,
continua entre os progressistas. Imagine agora os da “casa das garças”, que hoje já não são meus amigos. Eles eram
fantásticos, mas agora fica difícil chamá-los de amigos. Também até porque eu não consigo, estar contra a minha
natureza. Ou fazemos amigos, companheiros de jornada que vão à mesma direção ou fica difícil. É porque minha
vida é tão ligada à economia e à política, tão ligada que não tem jeito, e apesar de não ser tão ligada aos movimentos
sociais, reconheço que só um governo popular permite que eles se manifestem. Reconheço agora uma terceira
coisa, que a Sônia não falou. Sem querer, olha o que o Velloso falou agora: nós devemos, nós quem? A elite? Acho
que o povo deveria se organizar e lutar. Se vocês imaginam que algum burocrata pisa nas favelas do Rio de Janeiro
na situação que estamos, estão brincando, evidentemente. Sabem quem pisa? Os da saúde e da assistência social,
esses pisam, pedindo licença para o tráfico. Mas eles deixam, porque eles sabem que é para cuidar da saúde e da
assistência dos infelizes.
Um ponto é que o Estado chegou a tal ordem que perdeu o controle de territórios, nem falemos na fronteira,
na Amazônia. Não, territórios urbanos, estou de acordo de que a situação nas metrópoles é gravíssima. Não vou ler
aqui os seminários que pretendemos fazer no Centro Celso Furtado, mas isso será objeto de um bom debate, assim
como a questão agrária. Alguém me perguntou se a reforma agrária continua viva? Penso na questão metropolitana,
e como não fizemos a reforma agrária nós mandamos milhões e milhões de expulsos da terra para as periferias das
cidades, e rápido. Como é muito rápido, vocês podem imaginar as camadas e camadas de infelizes lá precipitados,
onde aí, Paulo Vellinho, é muito difícil haver vencedores. Eu também estou de acordo de que o mundo se divide
em vencedores e perdedores, mas no Brasil os vencedores são sempre da mesma linhagem, ou família ou de peso
econômico, ou de peso financeiro ou de peso na mídia. Estou excluindo o Dr. Vellinho que conheço pessoalmente.
Ele não lembra mais desses programas, alguns dos quais escritos pela nossa gente de Campinas, que ele leu e assinou.
Por conseqüência, o Dr. Velhinho em particular, é de minha estima, ao contrário dos novos, que ultimamente, não
são muito estimáveis.
Sônia, tem um outro problema: como o Estado não dá conta, há o terceiro setor, o qual apesar de fazer uma força
enorme para implementar programas sociais, que em última instância dependem de recurso do estrangeiro ou do
próprio Estado, criam muitos obstáculos para que possam trabalhar, fica complicado. Eu tenho visto vários deles
reclamarem da sua impossibilidade de levar adiante os programas que dependem de recursos ou do Tesouro, ou de
algum comportamento social das grandes estatais que lhes dão recursos, por exemplo. Trata-se de uma política de
redistribuição de poderes e atribuições, mas que todos pertencem a eles, às elites dominantes. E nem sempre essas
organizações têm a simpatia das elites dominantes. Eu não acredito, Sônia, que só as políticas universais, das quais
sou fã incondicional, dependem da economia. Se for o caso, eu cito Cuba que está muito mal economicamente,
mas ninguém morre de fome, mal-e-mal, mas tem saúde e educação. Mas está fora de moda, é uma pequena ilha
em decadência. Ninguém mais sabe do que se trata o socialismo e a própria social democracia entregou os pontos
e virou neoliberal. Nós estamos vivendo uma época de grandes transformações no capitalismo mundial, todos na
direção da desregulação, estado mínimo, não intervenção. Resultado, mesmo um país grande como os Estados
Unidos, agora têm uma boa parte do terceiro mundo dentro deles. Ou seja, Furtado não tinha idéia de quanto ia
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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se reproduzir o subdesenvolvimento mundialmente. E é um problema de consciência coletiva, e cuidado com a
linguagem Velloso, desculpe, eu sei que é um homem de boa fé e de boas intenções, sempre me protegeu, sempre
trabalhei com ele. De vez em quando irritava lá os homens da segurança. E ele dizia, ela é de esquerda, meio maluca,
mas ela é esforçada, ela é honesta. Devo, talvez, aos dois trabalhar no setor público no final da ditadura, senão teria
sido posta para fora. Como se vê, até para isso é preciso padrinho. Isto é realmente a nossa sociedade. Logo, não é
uma sociedade humanitária, não é uma sociedade democrática, e é por isso que eu ponho ênfase nestes aspectos e
não na ordem e progresso. Porque de ordem e progresso nós tivemos uma centena de anos.
O Brasil cresceu muito bem, obrigada, deu lições ao mundo, não foi por pouco tempo, foi bastante, mas faltou
ordem democrática. Agora, se para se botar ordem precisa de uma ditadura, fica bravo. Então nós temos que
agüentar o conflito, a arbitragem social. Isto foi dito não sei por quem agora, que devia se manter a maior participação
da sociedade nesse projeto da Agenda do Desenvolvimento. Deve mesmo, mas tem poucos representantes dos
oprimidos aqui, deveria aumentar o número de representantes dos oprimidos, mesmo quando eles não falam de
economia, mesmo quando o ‘economês’ seja ininteligível, todos falamos a mesma língua. Eu não falo a língua das
favelas, eu nem entendo direito o que dizem os raps, está claro? Mas eu tenho simpatia, hoje são músicos. Para
entendê-los eu preciso que meu neto decodifique para mim. Já estou num nível que meu neto tem que decodificar
a nova música e as maluquices do Orkut e outras gracinhas a mais. Eu sou francamente obsoleta, mas espero que
haja, neste particular, uma revivência dos obsoletos, todos progressistas e conservadores eram melhores do que os
que hoje estão aí: novos progressistas e conservadores não estão me agradando muito. Mas é claro que cada um tem
o direito de defender ou reclamar de sua geração.
Outra coisa que me foi perguntada é sobre a maldita síndrome macroeconômica que começou na década de 70,
quando tentaram captar recursos externos para financiar o nosso desenvolvimento. Alguns advogam que se a taxa
de juros interna subiu nas alturas, o que todo mundo dizia, é que captamos para investir. O México captou para
torrar, a Argentina captou para torrar, o Chile captou para torrar claro, essa é a verdade. Nós gostamos, nesse país
de desenvolvimento, das forças produtivas e não há evidências do contrário. Nós temos uma vocação produtivista,
uma vocação para o progresso material, nós não temos vocação é para o progresso social. Essa que é a questão. Não
temos nem para a democracia, não temos mesmo, está claro? Logo, esta luta é contínua e começou agora, está claro?
O Dr. Fernando Henrique, no seu governo montou essa síndrome macroeconômica da qual não nos vemos livres.
Claro que conseguimos, e é verdade o que disse o Guido, conseguimos, como eu havia dito, tirar a barreira principal
para o desenvolvimento material, que é a vulnerabilidade externa: diminuímos a dívida, vamos pagar a dívida
velha, estamos conseguindo nos endividar a prazos mais longos com taxas de juros menores. O que me preocupa
é o seguinte: podemos evidentemente voltar à estupidez. Qualquer governo novo pode resolver se endividar outra
vez até as orelhas, tanto externa como internamente que foi o que o brilhante sociólogo, meu ex-amigo, um dos
homens mais inteligentes desse país fez.
Graças a Deus, uma vez eu perguntei ao Bispo, chefe da CNBB. Estávamos fazendo uma discussão que eu tinha
uma grande dificuldade de perdoar o Fernando Henrique e ele me respondeu o seguinte: você nem é Deus e ele sabe
o que faz. Então ele acertará contas com Deus, não com você. Disse, perfeito, eu fiquei tranquila e dali em diante
ele acertará com o Criador e com os seus discípulos, comigo não. Seguramente não é uma pessoa desinformada,
nem desinteligente, e não dá pra dizer que o Malan fez o que fez sem o conhecimento dele (FHC), que, aliás, é outro
progressista. Esse negócio de ser Ministro da Fazenda é brabo. Você entra no Banco Central ou na Fazenda e é difícil
ser progressista. Sobretudo quando você tem encrenca macroeconômica do tamanho que a gente tinha e ainda tem.
Desmontar essa armadilha é brabo. Então como é brabo, fazemos força nessa direção, mas é só disso que se trata,
quer dizer agora somos socialistas macroeconômicos? Imagine, estamos brincando? Eu não. Eu quero que avance
não apenas no desenvolvimento das forças materiais como e fundamentalmente na direção daquilo que o Furtado
chamou de desenvolvimento, senão eu minto. Ele escreveu em 1961 O Desenvolvimento e Subdesenvolvimento e
em 1974 escreveu o livro sobre Mitos do Desenvolvimento. Recomendo a leitura desse último, porque está voltando
tudo de novo. Foco no desenvolvimento das pessoas claro, mas o foco tem que ser no desenvolvimento pelas
pessoas. Não há nenhum Estado que possa resolver o desenvolvimento das pessoas a não ser os estados autoritários,
lembre a Alemanha de Hitler, lembre o Vargas. Estou falando sim, as pessoas têm que participar desse fórum e
ampliá-lo. Nós todos temos que abrir o horizonte, ter dúvidas e examinar esse período de transição que está muito
confuso, muito complexo. Não temos que ter idéias fixas sobre números que é para defender e atacar o governo.
Os que defendem têm números, e os que não defendem fazem de conta que os números não existem. Aí, Sônia,
os números estão aí, goste você ou não e são melhores que os do governo Fernando Henrique. Ora paciência, eu
digo, e daí? A questão é daqui para frente. Estamos numa transição democrática que já tem tantos anos, quanto o
período de ditadura, é uma vergonha. Nós temos que ser, em primeiro lugar, democratas, aperfeiçoar as instituições
republicanas, fazer com que os poderes nesse país, que estão privatizados até as orelhas, sejam redemocratizados.
Que se permita que a cidadania em todos seus poros, pressione para que isso ocorra.
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Jaques Wagner
Ministro-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais
Bom. Obrigado, Conceição. Eu quero lhe dizer que fui mais que democrata. Fui liberal. Eram dez minutos e
você falou vinte. Mas como todo mundo estava feliz, eu achei que era impróprio cortar a felicidade de te ouvir. Em
primeiro lugar quero agradecer a Conceição, ao Velloso, ao Guido e ao Clemente por essa nossa mesa da manhã e
dizer que vou pegar só dois pontos que o Ministro Velloso falou e que tenho insistido desde que a gente chegou ao
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. A tarefa, a maior desse Conselho, para mim, é buscar uma visão
de médio e longo prazos, sem nenhuma obstrução do debate atual. O Velloso falou que, para saber onde a gente quer
chegar, temos que ter as estratégias de desenvolvimento. O dia de hoje é mais um passo desse processo na tentativa
de se ter uma visão de médio e longo prazo, para poder sugerir ao governo, não somente esse que aí está, porque
espero que realmente que o Conselho se perenize como instrumento de aprofundamento da democracia e de uma
democracia participativa mais direta. Segundo acho que o Conselho também tem a oportunidade de trabalhar
no sentido contrário e até num ambiente de resistência. Eu acho que a gente passou por determinados momentos
onde determinados valores, ferramentas, instrumentos da economia, aos quais todos tivemos que nos curvar. E
creio que os números que foram colocados aqui apontam, no seio do governo, o conceito que só vale a pena se o
que estiver fazendo em nível da economia, esteja a serviço do conjunto da sociedade. Solicito aos debatedores que
remetam via endereços eletrônicos as respostas que não puderam ser dadas aqui. Só lembro que foi nesse governo
que a gente criou no Ministério do Trabalho uma Secretaria de Economia Solidária. Temos resultados positivos
nessa área de recuperação de cooperativas de auto-gestão. Fizemos um trabalho olhando para lei geral da micro e
pequena empresa, que deve estar entrando em votação agora, nessa semana ou na semana que vem, coincidindo
com a fala do Ministro Velloso. Temos consciência da importância da sustentabilidade desse setor, e da necessidade
de alavancá-lo. Estamos com a lei geral onde esse conceito contribuiu fortemente, provocando inclusive debates que
ultrapassaram as categorias conhecidas por nós micro e pequenos empresários. Estarei me afastando do Conselho
no final desse mês. Quero dizer que nós cumprimos um papel que eu considero excepcional, porque isso aqui, para
mim, é fermento. Está muito longe da gente imaginar que estamos num padrão que nos atende e nos satisfaz. Mas
tenho insistido que o objetivo maior tem que estar traçado para que a gente possa animar a caminhada. Acho que
é importante que na expectativa da chegada, a gente não despreze as curvas do caminho que estamos trilhando.
Acho que estamos trilhando curvas boas. Em algumas derrapamos. Mas creio que no que está sendo fermentado
na sociedade brasileira. Como acredito no processo de diálogo quero agradecer a presença de todos. Obrigado para
quem à tarde estiver de volta.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Mesa-Redonda II: O desenvolvimento em
perspectiva histórica e internacional
Expositores:
1. Paulo Godoy - Conselheiro do CDES
2. Delfim Netto - Deputado Federal
3. Jan Kregel - Economista Chefe da DESA/ONU
4. Ha-Joon Chang - Especialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra
5. Fernando Pimentel - Prefeito de Belo Horizonte
Paulo Godoy
Conselheiro do CDES
Boa tarde a todos. Gostaria de inicialmente agradecer, novamente, àqueles que já estiveram na parte da
manhã, e que permaneceram, e àqueles que se incorporaram ao seminário agora na parte da tarde. Especialmente
agradecer os nossos convidados que serão, oportunamente, apresentados pelo nosso moderador. Quero dizer
da satisfação de termos concluído esta decisão de confeccionar a Agenda Nacional do Desenvolvimento para
o CDES e a oportunidade de trazer o debate a público, sobre as perspectiva de desenvolvimento, à sociedade
brasileira. Creio que o desenvolvimento sustentado é o caminho para resolver todas as pendências e lacunas
na atividade econômica mundial. Certamente é por meio do desenvolvimento é que nós vamos encontrar os
caminhos para resolver as lacunas, a distribuição equivocada de renda e todas as mazelas das carências, que
nós ainda temos que enfrentar. Essa convicção é que uniu o conselho do CDES, um conselho plural, mas que
encontrou, neste tema, uma convergência inequívoca que é a busca do desenvolvimento. Nesta oportunidade,
quero cumprimentar a todos que organizaram o evento, tanto pela qualidade das pessoas que passaram pela
manhã, e agora essa grande oportunidade de ouvirmos um pouco da experiência de quem estuda e participa
de estudos internacionais, de experiências de países que buscaram o crescimento sustentado como o objetivo
final. Claro que é sempre um prazer para todos nós termos, também, a oportunidade de ouvir o nosso Ministro,
deputado e, acima de tudo, o mestre, Professor Delfim Netto. Agradeço a todos, esperando que tenhamos aqui
uma tarde proveitosa. Passo a palavra ao prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, que vai então mediar o
trabalho na parte da tarde. Muito obrigado.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Boa tarde a todos, amigos e amigas que nos dão a alegria da presença aqui hoje. Quero saudar, em primeiro
lugar e com muito carinho, o conselheiro Paulo Godoy e, na pessoa dele, todos os conselheiros componentes do
CDES. Desde já me congratulo com todos pela iniciativa desse seminário. Certamente será muito proveitoso
para o debate que hora se trava no país em torno da Agenda Nacional de Desenvolvimento. Quero saudar nossos
convidados de hoje, que vão ser palestrantes aqui: deputado Antonio Delfim Netto, que todos conhecem, foi
Ministro de Estado, foi Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, foi Embaixador do Brasil na França, Ministro
de Estado do Planejamento, é Professor de Economia da USP; ao Professor Jan Kregel, atualmente economista
chefe do DESA da ONU, trabalhou como especialista de alto nível e é um dos principais nomes entre os teóricos da
economia mundial, tendo trabalhado em macroeconomia e em estudos sobre desenvolvimento econômico, ao lado
de grandes mestres; quero saudar, também, a presença e a palestra do Professor Ha-Joon Chang, coreano, um dos
nomes mais proeminentes na Escola de Economia da Universidade de Cambridge, cuja principal especialidade é a
política industrial para a economia do desenvolvimento e a economia mista. Determina o cerimonial que eu desde
já fixe o tempo da exposição de cada um dos expositores. Esse tempo será de trinta minutos para os dois convidados
internacionais, e de vinte minutos para o deputado Delfim Netto, embora eu considere uma injustiça ao deputado,
dada a sua trajetória e seu notório conhecimento sobre o Brasil. Mas, enfim, é o que está fixado aqui. Após essas
intervenções, abriremos o debate com perguntas por escrito e respostas unificadas por blocos de questões. Pela
ordem, o Professor Jan Kregel para sua exposição.
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Jan Kregel
Economista Chefe da DESA/ONU
Boa tarde. Estou muito agradecido de estar novamente em Brasília, especialmente honrado de estar nesse Seminário
e, também, de estar na presença de mestres ilustres da teoria e da política do desenvolvimento. Quero começar dizendo
que nada que eu disser deve ser representado como a política ou a opinião das Nações Unidas. Gostaria de começar
fazendo um sumário curto sobre o pensamento atual do desenvolvimento dentro do processo das Nações Unidas. Vocês
estão provavelmente cientes da Declaração do Milênio, que levantou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Vocês
estão provavelmente também cientes da Conferência Internacional de Financiamento para Desenvolvimento. Minha
função atualmente é, de fato, ser o administrador do que agora chamamos de Parceria de Desenvolvimento Global. Em
setembro, as Nações Unidas completaram a Cúpula Mundial de 2005, que era não somente uma conferência seqüencial
à Declaração do Milênio, mas, também, uma conferência mais geral, lidando com o modo como as Nações Unidas
trabalham com os problemas de desenvolvimento e a interação entre desenvolvimento e outros aspectos de segurança
internacional e direitos humanos. Se olharmos para a implementação dos Objetivos da Declaração do Milênio (ODM),
que é um dos nossos objetivos atuais, estamos muito agradecidos por notar que o Brasil, se não estava um passo à frente,
estava passo a passo com as Nações Unidas com os planos da Bolsa-Família, e o programa Fome Zero. Os dois, mais ou
menos, diretamente relacionados aos ODM. Ao mesmo tempo, estou honrado e agradecido de ter sido o representante
na Ação Contra a Fome e a Miséria, originalmente proposta pelo presidente Lula, para tentar estender o Programa
Fome Zero a um nível internacional. Só recentemente completamos uma conferência ministerial em Paris, na qual os
frutos dessa iniciativa começaram a gerar recursos adicionais para o financiamento ao desenvolvimento. O documento
gerado na Cúpula de 2005 se deslocou substancialmente, além do Consenso de Monterrey e da Declaração do Milênio.
Primeiro tentando colocar igualmente todos os compromissos de governo que foram assumidos nas várias Conferências
de Alto Nível nas Nações Unidas. Vocês talvez se lembrem da Cúpula do Rio, que lançou a iniciativa de desenvolvimento
sustentável. Várias dessas conferências aconteceram lidando com aspectos de gerar, e outros aspectos de desenvolvimento,
que não foram sempre diretamente representados na Declaração do Milênio. O documento da Cúpula de 2005 tenta
introduzir o conceito do que chamamos agora de Os Objetivos de Desenvolvimento em Consenso Internacional, para
poder ampliar o escopo desses objetivos que são representados nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Isso é
uma tentativa de mudar a ênfase de simplesmente tentar providenciar soluções para problemas específicos, que países
em desenvolvimento estão encarando, para a análise do próprio desenvolvimento de uma forma geral e a identificação do
que, nesse documento, são chamadas de Estratégias de Desenvolvimento Nacional. Nesse sentido, é muito interessante
participar desse debate sobre a Agenda Nacional de Desenvolvimento do Brasil. Isso é precisamente o que o documento
da Cúpula havia sugerido e indicado. O que os países em desenvolvimento deveriam estar fazendo para satisfazer um
dos requisitos básicos de qualquer estratégia de desenvolvimento. E o argumento é que, em primeiro lugar, qualquer
estratégia deve ser nacional. Ou seja, deve ser o resultado de colaboração, discussão e contribuição de todos os membros
da sociedade - precisamente o fundamento da reunião que estamos tendo hoje, e o fundamento para as discussões
sobre a Agenda de Desenvolvimento Nacional. É algo que consideramos ser crucialmente importante na elaboração de
estratégias de desenvolvimento nacional dentro do contexto de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,
e os Objetivos de Desenvolvimento em Consenso Internacional. Agora, se olharmos o aspecto desse debate em particular,
estou feliz de confirmar o que o ministro Jaques Wagner sugeriu essa manhã: há agora um programa em andamento
entre o Conselho e o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (DESA) para construir e
observar a experiência aqui do Conselho (CDES) para depois, tentar estender isso para outros países da América Latina.
Isto é, tentar usar o caso brasileiro como um projeto piloto, que pode depois ser aplicado nas experiências de outros
países da América Latina, para formar uma maior fundação social para as políticas de desenvolvimento, que são de fato
implementadas pelo governo.
Agora que vocês já estão familiarizados com o enfoque adotado no Consenso de Monterrey, vão notar que eles
deram grande ênfase foi no que chamamos de mobilização de recursos domésticos. A mobilização de recursos
domésticos é baseada na idéia de que os verdadeiros fundamentos para o desenvolvimento econômico advêm de
recursos domésticos. Isto é, a idéia de que os países têm de fato recursos domésticos substanciais, que eles não
estão explorando completamente e, a primeira prioridade deveria ser tentar identificar estratégias para desenvolver
completamente os esses recursos. Se olharmos para o enfoque básico, para a teoria de desenvolvimento, que foi feita
na América Latina, ela se construiu muito próxima à tese que foi, primeiramente apresentada por Raul Prebisch e
depois por Celso Furtado. Os dois estavam trabalhando no Comitê das Nações Unidas para a América Latina. Essa
tese, em particular, se constrói sob a tese de que os países não são iguais. Que esses países devem se desenvolver
levando em consideração as suas próprias e particulares condições históricas, e devem construir suas estratégias a
partir dos vários aspectos e mudanças que aconteceram com o tempo. Uma das coisas mais interessantes sobre a
história do desenvolvimento da América Latina é que, em geral, foi diferente da experiência de desenvolvimento
tanto dos países asiáticos, quanto dos países africanos em desenvolvimento. Listei várias coisas muito interessantes,
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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mas não temos tempo de falar de todas elas. Se olharmos para as políticas de desenvolvimento da América Latina,
veremos que elas têm sido extremamente voláteis. Mais tarde podemos falar da volatilidade de taxas de câmbio, ou
das taxas de juros. Mas, basicamente, as estratégias de desenvolvimento na América Latina têm sido extremamente
voláteis pelo motivo básico de que a história da América Latina começou com o que inicialmente eram colônias
inteiramente integradas, fazendo comércio com as economias desenvolvidas dos europeus, subseqüentemente se
tornando democracias independentes, ainda baseadas em padrões de comércio extremamente abertos. E depois, na
virada do século, se tornando economias muito mais fechadas, o que chamamos de “estratégia de desenvolvimento
votada para dentro”. Subseqüentemente, ainda no século XX, retornaram a estratégias baseadas em uma maior
exposição ao comércio internacional e em uma produção bem afinada com o papel do Estado.
É crucial, lembrar que, para quase todos os países em desenvolvimento na América Latina, o que agora chamamos
de O Consenso de Washington, foi supostamente o modelo seguido em resposta à crise de 1980, como eu acho que a
Conceição mencionou esta manhã. De fato o modelo teve suas raízes nos anos 1960, na Argentina, no Brasil e no México.
Isto é, você pode verificar documentos políticos muito claros que se expressam da mesma forma que O Consenso de
Washington. Então, uma das dificuldades que tem atrapalhado o desenvolvimento latino-americano foi esse troca-troca
entre políticas diferentes que criou dificuldades e um dos objetivos de políticas de desenvolvimentos, eu diria, um dos
objetivos da Agenda de Desenvolvimento, é tentar alcançar um acordo em torno de uma política de desenvolvimento que
possa ser permanente. Isto é, uma política de desenvolvimento que irá além do atual governo e que irá de fato.
E agora, voltemos à ligação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Iremos pelo menos até o ano 2015 ou
além, então o que estamos procurando são os aspectos fundamentais de que a estratégia de desenvolvimento requer
para ser mais ou menos permanente ao longo do tempo, para poder permitir que os parceiros possam tomar decisões
presumindo que as estratégias não irão mudar quando o próximo governo chegar no poder. Se olharmos para as
premissas tradicionais que são normalmente aplicadas à teoria do desenvolvimento: falta de recursos internos;
falta de poupança doméstica; necessidade de recursos externos; necessidade de capital estrangeiro; necessidade
de economia aberta para atrair investidores estrangeiros; só há uma que eu irei enfatizar diretamente, a primeira
premissa – a da falta de recursos domésticos. As demais premissas, é claro, também têm inúmeras implicações: por
exemplo, se faltam a esses países reservas domésticas é necessário contar com reservas externas ou empréstimos
externos. E para fazer isso, é necessário que a economia tenha mercados de capitais abertos e permita movimentos
livres de capitais para o país. Contudo, como sugerimos esta manhã, e pela experiência que nós vimos, primeiro
de tudo, à maioria dos países Latino Americanos não faltam recursos, não seriam colônias se faltassem recursos.
A maioria das economias é extremamente rica em recursos domésticos, então a questão é de fato, como eu sugeri
mais cedo, não de tomar emprestado recursos externos. A questão é tentar mobilizar recursos domésticos para
que, então, quando estivermos olhando para a confiança/desconfiança do capital externo, contando com reservas
externas, estaremos sempre na perspectiva de tentar mobilizar recursos domésticos, ao invés de tentar tomar
emprestado recursos do exterior. Há uma razão muito simples para isso, e a razão é que se os recursos externos
não forem usados para mobilizar recursos domésticos, então os recursos estrangeiros nunca poderão ser quitados.
E aí surgem os problemas que enfrentamos na crise dos anos 1980, e caímos nas dificuldades, muito similares,
que encontramos no Brasil e na Argentina nos anos 1990. Então, se olharmos para a posição desse fundamento,
queremos ser claros que não é necessário para as economias contar com empréstimos de recursos externos. Um
bom amigo meu, o antigo ministro das finanças Bresser Pereira, adotou agora uma posição que eu acho que é muito
próxima à posição das Nações Unidas. É a de que todos os países, se possível, devem eliminar sua dependência do
capital estrangeiro, e com isso, a dependência de dívidas externas, a não ser que exista um programa bem definido
e claro para utilização do empréstimo que permita a mobilização de recursos domésticos que como conseqüência
gere uma renda crescente e uma crescente capacidade de exportação com a qual se possa quitar a dívida externa.
No caso brasileiro é possível observar as vantagens que o Brasil desfruta e que freqüentemente nós não as
consideramos e por isso subestimamos o potencial de crescimento do país. Por exemplo: a grande extensão
geográfica; a grande população; os recursos naturais – solo e minerais; o grande potencial de mercado interno; a
indústria de base; a tecnologia de base etc. Em geral, subestimamos o potencial dos recursos domésticos por conta
da idéia de que é difícil mobilizar esses recursos. Se olharmos para os recursos domésticos, para poder fazer um
sumário básico, o que eu sugiro é que a maioria dos países em desenvolvimento tem algum grande recurso doméstico
não explorado – a sua população. A mão-de-obra é o recurso natural mais importante de um país. Assim, os
altos índices de desemprego que existiram historicamente representaram desperdício para a economia doméstica,
não só de receita doméstica, mas também de reservas domésticas. Então, as políticas empregatícias têm que estar
no coração de qualquer estratégia de desenvolvimento de longo prazo. Isto é, tentar prover elevados índices de
emprego, que é a base do alto crescimento da produtividade. Alto índice de emprego é a base para alto crescimento
da renda per capita. Assim, política de emprego é antes de tudo política de desenvolvimento. É a chave para: reduzir
a pobreza; reduzir a desigualdade; reduzir a dependência de recursos externos; reduzir a dependência da demanda
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externa. O segundo recurso natural chave que existe na maioria dos países é o conhecimento básico que a população
desfruta. Nós ouvimos essa manhã o Reis Velloso falar sobre a economia baseada no conhecimento e na necessidade
de explorar a base de conhecimento existente. Se olharmos para os recursos domésticos, basicamente os melhores
recursos domésticos que temos disponíveis, as estratégias a serem adotadas são: primeiro, o emprego da população
e a geração de renda; segundo, a aplicação da quantidade de conhecimento técnico disponível. É a quantidade de
conhecimento que o trabalho acumula que levanta o que freqüentemente chamamos de fator de produtividade. Agora
olhar para esses recursos não explorados, nos indica o potencial de crescimento do país. Eu sempre me lembro de uma
entrevista de Delfim Netto, alguns anos atrás, na qual ele fez um cálculo muito simples que sempre ficou na minha
cabeça. O cálculo era o seguinte: o Brasil tem um potencial de crescimento populacional de algo em torno de 2%,
tem um potencial para crescimento de produtividade, como vimos esta manhã, de algo em torno dos 4%, o que quer
dizer que o Brasil tem um potencial de crescimento que é viável, simplesmente utilizando plenamente seus recursos,
de pelo menos 6%. Então, se olharmos para os objetivos de crescimento, eles devem ser baseados no potencial natural
e esse potencial deve ser, eu sugiro, a não ser que os números tenham mudado substancialmente, algo em torno de
6%. Então se dizemos que precisamos de recursos externos, precisamos deles para ir acima e além desses 6% para
atingirmos, como mencionamos esta manhã, a categoria chinesa de crescimento em torno de 9%. Esta é uma decisão,
eu sugiro, que dificilmente algum país latino-americano tem de fazer, porque já faz algum tempo que qualquer país
latino–americano consegue crescer de acordo com seus potenciais recursos domésticos.
Agora, um dos elementos básicos da Agenda Nacional de Desenvolvimento, como eu entendo, é de expandir a
Agenda de Desenvolvimento além de simplesmente aumentar a oferta de emprego, além de simplesmente aumentar
o crescimento. E isso é um objetivo muito sensato porque qualquer pessoa com um olhar internacional notará que os
Estados Unidos, nos anos 1990, alcançou taxas de crescimento que são mais altas do que qualquer média em período
posterior e a distribuição de riqueza e desigualdade nos Estados Unidos têm piorado. Portanto, ter taxas de crescimento
que estão muito próximas ao potencial de crescimento não é uma garantia de que você poderá reduzir a desigualdade e
atender aos serviços sociais básicos que a população de uma economia necessita. Então, teremos que dar mais um passo
à frente, para vermos de que forma é possível construir a igualdade nos programas de desenvolvimento. A visão que eu
tenho e eu acho que a maioria dos economistas tem, é a de que seguirmos uma estratégia de reduzir a desigualdade é,
antes de tudo, uma questão de conseguir acertar na política para tentar usar todo o potencial de recursos domésticos.
Segundo é tentar avaliar o impacto das políticas que estão sendo usadas para a redução da desigualdade doméstica.
Contudo, há várias formas de se enxergar isso. Uma que foi usada no Relatório de Desenvolvimento de 2003 das Nações
Unidas, para o qual eu contribuí, era observar a interface entre políticas microeconômicas e macroeconômicas. Isso é
um dos aspectos que sabemos ter vindo da história da América Latina nos anos 1980, isto é, uma história de inflação
muito alta, o que significou que a política macroeconômica foi principalmente direcionada para eliminar a inflação.
A dificuldade é que não há garantia de que a estabilidade de preços irá, de fato, gerar crescimento e nem que reduzirá
a desigualdade. Por outro lado, se olharmos para as implicações do que falamos esta manhã, em termos da síndrome
macroeconômica, podemos ver que as suas implicações, apesar de poderem ser muito eficientes em reduzir a inflação
- olhando para a experiência tanto da Argentina como do Brasil, ninguém poderia prever o declínio das taxas de
inflação que ocorreram depois da introdução de políticas de estabilização nos dois países – não levam em conta o que
chamamos de impacto negativo das políticas macroeconômicas de sucesso, na esfera da microeconomia do país. Ou
seja: o que está na habilidade do setor privado de agir para aumentar investimentos e aumentar a oferta de emprego
que é necessária para aumentar a igualdade.
Uma análise rápida mostra que alguns desses aspectos que eu listei aqui, como, por exemplo, o retorno esperado
do investimento privado, esteve em geral abaixo da taxa de retorno assegurada pelo governo a seus próprios
papeis títulos lançados no mercado. Isso significa que indústrias foram levadas a níveis em que os investimentos
privados não davam mais lucro. E podemos comprovar esse aspecto. Foi publicado um relatório semana passada
na imprensa brasileira que sugeria que a média de retorno na esfera das empresas era de fato menor do que o
retorno que poderia ser obtido investindo em dívida de governo. Esse caso está explicado há muito tempo: quando
o retorno esperado em investimentos cai abaixo do retorno em bens financeiros, não podemos esperar que o setor
privado vá gerar emprego e expandir a renda, eles estarão simplesmente satisfeitos em comprar dívidas do governo.
O segundo aspecto é se olharmos para o setor bancário. Se os bancos têm a possibilidade de comprar dívida do
governo que tem um retorno garantido, que é maior que o retorno obtido com financiamentos ao setor privado
para prover investimento e emprego, eles hesitarão muito antes de correr o risco de apoiar o desenvolvimento do
setor privado. Finalmente, se olharmos para a taxa de juros, e isso é um outro ponto para o qual o Ministro Delfim
Netto contribuiu muito para o meu pensamento: é que altas taxas de juros trazem uma desvantagem competitiva
para um país. Se compararmos um país que tem uma taxa de juros real em torno de 10% a 12%, com um outro país
que tem uma taxa de juros real por volta de 0% ou 1%, e em alguns momentos nos Estados Unidos nós tivemos
taxas de juros de prazo muito curto que eram negativas, é muito difícil argumentar que há um campo no qual as
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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firmas brasileiras poderiam competir com as firmas dos Estados Unidos, que podem tomar emprestado com uma
taxa de juros em torno de 0%. Isso dá a elas, às firmas americanas, uma enorme vantagem competitiva. Isso é mais
uma das dificuldades causadas pela valorização das taxas de câmbio, o que torna muito mais difícil para firmas
domésticas tanto exportar quanto produzir domesticamente. Então, quando estamos na verdade observando,
quando olhamos para essa idéia de igualdade, é fundamental nos perguntarmos de início: será que as políticas
macroeconômicas que estamos usando nos trazem um fundamento forte para gerar investimentos e emprego no
setor privado? E isso tem sido uma das dificuldades do sucesso das políticas de ajustamento para eliminar a inflação.
Um dos maiores desafios que os países encaram após terem sucesso em eliminar a inflação é fazer a transição
das políticas macroeconômicas que são necessárias para controlar a inflação, para as políticas macroeconômicas
necessárias para apoiar o crescimento do emprego e da renda doméstica. Agora, nós já vimos que na Argentina a
falha do que chamamos de “estratégia de saída da política antiinflacionária”, trouxe uma perda de todos os ganhos
ocorridos no período dos anos 1990. Então, isso indica a importância de encontrar um jeito de ajustar políticas
macroeconômicas para apoiar o setor microeconômico em termos de seu impacto no desenvolvimento.
O segundo aspecto relevante é, obviamente, definir o papel que o Estado pode assumir. Aqui estamos olhando
para políticas que permitiriam que o ajuste na política macroeconômica fosse feito. Em vários casos, se olharmos
para a absoluta importância de reduzir empréstimos externos, reduzir a dívida externa, porque o argumento é de
que uma das razões para que os altos níveis de juros sejam necessários, é para prevenir a perda de aportes externos
de recursos. É então necessário questionarmos a necessidade de manter as taxas de juros altas por causa de uma
grande dívida externa, uma elevada relação dívida líquida/PIB e da necessidade de gerar um grande superávit
interno. Agora o melhor argumento contra esse ponto de vista é o Japão. O Japão tem um déficit de governo
que é algo três vezes maior que o do Brasil, como uma porcentagem do PIB, e mesmo assim o Japão conseguiu
resistir com taxas de juros em torno de 0%, ao longo de mais ou menos três ou quatro dos últimos anos, sem
qualquer conseqüência doméstica, desastres, e de fato com um grande número de conseqüências benéficas. Isso
sugere que enquanto talvez não seja necessário praticar taxas de juros de 0%, não há nenhuma correlação absoluta
entre o tamanho de uma dívida doméstica e o PIB de uma economia, com o tamanho da relação déficit/PIB de
uma economia que requeira altas taxas de juros. Portanto, parte do problema de coordenação de macropolíticas
e micropolíticas se torna um problema de coordenação entre políticas domésticas fiscais e políticas domésticas
monetárias. E as dificuldades que muitos dos países latino-americanos têm tido, é que não há coordenação entre
políticas domésticas fiscais e políticas domésticas monetárias.
O que os dados sugerem é que mesmo que a política fiscal atual do governo consiga gerar um superávit primário
muito grande, a política monetária gerou taxas de juros tão altas que ofuscou qualquer benefício que poderia ter
ocorrido daquele superávit. Então, se nós considerarmos ou não que o superávit é um aspecto positivo ou negativo da
economia, é com certeza o caso de que a falha da coordenação entre políticas fiscais e políticas monetárias eliminou
muito do benefício que poderia ter ocorrido. Agora, se olharmos para o impacto das taxas de juros em outro contexto,
eu já mencionei as dificuldades que isso cria em termos de competição internacional para as firmas domésticas.
Também é o caso de olharmos para políticas antiinflacionárias: altas taxas de juros e taxas de câmbio
supervalorizadas, do ponto de vista de desigualdade de renda, geram maior desigualdade de renda, porque tendem
a favorecer aqueles que detêm bens financeiros, aqueles que têm posições de riqueza. Tendem a apoiar a renda
proveniente do capital, ao invés da renda que advém do trabalho, e se eu não me enganei ao ler as estatísticas
apropriadamente, notei que a quota de renda de trabalho no PIB brasileiro não está crescendo e de fato está
diminuindo, e a pergunta é: para onde que essa renda nacional está indo? A renda nacional está indo para rentistas,
pessoas que recebem juros nas suas posições de riqueza acumulada. Então, podemos argumentar que altas taxas de
juros, taxas de câmbio supervalorizadas e o superávit primário sendo as três âncoras que impedem que a economia
cresça, não só impedem que a economia cresça, mas também promovem uma redistribuição de renda tornando-a
ainda mais desigual, dadas as atuais taxas de crescimento. Portanto, redistribuem a renda existente ao mesmo
tempo em que criam dificuldades em criar níveis mais altos de renda.
Mas, em termos dessa constelação de políticas, o que seria recomendável? Bem, na verdade seria interessante
ter crescimento e estabilidade de preços juntos. Nos anos 80 difundiu-se uma posição muito forte que argumentava
sobre o conflito entre crescimento e estabilidade de preços. Havia um conflito entre altos níveis de emprego e
estabilidade de preços, e isso foi o que deu suporte a muitas das políticas antiinflacionárias que foram criadas que
diziam que devemos, primeiro, combater a inflação para ter condições de, depois, criar empregos. De um modo
geral, não se sustenta o argumento de que países que tiveram sucesso em reduzir as taxas de inflação conseguiram,
também, aumentar as taxas de emprego. Novamente a Argentina é um ótimo exemplo a esse respeito. Por outro
lado, outros países conseguiram crescer extremamente rápido com preços estáveis e crescimento de emprego.
Particularmente se olharmos para o contexto global, como foi sugerido esta manhã, este é, provavelmente, um
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cenário de excesso de oferta. Foi sugerido pelo novo presidente do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos (Fed),
que este momento é caracterizado por excesso de reservas, então, não é provável que os problemas que as economias
estão atualmente enfrentando sejam decorrentes de inflação. Ao contrário, são provavelmente de deflação mundial, de
excesso de oferta mundial. Então, quando estamos tentando combinar políticas de crescimento e estabilidade de preços,
eu sugiro que há algumas possibilidades. Uma com a qual estou associado, na Universidade de Missouri na cidade
do Kansas, chamada “o centro de emprego e estabilidade de preços”, que olha para a utilização do que chamamos de
“um empregador de última instância”. Isto é, que o governo deve dar emprego a pessoas com o salário básico, se quiser
eliminar o desemprego. O desemprego existe porque há uma demanda insuficiente de trabalho ao salário corrente. O
governo tem a possibilidade de prover isso como um substituto para uma série de grandes programas sociais, que teria
a vantagem de não somente dar apoio social, mas trazer as pessoas para a força de trabalho, oferecendo treinamento
e a base da criação de conhecimento que é necessária para competir no mercado internacional. O outro é o programa
de renda básica que o senador Suplicy sugeriu esta manhã e já foi adotado no Brasil. Algumas pessoas acham que
esses dois enfoques são competitivos, eu sugiro que são de fato complementares. Isto é, o programa de renda básica
é um programa que oferece o mínimo básico que é necessário para que indivíduos participem no processo político.
A estratégia do empregador de última instância é oferecer a renda básica do emprego que é necessária para manter
indivíduos empregados no mercado de trabalho e/ou oferecer habilidades ou preservar habilidades para promover um
aumento da base produtiva da economia. Então, a mensagem que eu gostaria de deixar para vocês é que, se estamos
olhando para as estratégias de desenvolvimento nacional do ponto de vista de tentar reduzir a desigualdade, temos
que manter duas coisas em mente. A primeira coisa é que políticas de curto prazo têm um impacto na habilidade de se
provocar reduções de longo prazo na desigualdade de renda e de que nem todas as políticas econômicas são as mesmas
em termos do seu impacto na desigualdade. A segunda é que ao elaborar políticas de longo prazo, o que realmente
devemos estar procurando é tentar fazer com que o crescimento econômico, o aumento de emprego e a estabilidade
de preços, sejam compatíveis. Não deve haver trocas, não teve haver competição, com estes três objetivos básicos, e
é somente alcançando os três que seria possível reduzir a desigualdade em qualquer sistema econômico. Obrigado.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Obrigado, Professor Kregel, por sua exposição, Agradeço a sua absoluta disciplina em relação ao tempo. Vamos
pela ordem, então, passar a palavra ao Professor Ha-Joon Chang.
Ha-Joon Chang
Especialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra
Muito obrigado por me convidar para essa conferência muito importante e interessante, e peço desculpas por não
usar instrumentos de apresentação mais sofisticados. Eu estava fazendo uma palestra na Universidade de Harvard, em
outubro passado, e quando eu perguntei sobre o retroprojetor eles entraram em pânico. Operativamente tiveram que ir
para o museu e tirar de lá. Mas eu, na verdade, não gosto de power point; vocês vão entender porque eu não o uso.
Em 1959, o Japão tenta exportar o seu primeiro carro de passeio aos Estados Unidos. A empresa era a Toyota e o
carro era chamado Toy pet e, como se pode adivinhar pelo nome, era um carro pequeno e barato que nenhum americano
queria comprar. Foi um fracasso total, e isso deu início a um grande debate dentro do Japão sobre o futuro da indústria
automobilística japonesa. As economias de livre comércio disseram: veja isto é o que acontece quando um país que é
rico em mão-de-obra e pobre em capital, um país em que o maior produto de exportação é o tecido, e tenta exportar
coisas como automóveis nas quais não tem nenhuma vantagem competitiva. O protecionista argumenta que: bem, você
pode estar certo em curto prazo, mas que país chegou a algum lugar sem indústrias como automóveis e aço? Temos que
continuar protegendo e oferecendo subsídio a essa indústria. Hoje, pensamos que carros japoneses são tão “naturais” como
o café brasileiro ou o vinho francês, mas há 45 anos, muitas pessoas, inclusive muitos japoneses, pensavam que a indústria
não deveria existir. Afortunadamente para o Japão (e para o resto do mundo, que conseqüentemente beneficiou-se de
carros melhores), as idéias dos protecionistas prevaleceram e o governo japonês continuou dando seu apoio à indústria
até ela se tornar competitiva no mercado mundial e finalmente vir a ser, incontestavelmente, a mais avançada indústria de
automóvel do mundo. E a Toyota, uma empresa que fazia carros que ninguém queria comprar, pelo menos nos Estados
Unidos, está prestes a se tornar a número um em fabricação de carros este ano. Então, quando ouvir nas economias de
livre comércio alguém criticar os carros japoneses, você diz a ele que ele não sabe do que está falando, porque se o Japão
seguisse a política de livre comércio os carros japoneses não iriam existir.
Deixe-me lhe dar outro exemplo. No final dos anos 1960, o governo da Coréia do Sul solicitou ao Banco Mundial um
empréstimo e disseram: nós queremos construir uma usina siderúrgica moderna. O Banco Mundial, razoavelmente, disse:
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vocês estão loucos. O Banco Mundial recusou a proposta, alegando que o país não tinha vantagem comparativa em aço
(naquele tempo, os maiores itens de exportação do país eram coisas como peixe, vestuário barato, perucas feitas de cabelo
humano e madeira compensada), nem jazidas das matérias-primas fundamentais – de minério de ferro e carvão mineral de
coque. E vocês nem produzem a matéria-prima, argumentavam. Existem países que produzem matéria-prima para o aço
como a pepita de ferro, e naturalmente desenvolvem uma indústria de aço. A Suécia é um ótimo exemplo, porque tinham
muito ferro, o que movia a indústria do aço no século XVII. A Coréia não tinha ferro, não tinha mineral de coque, que eram
absolutamente necessários para fabricar aço. Se fosse hoje, eles provavelmente poderiam ter importado essa matéria-prima
da China, mas aquela era a época da guerra fria, eles não podiam fazer isso. Então, qual era o lugar além desse, mais próximo
para conseguir essa matéria prima? A Austrália, que fica a dez horas de vôo da Coréia do Sul. E é claro que para fazer essa
indústria viável, o governo estava propondo colocar um protecionismo muito pesado no início e disseram que desejavam
dirigir o empreendimento como um monopólio estatal. A proposta soava como uma perfeita receita para um desastre, de
acordo com a teoria econômica padrão. É claro que o Banco Mundial disse não. Os sul-coreanos, contudo, conseguiram
convencer os poucos bancos japoneses a financiarem o negócio. Tomaram dinheiro emprestado, construíram a siderúrgica,
lançaram a empresa, a POSCO, que dentro de dez anos se tornou uma das mais eficientes produtoras de aço do mundo,
e hoje é a quinta maior do mundo. Aliás, já foi algo como a segunda maior, mas aí veio uma empresa indiana começou a
comprar todas as empresas de aço que conseguiam da Ucrânia até a Bélgica, de modo que a coreana agora é só a número
cinco, mas houve um determinado momento em que era a segunda maior produtora de aço do mundo.
Não é o caso apenas do Japão, da Coréia e de Taiwan que apresentam histórias dramáticas para grandes
indústrias. Mas se você for pesquisar a história dos países ricos de hoje você vai aprender que a maioria desses
países hoje desenvolvidos usou tarifas e subsídios e um conjunto amplo de formas de intervenção estatal no início
de seu processo de desenvolvimento. Particularmente, o Reino Unido e os Estados Unidos, que se apresentam como
os idealizadores do livre comércio, eram os países mais protecionistas do mundo ao longo dos séculos XVIII e XIX
(vide Tabela 1).
A Tabela 1 mostra a média tarifária sobre produtos industrializados para países desenvolvidos, selecionados em seus
estágios iniciais de desenvolvimento. Da tabela depreende-se que até o século IX, a Grã-Bretanha tinha as maiores médias
de tarifas industriais entre os países selecionados, e os Estados Unidos começando mais ou menos entre 1830 a 1840,
tinham a mais alta tarifa industrial do mundo até a segunda guerra mundial - portanto, por mais de um século. Bom,
havia algumas exceções como a Rússia no início do século XX, e a Espanha, mas de um modo geral, não seria errado
dizer que as tarifas industriais americanas eram as mais altas do mundo por um século até a segunda guerra mundial.
Coisas que os países em desenvolvimento de hoje, especialmente os da América Latina, freqüentemente utilizaram nos
anos 1950, 1960 e 1970. Na verdade os americanos fizeram mais do que isso porque são os Estados Unidos da América
que na verdade inventaram essa coisa chamada de argumento de indústria “nascente”.
Tabela 1 - Média Tarifária sobre Produtos Manufaturados – países desenvolvidos selecionados em seus estágios iniciais
de desenvolvimento (média ponderada; em porcentagens de valor)1
Países
Áustria3
Bélgica4
Canadá
Dinamarca
França
Alemanha5
Itália
Japão6
Holanda4
Rússia
Espanha
Suécia
Suíça
Reino Unido
Estados Unidos
18202
R
6-8
5
25-35
R
8-12
não disponível
R
6-8
R
R
R
8-12
45-55
35-45
18752
15-20
9-10
15
15-20
12-15
4-6
8-10
5
3-5
15-20
15-20
3-5
4-6
0
40-50
1913
18
9
não disponível
14
20
13
18
30
4
84
41
20
9
0
44
1925
16
15
23
10
21
20
22
não disponível
6
R
41
16
14
5
37
1931
24
14
28
não disponível
30
21
46
não disponível
não disponível
R
63
21
19
não disponível
48
1950
18
11
17
3
18
26
25
não disponível
11
R
não disponível
9
não disponível
23
14
Fonte: Chang (2002), Kicking Away the Ladder, p. 17, tabela 2.1, amplamente baseada em Bairoch (1993), Economics and World History, p. 40, tabela 3.3,
exceto para o Canadá, que é de K. Taylor, “Tariffs”, in W. Wallace, (ed.), The Encyclopedia of Canada, Vol. VI, 1948.
Notas: R. Diversas e importantes restrições em importações de produtos manufaturados existiam e por isso as médias tarifárias não são
significativas.
1. O Banco Mundial (1991, p. 97, tabela 5.2) fornece uma tabela similar, baseada, em parte, no livro de Bairoch citado acima. Entretanto, os
números do Banco Mundial, embora sejam na maioria dos casos muito similares aos números de Bairoch, são médias não ponderadas, que
obviamente são menos preferíveis que as tabelas de médias ponderadas que Bairoch fornece.
2. Estas são taxas bem aproximadas e fornecem variação de taxas médias, não extremas.
3. Áustria-Hungria antes de 1925.
4. Em 1820, a Bélgica era unificada à Holanda.
5. Os números de 1820 são apenas para a Prússia.
6. Antes de 1911, o Japão era obrigado a manter baixas tarifas (até 5%) por meio de uma série de “negociações desiguais” com os países europeus
e com os Estados Unidos. A tabela do Banco Mundial citada na nota 1 acima fornece média tarifária não ponderada do Japão para todos os bens
(e não somente para bens manufaturados) para os anos de 1925, 1930, 1950 em 13%, 19%, 4%.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Vocês todos devem achar esse termo familiar. A lógica da proteção à indústria nascente é muito simples, porém
poderosa. Do mesmo modo que precisamos proteger e nutrir nossas crianças antes que elas possam ir para o
mundo e competir com os adultos, os países em desenvolvimento precisam proteger e nutrir suas indústrias antes
que elas possam competir no mercado mundial. Igualmente, se um país em desenvolvimento se entrega ao livre
comércio antes de desenvolver suas capacidades tecnológicas, ele poderá se tornar o melhor produtor de café ou de
roupas baratas do mundo, mas a chance de se tornar um dos maiores produtores de carros ou de eletrônicos será
realmente zero.
Então o argumento da indústria nascente basicamente diz que os governos dos países em desenvolvimento
precisam proteger e subsidiar suas indústrias até que essas indústrias cresçam e se tornem capazes de competir com
indústrias de países mais avançados. A pessoa que na verdade começou a desenvolver esta teoria viveu no século
XVIII, na Inglaterra, e é alguém que vocês já viram, provavelmente, pelo menos centenas de vezes, talvez milhares
de vezes, e não percebiam quem era. Mas vocês sabem quem ele é. É Alexander Hamilton, o primeiro Ministro das
Finanças dos Estados Unidos, o primeiro Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, cujo rosto, está nas notas de
dez dólares americanos. Agora Hamilton é considerado o melhor ministro construindo um novo país. Tornou-se
o Ministro das Finanças em 1789, após os Estados Unidos se tornarem independentes em 1776. Mas não tinham
um governo federal até 1789. Isso foi quando George Washington foi eleito e apontou Hamilton como Ministro das
Finanças. Dois anos depois ele entrega um relatório ao Congresso Americano, esse documento é chamado de “O
Relatório do Secretário do Tesouro ao Congresso Sobre Fabricação”. E nesse documento, muito cuidadosamente,
ele apresentou vários tipos de teorias e argumentos. Tudo bem, que a linguagem era arcaica e não se lê como nos
livros modernos sobre economia, mas isso pode ser traduzido, é uma teoria muito sólida e propõe um leque de
medidas desde tarifas, protecionismo até investimento de governo em infra-estrutura, para proteger as empresas
americanas. E que cara arrogante: ele tinha apenas 35 anos quando escreveu o relatório e tinha um diploma de artes
liberais, do King’s College em Nova Iorque, que hoje é a Universidade de Columbia. E a Universidade de Columbia
hoje é uma das melhores do mundo, mas naquele tempo era apenas uma universidade de padrão médio. Mas esse
cara, com esse tipo de currículo, estava discutindo e contestando os maiores economistas do seu tempo. Vejam
o que Adam Smith, o pai da economia, comenta em sua obra magistral, The Wealth of the Nations (A Riqueza
das Nações). O que Adam Smith diz é exatamente o que o Banco Mundial fala para os ministros de países em
desenvolvimento hoje e vai de encontro ao que Hamilton dizia. Adam Smith dizia: não tentem proteger a sua
indústria. Não vai funcionar, isso é uma má idéia. Apesar disso, Hamilton dizia: eu sei o que é bom para o meu
país, eu vou recomendar isto. Obviamente o Congresso Americano não estava muito impressionado com as idéias
de Hamilton. E, naquela época, os senhores de terras do sul, preferiam o livre comércio do mesmo jeito que os
agricultores brasileiros preferem o livre comércio hoje. Isso porque eles podiam comprar produtos melhores e mais
baratos da Europa, e exportar algodão ou o que quer que estivessem produzindo com mão-de-obra escrava. Então,
entre o domínio político e a idéia de Hamilton, a idéia de Hamilton foi rejeitada, mas com o tempo os americanos
perceberam que era isso que eles tinham que fazer, e depois de 1812 eles começaram a aumentar as tarifas devagar,
e por volta dos anos 30 alcançaram o nível mais alto de tarifas do mundo.
Sabe, eu tenho um filho de 5 anos, eu posso falar para ele: olhe, se torne independente e você será capaz de
se sustentar. Milhões de crianças em países em desenvolvimento têm que se sustentar com uma idade de 5 ou
6 anos. Há muitas crianças destas no Brasil. Há muitas crianças dessas na Índia. Então eu posso dizer-lhe: você
precisa ser independente, vá arrumar um emprego, faça seu próprio sustento. Porém, é provável que ele possa se
tornar um garoto engraxate muito bem sucedido, mas nunca será um físico, ou um advogado. Essas profissões
exigem pelo menos mais uma dúzia de anos de minha proteção e investimento em sua educação. Da mesma
forma que um país em desenvolvimento se compromete com o livre comércio antes que tenha desenvolvido
todas as suas capacidades. Sim, talvez se torne o melhor exportador de café do mundo, talvez se torne o maior
produtor de camisetas baratas do mundo, mas nunca se tornará um produtor de coisas complexas como aviões,
semicondutores, e por aí vai.
É claro que nós não escutamos na verdade este tipo de história que estou descrevendo, porque a história dos
países desenvolvidos hoje, foi reescrita, de uma forma que só é comparável ao que Stalin fez com a história da
revolução russa. Agora olhem para esta foto. Você tem Lênin no meio, Trotsky e Kamenev que era um dos líderes
da revolução bolchevista. Ele uma vez formou um grupo com Stalin e Zinovev, então ele era um homem de
influência. Agora depois que Stalin se livrou desses outros dois caras na foto, então só restou Lênin. Acaba assim.
Na história do nosso desenvolvimento capitalista, há claro o mercado, mas também existem tarifas e subsídios.
É assim que eles se desenvolvem. Agora, é claro, sugerem que o mercado fez isso sozinho. E é por causa dessa
verdadeira história do desenvolvimento capitalista que o economista alemão, Friederich List, no século XIX,
disse que a Grã-Bretanha se tornou rica em função do protecionismo e dos subsídios, pregando aos americanos
e aos alemães que eles deveriam se engajar no livre comércio.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Obviamente, hoje os países desenvolvidos reescreveram suas histórias e poucas pessoas sabem que eles usaram
protecionismo e subsídios nos períodos iniciais. Entretanto, dada a história “real”, preconizando o livre comércio
aos países em desenvolvimento, os países desenvolvidos estão efetivamente “chutando a escada” com a qual
chegaram ao topo (os detalhes históricos estão no meu livro Kicking Away the Ladder – Development Strategy in
Historical Perspective, Anthem Press, London, 2002; o livro tem uma versão em português, ‘Chutando a Escada’, que
foi publicado pela Editora UNESP, em 2002).
As experiências históricas e contemporâneas dos atuais países em desenvolvimento também sustentam meu
argumento. Historicamente, sua performance era desanimadora quando eles eram forçados a praticar o livre
comércio sob o colonialismo e negociações desiguais (ver Tabela 2). Nos últimos 50 anos, numerosas histórias de
sucesso nos países em desenvolvimento, da Coréia do Sul e de Taiwan até os exemplos mais recentes na China, na
Índia e no Vietnã, demonstraram que, enquanto alguma liberalização comercial pode ser necessária e benéfica, a
proteção à indústria nascente é vital nos primeiro estágios, e o comércio deveria ser gradualmente liberalizado,
juntamente com a habilidade da economia em melhorar sua competitividade.
Tabela 2 - Taxas históricas de crescimento econômico por regiões maiores durante e depois da Era do
Imperialismo (1820-1950) (taxa de crescimento do PIB anual per capita, %)
Regiões
Europa Ocidental
Ramificações Ocidentais*
Japão
Ásia exceto Japão
América Latina
Europa Oriental e ex-União Soviética
África
Mundo
1820-1870
0,95
1,42
0,19
-0,11
0,10
0,64
0,12
0,53
1870-1913
1,32
1,81
1,48
0,38
1,81
1,15
0,64
1,30
1913-1950
0,76
1,55
0,89
-0,02
1,42
1,50
1,02
0,91
1950-1973
4,08
2,44
8,05
2,92
2,52
3,49
2,07
2,93
*Austrália, Canadá, Nova Zelândia e Estados Unidos
Fonte: Maddison (2001), The World Economy – A Millenial Perspective, p. 126, tabela 3-1a
Na América Latina, protecionismo e subsídios na era da Industrialização Substitutiva de Importações (ISI)
gerou maior crescimento que no período da pós-liberalização, como sugerem as Tabelas 3 e 4.
Tabela 3 - Crescimento per capita do PIB dos países em desenvolvimento, 1960-80
Países
1960-1970 (%)
1,8
1,7
1,8
3,5
4,9
2,9
1,1
2,3
5,6
3,1
3,9
Países de baixa renda
África Subsaariana
Ásia
Países de renda média
Extremo Oriente e Pacífico
América Latina e Caribe
Oriente Médio e Norte da África
África Subsaariana
Sul da Europa
Todos os países em desenvolvimento
Países industrializados
1970-1980 (%)
1,7
0,2
2,0
3,1
5,7
3,2
3,8
1,6
3,2
2,8
2,4
1960-1980 (%)
1,8
1,0
1,9
3,3
5,3
3,1
2,5
2,0
4,4
3,0
3,2
Fonte: Banco Mundial (1980), Apêndice Tabela para Parte I
Nota: Os números de 1979 e de 1980 usados não são conclusivos, mas estimativos do Banco Mundial. Dado que as estimativas foram feitas sob
uma ótica otimista, os números reais de crescimento para 1970-1980 e 1960-1980 devem ter sido levemente inferiores aos mencionados nesta
tabela.
Tabela 4 - Crescimento per capita do PIB dos países em desenvolvimento, 1980-2000
Países
Países em desenvolvimento
Extremo Oriente e Pacífico
Europa e Ásia Central
América Latina e Caribe
Oriente Médio e Norte da África
Sul da Ásia
África Subsaariana
Países desenvolvidos
1980-1990 (%)
1,4
6,4
1,5
-0,3
-1,1
3,5
-1,2
2,5
1990-2000 (%)
2,0
6,0
-1,8
1,7
1,2
3,7
-0,2
1,7
1980-2000 (%)
1,7
6,2
-0,2
0,7
-0,1
3,6
-0,7
2,1
Fonte: Banco Mundial (2002), tabela 1 (p. 233) para os números de crescimento populacional e tabela 3 (p. 237) para os números de crescimento
do PIB.
Notas: Os números são apenas aproximados, porque foram construídos subtraindo as taxas de crescimento populacional das taxas de crescimento
do PIB. Isto foi feito porque o Banco Mundial parou de publicar as taxas de crescimento per capita do PIB por década em seus relatórios anuais.
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Além disso, o período ISI estabeleceu as capacidades industriais que levaram ao aumento das exportações no
período mais recente e, nenhum outro país ilustra este ponto melhor que o Brasil com empresas como a Embraer,
a Petrobras e programas como o Pro-álcool.
É claro que se você observar o sucesso nos países em desenvolvimento prósperos do período da Segunda Guerra
Mundial para cá, Coréia do Sul, Taiwan, Índia, China, e mais recentemente Vietnã, todos estes países podem
ter liberalizado o comércio deles um pouco e gradualmente, em linha com o desenvolvimento das capacidades
industriais, mas eles nunca seguiram este estilo de Washington de política de comércio aberta. Uma vez mais eu
quero dizer que se você usa a analogia da criança, você tem que ser muito protetor com crianças de cinco anos, e
quando elas se tornarem adolescentes, que você lhes dá mais independência, mais espaço e quando ela faz 15 anos
você lhes dá ainda mais liberdade, e assim por diante. Assim elas se tornam mais capazes de se expor para o mundo
externo. Nesse caso eu não tenho nenhuma objeção de liberalizar o comércio desde que a sua indústria possa
agüentar a competição. Mas se você diz que quando nossas empresas, que estão começando, têm que competir
com a General Motors! Se o governo japonês tivesse feito isso a Toyota não teria existido. Nos anos 1960 as tarifas
japonesas de automóveis estavam em torno de 35% porque, até os anos 1960, para os fabricantes de carros japoneses,
10 fabricantes de carros eram menos da metade da General Motors. Se o governo japonês dissesse para a Toyota:
saia e vá competir com a General Motors, o resultado seria exatamente o oposto do que nós vimos hoje.
O que mais preocupa, no presente contexto, é que apesar de experimentar esta evidência de história
contemporânea, os países desenvolvidos estão tentando reduzir radicalmente as tarifas industriais por meio das
negociações do NAMA (Acesso ao Mercado Não Agrícola) da OMC (Organização Mundial do Comércio) e de
acordos de livre comércio bilaterais regionais, como a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), essencialmente
a um nível nunca visto desde os tempos do colonialismo e das negociações desiguais. E os propósitos deles são
basicamente trazer abaixo tarifas industriais entre países em desenvolvimento entre 5 e 10%.
Entretanto, isto vai prejudicar grandemente a perspectiva do desenvolvimento industrial nos países em
desenvolvimento, especialmente quando as mudanças recentes no sistema mundial de comércio tornaram o uso
de ferramentas de política outras que as tarifárias (como subsídios, regulação do Investimento Direto Estrangeiro
– FDI – etc.) muito restrito. Tarifas é o único instrumento, ainda restante, para os países em desenvolvimento
usarem em seu próprio benefício. E as maiores vítimas da redução radical das tarifas industriais serão os países em
desenvolvimento mais industrializados, como o Brasil e a Índia.
Quando confrontados com meu tipo de argumento, os países desenvolvidos dizem que precisamos de
“nivelamento de atuação em campo” em concorrência internacional e, portanto, aos países em desenvolvimento
não deveria ser permitido usar proteção extra. Agora, o nivelamento de atuação em campo é, dizem os norteamericanos, como a maternidade e a torta de maçã – é, por definição, tão bom que é difícil opor-se a elas.
Entretanto, é algo que deve sofrer oposição se vamos construir um sistema de comércio mundial verdadeiramente
pró-desenvolvimentista. É desnecessário dizer que o nivelamento de atuação em campo é o princípio correto a
adotar quando os jogadores são iguais. Todavia, quando os jogadores são desiguais, é o princípio equivocado a
aplicar. Realmente, em muito esportes, jogadores desiguais nem são autorizados a competir uns contra os outros.
Em muitos esportes jogadores desiguais não podem jogar.
Um outro argumento comum desenvolvido contra meu tipo de raciocínio é que não precisamos mais de tarifas
industriais, porque os países desenvolvidos podem crescer pulando estágios e crescer, por exemplo, baseados no
setor de serviços, que se torna cada vez mais importante. Dizem que talvez eu esteja certo sobre o século XIX, talvez
até sobre os anos 1960, mas esse período agora é uma era de serviços. Os países em desenvolvimento advogam,
deveriam esquecer a indústria, pular um estágio e ir direto para os serviços. Dirão que o rendimento de serviços
corresponde a 70% da renda americana e está crescendo. Então as indústrias não são mais necessárias.
Entretanto, a crença de que os serviços estão se tornando mais importantes é, em grande parte uma ilusão
estatística. Muito disso se deve ao fato de que as manufaturas têm maiores taxas de crescimento em produtividade
e, portanto, têm preços relativos decrescentes comparativamente aos serviços. Recentes aumentos em terceirização
ao estrangeiro por manufaturas expandiram artificialmente a produção de serviços.
Efetivamente, não há muitos países que tenham se tornado ricos baseando-se em serviços, a não ser países
minúsculos como Luxemburgo e Mônaco. Mesmo as cidades-estado de Hong Kong e Singapura são altamente
industrializadas. Por exemplo, em 1998, o produto de valor agregado per capita de Singapura era US$ 6.178,00,
três vezes maior que o da Coréia (US$ 2.108,00). Antes de ser absorvida pela China, no final dos anos 1980, Hong
Kong tinha o produto de valor agregado per capita duas vezes maior que o da Coréia. O caso da Suíça é ainda mais
interessante. A despeito da popular concepção errônea de que ela tem uma economia baseada em serviços, tais
como bancos e turismo, a Suíça é o país mais industrializado do mundo! Em 1998, o produto de valor agregado per
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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capita suíço era US$ 8.314, ou 60% maior que o dos Estados Unidos (US$ 5.300) e mais que duas vezes o do Reino
Unido (US$ 4.179). São fantasias sem fundamento.
Finalmente, meu amigo norueguês, Erik Reinert, uma vez ressaltou brilhantemente que a América Latina é os
Estados Unidos onde o Sul venceu a Guerra Civil. O Brasil era um país latino-americano onde “o Norte” lutava e
contra-atacava com resultados de sucesso, e transformou-se, de um dos menos industrializados em um dos mais
industrializados países do continente. Hoje é difícil crer que mesmo em 1938 o produto de valor agregado per
capita do Brasil era 15% menor que o do Equador (US$ 16 contra US$ 19 em 1958); agora é 2,5 vezes maior
(US$ 912 contra US$ 354 em 1998). Infelizmente, por várias razões, no último quarto de século, o “Sul” do Brasil
está lutando e contra-atacando, em aliança com os interesses financeiros emergentes, tornando o desenvolvimento
industrial extremamente difícil, se não impossível.
Se o Brasil continuar na linha que seguiu durante os últimos 25 anos, ou pior, se liberalizar seu comércio
industrial ainda mais, eu suponho que talvez ele nunca consiga juntar-se ao grupo de países desenvolvidos. Antes
que seja tarde, o Brasil deveria redirecionar sua política de modo a estimular o investimento de longo prazo e a
formação profissional, o que permitirá ao país concretizar seu enorme potencial, como ele fez com muito sucesso
durante a “era desenvolvimentista” entre as décadas de 1930 e 1980.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Queria agradecer ao Professor Chang pela sua exposição incisiva e espirituosa e passar imediatamente, para
seguirmos a programação da mesa, a palavra ao nosso ilustre ex-ministro, deputado e Professor Antonio Delfim
Netto que comentará as palestras de nossos convidados estrangeiros.
Comentários
Antonio Delfim Netto
Deputado Federal
Senhor Presidente da mesa, senhores membros da mesa, meus senhores e minhas senhoras. Estou particularmente
honrado em participar deste debate depois de ter ouvido duas magníficas palestras proferidas pelos professores Jan
Kregel e Ha-Joon Chang. Eles deram uma visão extremamente adequada dos problemas que nós temos. O Professor
Chang, além de chutar a escada, chutou a barraca com uma forma muito interessante de colocar o problema. Na
verdade o crescimento econômico é um problema dramático para o Brasil e essas discussões esclarecem alguns
desses pontos e deixam outros muito obscuros. Para a gente ter uma idéia entre 1950 e 1985 o país cresceu 6,5% ao
ano enquanto a população crescia 2,4% ao ano. Portanto, a renda per capita crescia 4,1% ao ano dobrando a cada
18 anos, um pouco menos de uma geração. Isto é, quando o meu filho estivesse entrando na universidade a minha
renda seria o dobro da que eu tinha no início e quando o meu neto estivesse entrando na universidade a minha
renda seria o quádruplo da renda que eu tinha no inicio. Isto mostra um país vigoroso, crescendo com entusiasmo.
A partir de 1985 o Brasil murchou. O país passou a crescer 2,3 a 2,4% ao ano e, uma coisa muito interessante, a
população também foi murchando e está crescendo apenas a 1,4% ao ano. Então, a renda passou a crescer 0,9% a.a.,
ou seja, só dobra a cada 80 anos. Eu não vou conseguir ver o meu neto com a renda dobrada, nem morto!
Este é o sentido físico do nosso problema. Nós estamos discutindo aqui um problema de crescimento econômico.
A teoria econômica tem muitas explicações, tem modelos extremamente sofisticados sobre o desenvolvimento
econômico. Eu na verdade voltaria, como Chang o fez, a Adam Smith, quando ele coloca que o desenvolvimento
é um estado de espírito: só cresce quem acha que pode crescer. Só cresce se encontra um Estado razoavelmente
amável com o setor privado, lhe dê condições isonômicas de competição e então o desenvolvimento se realiza. As
condições isonômicas foram tratadas aqui pelos professores Chang e Kregel de uma forma um pouco diferente
do que eu vou fazer. Basicamente, essas condições são: uma taxa de juros real correspondente ao equilíbrio
macroeconômico; a taxa de retorno do investimento não pode ser menor do que a taxa de juros senão ele não se
realiza. Uma segunda condição é que a taxa de câmbio precisa ser competitiva. O problema é que o conceito de
taxa de câmbio competitiva é pouco entendido. Economistas nada sabem a respeito de taxa de câmbio. Só sabem
que ela flutua, como diz o Ministro Palocci. Ela pode flutuar, mas não deveria voar como aconteceu com o Brasil.
Todos os modelos são modelos que explicam muito pouco a taxa de câmbio. Adicionalmente, é preciso que o
Estado seja menos guloso. O crescimento econômico, em geral, está associado a um estado benevolente para com
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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o setor privado e que tenha uma carga tributária razoavelmente leve. A carga tributária do Brasil hoje é a maior
do mundo para um país com o nosso nível de renda. O Estado brasileiro não cabe no PIB brasileiro. Este é que é o
nosso problema. Para crescer o PIB é necessário cortar o Estado. Não há nenhum outro remédio para resolver essa
questão. Finalmente, é necessária a existência de um sistema de tarifas efetivas adequadas. Não se trata da defesa de
um protecionismo que não leva em conta a produtividade dos fatores, o equilíbrio macroeconômico e o equilíbrio
geral da economia. É um tipo de protecionismo que deriva de uma coisa muito interessante apontada pelo Professor
Chang. É aquele protecionismo que atinge setores onde as vantagens competitivas podem ser criadas. Há setores
onde você não pode criar vantagens comparativas. Você não pode perder tempo produzindo tudo. Tanto é verdade
que o mundo saiu da autarquia para um tipo de abertura comercial e o livre câmbio, que é, na realidade, uma idéia
puramente metafísica. Como o Chang mostrou ao longo de suas histórias, cada país usou as tarifas de acordo com
os seus interesses, com maior ou menor eficiência. Eu ouso dizer que o Brasil usou o sistema tarifário, há algum
tempo atrás, com relativa eficiência. Quando o Banco Mundial ainda era comandado pelo Hollis Chenery, um
estudo realizado por ele mostrou o seguinte: a indústria brasileira era uma das mais sofisticadas do mundo para o
nível de renda do país. Na verdade nós tínhamos um nível de renda per capita entre US$ 3.500 a US$4.000 e uma
estrutura industrial correspondente a um país de US$ 12.000. O que nos aconteceu afinal? Hoje é comum dizer
que falta educação. É evidente, mas, há vinte anos havia menos educação, portanto isto não pode ser explicação do
que aconteceu. Falta saúde? É verdade, só que também há vinte anos havia menos saúde do que hoje. A explicação
básica é que o Brasil, a partir de 1985, se perdeu em um sistema de políticas cambiais perversas. Congelamos o
câmbio no Plano Cruzado e produzimos um desastre de grandes proporções que se arrastou por anos. A crise
de 1982 foi a maior crise mundial depois de 1929. Mas em 1984 o Brasil já tinha superado a crise e apresentava
superávit em contas correntes. Em 1984 o Brasil exportava US$ 22 bilhões, o mesmo que a Coréia e a China. Hoje, se
analisarmos 2002, quando terminou a era do desastre, que arruinou o país e nos levou duas vezes a recorrer ao FMI,
passamos a ter um déficit de 180 bilhões de dólares em conta corrente. Nesses 18 anos, nossas exportações tinham
apenas triplicado, enquanto as exportações coreanas tinham sextuplicado e as chinesas tinham se multiplicado por
dezessete, tudo no mesmo período. Não foi o mundo que nos perseguiu, foi à política econômica posta em prática e
que precisa ser corrigida. O Professor Kregel apontou que estamos num processo de correção dessas dificuldades. O
importante, me parece, é compreender que sem uma política industrial, não qualquer política industrial, mas uma
política que insista nos setores onde as vantagens comparativas possam ser criadas, é impossível voltar a acelerar o
crescimento brasileiro. Mas não qualquer política protecionista que apenas desperdice recursos.
Levantamos aqui uma dúvida interessante (o Professor Kregel apenas passou por ela): é a relação entre poupança
e crescimento, é a relação entre investimento e crescimento. Freqüentemente as pessoas imaginam que para crescer
é preciso poupar. Toda a experiência do mundo mostra exatamente o oposto e o Brasil também. A poupança se
faz no processo de crescimento. A poupança não antecipa o crescimento, a não ser que a gente imaginasse que o
Espírito Santo poupa e agente toma emprestado dele a poupança, para depois fazer o crescimento. Se olharmos a
história, o Brasil cresceu e poupou, simultaneamente a partir de 1965, 1966, quando o país cresceu ao longo de dez
anos, onze anos.
A partir de 1967 o país passou a crescer a taxas anuais de 10%. Neste período a poupança e os investimentos
vieram atrás do crescimento, como na Coréia, como na China, que não têm nada que ver com o sistema de livre
câmbio. É um caso diferente, onde se abriram zonas de livre comércio e se transferiu para a China capital físico
japonês - máquinas, tornos, altos-fornos – para produzir. Este capital físico encontrou um povo razoavelmente
preparado e educado. Não vamos nos esquecer que a China tem 5.000 anos e já tinha traduzido os princípios de
Euclides em 2000 a.C, enquanto nós até hoje, nas escolas primárias do Brasil, ainda não o fizemos. É importante
compreender que o caso chinês é um outro processo, no qual se transferiram os bens capitais que encontraram à
mão-de-obra adequada e disponível. É por isso que a competição com eles é extremamente complicada. Então, não
se trata da velha teoria das vantagens comparativas que a gente estuda nos cursos de comércio internacional. É muito
mais complicado e importante. Sempre existe, contudo, a possibilidade de um país criar vantagens comparativas.
Por exemplo, o Brasil o fez com o Moderfrota, há cinco anos, implementando um programa com subsídio de
juros para a compra de máquinas e implementos agrícolas. A taxa de câmbio estava no lugar certo e você teve
uma expansão de crédito para a agricultura. Expandiu-se à produção de máquinas agrícolas, começamos a ganhar
escala. As indústrias, das quais antes importávamos as máquinas, vieram produzir no país e o Brasil e começaram
a exportar essas máquinas. Após quatro anos nos tornamos exportadores de tratores agrícolas, plantadeiras,
colheitadeiras de última geração, equipamentos tecnologicamente na fronteira do “estado da arte”. É como se a
agricultura estivesse esperando por esta pequena ajuda para desenvolver suas vantagens comparativas. O Professor
Chang, quando apresentou o caso alemão, mostrou que aquilo foi uma forma de transferir vantagens comparativas
da Inglaterra para a Alemanha. Esse foi um caso pensado de desenvolvimento. É isso o que está nos faltando
há alguns anos: pensar o nosso desenvolvimento. Concluindo, essas duas palestras foram de extrema clareza e
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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contribuíram muito para a reflexão que devemos ter. Acho que o Professor Kregel explorou mais amplamente
os aspectos do desenvolvimento e o Professor Chang mostrou que é necessário ter coragem para enfrentar os
problemas da política industrial. Mas as duas se complementaram e contribuíram para o nosso entendimento da
realidade. Muito obrigado.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Agradeço ao deputado pela sua sempre brilhante e lúcida intervenção. Pela ordem, passaremos às perguntas
escritas para serem respondidas em blocos. Farei enquanto isso uma antecipação de questões que podem ser
levantadas aqui. Falo agora talvez menos como o prefeito de Belo Horizonte, que é uma cidade que tem 400 mil
habitantes e como tal vive as angústias econômicas e sociais da estagnação econômica brasileira já há algum tempo,
mas falo mais como economista. Nós vivemos no Brasil, nesse momento, o ápice da chegada de jovens ao mercado
de trabalho. Segundo dados do IBGE e do IPEA, está previsto nesse período de 2005 até 2009, que cheguem ao
mercado de trabalho cerca de 18 milhões de jovens adultos de 19 a 25 anos de idade, para os quais será necessário
oferecer oportunidades, empregos e postos de trabalho. Eu lembro isso porque, quando eu tinha essa idade na
década de 1970, o ingresso desse contingente nesse período do primeiro qüinqüênio dessa década foi de apenas oito
milhões de jovens. Nós estamos agora num momento culminante da chegada de jovens adultos e desgraçadamente
se na década de 1970 quando esses jovens entravam para o mercado de trabalho o crescimento do Brasil, do PIB
brasileiro era em média 7,5% a 8% ao ano, hoje ele não chega a 2,5% ao ano pra absorver mais do dobro de jovens
que chegam ao mercado de trabalho. Então, temos um dilema terrível, e eu digo isso porque vivo como prefeito
a angústia de enfrentar os problemas sociais decorrentes da ausência de oportunidades de trabalho, emprego,
renda e de futuro para os jovens adultos do nosso país. O nosso desafio é maior, temos que buscar o crescimento
econômico, mas um crescimento que gere não simplesmente empregos, porque a idéia do emprego estrito senso
já é uma idéia obsoleta no mundo de hoje, mas oportunidades de trabalho e negócios, renda e futuro para os
jovens, e isso é mais difícil com certeza. O Professor Delfim Netto certamente me dará razão do que foi nos anos
1970, dada a modernização e globalização da economia mundial. Então, a pergunta que fica posta desde já para
os nossos palestrantes é de como enfrentar esse desafio. Não basta o crescimento econômico, mas tem que ser um
crescimento econômico que gere oportunidades de trabalho para os jovens e, claro, para a população trabalhadora
em geral.
Não sei se já há perguntas. Estão sendo recolhidas, se não me engano. Já tem ali. Bem nós temos duas perguntas,
me parece que são diferentes e não tem como agrupá-las. A primeira pergunta é para o Professor Chang. O
Professor conhece as agendas para o desenvolvimento apresentadas pelo Brasil e Argentina na organização mundial
da propriedade intelectual? Qual é a opinião do Professor a respeito dessas agendas? Como fazer com que sejam
levadas à diante, aprovadas, implementadas pela organização de propriedade intelectual? O Professor tem alguma
sugestão a essas questões? A outra pergunta é para o Professor Kregel. É melhor que o Professor Chang responda
primeiro e depois o Professor Kregel.
Ha-Joon Chang
Especialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra
Certo. Bem, infelizmente eu não conheço os detalhes da proposta do Brasil e da Argentina sobre direitos de
propriedade intelectual, mas tenho certeza que fizeram uma proposta sensata. Bem, basicamente a essência desse
problema de propriedade intelectual é que quando você está numa posição de tomar emprestadas tecnologias de
outras pessoas, obviamente não está no seu interesse os direitos de propriedade intelectual. Isso é o que todos
os países desenvolvidos fizeram, alguns deles estão documentados. Por exemplo, a Suíça nem tinha uma lei de
patentes até 1888, e quando a introduziram, introduziram patentes para máquinas, e só em 1987 introduziram
patentes para farmacêuticos e mesmo assim não permitiam patentes de produtos. Por isso a empresa suíça era
basicamente baseada em copiar tecnologias farmacêuticas alemãs. Se olhar para a OMC hoje, os suíços são os
maiores defensores de patentes. Outro exemplo de chutar a escada. Então eu poderia ir em frente com esse assunto,
mas, basicamente, meu ponto de vista é de que os países em desenvolvimento precisam de diferentes tipos de
regimes de direitos de propriedade intelectual, e o regime atual imposto pela OMC não tem justificação teórica.
Porque a propriedade intelectual deveria ser por 20 anos? Alguém conhece alguma teoria que diz que tem que ser
20 anos? Nos velhos tempos, muitos países davam 15, 11 anos ou até menos, e porque tem que ser 20? Então, a
agenda inteira é dirigida por interesses corporativos e isso não é bom para países em desenvolvimento e temos que
lutar contra isso. Obrigado.
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Debates
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Obrigado, Professor. Temos aqui duas perguntas para o Professor Kregel e várias para o Professor Delfim Netto
e, enquanto o Professor Delfim Neto lê as perguntas que lhe são endereçadas, lerei as perguntas para o Professor
Kregel. A pergunta é sobre o seguinte ponto. O aumento de produtividade do ponto de vista empresarial passa
pela redução dos postos de trabalho. O que reduz a poupança e também o número de pessoas em condição de
consumir. Como mudar essa forma de pensar? Como abordar o empresariado? Se faltar criatividade para aumentar
a produtividade ao mesmo tempo aumentando o emprego, é uma questão. Vou ler a segunda porque talvez
possam ser as duas respondidas na mesma fala. A segunda pergunta é sobre a taxa de juros elevada, produzindo
concentração de renda, redução de investimentos produtivos e redução de competitividade das empresas. A que
o Professor atribui a alta taxa de juros de equilíbrio no Brasil? A melhor forma para reduzir a necessidade dessas
taxas de juros em curto prazo, seria aumentar o superávit nominal? Como aliar a necessidade de investimento em
educação e de gastos sociais com uma política fiscal restritiva? Então são duas perguntas diferentes, mas espero
que o Professor Kregel consiga respondê-las em bloco. Enquanto isso nós vamos tentar unificar um outro bloco de
questões aqui. Com a palavra o Professor Kregel.
Jan Kregel
Economista Chefe da DESA/ONU
Bem, a primeira pergunta é em termos do impacto da produtividade nos empregos. Normalmente vemos
o aumento da produtividade como uma forma de reduzir os insumos de mão-de-obra para produção, então
tem um impacto negativo nos empregos. Por outro lado, se olharmos para a produtividade do jeito que Raul
Prebisch e Celso Furtado enxergavam, eles reconheciam que a mesma aumentava potencialmente a renda real
e qualquer um de vocês que está familiarizado com a hipótese dos termos de comércio, saibam que Prebisch
argumentou que o aumento na produtividade, que foi gerado por países em desenvolvimento, era de fato
através de competição internacional transferida aos países desenvolvidos, então os salários ficaram estáveis
enquanto a produtividade subia, e isso é uma receita clara de que a produtividade tem impacto negativo nos
empregos. Por outro lado, se os aumentos na produtividade se passarem pelos aumentos nos salários reais e
depois o aumento da demanda traz um ímpeto adicional para mais investimentos para absorver a mão-de-obra
que é liberada por conta do aumento na produtividade. Então produz um benefício positivo. Agora um dos
argumentos mais básicos de Prebisch era de que não havia produção na agricultura; claramente há produção
substancial em agricultura, senão Malthus estaria certo, e nunca poderíamos alimentar o crescimento da
população. O fato é que os aumentos de produtividade são mais altos nas manufaturas do que na agricultura
e essa era a razão básica do porque de chamarmos a posição do economista trabalhando na Cepal. Nessa hora
recomendou que economias usem políticas industriais positivas para poder gerar emprego em manufaturas,
para que possa aumentar a renda real, o que vai junto com os aumentos na produtividade. Então, vendo
a primeira pergunta, nós sempre temos que ter em mente esses dois aspectos: aumentos na produtividade
reduzem a demanda por mão-de-obra, mas deveriam vir junto com impulsos na renda real. Se aumentarem
a renda real, trazem um aumento adicional na mão-de-obra compensando a redução anterior. Então, se
observarmos os desenvolvimentos nas economias européias se recuperando da Segunda Guerra Mundial,
encontra taxas extremamente altas de crescimento de produtividade, altíssimas taxas de lucratividade e
também um grande aumento em renda real, que por sua vez proporcionava a demanda que permitia que
tanto salários quanto lucros crescessem ao mesmo tempo e proporcionassem o aumento de empregos. Nos
termos do alto nível das taxas de juros, isso é uma pergunta que eu provavelmente não deveria responder, mas
vou, mesmo assim. Basicamente o argumento que eu tentava oferecer é o de um tipo de política econômica
que temos, por exemplo, nos EUA. O Banco Central dos Estados Unidos tem o objetivo de proporcionar um
equilíbrio entre crescimento aceitável de empregos e níveis de inflação. Agora, atualmente se tornou uma
prática de Bancos Centrais, depois da falha dos primeiros regimes de taxa de câmbio para proporcionar tanto
estabilidade financeira como preços estáveis, mudar para um regime que é chamado de inflation targeting
(metas inflacionárias) e a idéia é bem simples, o Banco Central só vê a taxa de inflação para decidir o que
deve ser a taxa de juros, de forma que se as taxas de inflação sobem, não importando como, as taxas de juros
deveriam aumentar, e se as taxas de inflação diminuem, então esse seria o caso de deixar as taxas de juros
caírem. Agora, a dificuldade desse tipo de política é que desconsidera outras variáveis, que são influenciadas
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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por taxas de juros. Já falamos sobre a taxa de câmbio, e é fato que a taxa atual, não quero por um número nisso,
mas acho que todos concordariam que está supervalorizada e na minha apresentação não coloquei o slide, mas
uma das razões para que você possa apoiar esse relato é que se você observar empresas estrangeiras, verificará
que aumentaram em massa as suas respectivas repatriações dos seus lucros e dividendos do Brasil. Agora, pra
mim isso é uma clara indicação, porque se você observar a quebra nessa série vem precisamente em 2003,
quando você começa a ver uma rápida e verdadeira valorização da taxa de câmbio. Então está claro que a taxa
de câmbio nesse caso está supervalorizada. Se o banco não considera isso, ao acessar o impacto da taxa de juros
na economia doméstica, isso quer dizer que você tem, se quiser, o que chamamos de abordagem “espingarda
de cano duplo” para matar a inflação, mas não só mata a inflação como mata também a economia, porque
você tem altas taxas de juros e tem a verdadeira valorização da taxa de câmbio. Então é muito difícil para as
firmas pegarem empréstimos em taxas competitivas e, da mesma forma, é muito difícil para elas competirem
tanto nacionalmente como internacionalmente. A última parte dessa estória é que as altas taxas de juros
criam uma posição na qual o comércio se torna um veículo de investimentos. Isso é, o diferencial das taxas
de juros entre o Brasil e outros países se torna tão grande que se torna lucrativo para instituições financeiras
especularem pegando empréstimos nos países com taxas baixas de juros e investirem em bens brasileiros.
Então, não só se tem o problema da taxa de juros alta, como se tem um outro problema que é causado por
diferencial nas taxas de juros. O que quer dizer que a taxa de câmbio saiu completamente de qualquer alcance
razoável relativo à política monetária e tende a reforçá-la. Então o primeiro argumento, temos que dizer, o que
está errado? Por que taxas de juros tão altas? É porque o Banco Central parece estar usando uma política de
metas inflacionárias (inflation targeting) e ainda a política de usar a alta taxa de câmbio para tentar conseguir
diminuir a inflação. Essas duas políticas não são as mesmas. E as duas têm que ser coordenadas se você vai ter
uma política racional e por algum motivo isso ainda não aconteceu.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Obrigado, Professor Kregel, nós temos várias perguntas para o Professor Delfim Netto. Eu vou ler todas, e ele vai
tentar dar uma resposta que contemple a todos. Aqui, vou ler rapidamente as perguntas para o Professor. Primeiro,
na parte da manhã, o senhor afirmou que o Estado é imprescindível, enquanto provedor de bens e serviços por
intermédio de suas políticas públicas, garantindo o desenvolvimento. Como então reduzir o tamanho do Estado?
Será que não deveria se reduzir os gastos do Estado com serviços da dívida pública para sobrar recursos para
financiar políticas públicas?
Antônio Delfim Netto
Deputado Federal
Talvez seja melhor eu responder uma por uma. É evidente que o Estado é imprescindível para o desenvolvimento.
Ninguém imagina que o desenvolvimento se realize sem o Estado. Por exemplo, a estabilidade da moeda é um bem público
essencial. Só o Estado pode produzir. Ele costuma produzir o contrário, mas só ele pode produzir a estabilidade da moeda.
Refiro-me ao seguinte: você tem hoje uma armadilha. Há quinze anos atrás a carga tributária deste país era de 25%, hoje é
de 37 a 38%, ou seja, o Estado se apropriou de 12% do PIB que antigamente estava nas mãos do setor privado, e qualquer
um sabe que o Estado é muito menos eficiente que o setor privado. Ele tem suas funções próprias, mas hoje toma 12% do
PIB que antes ficava na mão do setor privado para realizar investimentos e promover crescimento. Por outro lado, a dívida
líquida sobre o PIB, há 15 anos atrás, era 30%. Chegou a 57% em 2002 e hoje está em torno de 52%. O que significa que
22% do PIB eram créditos do setor privado transferido para o Estado e, ele então não só se apropria desta montanha de
financiamento como de uma quantidade enorme de recursos, o que claramente reduz o ritmo de crescimento do país.
Nós precisamos dar um choque de gestão, o Estado tem que ser repensado. O Estado precisa reduzir os gastos o que não
significa reduzir os serviços. Significa reduzir na verdade os gastos aumentando a eficiência desses gastos. Uma das coisas
importantes a fazer é atacar esse problema das vinculações. Qualquer categoria pretende vincular. Porque vinculando não
tem mais que se preocupar com produtividade. A vinculação é a avó da incapacidade e da improdutividade. A mãe, de vez
em quando, te dá uns tapas. A avó não, só te dá beijos. De forma que a vinculação é um instrumento pelo qual você reduz
a eficiência e não analisa mais os projetos. Quem tem uma vinculação não precisa fazer mais nada, nem trabalhar. Então,
quando eu digo que tem que reduzir o tamanho do Estado é exatamente fazer um estudo, um choque de gestão e assim
prestar mais serviços e melhores do que estamos prestando hoje. Ninguém poderia imaginar que eu estivesse defendendo
nem o Estado mínimo, nem a independência do Estado. Aliás, quando eu disse, ninguém defende isso, a não ser quando a
gente quer caracterizar alguém como neoliberal, caracterizar não, xingar alguém de neoliberal.
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Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
A propósito sobre os neoliberais, tem uma pergunta aqui Professor Delfim Netto que também é para o senhor.
Qual a sua opinião sobre a proposta que alguns economistas neoliberais vêm divulgando nos principais jornais de
acabar com o crédito subsidiado de longo prazo do BNDES? Deve ser alguma coisa contra a taxa de juros de longo
prazo – a TJLP.
Antônio Delfim Netto
Deputado Federal
Eu acho o seguinte, na verdade o crédito subsidiado se justifica plenamente porque o Estado existe, recolhe
recursos, pode sim subsidiar setores nos quais ele está investindo e nos quais a taxa de retorno social é maior que
a taxa de retorno privado. De forma que é absolutamente natural. Não há nenhuma razão dessa visão de que você
tem que ter uma taxa de juros única. Esta é uma visão que vem de um modelo de equilíbrio geral que só existe na
cabeça dos economistas. Na realidade esse modelo não existe, é um mundo sem flexão, é um mundo onde todos
os preços são inflexíveis, o salário é inflexível. É um mundo onde um homem é igual a um parafuso. Quer dizer,
quando você introduz o homem na economia você não pode imaginar que o mercado de trabalho seja exatamente
igual ao mercado de banana, goiaba. É uma coisa completamente diferente. Então, neste nosso modelo de equilíbrio
geral, nada disso é levado em conta. O que eu acho que é fundamental não é eliminar as possibilidades de criar as
vantagens comparativas, é tornar visíveis esses comportamentos. Por exemplo, eu não acho que seja só o BNDES,
eu diria que o Brasil, hoje, precisa de três coisas em matéria de explicitação de comportamento. A primeira é do
Banco Central. Nós temos que exigir, eu acho que eu vou fazer uma proposta no Congresso Nacional, que os
diretores do Banco Central votem com plena liberdade. Vamos escrever o seu voto e sua justificativa e depois de
um ano elas serão publicadas para que a gente saiba do que se trata. A segunda é que você tem que na verdade dar
pleno conhecimento para a sociedade. Há que haver absoluta transparência nas operações dos fundos de pensão
por meio dos quais, na verdade, tem se feito várias operações pelo menos duvidosas. E a terceira, é que é preciso,
realmente, tornar públicas todas as operações do BNDES. Mostrar como o BNDES funciona, como seleciona os
projetos. Por quê? Porque se você juntar a ação dos fundos com a ação do BNDES você vai ver que as privatizações
não foram realmente privatizações.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Professor Delfim permita que eu leia duas perguntas porque elas são sobre o mesmo tema. Com o atual câmbio
a agricultura está no limite do seu estrangulamento e com a abertura comercial exigida pela comunidade européia
e os EUA, coloca-se em risco a indústria nacional. O participante pede a sua opinião sobre os dois temas. Em
seguida argumenta: a política econômica atual focada, unicamente no combate à inflação, usando juros altos e um
real valorizado, tem prejudicado muito a indústria nacional, principalmente a indústria de cadeia produtiva longa,
que usa apenas matéria prima sob a forma de insumos nacionais pagos em reais. Estas empresas exportadoras ou
voltadas para o mercado interno, em sua maioria empresas nacionais intensivas em mão-de-obra, estão perdendo
mercado para os chineses, indianos etc. Quando essas indústrias, e toda a sua cadeia produtiva fecharem, como
ficará a balança comercial e o emprego?
Antônio Delfim Netto
Deputado Federal
Pois não. Eu não poderia dar uma resposta melhor e mais sintética que aquela que foi dada pelo Professor
Kregel. Na verdade a taxa de câmbio não está valorizada, está supervalorizada. No mundo inteiro o dólar se
desvalorizou, as moedas do mundo inteiro se valorizaram com relação ao dólar. Se os senhores observarem essa
valorização, que está em torno de 5%, 7%, 8%; só no ano passado à valorização do dólar no Brasil chegou a 30%.
Digamos 12,5%, porque aumentou a produtividade interna, portanto deveria valorizar o câmbio mesmo, mas por
causa daquilo que o Professor Kregel apontou. Você estabeleceu uma taxa de juros real interna tão superior à taxa
de juros externa que você transformou o real na mercadoria mais valiosa do mundo. Os estrangeiros vêm comprar
o real, a operação que se faz é uma operação de arbitragem de taxa de juros. Quer dizer, quando a gente percebe
que faz dois meses que o Brasil vendeu, em Nova Iorque R$ 3,4 bilhões por US$ 1,9 bilhões, nenhum de nós há de
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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imaginar que os americanos é que eram os idiotas. Para constatar essa supervalorização basta simplesmente
olhar para as operações em aberto no BNDES de câmbio e as operações a que se referiu o Professor Kregel,
e os senhores vão ver uma correlação absolutamente indecente entre essa posição e a valorização do câmbio.
Se os senhores fizerem um gráfico entre os 25 países que estão no The Economist toda semana e colocarem
valorização cambial e taxa de juros, vão ver que todos eles se agrupam em torno de uma elipse e que tem
um sujeito lá longe que é o Brasil. Isso mostra com clareza que essa supervalorização foi produzida por uma
política equivocada do Banco Central, essa política utilizou a taxa de câmbio de novo como instrumento para
combater a inflação. Essa é a contradição a que se referiu o Professor Kregel. Esse sistema nunca subsistiu. Nos
primeiros quatro anos do governo de FHC nós mantivemos a valorização cambial com taxas de juros reais de
22% em média, fizemos US$ 100 bilhões de déficit em contas correntes. No segundo mandato fizemos mais
US$ 86 milhões de déficit em contas correntes. Agora o mundo nos ajudou, não foi o Brasil simplesmente que
cresceu. Se os senhores olharem, as exportações do mundo inteiro cresceram porque cresceram os preços dos
produtos transacionados no exterior por conta do crescimento da China, Índia, Ásia e de todos esses países.
E porque a quantidade cresceu, o mundo cresceu um pouco mais depressa. É difícil você separar os efeitos
quantitativos: quanto é devido ao esforço interno, quanto é devido ao aumento de preços e quanto é devido ao
aumento de quantidade. Um cálculo grosseiro na minha opinião é de que sessenta por cento do sucesso externo
não teve nada a ver com o Brasil. O nível do mar subiu, nós estávamos num barco no mar, o barco subiu junto
com o nível do mar. Quarenta por cento sim, foi a política cambial iniciada em 1999 pelo Armínio Fraga, que
foi prosseguindo e que encontrou aí uma conjunção de astros favoráveis, como o programa de Moderfrota a
que me referi; às pesquisas da Embrapa que estavam disponíveis e, quando se ampliou o mercado externo, o
Brasil estava pronto para avançar e é isso que mudou hoje a relação do Brasil com o mundo. Aliás, o Professor
Kregel também apontou que essas são as tarefas que já estão cumpridas, falta cumprir o resto e isso significa
ter uma política monetária um pouco mais inteligente. Eu gostaria de apresentar um ponto. Nós estamos no
‘estado da arte’, Professor. Em matéria monetária, o Brasil é um país fantástico, ele usa metas inflacionárias
que hoje é coisa elegante, um sistema de câmbio flutuante que voa, dobra de preço num ano cai para metade
no outro, quer dizer, não tem nenhum lugar onde o câmbio é tão flutuante quanto o nosso, e tem razoável
equilíbrio fiscal. O problema está num outro ente metafísico, construído nas sessões espíritas de Brasília por
alguns econometristas, que se refere ao ‘produto potencial’. Apesar de o Senhor não levar a sério, no Brasil há
uma porção de economistas que levam a sério à idéia de que existe mesmo um produto potencial. Eles somam
sorvete com alumínio e obtêm um produto novo, “sorvalumínio” e aí eles somam isso com a farmácia e têm
um Viagra misturado com não sei o quê. Quer dizer, a função de produção é uma combinação de todos os
bares, das grandes indústrias brasileiras, etc.Tudo somado. Com isso se criou um mito de que quando o Brasil
cresce um pouco mais de 3,5% a economia entra em estado de excitação e a inflação volta. Então, no Brasil,
há o contrário do que fazia o velho Greenspan. Ao invés de ir com os juros procurando a produtividade da
economia, você vem com os juros destruindo a produtividade da economia porque o que prevalece é o axioma
de que o país não pode crescer mais do que 3,5%. Então há a combinação maligna, de um produto potencial
levado a sério com juros muito altos. É claro que existe um produto potencial. Nós não podemos crescer 17%,
nem 18%,15%, 12%, 8%, mas é evidente que você não sabe qual é o produto potencial. Nos últimos 10 anos,
Professor, duas vezes nós crescemos 4,5%, e a inflação estava em declínio. Então nós somamos a esse estado
da arte um ser abstrato que é essa função de produção, que é uma materialização de uma sessão espírita e que
nós acreditamos nela. Então esse problema me parece que é fundamental. Enquanto não nos livrarmos dessa
maldição, na verdade, a coisa não vai andar. Agora mesmo o presidente do Banco Central está em dúvida, ele
não sabe se pode crescer 4% ou 3,5%. Ele sabia que não podia, mas 4% a gente vê se dá um jeito agora no ano
eleitoral.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Professor Delfim Netto, vamos voltar ao Professor Kregel para que o Senhor possa descansar um pouco, depois
voltamos com mais três perguntas para Sua Excelência.
Antônio Delfim Netto
Deputado Federal
Eu poderia aproveitando o conhecimento deles, que foram duas palestras magníficas. Se eu pudesse fazer, eu
tinha umas 30 perguntas para fazer.
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Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Pois é, o Professor Delfim Netto diz que ele agora é do MST, o ‘Movimento dos Sem Tempo’. O tempo na
verdade é do Professor Kregel e do Professor Chang, mas ele ‘tá’ invadindo um pouco o tempo dos dois, para grande
satisfação nossa. Professor Kregel tem duas perguntas que eu vou ler, estão em português. A primeira diz assim: “O
capital externo, sujeito aos ciclos de liquidez internacional, pode acentuar a instabilidade das economias periféricas.
Qual seria o papel da introdução de controles de capital para reduzir essa fonte de instabilidade e quais os possíveis
impactos dos controles de capital sobre a possibilidade de crescimento das economias periféricas?” Essa é uma
questão, a outra diz assim: “Professor Kregel, o Senhor afirma que a macroeconomia deve dar base para a política
microeconômica. No Brasil, a macroeconomia tem sido dirigida por modelos com microfundamentos de origem
neoclássica que afirmam a soberania do mercado na determinação da trajetória de crescimento mais adequada e
que conduziriam a economia, automaticamente, ao pleno emprego. Como o Senhor avalia a adoção desse tipo de
perspectiva na condução das políticas macroeconômicas?” São duas perguntas dirigidas ao Professor Jan Kregel.
Jan Kregel
Economista Chefe da DESA/ONU
A pergunta sobre a utilização de poupança externa, ou capital externo para financiamento doméstico, tem dois
aspectos: um, como nós já mencionamos, é a idéia de que você pode, na realidade, ou até precisa para alcançar um
objetivo de crescimento particular, se financiar no estrangeiro, quando você sente que não pode fazê-lo domesticamente.
O outro é o movimento cíclico do que nós chamamos de ciclos internacionais de liquidez (international liquidity cycles),
e eu sugeriria que, para entender este aspecto, nós temos que somar uma terceira dimensão. Contudo, não vou focalizar
muito na política brasileira do Banco Central, mas nas dos bancos centrais, em geral. Os bancos centrais, desde os anos
80, estiveram sujeitos a duas recomendações: a primeira é que devemos nos livrar deles todos. Isso significa que os bancos
centrais deveriam implementar, em termos de política monetária, algo que é chamado de “política de amarrar suas mãos”.
Isso significa que caberia aos os bancos centrais simplesmente fixar a taxa de câmbio. O argumento por trás dessa idéia é
que assim os bancos centrais não poderão financiar déficits de governos que, de acordo com os que advogam essa posição,
causam inflação. Agora, a dificuldade com este enfoque particular é que, se nós levarmos o exemplo da Argentina, você pode
ter amarrado as mãos do Banco Central, mas o que você fez foi também transferir o controle da política monetária Argentina
para as mãos de instituições financeiras internacionais que determinam os fluxos de capitais internacionais. Desta forma a
Argentina se viu em situação em que seu Banco Central nada podia fazer para se contrapor a isso. A provisão de dinheiro
doméstico era determinada por investidores internacionais que queriam investir na Argentina. Assim sendo que, enquanto
você removia a possibilidade de que os bancos centrais domésticos pudessem financiar os déficits do governo, você não
removia a possibilidade de que os investidores estrangeiros estivessem perfeitamente contentes de fazê-lo. Assim, o que
você fez foi trocar uma política racional, determinada pelo Banco Central do país, por uma política que era simplesmente
determinada pelos caprichos dos investidores internacionais. Nós já vimos o resultado disto na Argentina.
O segundo ponto é permitir que os bancos centrais se tornem completamente independentes. A idéia é
fazer com que a autoridade monetária não esteja sujeita a qualquer tipo de controle democrático e eles deveriam
direcionar para não interferir na formulação da política monetária doméstica. Agora, esta política em particular é
da mesma maneira ruim como a anterior. E é da mesma maneira ruim, por quê? Bem, se nós considerarmos um
Banco Central que só usa sua política para fixar metas inflacionárias e não leva em conta o impacto na economia
doméstica, e isso é parte do impacto de macropolíticas no microambiente, você cai no tipo de situação que nós
estamos vivenciando agora, precisamente, onde taxas de juros excessivamente altas não só estão provendo um
ambiente para a economia doméstica, que é muito difícil, mas estão provendo um ambiente no qual, novamente, os
investidores externos estão determinando a política monetária doméstica.
Se o Banco Central quiser compensar os fluxos especulativos de capital que entram no país por meio de
esterilização, eles são forçados comprar a moeda estrangeira à taxa de câmbio vigente e então financiar esta operação
a taxas de juros domésticas que são, digamos, em torno de 12% e vão reinvestir a uma taxa, de no máximo, 2% a
3%, o que nós chamamos no jargão das finanças negative carry no investimento. O Banco Central perderá 10% a
cada transação de intervenção, ou seja, significa uma perda de recursos para os bancos centrais e o dinheiro que
ia prover financiamento para o governo central não estará mais lá, assim eles tendem a aumentar o déficit fiscal do
governo central. Assim qualquer uma das duas políticas significa que aquela condição de liquidez externa e fluxos
externos de capital vão estar tendo um impacto direto em sua política monetária. Entretanto, há dois modos de
contra-arrestar esta situação.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Um modo de contra-arrestar esta situação é dar ao Banco Central não apenas o objetivo de controlar a
inflação, mas um objetivo equilibrado de tentar coordenar políticas com políticas dos governos centrais. Ou,
alternativamente, prover algum tipo de mecanismo para controlar o volume de influxo de capital externo quando
estiverem distorcendo a política doméstica. Claramente, na maioria dos casos de crises internacional de liquidez isto
está acontecendo. Os fluxos internacionais de capital têm distorcido a política nacional. Mas isto não significa que os
fluxos internacionais de capital são por si só sempre ruins. O fato é que os influxos importantes não correspondem
às necessidades de política nacional que foram fixadas por meio de políticas fiscal ou monetária. E isto é o que
precisaria para exercitar algum tipo de controle de capital. Agora, na ausência disto, o que está acontecendo?
Bem, eu já mencionei a Argentina, onde um razoável desempenho em termos de crescimento, no princípio de
1990, foi mais do que revertido pela inabilidade de controlar os fluxos de capitais entrando e saindo. Esse caso sugere
um exemplo muito bom, razão pela qual nós precisamos ter o Banco Central exercendo políticas de fato ou ter algum
tipo de controle importante sobre as políticas externas. O segundo, em termos de macropolítica, o problema básico é o
que hoje nós chamamos de políticas de macroestabilização, na realidade, não são políticas macroeconômicas. Cabia às
políticas macroeconômicas apoiar o crescimento e apoiar o emprego e, quando isso era feito com sucesso conseguia-se,
também, produzir níveis de inflação que eram aceitáveis. Agora, a dificuldade é que colocando todos os seus objetivos
de macropolítica no controle da inflação eliminou a possibilidade de atingir os primeiros dois objetivos e, no fim, não
alcançou o sucesso esperado no longo prazo. Isto faz parte dos problemas sobre os quais falei anteriormente. Este sucesso
em termos da política de macroestabilização proveu sucesso por períodos curtos, mas fracassou por não criar uma
engenharia de ajuste de políticas cujo foco não se restringisse à inflação por si só, mas na produção de condições sob as
quais a inflação não ocorresse. Você veja o caso do real, no Brasil, em janeiro de 1999. O Banco Central estava respondendo
à necessidade de ajustar a taxa de câmbio. Os ajustes da taxa de câmbio aconteceram por quê? Simplesmente porque a
política não foi ajustada para prover uma política mais equilibrada de forma a dar suporte ao crescimento.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Muito bem, vamos voltar rapidamente ao Professor Chang para que ele responda a uma pergunta que lhe chegou
diretamente aqui, em inglês, e que pergunta de forma bem direta: Qual a viabilidade da sustentação de uma política
protecionista numa economia mundial globalizada? Como é que ele vê essa alternativa, essa possibilidade? Se o Professor
Chang quiser fazer algum comentário sobre as questões anteriormente levantadas, num tempo talvez de cinco a seis
minutos, seria interessante. A idéia é que possamos tentar começar a encerrar nossas atividades a partir das cinco horas.
Ha-Joon Chang
Especialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra
Claro. Bem, sempre que uma pessoa fala sobre política heterodoxa, as pessoas dizem “Oh, você não pode fazer isto
por causa de globalização”. Mas na realidade este argumento é muito problemático. Exatamente não é possível por quê?
Eu quero dizer que esse argumento pode ser discutido em níveis diferentes. Digamos que o Brasil opte por manter
tarifas altas. Será que os EUA vão impor alguma sanção? Bem, se o Brasil fosse a Guiné Bissau talvez, seria algo com que
deveria se preocupar. Mas eu não penso que o Brasil precisa se preocupar com algo desse tipo. A outra possível fonte
de pressão é pelo lado da OMC? Bem, mesmo lá, eu quero dizer, obviamente, está ficando mais hostil, mas o Brasil está
exercendo um papel de liderança, formando uma aliança com os outros países em desenvolvimento para lutar contra
as pressões dos países desenvolvidos. Assim, não é exatamente um dos atores passivos. E a única outra possibilidade
que eu posso considerar, então, seriamente, é de que, por alguma razão, seus amados investidores estrangeiros estejam
se recusando a vir para o país por conta de implementação pelo país de políticas protecionistas altas. Mas este tipo de
razão está utilizando uma causalidade completamente errada. Observe o caso da China, que recebe a maior quantidade
de investimento estrangeiro no mundo e, de acordo com o livro ortodoxo, faz tudo errado: proteção alta, política de
propriedade intelectual obscura, muita corrupção, muito regulamento, taxação para os investidores estrangeiros, mas
eles têm todo o desejo para investir lá porque há dinheiro para ser feito. Uma coisa boa sobre dinheiro é que é cego
para coisas como cor de pele e estado social, coisas dessa espécie. Assim não se importam com que política está sendo
usada pelo país, porque se houver dinheiro para ser feito, os investidores virão. Bem, a Malásia é um bom exemplo. Teve
uma crise financeira em 1997. Durante um ano impôs controles de capital temporários, trancando os investidores e
fixando sua economia. Quando eles impuseram aquele controle todos, no mundo das finanças afirmaram que como eles
trancaram as moedas estrangeiras ninguém mais investiria na Malásia. A previsão era de que um ano depois, US$ 7 ou 8
milhões sairiam de Malásia. Um ano depois, cerca de apenas meio milhão de dólares havia saído. As pessoas continuaram
investindo na Malásia porque estavam se saindo bem. Novas oportunidades tinham sido criadas.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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O fato de que o Brasil tem que oferecer um nível absurdo de taxa de juros para atrair os investidores estrangeiros
é uma prova de que há algo errado com este país. Você tem que arrumar o país primeiro e, então, até mesmo se você
não quiser, os investidores estrangeiros virão, mas esta noção, que de alguma maneira você tem que fazer tudo para
mantê-los no país, é um equívoco. Você sabe, os investidores estrangeiros, é claro, querem tudo. Eu quero dizer que
eles querem ganhar dinheiro, eles não querem regulamentos, eles querem menos impostos, eles não querem nenhuma
corrupção. Se eles podem ter isto, eles gostam, mas a coisa mais importante é oportunidade para ganharem dinheiro.
Se eles puderem ganhar dinheiro, eles não se importam. Assim, esta noção que de alguma maneira você tem que
fazer tudo de acordo com o que prescrevem os livros do FMI, por causa de globalização, para não ser castigado por
investidores estrangeiros, é um equívoco. A causalidade está completamente errada. Você tem que ter uma proposta
interessante primeiro, antes das pessoas virem a você. Você não pode criar uma proposta interessante falando para
as pessoas: “Oh, você pode vir e pode fazer tudo que você quiser”. A dificuldade é que há muitas outras propostas
interessantes. Eu concordo totalmente com o Professor Delfim Netto quando ele descreve isto como um tipo de
problema psicológico, onde em parte você tem que se libertar desta mentalidade negativa, que pensa que você nunca
pode fazer qualquer coisa porque a globalização impede. Não, não é bem assim. O que eu quero dizer, é que você não
deve pensar que globalização poderá afetar, mas não tanto, sua estratégia de desenvolvimento. Como entender casos
como a Índia, a China, e todos esses países que praticam políticas que vão de encontro ao que a ortodoxia espera e o
capital estrangeiro continua fluindo para lá. Caso contrário, o ônus está lhes fazendo bem. Obrigado.
Fernando Pimentel
Prefeito de Belo Horizonte
Obrigado, Professor. Eu vou pedir licença em meu nome e também em nome do Professor Delfim Netto.
Não sei se o Professor Delfim Netto quer se despedir aqui, ele tem um compromisso agora e eu também tenho
um compromisso. No meu caso, a aeronáutica, senão eu perco o avião. Certamente não vou conseguir parar o
avião na pista, então nós vamos pedir licença, o Professor Delfim Netto e eu vamos deixar a mesa. O Conselheiro
Paulo Godoy vai continuar e ter a companhia do Professor Chang e do Professor Kregel. Enfim, vão fazer as suas
considerações finais e responder a mais alguma pergunta. Muito obrigado, a todos, e desculpe a minha saída antes
de terminar o evento. Professor Delfim Netto, se quiser se despedir...
Antônio Delfim Netto
Deputado Federal
Eu gostaria de dizer que não tenho nenhum compromisso na aeronáutica, mas estão sendo votadas, no
Congresso Nacional, as restrições para a lei eleitoral. Os Senhores hão de compreender que eu não sou leão, preciso
ir para lá, mesmo. Muito obrigado.
Paulo Godoy
Conselheiro do CDES
Bom, então sobrou, aqui para mim, dar a seqüência e chegar ao final do nosso evento. Algumas perguntas ficaram
prejudicadas porque se dirigiam, várias delas, ao Deputado Delfim Netto, e muitas delas voltadas, exatamente, para
a política mais doméstica, então nós vamos ter que esperar uma outra oportunidade. Eu queria pedir à nossa
Conselheira Zilda Arns, que gostaria de fazer uma pergunta, mas eu preferia que ela mesma o fizesse porque é
uma questão mais envolvida com o próprio trabalho que ela desenvolve na coordenação da Pastoral de Criança e,
portanto, tem uma conotação menos econômica e mais social.
Zilda Arns
Conselheira do CDES
Eu agradeço a oportunidade, mas eu acho que minha pergunta é bem dentro da economia porque, por exemplo,
a inflação no Brasil levou a muita desnutrição infantil. Depois da estabilização da moeda os mais pobres estão
comendo melhor e reduziu-se a desnutrição de 16% para algo em torno de 6%. Na Pastoral, menos ainda. Mas o que
eu queria saber, porque naturalmente os economistas devem saber - sou médica, mas trabalho há 23 anos na Pastoral
da Criança e somos mais de 41 mil comunidades na Pastoral da Criança – é porque não há empregos disponíveis. O
que a gente vê é que o pessoal não tem trabalho. Muita violência é gerada por causa da falta de trabalho. E, também,
o sistema público é um problema. Não se falou nenhuma vez hoje, aqui, sobre a ética de dirigir. Muito dinheiro no
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Brasil vai para o ralo e deve ser canalizado para melhorar a situação dos menos favorecidos. Então eu perguntaria
o seguinte: a curto e médio prazo, o que poderia ser feito, realmente, para gerar mais renda para essa população,
porque com baixa escolaridade, com corrupção, com a falta de esperança, principalmente dos jovens, o que se pode
esperar do Brasil? Eu vejo assim, a política econômica apresenta dados que parecem muito bons, mas a gente, nos
meios pobres, vê aquela miséria sempre continuando.
Paulo Godoy
Conselheiro do CDES
Professor Jan Kregel, o Senhor gostaria de responder à pergunta?
Jan Kregel
Economista Chefe da DESA/ONU
O.K. Primeiramente, você tem bastante razão quando diz que a inflação tem um impacto negativo em todas
as camadas da população. É extremamente interessante que, se você olha através das reversões de política
na América Latina, ao que eu previamente me referi, você observa que muitas dessas mudanças de política
vieram como uma resposta, aos trabalhadores assalariados e aos pobres, aos impactos causados pela inflação,
e parte das políticas para reduzir inflação vem, na realidade, das camadas pobres da população. A dificuldade
está nas políticas que você usa para eliminar a inflação. Assim, quando nós estamos criticando as políticas
para eliminar a inflação, nós necessariamente não estamos dizendo que inflação é boa. O que nós estamos
dizendo é que há algumas formas que são mais apropriadas para eliminar a inflação. Agora, nós também temos
que fazer uma distinção entre os tipos de inflação. A hiperinflação que prevalecia em alguns países latinoamericanos era por períodos muito curtos, e eu tenho que insistir que, se nós olharmos a história da América
Latina, a idéia que nós normalmente associamos é que países latino-americanos sempre ficam aflitos com
hiperinflação. Mas isso não é absolutamente verdade pois estes foram períodos muito curtos. Assim, a outra
pergunta é: qual o nível de inflação que conseguimos suportar? Agora, você está sugerindo que 16% é muito
alto, 6% seria razoável. Eu penso que os economistas geralmente concordariam com você, com algo em torno
de 10%. Inflação reduzida para menos que isso provoca mais danos para a economia do que benefícios. Assim,
é novamente uma pergunta onde você quer situar as políticas. Agora, como eu disse antes, a dificuldade é que
algumas políticas, para eliminar, inflação reduzem a habilidade para criar emprego e reduzem a habilidade
para ampliar trabalhos. Se nós olhamos para os Estados Unidos nos anos 1990, eles também sofreram da
convicção que não podiam crescer mais que 2.5%. No fim, descobrimos que podíamos crescer até 4%. Como
resultado por crescer 4%, cresceu o nível de emprego mais rapidamente do que antes e níveis de pobreza
foram reduzidos mais rapidamente do que antes. Assim, quando nós estivermos falando sobre o que nós
chamamos de camadas marginalizadas da economia, fica bastante claro, pela experiência de outros países que,
empurrando suas taxas de crescimento de emprego e suas taxas de crescimento de renda suficientemente para
cima, eventualmente afetará as camadas mais pobres e as camadas mais marginais da economia. Contudo, isto
não é suficiente porque leva um tempo muito longo. Nos Estados Unidos, nós iniciamos, no princípio dos
anos 1990 e, só ao final da década começamos a ver uma melhoria em termos de redução da desigualdade,
redução no nível de pobreza e expansão para os setores marginalizados. E é por isso que eu sugeri que há
outras formas de enfrentar o problema no curto prazo. Um dos quais é o “empregador de última instância”,
que é bem parecido a um programa que foi empregado na Argentina, como um plano de emergência depois
da crise e que criou, se dedicou a criar empregos para pessoas, principalmente jovens e mulheres que tinham
sido eliminados da força de trabalho. Deram-lhes um nível mínimo de renda contra algum emprego produtivo
que, normalmente, foi criado por algum tipo de esforço cooperativo. Agora, analisando este programa, que o
governo de Argentina há pouco eliminou, nós achamos que um dos aspectos mais importantes, sob o ponto de
ponto de vista das pessoas que participaram dele, era a flexibilidade que lhes foi dada. As pessoas não tinham
que trabalhar em tempo integral. Quer dizer, muitas mães, por exemplo, disseram que era muito útil para elas
ter a possibilidade de levar as crianças à escola, tempo para executar outros tipos de atividades dentro da casa
e que poderiam ser combinadas com seu emprego. Programas como este são importantes por tentar prover
flexibilidade em termos de emprego, permitindo a não participantes de mercados de trabalho formal ter
alguma atividade produtiva, porque a maioria destas pessoas não teria se engajado nos programas se tivessem
que sacrificar suas casas e suas crianças para ficar no mercado de trabalho. Sacrificariam o trabalho. Este é um
dos aspectos para os quais nós estamos olhando: tentar prover um arranjo de flexibilidade para dar emprego
nos setores da economia que não são os setores formais.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Paulo Godoy
Conselheiro do CDES
Bem, das perguntas que nós tínhamos aqui, salvo alguma confusão que possamos ter feito, eu acho que não
temos mais nenhuma, porque as outras estão dirigidas ao Professor Delfim Netto, que já não se encontra aqui.
Então eu acho que nós podemos dar nosso evento por encerrado e eu, por força de hábito, e até por pertencer
ao setor de infra-estrutura, teria uma pergunta a mais para o Professor Kregel. Uma das suas considerações a
respeito do crescimento econômico passa pelo desenvolvimento da infra-estrutura econômica, além da infraestrutura social. No seu modo de ver, qual o papel da iniciativa privada no desenvolvimento da infra-estrutura
econômica para um país como o Brasil, nas condições de desenvolvimento em que nos encontramos e com os
gargalos e deficiências que se apresentam na área de infra-estrutura?
Jan Kregel
Economista Chefe da DESA/ONU
O.K., uma das partes de minha apresentação, que eu não mostrei por razões de tempo, tenta lidar com a
questão da importância de prover infra-estrutura social e econômica, e qual a importância do governo em
prover programas para definir o tipo de infra-estrutura que é exigida. Por outro lado, quando nós falamos
sobre o planejamento público da infra-estrutura, não significa dizer que o setor público deve prover toda a
infra-estrutura que seja necessária. O que deve ficar bastante claro é que nós estamos olhando para a decisão
que deve ser tomada sobre os tipos de infra-estrutura econômica que são requeridos e então criar meios
pelos quais o setor privado possa participar desta iniciativa que não é tão lucrativa. Então, se o governo
fornecer a infra-estrutura, nós presumimos que seria feito tão eficazmente quanto pudesse ser feito pelos
setores privados. Em geral, por outro lado, os governos não puderam empreender programas em larga escala
sem envolver diretamente ou indiretamente sem o setor privado. Assim, é questão de achar uma interface
entre a vontade dos governos de reconhecer a responsabilidade deles provendo overheads social e econômico
(nós chamaríamos estas infra-estruturas) provendo o financiamento ou então usando o setor privado para
prover isto. E, um exemplo muito bom é o setor de transporte. Todo o mundo sabe que depois das autoestradas italianas, os Estados Unidos, nos 1950, se engajaram em um programa grande de construir superrodovias do país. Estas super estradas não foram consideradas como parte da infra-estrutura econômica
desejada, elas eram parte da infra-estrutura de defesa. A idéia era que as pessoas tivessem como sair das
cidades principais no caso de um ataque nuclear. Assim, o programa de construção de super-rodovias foi
considerado como integrante da estrutura da defesa nacional. Elas foram financiadas pelo orçamento de
defesa nacional como parte da defesa necessária dos Estados Unidos. O governo dos EUA não construiu
estradas, o governo dos EUA simplesmente disse que “nós reconhecemos a necessidade de uma estrutura de
transporte eficiente” e financiou as despesas pelas quais o setor privado produziu essas estruturas. Assim, o
que nós estamos olhando aqui, quando estamos falando sobre a responsabilidade do governo em termos de
fornecer infra-estrutura, é que o governo tem que tomar a decisão, a iniciativa, e reconhecer que se vai ter
um setor privado doméstico competitivo tem que dar os passos para financiar esta infra-estrutura. Agora,
obviamente, nos EUA, o sistema rodoviário não fez absolutamente nada para aumentar a segurança. Porém,
aumentou grandemente a eficiência e aumentou a integração dos vários mercados regionais nos Estados
Unidos que, então, permitiram que as companhias americanas pudessem operar em âmbito nacional. Ou seja,
tivessem acesso ao mercado doméstico integrado, inteiro, como o seus mercado lhes permitindo beneficiar
de economias de escala e também de outros benefícios que vieram da provisão daquela rede de transporte.
Assim, quando você estiver avaliando a necessidade da rede de transporte, eu sugeriria que, realmente se
dessem conta de que não está interessado em simplesmente avaliar se serve o propósito de defesa nacional ou
não. O que vocês estão fazendo é olhar para o aumento de competitividade e o aumento de produtividade que
desfrutarão como resultado e da renda que será gerada. E isso era o que o Delfim Netto, eu penso, disse antes,
o que você está olhando aqui agora não é para o retorno privado, mas para o retorno social que vem desse
investimento e isto vai não só incluir a expansão no setor privado, mas, também, o emprego que será gerado
desta proposta. Assim, realmente não é uma questão se deveria ser o setor público ou se deveria ser o setor
privado que deveria realizar o investimento. É uma questão de nos perguntarmos se nós precisamos desse
investimento ou não. E é só o governo que pode decidir “sim, nós precisamos disto”. E é só o governo que pode
decidir financiar o investimento ao reconhecer que tem benefícios externos e aumentos em benefícios sociais
que, normalmente, não seriam levados em consideração por uma avaliação puramente privada dos resultados
que advirão daquele gasto em infra-estrutura.
136
O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Ha-Joon Chang
Especialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra
Sim, por favor. Este é um assunto ligeiramente diferente, mas eu penso que atrás deste motivo de defesa, atrás da
infra-estrutura de transporte dos EUA, me lembra que a maioria das indústrias americanas teve vantagens advindas
de financiamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em programas de defesa. Por exemplo, na indústria
aeroespacial, era o governo americano financiando pesquisa e desenvolvimento mas eles também adquiriram a
habilidade de inflacionar os preços, subsidiando a indústria aeroespacial civil. Todo o sistema eletrônico não teria
existido sem os programas de defesa americanos. Semicondutores (microchips) foram desenvolvidos, inicialmente,
pela marinha dos Estados Unidos. E se você olhar com cuidado, o governo dos EUA está continuamente financiando
P&D. No ano passado caiu para 40%. E se você olhar para o passado 50% a 70% eram financiados pelo governo
americano, não só em defesa, mas áreas como saúde também foram beneficiadas. Cerca de 30% de P&D da indústria
farmacêutica etc.. E o resto do mundo, de forma muito boba, acredita que os Estados Unidos não praticam política
industrial. Então, concluímos, nós também não precisamos ter política industrial. Essa é uma posição estúpida.
Financiando defesa, os Estados Unidos estão fazendo política industrial. Eu quero dizer eu não sabia sobre sistema
rodoviário, mas ilustra bem este ponto.
Paulo Godoy
Conselheiro do CDES
Bom, a nossa previsão agora é de encerramento. É passar às considerações finais dos nossos convidados e então,
na seqüência, eu peço ao Professor Jan Kregel que conclua a sua participação com considerações finais, em seguida
o Professor Chang, e aí farei uma tentativa de um breve resumo do que aconteceu, do que nós tratamos hoje aqui, e
aos agradecimentos finais do Conselho com relação aos convidados e a todos que aqui participaram.
Considerações Finais
Jan Kregel
Economista Chefe da DESA/ONU
O.K., uma vez que eu já falei bastante, tentarei e serei muito sucinto. Uma das últimas perguntas que eu respondi
era esta idéia de microfundação da micropolítica e eventualmente o mercado que conduz a pleno emprego, que eu
acho que não respondi suficientemente e gostaria agora de adicionar algumas observações. O primeiro é sobre a
base do combate original contra a inflação, e nós não estamos falando agora sobre hiperinflação, nós simplesmente
estamos falando sobre inflação, taxas normais de inflação. O argumento era que a inflação é que distorce a operação
do mecanismo de mercado, assim, o que nós somos levados a acreditar é que por causa desta distorção inflacionária
impede que decisões racionais sejam feitas e inibe os investimentos que proveriam pleno emprego. Assim, a
justificativa da política é que o mercado poderá funcionar se inflação é eliminada e, na realidade, vai poder produzir
pleno emprego. Agora, há uma dificuldade com isto e o que se sugere é que: primeiro, a política monetária não tem
impactos diferenciais quando combate a inflação e eu já sugeri que, na realidade, tem um impacto muito definido
em camadas diferentes da economia e em camadas diferentes da sociedade. Mas, em segundo lugar, as políticas de
taxas de juros altas à qual já nos referimos também, é que perturbam o mecanismo de mercado. Como eu sugeri,
a tendência que se manifesta é na direção de investir em ativos financeiros, em lugar de ativos produtivos, e este é
um ponto que eu penso estar no centro da teoria que nós tínhamos quando nós falamos sobre macropolítica. Um
dos objetivos básicos da macropolítica é assegurar que o setor financeiro não transfira recursos (crowd out) ao
setor real. Agora, taxas de juros altas fazem isto precisamente. Assim, parte da operação do mercado tem que fazer
com que a eliminação da inflação traga a taxas de juros até um nível no qual ela já não esteja distorcendo mais as
atividades desse mercado. Porque uma taxa de juros é um preço como qualquer outro preço na economia, e é um
pouco paradoxal que nós inchemos a taxa de juros para diminuir os preços no resto do sistema. Se o mercado vai
funcionar plenamente então todos os preços no sistema deveriam ser tratados de forma equivalente.
Segundo, e este é um ponto muito simples, eu me refiro novamente a Prebisch. Um dos princípios básicos que
Prebisch usava, olhando para o processo de desenvolvimento, era que não há qualquer mecanismo de mercado
que elimine desigualdades. Isto é, o mercado simplesmente não trata de desigualdades e, na realidade, em geral,
o mecanismo de mercado tende a reforçar as desigualdades. Tal que se o sistema for competitivo, os que têm as
vantagens são recompensados e os que têm uma desvantagem são penalizados. E esse foi sempre seu argumento,
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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que não se deixassem políticas sociais voltadas para a questão da igualdade à mercê dos mercados. Tem que haver
algum mecanismo que venha diretamente da intervenção governamental ou para fixar política econômica. Agora, a
respeito desse aspecto, Prebisch estava muito alinhado com o que nós chamávamos de economistas clássicos liberais,
quer dizer, pessoas como Adam Smith e outros. Eles não acreditavam em intervenção estatal, mas acreditavam
que é papel do Estado fixar o arcabouço, prover os regulamentos a partir dos quais a operação do mecanismo de
mercado alcançaria os resultados que a sociedade deseja. Quer dizer, não é o mercado que é o ser-tudo e fim-tudo,
o mercado é um mecanismo e nós temos que projetar o arcabouço no qual aquele mecanismo opera para produzir
os resultados que a sociedade almeja. O mercado pode produzir desigualdade, o mercado pode produzir inflação,
o mercado pode produzir deflação. Tudo depende do arcabouço, dos regulamentos e das políticas que você adota e
que determinam como o mercado vai produzir resultados. E os economistas clássicos preconizavam que era papel
do governo fixar estes regulamentos, e tendo fixado adequadamente os regulamentos e o arcabouço, permitiria
que o mercado pudesse fazer seu trabalho e funcionar. E esta é a idéia que Prebisch defendia e Keynes tampouco
discordava do mecanismo de mercado, mas Keynes também estava a favor da fixação de barreiras, e da criação de
limites para ter certeza que o mercado produziria resultados aceitáveis. Muito obrigado.
Paulo Godoy
Conselheiro do CDES
As considerações finais, então, do Professor Chang.
Ha-Joon Chang
Especialista em Politica Industrial e Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra
Eu realmente ouvi coisas muito interessantes aqui hoje, com as apresentações e comentários dos participantes.
Se eu fosse fazer um resumo do que eu estava querendo transmitir a vocês é a idéia de que temos que romper com
muitos mitos, fobias, etc. Eu não quero dizer que tudo que eu falo é correto. Estou aberto a discussões, mas se
pensarmos e questionarmos os dogmas vigentes o mundo poderia ficar bem diferente. Concluímos que os países
desenvolvidos fazem política industrial, são protecionistas etc. O tipo de propaganda que nos afeta é transmitido
pela mídia, pelas idéias do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional etc. Eu não estava exagerando
quando disse que eles estão fazendo o mesmo que Stalin fez. Escondendo as coisas que fazem.
Você não precisa ficar sempre olhando para trás, pois as realidades vão mudando. Mas a história nos ensina
muito, mas temos que lê-la de forma mais realista. Não quero dizer que tudo na história não é verdade. Precisamos
construir nossos países a partir de nossas experiências e necessidades. Não ter medo. Não sou tão ingênuo de
achar que escrevendo meus livros posso convencer o mundo de minhas idéias. Não acho isso. Mas me mantenho
otimista. Thomas Jefferson dizia que “idéias são como o ar”. Abraham Lincoln se preocupava com os escravos, brigou
na guerra para abolir a escravatura, mas é mentira que ele fosse a favor da libertação dos escravos por questões
humanitárias. Ele liberou os escravos por outras razões, econômicas, mas não porque achava que escravizar era
errado. Então, concluindo, pensando diferente é possível mudar o mundo. Talvez não hoje, mas quem sabe daqui
há a 100 anos você consegue mudar o mundo. Obrigado.
Paulo Godoy
Conselheiro do CDES
Muito obrigado Professor. Bom, agora vamos para a fase final do nosso evento. Queria destacar que realmente
acertamos, nós do Conselho. Queria cumprimentar a Eva, e pedir que transmita ao Ministro Jaques Wagner e a
toda a organização que a formatação desse nosso evento cumpriu, realmente, aquilo que nós nos propusemos a
realizar: trazer mais luzes, trazer debate, discutir opiniões, às vezes divergentes, refletindo a própria composição do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que traz na sua própria configuração correntes de pensamento
muitas vezes divergentes e muitas vezes convergentes em diversos aspectos. Acho que hoje nós trouxemos para
esse evento uma convergência enorme a respeito da necessidade imperiosa do desenvolvimento do país e, também,
opiniões de pessoas ilustres e estudiosos que contribuíram para que o nosso debate terminasse com um grande
estilo e num nível elevado.
Tentando sumarizar um pouco, lembrando que nós já começamos há quase três horas e meia para quatro horas
os trabalhos que se desenvolveram ao longo da tarde, o Professor Kregel afirmou que o processo de desenvolvimento
deve ser o resultado exatamente de um debate da sociedade, quer dizer, uma obrigação da sociedade, e nós
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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precisamos buscar bases mais permanentes, aspectos mais perenes no processo de desenvolvimento, e não estarmos
sujeitos a variações políticas ou contornos políticos. Portanto, o recado claro que ele dá é a necessidade de se firmar
uma espécie de pacto de desenvolvimento que extrapola a ação dos governos e atinge um compromisso geral da
sociedade. O Professor focou, também, a falsa questão dos recursos internos, a falta de recursos internos em países
do grau de desenvolvimento do Brasil, o que remete os países a fazer captação de recursos externos e, às vezes,
com conseqüências sérias no endividamento de longo prazo. Frisou, também, a questão da incompatibilidade
da estruturação financeira atual com a política de incentivo ao investimento e passou pela política cambial e
monetária, não criando um ambiente adequado para a superação das desigualdades. Ao responder as perguntas,
defendeu uma política do Banco Central combinada entre o controle da inflação e a criação de condições de
crescimento econômico. Enfatizou a redução da dívida externa e fez considerações a respeito do combate à inflação,
principalmente agora, na parte final, que não necessariamente auxilia a redução das desigualdades. Então, tentando
ser um pouco fiel, é difícil fazer um resumo daquilo que foi dito, mas, basicamente, essa foi à linha de pensamento
do Professor Kregel, com as outras considerações que ele aduziu no debate.
O Professor Chang, por sua vez, recomenda que o Brasil redirecione sua política de modo a estimular o
investimento de longo prazo e a formação profissional. Em diversos momentos da sua colocação, ele enfatiza a
questão da formação profissional, da educação. A propósito, o pleno do Conselho de Desenvolvimento Econômico
Social se reúne amanhã para um debate-diálogo com o Ministro da Educação, o Professor Fernando Haddad. Ele
vem a propósito daquilo que se conversou e que nós debatemos hoje. Quer dizer, nós não conhecemos a história
de nenhum país de sucesso que não tenha feito um grande programa de educação, inovação e desenvolvimento
tecnológico e o Brasil está devendo nessa matéria. Nós não conseguimos, até hoje, montar um programa de
compromisso do país com relação à educação, um compromisso que, como eu disse, extrapole os governos, que
seja um compromisso da sociedade, e certamente nós não vamos conseguir atingir o grau de desenvolvimento
que almejamos se nós não conseguirmos, neste campo, ter uma sólida política de longo prazo para colhermos
os frutos em alguns anos na frente. O Professor Chang, também, resgatou aqui, de uma forma admirável e bemhumorada, a história e lembrou que os países que hoje defendem certos tratamentos em outras áreas do planeta,
na verdade, usaram subsídios tarifários e uma vasta lista de intervenções estatais para dar um impulso ao seu
desenvolvimento. Então, ele lembra que é preciso, de certa forma, proteger a indústria local até que ela possa ter
condições de competição internacional e, de uma forma geral, desafiou a todos que pensam um pouco diferente da
corrente predominante na política no cenário econômico mundial. Sinto fazer um resumo, porque muita coisa foi
dita, mas tento dar esse fechamento ao nosso evento.
Quanto à fala do Professor Delfim Netto, com essa sua capacidade de síntese, procurou fazer um balanceamento
entre as duas posições e defender as suas próprias e comentou, então, o processo de crescimento da economia
brasileira dos anos 1950 até 1985 e alguns equívocos que ele classifica como pecados capitais com relação à política
cambial de lá para cá. Também defendeu uma política industrial, a exemplo do que fizeram o Professor Chang, e
de certa forma o Professor Kregel. Combateu a idéia e o pensamento de que a poupança antecipa o crescimento,
na verdade, ele defendeu que eles se processam em conjunto, no mesmo diapasão, afirmando que a poupança se
faz quando há crescimento. Defendeu, também, as condições isonômicas de competição e taxas de juros menores
e argumentou que a taxa de juros deve ser sempre menor que a taxa do retorno dos negócios no setor industrial,
no setor produtivo. Uma taxa de câmbio competitiva e uma carga tributária leve é, também, condições necessárias
para o crescimento sustentado. E fica marcada a frase que eu acho lapidar, que é: “o Estado brasileiro não cabe no
PIB brasileiro”, também sinalizando a necessidade de uma ampla reforma fiscal e administrativa para que o Estado
brasileiro possa caber no seu PIB, senão os desequilíbrios serão inevitáveis. E criticou, mais uma vez, o que já é de
praxe, o mito e o conceito do tal PIB potencial. Essa restrição, de uma certa linha de pensamento econômico, faz
com que o crescimento econômico fique restrito a uma determinada taxa de crescimento.
Bom, assim, eu queria agradecer novamente a presença dos professores e muitos outros professores e cidadãos
que nos acompanharam hoje, agradecer a toda a organização do evento, agradecer aos conselheiros do CDES
que apoiaram e quem vêm apoiando todas as iniciativas do Conselho na direção do desenvolvimento brasileiro e
dando uma mostra da pluralidade do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Hoje fizemos um convite
direcionado para diversas correntes e diversas alas da sociedade brasileira e convidamos a todos, em função desse
nosso encontro, a uma reflexão a respeito do futuro do país. Quer dizer, há uma coisa que nos une sempre, é o
amor ao Brasil, o amor ao nosso país, e com essas correntes, mesmo que muitas vezes conflitantes, certamente
estamos todos nós pensando em como fazer com que o país atinja o grau de desenvolvimento que na teoria todos
nós almejamos. Certamente, com muito trabalho, com muito patriotismo, com muita realidade temos que realizar
nossos sonhos. Entretanto, a velocidade hoje da comunicação, da inovação, do avanço tecnológico, não permite
grandes reflexões teóricas. Nós precisamos realmente olhar e seguir aquilo que o mundo está nos oferecendo de
experiências de sucesso e procurar aprender com o sucesso dos outros e com os insucessos de alguns, e não repeti-
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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los aqui no Brasil. E, assim, nós vamos conseguir receber os nossos convidados, talvez daqui a alguns anos, em
condições sociais e econômicas muito melhores daquelas que nós conseguimos apresentar hoje. Então, novamente,
muito obrigado a todos e até uma próxima ocasião.
Mestre de Cerimônia
Encerramos nesse momento a última mesa de debates do Seminário sobre Desenvolvimento: Agenda Nacional
de Desenvolvimento em debate. Informamos que será oferecido, pelo seminário, a todos os participantes, um
coquetel, que acontecerá no saguão de entrada, no hall de entrada.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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PARTE III
Seminário
Internacional de
Desenvolvimento
(2009)
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Apresentação
O Seminário Internacional sobre Desenvolvimento foi realizado pelo Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (CDES) nos dias 05 e 06 de março do ano corrente, reunindo, além dos Conselheiros e
Conselheiras do CDES outras lideranças sociais e políticas; especialistas brasileiros e internacionais; representantes
do governo e de organismos multilaterais.
Tendo como pano de fundo a crise financeira internacional, o Seminário buscou aprofundar a análise sobre
questões o padrão de desenvolvimento brasileiro, o papel do Estado, a integração entre os países a regulação do
sistema financeiro internacional e os desafios das instituições financeiras multilaterais.
A Publicação do Seminário Internacional sobre Desenvolvimento é um esforço conjunto da Associação
Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDI), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) e da Petrobras. A Publicação apresenta um relato das palestras e debates, além de um artigo escrito
pelo Professor Ladislau Dowbor, a partir do conteúdo do Seminário.
Sem pretender esgotar toda a riqueza de informações apresentadas nos dois dias de trabalho, a Publicação coloca
à disposição da sociedade brasileira importantes subsídios e reflexões ali gerados, com o propósito de ampliar o
debate sobre o momento atual e sobre o projeto de desenvolvimento estratégico para nosso País.
O entendimento é que o desenvolvimento é responsabilidade de atores sociais e governo; é fruto da vontade
coletiva do conjunto da sociedade. O desenvolvimento vai além, portanto, da retomada do crescimento econômico
e é indissociável da inclusão social e da sustentabilidade ambiental, da busca da solidariedade internacional e da
ação coordenada.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Introdução
A crise econômica mundial e os desafios para o Brasil
O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) vem debatendo o tema da crise econômica
mundial desde março de 2008. O debate sobre desenvolvimento, contudo, acompanha as reuniões do CDES desde
sua criação. O seminário realizado em Brasília, nos dias 5 e 6 de março, teve como objetivo central aprofundar
esse debate, procurando consolidar um diagnóstico sobre as origens, a natureza, os desdobramentos e os possíveis
impactos da crise no Brasil. O CDES escolheu como fio condutor desse debate um desafio estratégico colocado para
a economia brasileira: diante do cenário de uma grave crise sistêmica mundial, qual o projeto de desenvolvimento
desejado para o país. Esse espaço, que reúne representantes de diferentes setores da sociedade, foi criado justamente
para construir uma agenda de problemas e propostas de soluções. A crise atual renovou dramaticamente a atualidade
dessa agenda.
Desde que os períodos de crescimento acelerado que caracterizaram os primeiros anos do século 21 foram
abalados pela crise financeira internacional, que eclodiu em setembro de 2008, a discussão sobre entraves à
Globalização Financeira e perspectivas de um novo arcabouço de financiamento e regulação do Sistema Financeiro
Internacional tornou-se pauta de reuniões entre líderes internacionais, acadêmicos e diferentes grupos da sociedade
civil organizada. A crise global teve como epicentro o desmoronamento do sistema financeiro norte-americano que
rapidamente contaminou economias desenvolvidas e em desenvolvimento de todos os continentes, mostrando sua
gravidade e seu caráter de crise estrutural e sistêmica em curtíssimo espaço de tempo.
O período de investimentos maciços, demanda internacional excepcional, rápido crescimento do comércio
exterior, viabilizados pelo crédito abundante e barato e pela extraordinária liquidez internacional, se esgotou. Os
bancos e fundos globalizados com produtos cada vez mais sofisticados – hedge funds, derivativos e securitização, por
exemplo – alimentaram o boom econômico, mas protagonizaram, também, a crise que rapidamente contaminou
os países desenvolvidos. A ilusão de “descolamento” das economias emergentes ruiu. Com o crédito escasso e
consumo em queda nos mercados desenvolvidos, os países emergentes, embora alavancados pelo desenvolvimento
recente de seus mercados domésticos, passaram a enfrentar dificuldades para garantir a sustentabilidade da balança
“financiamento versus produção” e estão à procura de alternativas para não serem arrastados pela desaceleração
global.
Os Conselheiros e Conselheiras do CDES organizaram este seminário na expectativa de colher subsídios
para qualificar o assessoramento ao Presidente da República e contribuir para informar a sociedade sobre temas
polêmicos de médio e longo prazos, tais como:
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A crise a situação do Brasil diante da crise
Desafios para o Desenvolvimento Brasileiro
O Papel do Estado no Mundo Pós-Crise
Novo padrão de desenvolvimento
A integração latinoamericana: possibilidade de desenvolvimento
Um novo sistema de financiamento e regulação para o sistema financeiro internacional
Entendimento e cooperação multilateral
Novo papel das instituições financeiras multilaterais.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Abertura
Mesa de Abertura:
1. Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
2. Ministro José Múcio Monteiro - Ministro de Estado-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da
Presidência da República
3. Paulo Godoy – Conselheiro do CDES
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República
“Entendimento e cooperação multilateral”
A defesa de um novo padrão de cooperação multilateral entre as nações foi consenso entre os participantes do seminário.
Na abertura do encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou essa urgência e os erros que a colocaram na
ordem do dia. “Temos aqui uma antecipação do que o mundo precisa: o nome desse requisito é entendimento político,
cooperação multilateral. Só assim poderemos atravessar esse período”. Esta necessidade destacou o presidente, tem como
fundamento um diagnóstico básico: a crise colocou um ponto final em um ciclo de mais de duas décadas de equívocos e
fraudes cometidos em nome do “Deus mercado”. “É preciso destacar a atuação de todos aqueles que resistiram à agenda
do Estado mínimo. A crise atual consagra uma agenda de desenvolvimento”.
O presidente brasileiro chamou a atenção para a proposta de orçamento fiscal anunciada pelo presidente dos Estados
Unidos, Barack Obama, qualificando-a como um “novo idioma político que fortalece e resgata a agenda da democracia
política, do desenvolvimento e da justiça social”. Na América do Sul, ressaltou, essa agenda vem conquistando importantes
vitórias políticas desde 2003. Ela mostra, argumentou, que a política não é o oposto da eficiência e que o Estado não é o
estorvo do desenvolvimento. Muito pelo contrário, no cenário atual ela aponta para a necessidade de aprofundar o debate
sobre o papel do Estado na construção de um projeto de desenvolvimento. “A reordenação mundial exigida pela crise
transcende a esfera de soluções técnicas e unilaterais. Em certo sentido, vai além da esfera dos espaços nacionais”, defendeu.
“Estamos diante do extraordinário”
A importância da Política como instrumento privilegiado para enfrentar o cenário de crise e a adoção dos valores
do multilateralismo e da cooperação como diretrizes permanentes Compuseram o pano de fundo da maioria das
propostas apresentadas no encontro. “Estamos diante do extraordinário, soluções de rotina não servem”, resumiu Lula.
Outro diagnóstico recorrente apontou para as armas de que o Brasil dispõe para enfrentar a crise e que colocam o país
num cenário relativamente privilegiado. O presidente destacou algumas delas: reservas em torno de US$ 200 bilhões
que funcionam como um cinturão de segurança; um sistema de bancos estatais fortalecidos; o fato de o BNDES ter
voltado a ser um banco de desenvolvimento; a política de fortes investimentos na construção civil patrocinada pela Caixa
Econômica Federal.
Após apontar tais condições, o presidente lançou um desafio aos empresários brasileiros: o de realizar as obras nas
quais o governo federal irá investir. Uma delas exemplificou, é a construção de um milhão de moradias populares para
a população de baixa renda. “A grande novidade para nós é que o Brasil não precisa de dinheiro externo para fazer os
investimentos que precisa. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), se já não existisse, teria que ser criado.
Chegamos a isso, entre outras coisas, estimulando a formação de um mercado de massas por meio de políticas públicas
destinadas a aumentar o poder de compra do salário mínimo”. Ao fazer essa observação, Lula voltou a chamar a atenção
para a importância da dimensão política no enfrentamento da crise. “O que diferencia esse ciclo é que sua continuidade
não depende só da economia, mas da ampliação da democracia política no Brasil”.
O legado do “choque de gestão”
Um dos desafios políticos mais importantes no processo da crise será impedir a eclosão de uma onda protecionista no
comércio mundial, problema este destacado pelo presidente brasileiro. “Não podemos passar de um vale tudo financeiro
para um vale tudo protecionista que nos jogaria numa crise mais grave do que aquela que resultou na Segunda Grande
Guerra. Estou convencido que a saída para a crise só acontecerá se os governantes assumirem o papel de governantes de
seus países”. Um dos obstáculos para isso advertiu, é que as duas últimas décadas foram marcadas pela apatia. “As pessoas
eram eleitas sob a égide do mercado. O Estado era apontado como algo que atrapalhava o desenvolvimento. Muitos
dirigentes passaram o mandato inteiro repetindo isso, falando em choque de gestão”. A crise atual mostra que o que esse
discurso conseguiu foi aplicar um choque quase mortal na economia.
A pesada herança deixada pelos adeptos do Estado mínimo e do choque de gestão foi ironizada pelo presidente.
“Aqueles que sabiam tudo até a crise, ficaram sem saber nada com a crise. E aí o Estado (por eles demonizado) foi
chamado a socorrê-los. Ninguém sabe até hoje quantos trilhões de dólares atravessaram os oceanos. E hoje esses
trilhões desapareceram. O setor financeiro ficou dissociado do setor produtivo das nações. Essa é a oportunidade dos
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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governantes voltarem a governar e dos Estados voltarem a formular políticas de desenvolvimento”. E, mais do que nunca,
os governantes precisarão voltar a governar. Além do risco de uma onda protecionista de repercussões imprevisíveis, há
outras tarefas urgentes como a regulação do sistema financeiro internacional e o restabelecimento do crédito no mundo.
Para o presidente brasileiro, uma das condições para atingir esses objetivos é não contemporizar na avaliação sobre o
que está acontecendo. “Lembro quando as delegações do FMI vinham aqui e diziam o que podíamos e devíamos fazer.
Quando começamos a enxergar com nossos próprios olhos, começamos a nos recuperar”. Lula expressou otimismo acerca
da travessia do Brasil na crise e definiu o que não pretende fazer: “Não me peçam para que os trabalhadores paguem a
crise outra vez, arrochando salários. É preciso distribuir renda para que a economia cresça”, pontuou, citando, como
exemplos, programas como o Bolsa Família, o Luz para Todos (que já beneficia 2 milhões de pessoas) e o fortalecimento
da agricultura familiar. “Não sabemos tudo o que precisa ser feito, mas sabemos o que não queremos: arrocho salarial e
contingenciamento de recursos”, concluiu.
José Múcio Monteiro
Ministro de Estado-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
Ministro da Secretaria de Relações Institucionais e secretário-executivo do CDES, José Múcio Monteiro localizou o
Seminário no Âmbito do esforço do CDES de debate sobre a crise financeira internacional e de geração de propostas e
recomendações para proteção da dinâmica brasileira de crescimento econômico com distribuição de renda.
Destacou o desafio colocado pelo Seminário de consolidar uma perspectiva sistêmica e de longo prazo, para que o
enfrentamento da crise possa conduzir ao aperfeiçoamento das instituições, à maior articulação entre os governos e ao
diálogo entre os povos, contribuindo para a construção de um mundo menos desigual, mais sustentável e solidário.
Apontou questões para o debate durante os dois dias do seminário como a manutenção do fluxo de crédito e dos
investimentos públicos, a proteção do emprego e da renda dos trabalhadores; o aprofundamento e qualificação do
processo de integração entre os países da América do Sul; e o papel das instituições multilaterais.
Para o Ministro José Múcio, o consenso do CDES é sobre a oportunidade de entendimento nacional em torno de uma
agenda positiva voltada para o desenvolvimento do país. O diálogo é a ferramenta deste processo, incluindo os diversos
pontos de vista e interesses; mobilizando a vontade coletiva e gerando soluções que atendam ao conjunto da população.
“O tempo das verdades absolutas impostas aos países acabou. O futuro está em aberto”.
Paulo Godoy
Conselheiro do CDES
O Conselheiro do CDES Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base
(ABDIB) falou na abertura do Seminário, em nome do conjunto de conselheiros do CDES. O Conselheiro defendeu
a necessidade de retomar o debate sobre a Agenda Nacional de Desenvolvimento, promovido pelo Conselho, em 2004.
Para Godoy, a Agenda deve andar de mãos dadas com a concepção de um “Estado ágil, democrático e produtor de
solidariedade entre União, Estados e Municípios”. Ele reconheceu que nos últimos anos houve inegáveis avanços na
redução da desigualdade social, aumento da renda e do emprego, crédito habitacional, inclusão bancária e sistema
de financiamento, destacando, neste último ponto, o papel que vem sendo desempenhado pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Por outro lado, Godoy apontou uma lista de propostas em torno das quais ainda se deve avançar. Entre elas, citou a
necessidade de uma reforma do Sistema Tributário Nacional, a ampliação da escolaridade média da população, a queda
das taxas de juros, a redução das desigualdades regionais, a diminuição do custo do capital, a estabilização do câmbio,
o aumento do crédito para investimentos, a ampliação do Conselho Monetário Nacional e o fortalecimento dos bancos
públicos. Enfatizando a gravidade do momento por que passa a economia mundial, ele resumiu: “Efeitos de cem anos de
várias crises concentraram-se agora em uma única crise”. Para o Conselheiro do CDES, depois desta crise emergirá um
novo mundo, onde valores mudarão de nome e conceitos serão alterados, dando origem a uma nova ordem internacional.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Mesa-Redonda: Novo padrão de
desenvolvimento - crescimento,
estabilidade e inclusão social
Coordenação: Ministro José Múcio Monteiro - Ministro de Estado-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais
da Presidência da República
Palestrantes:
1. Ministra Dilma Rousseff – Ministra de Estado-Chefe da Casa Civil
2. Ministro Guido Mantega – Ministro da Fazenda
3. Ministro Henrique Meirelles – Presidente do Banco Central
Comentários:
 João Paulo dos Reis Velloso - Conselheiro do CDES
 Jorge Gerdau Johannpeter - Conselheiro do CDES
 Jorge Nazareno - Conselheiro do CDES
 José Antônio Moroni - Conselheiro do CDES
 Luiza Helena Trajano - Conselheira do CDES
 Rodrigo Loures - Conselheiro do CDES
Dilma Rousseff
Ministra de Estado-Chefe da Casa Civil
Modelos de crescimento no Brasil
A Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, falou sobre os desafios colocados para o Brasil construir um novo
padrão de desenvolvimento em meio a uma das mais graves crises econômicas mundiais da história. Qual a exigência
do “novo” exatamente? Para contextualizar essa questão, a Ministra relembrou os recentes ciclos econômicos da
história do país. Nas décadas de 1960 e 1970, durante a ditadura militar, houve um período de alto crescimento com a
montagem de cadeias produtivas e de projetos de infraestrutura. No entanto, assinalou Dilma Rousseff, foi um modelo
fortemente concentrador de renda, com alto endividamento externo e exclusão social. O país apresentou elevadas
taxas de crescimento que não vieram acompanhadas, porém, pela redução da pobreza e das desigualdades sociais.
Já no ciclo que marcou as décadas de 1980 e 1990, optou-se pela estabilidade, pela valorização do curto prazo
e pela aceitação dos ajustes propostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em um cenário de grande
instabilidade externa. Neste período, agravou-se a concentração de renda e a exclusão e ocorreu o deslocamento
para o setor privado de algumas funções do Estado. Na avaliação da Ministra da Casa Civil, um dos principais
problemas deixados pelas políticas implementadas neste período foi a destruição de importantes instrumentos de
gestão e planejamento. O Estado perdeu capacidade de planejar e pensar o longo prazo. Além disso, a vulnerabilidade
externa do país aumentou, significativamente, fragilizando a economia e diminuindo a capacidade de investimentos
na infraestrutura nacional.
A redução da vulnerabilidade externa foi justamente uma das prioridades do governo Lula, a partir de 2003,
observou Dilma Rousseff. A Ministra elencou algumas das conquistas obtidas pelo atual governo: queda da
relação dívida pública/PIB; ampliação do crédito; ampliação do emprego e da renda dos setores mais pobres da
população, favorecendo a criação de um mercado de consumo de massas; combate às desigualdades regionais
com investimentos pesados nas regiões Norte e Nordeste; fortalecimento da Agricultura Familiar; políticas de
inclusão social favorecendo milhões de brasileiros, como os Programas Bolsa Família, Luz para Todos e Territórios
da Cidadania. Por meio dessas políticas, defendeu a Ministra, o atual governo trabalha por um padrão de
desenvolvimento baseado em quatro eixos centrais: crescimento, estabilidade, equidade e garantia de direitos.
Esse modelo enfatizou, depende de um Estado atuante com um valor estratégico básico: o estabelecimento de
parcerias com o setor privado. Além disso, trabalha com dois grandes eixos de atuação: programas sociais e políticas
de desenvolvimento. Através dos primeiros, constituiu-se uma rede de proteção social com a inclusão de milhões
de brasileiros no mercado consumidor. As transferências sociais passaram de 5% a 6% do PIB para 8% a 9%.
Um dos principais resultados dessas escolhas exemplificou Dilma Rousseff, foi à passagem, nos últimos anos, de
aproximadamente 20 milhões de pessoas para a chamada “classe média”. No terreno das políticas de desenvolvimento, a
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Ministra destacou um ponto que muitas vezes é esquecido neste debate: investimento em educação. O estabelecimento
de um piso salarial para os professores, o fortalecimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e a ampliação do número de escolas profissionais foram
apontados por Dilma Rousseff como políticas centrais do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
O PAC e os gargalos na infraestrutura
Já no plano da infraestrutura, citou a retomada dos investimentos na indústria naval, os investimentos em inovação,
ciência e tecnologia e o conjunto de projetos que compõem o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “O PAC
não é um projeto isolado, não é uma lista de obras e tampouco uma peça de marketing”, defendeu a ministra. “O PAC
pretende resolver gargalos na infraestrutura do país e trabalhar pela desconcentração regional de renda. Não é um
fim em si mesmo. O que se quer com esse programa é aumentar a eficiência de todo o sistema”, explicou. Entre os
gargalos, citou a precariedade dos serviços públicos em áreas fundamentais como energia, abastecimento de água e
saneamento básico.
Projetos de infraestrutura, ressaltou, não se fazem apenas com o Orçamento Geral da União. “Eles exigem a
participação do setor privado, que já é muito importante e tem que ser ainda maior. O PAC permitiu que a engenharia
nacional recompusesse sua estrutura”, destacou. Dilma Rousseff citou como exemplos de projetos que exigem maior
participação do setor privado, os da implementação de trens de alta velocidade, dos biocombustíveis e do etanol.
Até 2010, disse ainda a ministra, o conjunto de investimentos previstos para o PAC envolverá recursos da ordem
de R$ 1,148 trilhões. Neste conjunto, incluem-se, entre outras obras e projetos, a reconstrução do sistema ferroviário
nacional, a exploração de petróleo na área do pré-sal (“queremos exportar derivados petroquímicos e não petróleo
bruto” informou), o aumento da produção de energia renovável na matriz energética brasileira (explorando fontes
como biomassa e energia eólica, entre outras) e o aumento da rede de saneamento no país. “Estamos trabalhando
com um horizonte de longo prazo para os investimentos. A crise está sendo transmitida ao Brasil por um choque de
crédito, mas estamos preparados para enfrentá-la. O PAC é um dos principais instrumentos do governo para enfrentar
os efeitos negativos da crise”, concluiu a Ministra Dilma Rousseff.
Guido Mantega
Ministro da Fazenda
O quadro de deterioração da economia mundial
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também analisou a situação do Brasil no atual cenário econômico
mundial, assinalando, em primeiro lugar, que a evolução da crise financeira nos Estados Unidos segue indefinida.
Mas, segundo Mantega, estamos assistindo a uma deterioração acelerada da economia mundial. No entanto,
assegurou, o Brasil reúne condições mais favoráveis para enfrentar seus efeitos. “O Brasil foi um dos últimos a
sentir o impacto da crise e pode ser um dos primeiros a sair dela”. O Ministro forneceu alguns números para dar a
exata dimensão da deterioração a que se referiu. Os prejuízos de bancos no epicentro da crise, contabilizados pelo
FMI, chegam a US$ 792 bilhões (esse valor deve ser ainda maior). A queda do Citigroup exemplifica a gravidade
da crise. Um dos ícones do capitalismo mundial, o banco valia US$ 103,4 bilhões, em agosto de 2008. Hoje vale
apenas US$ 8,2 bilhões.
A redução da produção industrial e do comércio mundial deverá ser de 40%, previu Mantega. E a queda do
PIB mundial em 2009, segundo estimativa da revista The Economist, deverá chegar a 1,9%. Diante destes números,
a nova abordagem dos economistas, acrescentou, é trabalhar com três cenários: um ruim, um péssimo e outro
catastrófico. Os elementos que compõem tais cenários envolvem queda dos investimentos, retração do crédito,
fluxo negativo de capitais e perda de confiança com drástica mudança de expectativas. Apesar disso, o Ministro
expressou otimismo sobre a abertura de um novo ciclo de desenvolvimento no Brasil, destacando como uma das
principais condições favoráveis à estabilidade política e institucional brasileira.
A situação do Brasil diante da crise
Além desta, há fatores econômicos que alimentam o otimismo do Ministro Mantega. Nos últimos três anos, a
economia brasileira vem se beneficiando com o crescimento dos investimentos (10% em 2006; 13,3% em 2007 e;
14% em 2008). O aumento do consumo interno é outra arma para enfrentar a crise. Hoje, destacou, cerca de 52,6%
da população encontra-se na classe média. No plano macroeconômico, Mantega destacou a solidez fiscal do país (o
superávit primário em 2008 foi o maior dos últimos anos, chegando a 4,5%) e a redução da dívida pública brasileira
para 36,5% do PIB. “Teremos que cortar gastos correntes para manter investimentos” admitiu, mas “reduzimos
nossa vulnerabilidade externa e mantivemos nossas reservas quase intactas”.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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O risco Brasil acrescentou, vem caindo mais do que o dos demais países considerados emergentes, o Real está
relativamente estável e o país registrou até aqui um impacto menor no setor de produção de veículos leves (nos
EUA, em janeiro de 2009, essa queda foi de 36,9%, em relação a janeiro de 2008, enquanto que no Brasil a queda
no mesmo período foi de 8,1%). Na avaliação do Ministro da Fazenda, a situação do emprego no Brasil também
é melhor do que no resto do mundo. “A projeção para 2009 é que as admissões serão superiores às demissões em
cerca de 20%”.
O Ministro Guido Mantega também citou a situação do sistema financeiro brasileiro como um dado positivo
para o enfrentamento da crise, especialmente o fato de que o Brasil possui hoje bancos públicos sólidos, responsáveis
por cerca de 35% do total de crédito no país. Mantega acredita que esse número pode aumentar ainda mais. “O
crédito imobiliário representa apenas 3,5% do PIB e tem uma grande capacidade de crescimento”, exemplificou.
Além disso, apontou a autonomia energética brasileira como outro fator que ajudará o país a atravessar esse período
de forte turbulência global. “São esses círculos de defesa que resguardam a economia brasileira”, assegurou.
O Brasil não repetirá, garantiu o titular da Fazenda, o comportamento adotado por outros governos em crises
anteriores. Lembrou que esse comportamento consistia basicamente em elevar os juros, cortar investimentos e
promover arrocho salarial. Mantega disse que, graças à atual solidez macroeconômica, o Brasil poderá implementar
políticas anticíclicas. Será feito um aporte adicional de R$ 100 bilhões ao BNDES que, em 2009, terá ao todo R$
168 bilhões para investimentos. Por outro lado, reconheceu que há um conjunto de problemas a solucionar. Um
deles é a falta de crédito e o custo financeiro elevado, especialmente para pequenas e médias empresas. Outro é a
retração do comércio internacional, que afetará o Brasil. Diante desse quadro, a prioridade do governo, garantiu,
será trabalhar para manter o nível de emprego e estimular o investimento.
Henrique Meirelles
Presidente do Banco Central
O Brasil vai crescer mais que a média mundial
Ao analisar as possibilidades da economia brasileira atravessar a crise de modo menos traumático do que deve
ocorrer com a maioria dos outros países, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, chamou a
atenção para a importância de entender a natureza da crise, seus canais de transmissão e o modo como tais canais
se relacionam com o Brasil. Meirelles lembrou que a crise começou no mercado imobiliário dos EUA, com uma
forte alta da inadimplência, problema que acabou se alastrando para outros setores. Os efeitos mais imediatos dessa
transmissão são o aumento do custo do crédito no mundo, o aumento do desemprego e a queda do consumo nos
EUA, três fenômenos que estão acontecendo neste momento. Em um outro plano, a crise fez com que o valor de
mercado dos bancos dos EUA despencasse e continue caindo. O presidente do Banco Central advertiu para outro
problema que está no horizonte: o risco de bancarrota do sistema bancário dos países do Leste Europeu, que deverá
repercutir principalmente na Europa.
O Brasil assinalou o presidente do BC, entrou na crise crescendo fortemente, com um aumento de cerca de 6,8%
na demanda doméstica. Assim como Guido Mantega, Meirelles citou como dados positivos o volume das reservas
internacionais do Brasil (US$ 205,1 bilhões de dólares em 2008) e a redução da vulnerabilidade externa (a dívida externa
brasileira está hoje na casa dos US$ 80 bilhões). Considerando estes números e os canais de transmissão da crise, como
ela poderá afetar o Brasil? Para responder tal pergunta, Meirelles lembrou que o principal canal de propagação da crise
é o crédito. Com os gravíssimos problemas que enfrentam, os bancos dos EUA concentraram o crédito no mercado
doméstico e cortaram-no para o resto do mundo. Esta medida terá repercussões negativas em toda a economia mundial.
Mas o presidente do BC repetiu o otimismo expresso nas intervenções anteriores. Para ele, o Brasil vai crescer menos
do que nos últimos anos, mas vai crescer mais do que a média mundial e sair da crise mais forte. Isso, concluiu, graças à
estabilização da economia, a uma política fiscal responsável e ao aumento dos investimentos públicos.
Comentários
“O que cabe às lideranças nacionais fazer frente à crise”
Ao comentar os cenários apresentados na Mesa inaugural do Seminário, o Conselheiro do CDES, João
Paulo do Reis Velloso destacou de forma resumida os quatro pontos que considera elevantes quando se trata
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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do papel a ser desempenhado pelas lideranças nacionais diante da crise: i) Liderança para propor rumos,
sugerir opções e mobilizar a nação; ii) Mobilizar para quê? Principalmente, para fazer opções: queremos a
opção errada, como na altura de 1820, quando deixamos de integrar-nos à revolução industrial e mantivemos o
modelo simplesmente agroexportador? Oportunidade perdida advertiu. Ou oportunidade aproveitada, como
nos anos 1930, quando a indústria brasileira cresceu 10% a.a., e mudamos o modelo exportador; iii) Queremos
ser a “nau dos insensatos” cada um cuidando dos próprios interesses e com isso ao final cometendo suicídio?
Ou queremos tentar a conciliação, negociando antes de demitir, evitando o neoprotecionismo próprio e
lutando contra o neoprotecionismo dos outros, aproveitando oportunidades, para sair da crise melhor que os
outros países? Iv) Vamos propor, dialogar, negociar, fazer alianças? Ou vamos fazer a “marcha da insensatez”,
em que o país age contra os próprios interesses e depois segue a “marcha da quarta-feira de cinzas”?
Continuando sua fala o ex-ministro enfaticamente indagou: Afinal o que somos: somos líderes
– governamentais, intelectuais, empresariais, sindicais, da sociedade civil -, ou somos expectadores,
criminosamente egoístas, “vendo a banda passar”? Concluiu sua fala afirmando: “A opção é nossa. E o
ponto chave é: vamos liderar? Cada um vai fazer a sua parte?”
Em seguida, o empresário e Conselheiro do CDES Jorge Gerdau, Presidente do Conselho de
Administração do Grupo Gerdau, apontou o que chamou de “circuito da nãoconfiança” como um problema
central a ser enfrentado. Para ele, confiança é uma palavra-chave para enfrentar a crise e a falta dela uma
das piores coisas que poderia acontecer. A mesma posição foi defendida pela Conselheira Luiza Helena
Trajano, presidente do Magazine Luiza. “A crise é também de confiança. Temos que ter algumas atitudes
positivas diante da crise. Temos vergonha, por exemplo, de dizer que o Brasil está bem e o país está indo
bem”, afirmou.
Outro risco apontado por Gerdau foi o da falta de governança global para enfrentar a situação atual.
Citou como exemplo a ausência de uma articulação entre os principais bancos centrais do mundo para a
adoção de medidas comuns. Se o mundo não se estruturar para esse período pós-globalização financeira,
as coisas ficarão muito difíceis, previu. Quanto à situação do Brasil, o empresário acredita que as principais
limitações estão fora do país. A Embraer, exemplificou, depende totalmente do mercado internacional; se
este não funcionar, não adianta. Gerdau culpou, por fim, a irresponsabilidade e a falta de governança como
fatores responsáveis pela crise. “Os governos não exerceram seu papel de fiscalização e regulação”, criticou.
“Qual é mesmo o Brasil que queremos?”
Já o Conselheiro Jorge Nazareno Rodrigues, do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, criticou as
empresas que estão demitindo trabalhadores como forma de enfrentar a crise. “Apesar do crescimento da
economia brasileira nos últimos anos, agora as empresas fazem demissões, com cortes secos”. Protestou
ainda que não está havendo nenhum debate das empresas com os trabalhadores. “A relação entre capital e
trabalho precisa ser mais debatida dentro do Conselho. Está faltando respeito aos trabalhadores”, criticou.
O sindicalista defendeu a redução da jornada de trabalho como instrumento contra a crise e a redução das
taxas de juros. “Eu não vi do Ministro Meirelles nenhuma comparação entre as taxas de juros do Brasil e
as de outros países”, assinalou, referindo-se à intervenção do presidente do Banco Central. Por fim, Jorge
Nazareno fez uma declaração de apoio irrestrito ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
em sua luta pela defesa da Reforma Agrária brasileira.
A menção à Reforma Agrária como uma política imprescindível para um projeto de desenvolvimento
encontrou eco na declaração do Conselheiro José Antonio Moroni, coordenador do Fundo Nacional de
Assistência Social. Moroni mencionou outros temas que, na sua avaliação, deveriam frequentar esse debate:
exclusão social, falta de acesso ao saber, falta de acesso às riquezas produzidas por todos, democracia e
poder político, o modelo de produção e consumo e a criminalização dos movimentos sociais. “Falar de
desenvolvimento não é falar apenas de política econômica. Qual é mesmo o novo padrão de desenvolvimento
que queremos? Será que temos consenso sobre o Brasil quequeremos?” – indagou.
“O esgotamento das receitas ditas liberais”
O Conselheiro Rodrigo Loures, Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP),
falou em seguida fazendo uma análise bastante detalhada sobre o momento pelo qual o mundo passa e
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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o que vai exigir de todos os atores sociais. Ele acredita que o Brasil tem plenas condições de atravessar
a tormenta, mas, para isso, “é imperativo aplicarmos nossas competências para tratar a crise a partir de
uma nova visão. Precisamos ver que estamos vivenciando um momento de inflexão do sistema econômico
global”.Houve uma clara mudança de sinal e o Brasil precisa estar atento a este movimento, destacou.
“Muito antes de a atual crise atingir a dimensão que assumiu, após a quebra do Lehman Brothers”,
assinalou ainda, “já era flagrante o esgotamento das receitas ditas liberais que buscavam se colocar como
modelos de desenvolvimento para os países emergentes e subdesenvolvidos”. A síntese de tal esgotamento
veio a público com a publicação do relatório do Banco Mundial sobre o Crescimento, em 2008, no qual há
o reconhecimento, por instituições internacionais e economistas de diferentes formações, de que não havia
mais uma receita única para o desenvolvimento. A avaliação isenta dos casos de países que conseguiram
sustentar longos períodos de crescimento durante o século XX indicava que havia, e segue havendo, muitos
caminhos possíveis para o desenvolvimento e que muitas destas trajetórias pressupunham uma articulação
exitosa entre Estado e mercado que a crise sancionou.
A crise colocou na mesa a necessidade de uma nova agenda, mas por duas razões não será simples
responder o que ela conterá, enfatizou. “Em primeiro lugar, porque a crise subverte as prioridades. O
urgente urgentíssimo é a sobrevivência no curto prazo. As questões do médio e longo prazo sucumbiram
ante a necessidade de dar respostas à escalada de falências, ao colapso do mercado financeiro, ao desemprego
e à desorganização da produção e do comércio. Em segundo lugar, não há clareza do que é a nova agenda
de desenvolvimento, porque não voltaremos ao mundo do pós-segunda guerra. O ressurgimento de
um certo ‘keynesianismo’ não significa a retomada da relativa maior autonomia dos estados nacionais
daquele período. Muitas das novidades das últimas décadas vieram para ficar, como o deslocamento de
uma parte importante da produção manufatureira para a Ásia, em especial para a China, ou ainda a forte
interdependência das principais economias, expressa na velocidade com que essa crise se espalhou pelo
mundo”.
“Se a nova agenda do desenvolvimento ainda demorará a ser posta com clareza, a crise vai exigir um
esforço gigantesco de gestão de política econômica e de rearranjo institucional para ser superada. O sucesso
ou não de seu enfrentamento será ditado pela capacidade das economias desenvolvidas de fazer com que
seus sistemas financeiros voltem a funcionar de forma adequada. Uma tarefa visivelmente complexa e
delicada, que pode estar sujeita a novos choques em função da contaminação de instituições financeiras de
fora dos Estados Unidos ou da dificuldade em financiar países com elevados déficits em conta corrente”,
concluiu Loures.
Por fim, indagou: “será que nós saberemos organizar nossas ações de curto prazo com um olhar que
vá além do horizonte? “Sabemos que nossas carências são amplas e que em termos estruturais precisamos
fazer algumas apostas. Mas podemos ficar no que é consenso entre nós”. Loures apontou três questões que,
na sua visão, estão na linha de frente de nossos dilemas: i) a infraestrutura, onde os gargalos se acumulam e
há carências e oportunidades de investimento; ii) a agenda da educação, campo em que nosso desempenho
fica aquém de muitos dos países latinoamericanos; e iii) a agenda da inovação, um consenso frágil, porque
sabemos que é relevante, mas não conseguimos dar passos decisivos e claros em direção ao futuro. É possível
organizar uma agenda de enfrentamento à crise que dê respostas a estas questões? – indagou. “Creio que
sim. E creio que seria muito melhor do que comprometermos a capacidade fiscal com medidas de menor
sustentabilidade e que tornem ainda mais rígidas nossas amarras orçamentárias”.
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Conferência: “Desafios para o
Desenvolvimento Brasileiro”
Conferencista: Professora Maria da Conceição Tavares – Economista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita
das Universidades de Campinas e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Relator: Germano Rigotto – Conselheiro do CDES
Maria da Conceição Tavares
Economista, Ex-Deputada Federal, Professora Emérita das Universidades de Campinas e Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ)
A conferência da Professora Maria da Conceição Tavares tratou dos desafios colocados para o desenvolvimento
brasileiro. A economista definiu a crise atual como sendo “a síntese de todas as crises e maluquices que eles já fizeram”.
“Eles” são os Estados Unidos, no caso. Para Conceição Tavares, se é verdade que os EUA podem fazer o que quiserem
para tentar superar a crise, é verdade também que seu futuro depende hoje, fundamentalmente, da Ásia, em especial
da China. Ela disse não acreditar em uma intervenção pesada no sistema financeiro por parte do governo norteamericano. “Os EUA não têm tradição de intervenção. Isso não ocorreu nem na crise de 1930. O que houve naquela
época foi, no máximo, um cerceamento de Wall Street”, resumiu.
Sobre as consequências para o Brasil, afirmou que “é uma guerra de resistência; e o Brasil tem condições de
segurar o manche e agüentar”. Enfatizou, também, que a crise certamente vai afetar nossa balança de pagamentos e
que a dúvida é se o setor privado investirá num quadro de recessão mundial. Uma das grandes vantagens do Brasil,
destacou, é a existência de empresas públicas fortes e de três grandes bancos públicos, Banco do Brasil (BB), Caixa
Econômica Federal (Caixa) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O BNDES, o BB e
a Caixa podem gerar contrapesos à contração do crédito internacional, propiciar capital de giro e investimentos com
contrapartida de garantia de emprego. Basta ter determinação política.
“O que temos hoje (Petrobras, Banco do Brasil, etc.) vem da era Vargas. Fernando Henrique Cardoso (FHC) perdeu
a aposta. Felizmente. Senão, estaríamos rastejando, como está o México”. Por outro lado, advertiu que não é possível
falar hoje de uma “refundação do Estado desenvolvimentista” ou de uma “remontagem da indústria pesada”. Isso
porque, entre outras razões, não há uma hegemonia na sociedade brasileira. Não há hegemonia sequer na burguesia
nacional. “A pressão externa está internalizada no país. Temos uma sociedade heterogênea que não tem um projeto
nacional. Incluímos 20 milhões na classe média baixa, mas é a classe média baixa. E os 10 milhões de cima, o que
querem?” – perguntou. Essa heterogeneidade reflete-se também, acrescentou, no comportamento do Banco Central
e na sua relação com o sistema financeiro. “O nosso Banco Central tem uma tradição que decorre da crise de 1980. A
partir deste período, passamos a adotar a metodologia do FMI para tratar do déficit fiscal (que considera, por exemplo,
investimentos públicos como gastos)”.
Essa heterogeneidade, porém, não se constitui em um obstáculo intransponível para enfrentar a crise. “Temos fôlego
e não precisamos do FMI”, sublinhou Conceição Tavares, classificando o PAC como uma política de infraestrutura
para valer. O governo tem fôlego financeiro suficiente para acionar a demanda e o investimento por meio de uma
engrenagem de quatro pilares: as políticas sociais; a nova política habitacional; as obras do PAC – que alavancam a
conjuntura e corrigem as desigualdades da estrutura regional; e a Petrobras que nos dá auto-suficiência em óleo e
ao mesmo tempo mantém encomendas que podem sustentar faixas do parque industrial. “É um erro considerar o
PAC como uma política anticíclica. Mais da metade do PAC é para depois de 2010. Com esse programa, temos uma
política mais equalizadora do ponto de vista da diminuição das desigualdades regionais, e mais eficiente. Espero que
esses programas perdurem para além de 2010”. Na avaliação da economista, um dos principais problemas que o Brasil
tem que resolver está relacionado à situação das regiões metropolitanas, que necessitam de investimentos públicos
pesados. O problema é que investimentos em saneamento, transporte metropolitano e segurança precisam de uma
engrenagem muito grande entre União, estados e municípios. “Não temos tradição disso”.
A sorte, ressaltou a economista, é que temos o núcleo duro de um Estado de seguridade social (o que seria
mencionado mais tarde também pelo economista chefe do Bradesco, Octavio de Barros). “Diziam que a Constituição
de 1988 iria tornar o Brasil ingovernável (pelo acréscimo de direitos). Foi justamente o contrário. Vejam o exemplo
do governo Bachelet, no Chile, que só pode voltar a discutir seguridade pública, depois que a seguridade privada
faliu. O Estado de bem-estar social tem que ser preservado”. Além do fortalecimento desse sistema de proteção
social, Maria da Conceição Tavares defendeu a necessidade de aprofundar as políticas de educação. “Precisamos
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intensificar a educação como regra. Jovens de 12 a 18 anos têm muita dificuldade para conseguir emprego. É assim
mesmo, não tem jeito. O que precisamos fazer é intensificar a educação desses jovens. Juventude e emprego são dois
problemas centrais com os quais devemos nos preocupar”.
Por outro lado, a economista criticou as propostas de corte de gastos de custeio e de adoção de políticas de
ajuste fiscal contra a crise. “Os grandes gastos de custeio são os das políticas universais (educação e saúde, por
exemplo). Vão querer voltar atrás? Nós estamos percorrendo o caminho que países como Argentina, Chile e
Uruguai percorreram no início do século passado. Depois, eles sucumbiram ao delírio neoliberal e quebraram a
cara. Nós entramos muito tarde neste delírio. A nossa tradição de país tardio nos ajudou neste caso. Não fizemos
o que Argentina, Chile e Uruguai fizeram. Quando olho para 2010, o que mais me preocupa é o fiscalismo de um
dos candidatos”. Conceição Tavares também criticou as demissões coletivas em empresas fortemente subsidiadas
com dinheiro público e descartou a possibilidade de uma Reforma Tributária em meio a uma crise mundial da
economia.
Se o cenário nacional não é motivo de pessimismo para a economista, o mesmo não ocorre com o panorama
mundial. “Não é bom o quadro. A parte política é que me preocupa mais. Aparentemente, todo mundo virou
keynesiano. Mas isso não é verdade”. “O que precisamos fazer agora”, defendeu, “é reduzir aceleradamente os juros
para chegar ao patamar que está sendo adotado internacionalmente”. E criticou o conservadorismo do Banco
Central, que seria mais conservador que os normalmente conservadores bancos centrais de outros países. “Nós
temos dentro do Brasil uma nação que é a Petrobras e um feudo inimigo, o Banco Central. Isso vem de longe,
desde a ditadura. Quando Delfim Netto era ministro, também não mandava no BC. Aliás, o próprio presidente dos
Estados Unidos não maneja seu banco central. Somos vítimas de uma ideologia conservadora de juros. No mundo,
todos se espantam com a nossa ortodoxia, mesmo o Banco Central Europeu, um dos mais conservadores de todos.
É um vício público que se tornou privado”, concluiu.
Destaques da fala do relator
Após a intervenção da professora Maria da Conceição Tavares, o conselheiro Germano Rigotto ressaltou que
tanto a professora quanto o Ministro Guido Mantega (Fazenda) concordam em um ponto: o Brasil tem vantagens
em relação a outros países do mundo para enfrentar a crise econômica. Ele lembrou ainda alguns problemas citados
pelo Ministro da Fazenda que precisam de enfrentamento: 1) falta de crédito e elevado custo financeiro; 2) retração
do comércio internacional e questões que envolvem o próprio Mercosul; 3) manutenção do nível de emprego; e
4) estímulo ao investimento. Em relação ao alto custo financeiro e escassez de crédito, o conselheiro Germano
Rigotto lembrou aos participantes do Seminário que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em suas
recomendações ao Presidente da República sobre medidas que deveriam ser adotadas pelo país diante da crise,
sugeriu que o espaçamento entre as reuniões do Copom, que hoje ocorrem a cada 45 dias, seja diminuído durante
o período de crise. Essa medida traria mais agilidade para que algumas ações emergenciais sejam tomadas, caso da
redução acelerada da taxa básica de juros.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Mesa de Diálogo: O papel do estado no
mundo pós-crise e os
desafios do estado brasileiro
Coordenadora: Tânia Bacelar - Conselheira do CDES
Relator: Lincoln Fernandes - Conselheiro do CDES
Palestrantes:
1. Ignacy Sachs – Economista (Ecossocieconomista), diretor do Centro de Estudos sobre Brasil Contemporâneo
na França
2. James Galbraith – Professor da The Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, University of Texas
3. Jan Kregel – Economista da Levy Economics Institute os Bard College, ex-Chefe da DESA/ONU
4. Márcio Pochmann - Presidente do IPEA
5. Luciano Coutinho – Presidente do BNDES
Comentários:
Antoninho Trevisan - Conselheiro do CDES
José Lopez Feijóo - Conselheiro do CDES
Luiz Carlos Delben Leite - Conselheiro do CDES
Paulo Speller - Conselheiro do CDES
Ignacy Sachs
Economista (Ecossocieconomista), diretor do Centro de Estudos sobre Brasil Contemporâneo na França
O papel do Estado no mundo pós-crise
Ignacy Sachs, diretor do Centro de Estudos sobre Brasil Contemporâneo na França, foi o primeiro a falar
na Mesa “O papel do Estado no mundo pós-crise e os desafios do Estado brasileiro”. E iniciou sua participação
concordando com uma afirmação feita pouco antes por Maria da Conceição Tavares, a saber, a de que não é
verdade que todo mundo virou keynesiano depois da crise econômica mundial. “Investir em habitação popular
ou em bombas de hidrogênio, ambas as coisas podem ser consideradas políticas keynesianas mas são diferentes”.
Ou seja, os entusiasmados com um suposto retorno do keynesianismo em escala global deveriam enquadrar esse
entusiasmo em um contexto mais amplo. Esse diagnóstico está baseado, entre outras coisas, na idéia de que o
que estamos assistindo agora não se limita a uma crise econômica. Sachs trabalha com a idéia de três crises: crise
financeira, crise do modelo de globalização financeira assimétrica e crise ambiental.
Para o economista, referido na verdade como um “ecossocioeconomista”, essas três crises conjugadas requerem
soluções simultâneas e a construção de um novo paradigma energético e de um novo padrão de consumo que
contemple a redução do desperdício de energia. Além disso, disse Sachs, a crise nos obriga a repensar que
tipo de Estado queremos. Sobre esse ponto, a suposta unanimidade keynesiana apresenta muitas rachaduras.
“Há aqueles que querem simplesmente restabelecer a situação anterior. E há aqueles que estão em busca de
novos caminhos”, resumiu. Sachs está neste último grupo e acredita que o Brasil tem um conjunto formidável
de ativos para trabalhar nesta direção. Destacam-se neste conjunto de ativos: população economicamente ativa
superior à soma de idosos e crianças; parque industrial preservado (o que não ocorreu na maioria das economias
submetidas ao modelo neoliberal); vasto território e tecnologia para explorá-lo de forma sustentável; liderança
na produção de alimentos e de bioenergia; estoque de capital suficiente e um poderoso mercado interno.
A atual crise econômica mundial observou, marca o ápice de um processo de esgotamento dos mais
importantes modelos de desenvolvimento que dominaram o cenário mundial após a Segunda Guerra Mundial.
O comunismo se desmoronou com a queda do Muro de Berlim. A crise financeira anuncia o início do fim do
neoliberalismo. Por sua vez, a social-democracia permanece estagnada em um atoleiro teórico e político. Isso
significa, alertou, que estamos todos convocados a inventar novos modelos, a buscar novos caminhos.
A partir dessas considerações, Sachs propôs cinco alavancas para construir um projeto de desenvolvimento
para o Brasil:
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1. Debate sobre o projeto nacional, a partir da idéia de que é necessário restaurar a capacidade de planejamento;
2. Construção de parcerias por meio de um diálogo quadripartite, reunindo representantes do governo, dos
empresários, dos trabalhadores e da sociedade civil; Implementação de políticas sociais voltadas à redução das
desigualdades. Fortalecer e aprimorar programas sociais evoluindo das políticas de transferência de renda,
como o Programa Bolsa Família, para geração de oportunidades. Citou como exemplos dessas políticas de
geração de oportunidades o programa Territórios da Cidadania do governo federal e grandes obras reunidas
em programas como o PAC. Há espaço, defendeu, para PACs locais e iniciativas de garantia de emprego no
território, como vem ocorrendo na Índia. Para Sachs, os Territórios da Cidadania são uma espécie de irmãogêmeo do PAC. Trata-se, segundo ele, de iniciativas indissociáveis em um projeto de reordenação econômica
e social que aproveite as demandas da crise para legitimar novos motores de crescimento;
3. Investimento em pesquisa e em redes de tecnologias sociais e de estímulo às práticas de economia solidária;
4. Ação internacional articulada para a construção de uma nova ordem econômica internacional, reforçando
laços com países numa perspectiva Sul-Sul.
James Galbraith
Professor da The Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, University of Texas
Uma crise de percepção
Se Ignacy Sachs acrescentou duas novas dimensões para pensar a crise econômica, o economista James Galbraith,
professor da The Lyndon B. Johnson School of Public Affais (University of Texas) agregou uma terceira. Para ele, parte da
solução para os problemas atuais passa pela compreensão de que estamos vivendo também uma crise de percepção.
A primeira coisa a notar nos acontecimentos dos últimos meses, assinalou Galbraith, é a violência e o escopo da
queda econômica nos Estados Unidos, na Europa, no Japão e na Rússia. “A era da globalização foi abruptamente
interrompida pelo colapso do comércio mundial. Essa crise foi prevista por pouquíssimos economistas. A maioria
não conseguiu prever o que estava por vir por causa de um processo de amnésia histórica. Apesar de tudo o que
estamos vendo, a mente neoliberal presume que tudo vai voltar ao normal. Voltar ao normal? Essa percepção é um
dos obstáculos hoje para uma resposta eficiente contra a crise”, afirmou.
Essa crise acrescentou, não é resultado de um choque do petróleo ou algo do tipo. “Ela emergiu quando
bancos importantes olharam para suas carteiras e viram que tinham envenenado sua própria água”. O
resultado desse envenenamento foi o colapso no sistema de empréstimo interbancário. Esse processo,
segundo Galbraith, lembra em alguns pontos a crise de 1930, mas tem elementos novos. “Nos Estados
Unidos, vimos o crescimento de um Estado predador, com práticas radicais de desregulamentação. Os
mercados celebraram e recompensaram esse comportamento. As práticas fraudulentas tiraram as não
fraudulentas do mercado”. Agora, embora todos reconheçam que essa crise é mais séria e diferente das
demais, poucos ajustaram seu pensamento e suas respostas para as interrogações que estão colocadas no
cenário mundial. A idéia de que vamos voltar ao normal, enfatizou o economista, é uma das principais
manifestações dessa crise de percepção.
“As pessoas aprendem devagar. As sociedades também. Muito tempo vai passar antes que as pessoas
aceitem a verdade sobre o que aconteceu”, previu Galbraith. Ele apontou outra idéia equivocada utilizada
na caracterização da crise: o crédito é um fluxo que está bloqueado. “O crédito não é um fluxo, mas sim um
contrato que exige que os compradores tenham algo promissor para tomar esse crédito. É por isso que dar
dinheiro aos bancos não cura a doença dos bancos. A razão pela qual os bancos não estão concedendo crédito
é que há uma escassez de oportunidades promissoras de investimento, ou de tomadores de empréstimo com
garantias apropriadas, com imóveis valorizados ou outras garantias”.
As medidas necessárias, prosseguiu o economista, são aquelas que o governo Obama está relutando em tomar. O
Estado deve assumir o controle, fazer auditorias e ver quais bancos devem sobreviver. A resistência a esse tipo de ação,
ainda segundo Galbraith, deriva de um outro equívoco, o daqueles que defendem que o Estado não deve intervir. “O
Estado não intervém na economia, ele é parte da economia, desempenhando um papel estratégico de sistematização”.
A ausência desse papel, assim como a falta de uma coordenação global para enfrentar a crise só vai favorecer os
mais fortes, não contribuindo para a solução dos problemas. Galbraith lembrou que na Grande Depressão de 1929, a
solução adotada pelo governo dos EUA foi a de investir na construção de uma rede de proteção social. “O New Deal
não foi uma invenção de Keynes. O que o Estado fez naquele período foi procurar reduzir o risco e aumentar o padrão
de vida na base da pirâmide econômica, por meio de instrumentos de garantia de depósitos, da implementação de
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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um sistema de assistência e segurança social, de investimentos em educação e de medidas para estabilizar a indústria
e a agricultura”. Lidar com a pobreza, concluiu, é uma das formas mais eficazes de se lidar com uma crise econômica,
muito mais eficaz do que simplesmente dar dinheiro aos bancos ou grandes empresas. “Deste modo é possível restaurar
os fluxos de renda, de capital, e a capacidade de tomada de empréstimo da população e do sistema como um todo”.
Como se luta contra a pobreza, contra a desigualdade? Justamente expandindo a rede de segurança social. Na Grande
Depressão de 1929, praticamente toda iniciativa de maior porte se tratou de um meio de reduzir o risco, distribuindo-o e
aumentando o padrão de vida na base da pirâmide econômica. Garantias de depósitos, o sistema de assistência e segurança
social, as medidas para estabilizar a indústria e a agricultura, tudo foi nesse sentido, e foi assim que os EUA conseguiram
sair da pior fase da crise econômica, destacou Galbraith.
Jan Kregel
Economista da Levy Economics Institute os Bard College, ex-Chefe da DESA/ONU
Brasil e a Recessão Global do Século XXIl
As manifestações otimistas sobre as possibilidades brasileiras diante da crise encontraram uma voz dissonante em
Jan Kregel, economista do Levy Economics Institute of Bard College e ex-chefe da Área de Desenvolvimento e Análise de
Políticas no Departamento de Economia e Assuntos Sociais da ONU. Kregel jogou areia no otimismo brasileiro. “Durante
a crise do México, dizia-se que não iria acontecer nada com o Brasil. Agora escuto a mesma coisa. Em geral, essa é a reação
brasileira. Em quase qualquer crise internacional, a resposta inicial brasileira é de que o Brasil é muito forte e não será
afetado. O Brasil será afetado, e mais do que geralmente se reconhece.”. Definindo o estouro da crise nos EUA como uma
tentativa de substituir o mercado de capitais por mercados de crédito, ele explicou assim seu pessimismo:
“A força da economia brasileira está baseada em políticas de curto prazo que estavam sendo beneficiadas pelo modelo
que fracassou. O Brasil foi beneficiado pela bolha financeira global e pelas políticas que adotou neste período: altas taxas de
juros, superávit fiscal, atração de fluxo de capitais estrangeiros. O aumento das reservas também se deveu a fatores externos
que não existem mais. É importante ter em mente que essas coisas que beneficiaram o Brasil não estarão mais presentes”.
Os bancos brasileiros, prosseguiu Kregel, não entraram no cassino enlouquecido de derivativos porque o Brasil
forneceu uma taxa de retorno muito maior que a dos derivativos. Até agora, assinalou, as respostas do Estado brasileiro à
crise caminham no sentido de tentar preservar a situação anômala dos altos juros e atração de investimento externo, o que
é insustentável no médio prazo e totalmente insuficiente para se proteger da crise global.
Para ele, a resposta mais eficaz à crise reside na série de programas estruturantes propostos agora pelo governo
brasileiro. Programas como o PAC, os Territórios da Cidadania, o Plano de Desenvolvimento da Educação, as
políticas de estímulo às empresas de pequeno e médio porte e programas de garantia de emprego que já vem sendo
implementados em alguns países. No entanto, advertiu, as políticas de curto prazo têm suplantado as de médio e
longo prazo, que ainda são sacrificadas pela política de curto prazo de estabilidade macroeconômica à custa de altos
juros. Contra essa situação, Kregel defendeu a necessidade de articulação entre as políticas de curto, médio e longo
prazo, privilegiando os programas geradores de emprego e renda e os programas educacionais e de capacitação
profissional, de ciência e tecnologia & inovação. Concluiu reforçando a idéia de que o governo deve desenvolver mais
ações para aumentar o nível de emprego, usando, até mesmo programas oficiais para transformar o setor público
em “empregador de última instância.”
Márcio Pochmann
Presidente do IPEA
Em defesa da refundação do Estado
Em sua intervenção, o Presidente do IPEA, Márcio Pochmann, defendeu que a crise é estrutural. O fracasso do
modelo neoliberal reforça a necessidade de se construir um novo tipo de Estado. Os fundamentos da governança
global estão comprometidos: antes os países possuíam empresas; hoje as empresas possuem países.
Pochmann lembrou que, em 2009, estamos completando 24 anos de experiência democrática ininterrupta no Brasil,
a mais longa experiência de um país de baixa cultura em relação ao papel do Estado. Até aqui, observou, prevaleceu uma
visão mecânica que não se cansa de repetir que mais Estado significa menos mercado e vice-versa. A crise atual, destacou,
está mostrando que é justamente o contrário. “Hoje sabemos que menos Estado resulta em menor mercado”. Diante da
tempestade que se abateu sobre o sistema financeiro mundial, aqueles que defendiam o Estado mínimo não hesitaram
em pedir o socorro do suposto vilão.
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No Brasil, as políticas privatizantes implementadas pelos defensores do Estado mínimo reduziram a participação dos
bancos públicos de mais de 50% para cerca de um terço da disponibilidade do crédito doméstico. Além disso, lembrou
Pochmann, a transferência de empresas públicas para o setor privado respondeu por 15% do PIB e pela destruição de
mais de 500 mil postos de trabalho. Agora, acrescentou, estamos diante de uma crise sistêmica e estrutural e não basta
propor mais uma reforma do Estado. “Precisamos de uma refundação do Estado. O modelo de produção e consumo é
inviável porque degrada o meio ambiente e coloca em risco a espécie humana. As bases de financiamento dos últimos 20
anos estão comprometidas e precisam ser radicalmente reformuladas. Os fundamentos da governança global também.
Assistimos hoje a grandes distorções como o fato de as três maiores corporações do planeta apresentarem um faturamento
igual ao do Brasil. Neste cenário, as saídas para a crise passam necessariamente pela reformulação do Estado”, defendeu
o presidente do IPEA.
Para Pochmann, duas questões desafiam esse debate sobre o papel do Estado. Em primeiro lugar, defendeu, é preciso
reconhecer que estamos diante de um novo padrão civilizatório, com novas formas de organização do trabalho.
“Na sociedade pós-industrial que está sendo conformada, temos ganhos crescentes de produtividade imaterial e
novos ganhos de excedentes econômicos. A relação do trabalho com a vida está mudando, com ingresso no mercado de
trabalho depois de 25 anos, possibilidade de educação para a vida toda e um trabalho menos dependente da sobrevivência.
Essa é a realidade dos filhos das camadas mais ricas da população”. Uma República que mereça esse nome, acrescentou,
é sinônimo de igualdade de direitos e de oportunidades, e deve abrir a possibilidade desse mundo a todas as pessoas.
Aqui entra a segunda questão referida por Pochmann, que está relacionada à concepção funcionalista da educação,
hoje dominante. Ele defendeu a necessidade de superar essa concepção na direção de uma educação continuada para
toda a vida. “A nova sociedade pós-industrial abre a possibilidade de uma expectativa de vida ao redor dos 100 anos de
idade, abrindo também uma perspectiva civilizatória superior, com educação para a vida toda e uma relação mais criativa
com o trabalho”. Mas como expandir essas possibilidades para o conjunto da população? Para o presidente do IPEA, uma
das principais medidas é a ampliação do fundo público, a partir da tributação sobre o excedente adicional gerado por
novas fontes de riqueza. Essa ampliação é que permitirá a expansão dos serviços públicos de saúde e educação.
Não seria a primeira vez que isso acontece, lembrou. No século XIX, os fundos públicos correspondiam a
aproximadamente 5% do PIB. No século XX, esse índice subiu para algo entre 25% e 45% do PIB. No século XXI, dada
as condições e demandas citadas acima, essa exigência subiria para algo em torno de dois terços do PIB. Obviamente, tal
mudança exigiria uma nova relação do Estado com o mercado. Os problemas apresentados pela atual crise econômica
mundial, concluiu Pochmann, apresentam também uma oportunidade para realizar uma profunda mudança do Estado
e de sua relação com o mercado e a sociedade. Existem muitas possibilidades. Nos últimos 25 anos as grandes empresas
sufocaram a competição.
O Estado precisa reinventar o mercado com competição ampla, com pequenos e médios empreendimentos. É preciso
haver uma concorrência cooperativa. Tudo isso requer nova estrutura bancária. É preciso prover assistência massificada.
Nunca tivemos tão próximos de poder construir algo similar. Esse seria, então, um dos desafios centrais do período em
que vivemos hoje.
Luciano Coutinho
Presidente do BNDES
As dificuldades para prever a extensão da crise
No encerramento do painel sobre o papel do Estado diante da crise, o Presidente do BNDES, Luciano Coutinho,
alertou para a ameaça de um longo período de estag-deflação e para a dificuldade de prever as consequências da
crise. Mesmo assim, arriscou uma previsão: “provavelmente teremos crescimento negativo da economia mundial
em 2009 e em 2010 e depois disso o crescimento do PIB deve ser muito baixo”. A crise deriva de um colapso do
sistema financeiro dos países centrais.
Coutinho chamou a atenção para o comprometimento de recursos públicos nos EUA, até aqui, contra a crise:
cerca de US$ 9 trilhões, sendo que deste total, aproximadamente US$ 2 trilhões já foram efetivamente gastos. O
presidente do BNDES classificou como “algo quase surreal” a nacionalização do setor financeiro em curso em vários
países, inclusive na maior potência capitalista do planeta, os Estados Unidos. Um dos resultados desse processo,
observou, é que os Estados nacionais sairão desta crise brutalmente endividados e as moedas dos países centrais
muito provavelmente ficarão debilitadas.
“Estamos assistindo apenas aos primeiros capítulos de uma grande crise”, resumiu. “Sem uma forte intervenção
do Estado, em larga escala, não há saída”. Luciano Coutinho admitiu que os países em desenvolvimento estão
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sendo fortemente afetados pela crise, com a queda do preço de commodities; a retração do crédito; a redução
do fluxo de capitais de quase US$ 900 bilhões para algo em torno de US$ 100 a – US$ 150 bilhões destinados a
investimentos diretos em 2009. “Apenas alguns poucos países terão acesso a esses escassos recursos”, advertiu. Na
avaliação do presidente do BNDES, serão beneficiadas as economias com maior mercado interno e com capacidade
de financiamento doméstico, como a China e a Índia. A Rússia vive uma grande crise cambial.
Nos anos 1930, lembrou, quando ocorreu a Grande Depressão, o Brasil estava em condições bem piores e
conseguiu enfrentar a turbulência. Coutinho apontou as vantagens comparativas que o Brasil apresenta hoje. “O
setor financeiro está em melhor condição. Temos algum espaço para políticas anticíclicas e política monetária. Há
um espaço inegável para a queda da taxa de juros. Outras vantagens são os investimentos previstos pelo PAC e as
extraordinárias possibilidades de exploração de petróleo e gás”. A sustentação do mercado interno é essencial para
sustentar o investimento.
Quanto ao papel do Estado neste cenário, Luciano Coutinho defendeu a necessidade de retomar a capacidade de
planejamento de longo prazo. Agora, em meio à crise, é necessária a política industrial para gerar competitividade.
Mas é preciso pensar a longo prazo, construindo capacidade institucional e instituições. Segundo o presidente do
BNDES, não há experiência bem sucedida de desenvolvimento sem planejamento, políticas de desenvolvimento
regional e uma equipe de funcionários do Estado, permanente e qualificada.
Destaques da fala do relator
O relator da mesa, Conselheiro Lincoln Fernandes resumiu os principais pontos discutidos pelos palestrantes.
Sobre a fala do Professor Ignacy Sachs destacou sua análise sobre a percepção de três crises – uma crise financeira,
uma crise de globalização assimétrica e uma crise ambiental – que requerem soluções simultâneas: i) eficiência
no uso dos recursos (cortar desperdícios); ii) substituição de energia fóssil por energia renovável e iii) geração de
trabalho descente. Sobre a questão da continuidade da trajetória de crescimento brasileiro o relator ressaltou que
Sachs acredita que o Brasil poderá crescer com “oportunidade de mudanças estruturais, com a adoção de políticas
socialmente includentes, e ambientalmente sustentáveis”.
Ao comentar a fala de James Galbraith, o relator chamou a atenção para sua posição sobre a interrupção da era da
globalização e sobre a possibilidade da crise manifestar-se de forma mais aguda em países emergentes e com maiores
plataformas exportadoras, embora tenha contaminado todo ambiente mundial na medida em que a responsabilidade
da crise advém, na sua opinião, da transferência do poder regulador para os agentes predadores do mercado. Lembrou
que o Professor Galbraith considera a previsão de que iremos voltar às condições anteriores à crise equivocada - Pessoas
aprendem devagar, a sociedade é lenta e a implementação do governo também é lenta. Oportunidades serão perdidas
e a crise se acumulará até a tomada de novas decisões. A solução do problema passa por reorganização internacional,
mas esbarra em interesses individuais e velocidade diferente entre nações para tomadas de decisões No caso brasileiro,
o Conselheiro assinalou que as soluções apresentadas vão ao encontro de medidas que vêm sendo tomadas pelos
formuladores de políticas no Brasil: Ou seja: “O Estado deverá investir em construção, educação, garantir o ambiente
produtivo, gerar empregos públicos, estabelecer normas e regular mercados. O Programa de Seguridade Social deve ser
ampliado”. Além do mais no Brasil os bens naturais estão aí, e não foram atingidos pela crise.
Sobre o professor Jan Kregel o relator destacou o comentário que a crise é diferente das anteriores, do final do
século passado e foi causada não somente pelo sistema financeiro, mas também por nações, o que afeta a todos. O
Brasil será atingido muito mais do que se imagina, advertiu. Uma advertência apoiada nas seguintes razões:
A força do Brasil está apoiada por políticas de curto prazo e em sistemas internacionais que não mais voltarão.
A melhora do Brasil ocorreu em função de fatores que estavam fora do seu controle, como as commodities por
exemplo. E o Brasil teve sucesso em atrair investimentos estrangeiros por praticar uma taxa de juros muito elevada,
mas isto não ocorrerá mais. Desapareceram as condições para geração de grandes reservas internacionais para o
Brasil. Ou seja: a força do Brasil está ligada a anomalias como: juros e compulsório elevados; controle do governo
no mercado de capitais, via BNDES. Na sua avaliação, o PAC é um programa adequado para enfrentar a crise e
deve ser mantido; o crédito é importante para curto prazo, mas não resolve em longo prazo e há necessidade de
coordenar políticas de curto prazo com políticas de médio e longo prazo. Por exemplo: um programa de emprego
e renda é solução de curto prazo, mas pode ser integrado com programas de médio e longo prazo, garantindo
competência e capacitação do trabalhador, sugeriu.
Em relação à exposição de Márcio Pochmann, o relator destacou sua enfática defesa da necessidade de refundar
o Estado a partir do diagnóstico de que a crise é estrutural e sistêmica e na direção do que colocou o Professor
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Ignacy Sachs convergindo para o diagnóstico da presença na crise global de três crises que se interligam: a do
sistema financeiro, a crise ambiental global e acrise de governança. Portanto, as soluções para as crises do século
XX não respondem às necessidades do século XXI., advertiu. “O Estado pós-crise dependerá da construção de
um novo padrão civilizatório”. Pochmann defendeu a necessidade de romper com a concepção funcionalista da
educação, na construção de um padrão civilizatório superior e levantou aspectos que ao serem examinados podem
agregar aspectos instigantes ao debate, principalmente no que se refere ao mercado de trabalho. Ele defendeu,
por exemplo, a idéia de que o trabalhador pode trabalhar fora do local de trabalho (em casa), com ganhos de
produtividade imaterial. Este ganho de excedente econômico, sugeriu, não é capturado pelo sistema tributário. A
elevação da expectativa de vida remete à idéia de que a escola tem que ser criada para a vida toda. Por outro lado,
disse Pochmann o ingresso no mercado de trabalho, pelo menos para os que têm recursos, foi adiado para após
25 anos de idade. É preciso abandonar a idéia da escola antiga, pois estamos vivendo em um ambiente de grande
número de informações e a escola pode sistematizar isto.
Já o presidente do BNDES, Professor Luciano Coutinho, após examinar a crise do colapso do sistema financeiro
global trouxe, sob o ponto de vista do relator, um ponto novo ao debate, a questão da possibilidade de ingressarmos
em um longo período de estag-deflação com duração prevista para algo em torno de quatro a cinco anos e com
graves consequências para as economias de todo o mundo: i) os bancos centrais farão extraordinárias intervenções
e comprometerão os recursos públicos; ii) os países sairão muito endividados da crise. Portanto a moeda dos países
desenvolvidos estarão debilitadas; iii) o dólar poderá vir a ser questionado como padrão monetário; iv) torna-se difícil
imaginar como os Estados emergirão após a crise, mas é certo que a crise exigirá forte intervenção do Estado, advertiu.
Sobre os países emergentes, Luciano Coutinho apontou que serão fortemente afetados por: oscilações nos
preços das commodities; encolhimento do setor exportador e contração de créditos e fluxos de capitais. Contudo, no
âmbito dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) temos aspectos positivos, resumiu o relator: na China prevalecem
boas condições de mercado interno; elevada capacidade de Investimento do Estado; independência em relação a
créditos externos. A Índia desfruta de um bom mercado interno e depende muito pouco de mercado externo. A
Rússia, contudo, passa por uma grave crise cambial. E para o Brasil, temos inúmeros pontos animadores a destacar:
sistema financeiro estável; volume de reservas cambiais razoáveis; extraordinária oportunidade nos campos de
petróleo e gás; o PAC; programas em andamento como o de biocombustível, o programa de habitação popular,
programas de sustentação de emprego e um bom mercado interno.
As propostas de solução apresentadas nesta mesa foram resumidas assim pelo relator:
1. Ignacy Sachs sugeriu a construção de um estado desenvolvimentista e atuante, porém enxuto. Esta posição de
Estado enxuto difere de outros palestrantes, mas não é certamente a tradicional visão de Estado mínimo tão
difundida na literatura dominante.
2. Jan Kregel destacou a importância de políticas de curto prazo coordenadas com políticas de médio e longo
prazo. E considerou esta proposta de mudança de atitude do governo brasileiro para uma visão de longo
prazo, como de grande importância para o futuro do país. Propôs, também, suportar programas de geração
de emprego e renda.
3. Luciano Coutinho reforçou a visão da necessidade de planejamento de longo prazo e construção de capacidade
institucional no Estado.
4. Marcio Pochmann propôs uma reflexão sobre a necessidade de uma refundação do Estado. Esta postura
provocativa e inovadora é muito interessante nos momentos de crise, pois nos leva a rever paradigmas que,
inconscientemente, aceitamos de pronto, sem a devida análise crítica necessária em ambientes fortemente
impactados por crises, os quais exigirão outros valores para construção do caminho da recuperação.
O Conselheiro sublinhou a necessidade de visão de longo prazo, de discutir como sair da crise com soluções
duradouras.
Comentários
Medidas de curto e de longo prazos
O Conselheiro Luiz Carlos Delben Leite iniciou sua fala afirmando sua convicção do acerto das políticas
econômicas e sociais implementadas pelo presidente Lula. Ressaltou, entretanto, que ainda não se conhece
toda a profundidade da crise e o tempo necessário para resolvê-la. “Então temos que imaginar ações capazes de
perdurarem ao longo do tempo e que sejam ações de Estado que procurem olhar o país em longo prazo também”.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Afirmou ainda que o Brasil deve preparar-se para aproveitar as eventuais oportunidades que a crise abre, sugerindo
algumas medidas. A primeira delas diz respeito às exportações. “Nós temos hoje uma debilitação das exportações
das commodities, que foi nosso forte nos últimos anos. Mas podemos melhora as condições de penetração, de
competitividade do produto brasileiro no mercado internacional, gerando mais emprego, distribuição de renda
e contribuindo para a melhoria da balança de pagamentos brasileiro, que é uma condição indispensável para o
enfrentamento da crise a curto, médio e longo prazo”. Para tanto, sugeriu a criação de linhas de financiamento de
exportação para papel, celulose, aço, minérios, aviões, veículos, máquinas e equipamentos, calçados, tecidos, etc.
Como segunda medida, Delben Leite pediu a redução imediata e substantiva da Taxa Selic seguida de novas
reduções até que se verifique a estabilização e o equilíbrio dos níveis de produção e consumo no país. Também
é preciso, segundo o Conselheiro, reduzir significativamente os depósitos compulsórios mantidos pelos bancos
junto ao Banco Central de forma a injetar mais liquidez no sistema e gerar mais recursos para o financiamento da
atividade interna no país, tanto na ponta do consumo quanto na ponta da produção. O Conselheiro pediu ainda
maior celeridade do BNDES na concessão de financiamentos, inclusive atuando em parceria com a FEBRABAN,
para conseguir que outros bancos atuem nos financiamentos de longo prazo.
Por fim, sugeriu a ampliação dos investimentos em infraestrutura de forma articulada com estados e municípios,
nos moldes do PAC, mas de forma mais acelerada. Ainda em relação ao PAC, propôs que se eleve em mais 1% do PIB
os recursos destinados ao programa, de forma a gerar empregos, oportunidades e mais distribuição de renda no país.
Flexibilização de direitos não é resposta para crise
Ainda sobre esse tema, o Conselheiro José Lopez Feijóo, membro da Executiva Nacional da Central Única
dos Trabalhadores (CUT), alertou para o risco de demissões e flexibilização de direitos trabalhistas neste período
de crise. “O Estado não pode ser máximo para os ricos e mínimo para os pobres”, resumiu. “Essa receita da
desregulamentação que não deu certo, é bom lembrar, foi a receita da flexibilização de direitos sociais e trabalhistas.
Agora, em meio à crise, essa receita segue sendo apresentada por meio de propostas de redução de salários, de
redução de direitos. São mais receitas de crise para combater a crise”.
Papel da educação
Paulo Speller, Conselheiro do CDES, membro de Conselho Nacional de Educação e presidente da Comissão de
Implantação da Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (Unilab), manifestou que “fica cada vez
mais claro que qualquer estratégia para superação da atual crise econômica-financeira passa pela ação política de
dirigentes, como expressou esta manhã o presidente Lula”. Isso, nos mais diversos foros e nos contatos bilaterais
como com o G8, G20, ONU, nas parcerias solidárias, seja onde for, deve-se agir, posto que o fechamento de
fronteiras protecionistas somente agravará a crise, enfaticamente sugeriu.
Todos os participantes da mesa, direta ou indiretamente, enfatizaram a necessidade de uma ação política
coordenada e sugeriram que a eleição do presidente Barack Obama nos EUA cria um cenário mais propício a esta
ação política, lembrou o Conselheiro.
O Conselheiro Paulo Speller, destacou um ponto de consenso entre os palestrantes. A importância da
“educação, educação e educação, como diria Tony Blair, ao expressar suas três maiores prioridades”. Sachs falou
sobre as tecnologias sociais, que estão diretamente relacionadas à educação; Galbraith mencionou a perda de
oportunidades, o que acaba por agravar a crise; Kregel destacou a perda da capacidade laboral (labor skills) instalada
com o crescimento do desemprego; Pochmann foi mais explícito ao mostrar que o Estado pós-crise caminhará na
direção de um novo padrão civilizatório onde será preponderante a sociedade do conhecimento, com a educação
continuada para toda a vida; e Coutinho colocou em evidência as necessidades gritantes de qualificação no campo
do agronegócio, com destaque para os biocombustíveis, onde o emprego sustentado mais voltado para o mercado
interno depende de investimentos continuados na educação e capacitação para o trabalho, de modo permanente.
Speller aproveitou a oportunidade para rearfimar as ações do Brasil no campo da Educação, destacando: “O
Brasil, acertadamente, tem mantido e até expandido suas políticas e investimentos no campo da educação em
todos os níveis por meio do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), apesar de as responsabilidades da
educação básica recaírem, constitucionalmente, sobre os Estados e Municípios. O Programa de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais (REUNI) é outro exemplo de como a formação superior busca atender
às grande demandas de novos conhecimentos e força de trabalho altamente qualificada”. No plano internacional,
lembrou que o Brasil age não somente na ação política articulada, mas também assumindo suas responsabilidades
nas políticas sociais, como é o caso da educação superior na busca da integração entre Brasil e África, o continente
esquecido, mas que terá grande relevância na produção de alimentos e biocombustíveis no futuro próximo.
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Confiança e solidariedade
O Conselheiro Antoninho Trevisan, por sua vez, citou o livro “Brasil: A trajetória de um país forte”, do professor
Alcides Leite Junior, para afirmar que há razões de sobra para se ter confiança no Brasil. Para ele, o livro indica
claramente que estamos nessa situação garças a um histórico de atuações tomadas para enfrentar a inflação de
80% ou quando foi instituído o PROER. Em relação às palestras proferidas durante a Mesa, Trevisan destacou a
menção de todos à necessidade de um papel do Estado mais forte. E enfatizou a apresentação de Márcio Pochmann,
segundo a qual não basta uma reforma do Estado, é preciso refundar o Estado e repensar novas formas de relação
de trabalho.
Trevisan abordou ainda um tema pouco explorado, a questão da economia solidária. “A análise da crise nos
indica, sobretudo, que precisaremos ter mais solidariedade”, observou, destacando a fala de José Lopez Feijóo que
questionou os empréstimos do BNDES a empresas sem que haja de fato uma contrapartida exigindo que não haja
demissões. Sobre o fato de o Brasil estar entre os países menos afetado pela crise, o Conselheiro atribuiu isso ao fato
de o país ser um grande produtor de alimentos. “O Brasil produz comida para si e para o resto do mundo. Isso dá e
deu ao Brasil condições excelentes de gerar superávits comerciais”.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Mesa de Diálogo: O processo de integração
latino-americana - possibilidades de
desenvolvimento e os efeitos da crise
financeira internacional
Coordenador: José Carlos Bumlai - Conselheiro do CDES
Relator: Sérgio Haddad - Conselheiro do CDES
Palestrantes:
1. Jorge Beinstein - Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, Argentina
2. Gerardo Caetano - Coordenador do Observatório Político (Udelar) e do Observatório Acadêmico do Centro de
Formação para a Integração Regional do Uruguai (CEFIR)
3. Marco Aurélio Garcia - Assessor Chefe da Assessoria Especial da Presidência da República
Comentários:
Adilson Ventura - Conselheiro do CDES
Danilo Pereira da Silva - Conselheiro do CDES
João Bosco Borba - Conselheiro do CDES
Paulo Vellinho - Conselheiro do CDES
Annete Hester - Pesquisadora do Centro para Inovação de Governança Internacional do Canadá
José Carlos Bumlai
Conselheiro do CDES
O Conselheiro José Carlos Bumlai coordenou a Mesa e destacou a importância de debater o processo de
integração latino-americana que foi impulsionado nos últimos anos com a ascensão de novas lideranças políticas e
sociais no continente. Analistas internacionais têm afirmado que os países latinoamericanos estão mais preparados
para enfrentar a crise atual do que nos anos 80 e 90 do século passado. Então, o grande desafio, assinalou, é
aproveitar as oportunidades do momento histórico, intensificando a integração econômica e social e estreitando os
laços de solidariedade, tendo em vista a resolução de problemas estruturais da região, especialmente com relação à
superação da pobreza, ao fortalecimento das instituições (políticas, econômicas, sociais e culturais) e à interligação
da infraestrutura. Da mesma forma que o CDES propõe que o Brasil deve balizar o seu desenvolvimento com
equidade e responsabilidade socioambiental, espera-se que sejam discutidas as formas que levem a América Latina
a trilhar a estrada do desenvolvimento ancorada nestes princípios.
Estarão os países latino-americanos mais preparados para enfrentar a atual crise internacional? O que fazer
para minimizar os efeitos da crise no continente?
Alguns países começam a adotar políticas de natureza protecionista para se defenderem da crise. Essa alternativa
é adequada para a América Latina, ou deve-se buscar o diálogo para preservar e fortalecer o processo de integração
regional?
A crise atual dificulta ou cria novas oportunidades para o desenvolvimento regional? Em caso afirmativo,
pergunta-se: quais são os principais eixos do desenvolvimento para a América Latina?
E a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) é um exemplo significativo para a integração e independência?
Como aproveitar as iniciativas em curso na região para fortalecer a integração como pré-requisito para o
desenvolvimento da América Latina?
Jorge Beinstein
Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, Argentina
A Atualidade da Crise
Na abertura do debate, Jorge Beinstein, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos
Aires, abordou esse tema partindo de uma reflexão sobre a atualidade da crise. Segundo Beisntein, estamos vivendo
uma transição muito rápida entre recessão e depressão, com grandes quedas do Produto Interno Bruto (PIB) e
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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desemprego. O economista lembrou uma recente nota de Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova
York e um dos primeiros a prever o colapso do sistema financeiro internacional, sobre a caracterização da crise. Os
economistas gostam de classificar as crises com letras de alfabeto. Inicialmente, escreveu Nouriel Roubini, houve
quem achasse que se tratava de uma crise em U (após a queda e um rápido período de estagnação, a economia
voltaria a crescer). Os mais otimistas falavam de uma crise em V (queda e rápida retomada). Depois, passou-se a
falar de uma crise em L (queda e um largo período de estagnação). O problema é que o “L” continuou caindo, sem
dobrar para a direita. Ou seja, comentou Beinstein, estão faltando letras no alfabeto para definir a crise atual.
O ex-presidente do Federal Reserve (o Banco Central dos EUA) disse recentemente que essa crise já
não se parece com a crise de 1929. “Não há mais referências históricas de uma crise destas dimensões. E se
não há referências históricas sobre a natureza da crise, tampouco há sobre soluções. O sistema financeiro
internacional simplesmente se desintegrou. George Soros chegou a comparar o que está acontecendo
com o colapso da antiga União Soviética. Já não se trata de recessão ou depressão, mas sim de implosão”,
definiu Beinstein. Uma implosão acompanhada por um clima de depressão psicológica e de elaboração de
diagnósticos sombrios.
O economista argentino citou um informe especial encomendado pelo serviço de inteligência da Marinha
dos EUA e apresentado no dia 17 de dezembro de 2008. Esse estudo traça quatro cenários pessimistas
sobre o futuro dos EUA. O quarto cenário, denominado “Queda existencial”, prognostica uma depressão
prolongada com redução do PIB da ordem de 35% ao longo dos próximos 6 ou 7 anos, com uma taxa de
desemprego que chegaria a 15%.
É certo que a crise foi detonada nos EUA, observou ainda Beinstein, mas agora há outros detonadores
prontos para entrar em ação. Um deles é o Leste Europeu que está em situação de bancarrota. Outro é a
Suíça, onde já se fala também na possível bancarrota do sistema financeiro do país, considerado até então
indestrutível. “Não se trata apenas de uma crise de crédito”, acrescentou o economista, repetindo outros
diagnósticos expressos no Seminário. “Estamos diante de uma situação de insolvência. Somente a dívida
dos EUA é de US$ 54 trilhões. Estamos diante de uma crise múltipla de longa duração”. Diante desse
cenário, como ficam os processos de integração?
Alguns ficam muito mal, disse Beinstein. É o caso do NAFTA (que reúne EUA, México e Canadá) e
da União Européia. A integração européia, assinalou, está andando em 3 velocidades e uma delas, a que
envolve os países do Leste Europeu, está a beira do colapso financeiro. Por outro lado, há um processo de
integração em curso na região da chamada Eurásia, envolvendo países como China, Índia, Rússia, Japão
e Irã. Na avaliação de Beinstein, a crise deve acelerar este último que deve ser olhado com muita atenção.
O professor da Universidade de Buenos Aires elogiou a insistência do presidente Lula em defender o
papel do Estado como motor do processo de integração. No entanto, ressaltou, a integração sul-americana
está assentada em dois pilares que se encontram um pouco fragilizados. O primeiro deles diz respeito
à situação dos Estados nacionais que sofreram um desmonte com as políticas neoliberais e exigem um
processo de reconversão. O segundo está ligado à necessidade de desenvolvimento de uma economia
popular voltada para o mercado interno desses países. Para Beinstein, o não fortalecimento desses dois
pilares representa um importante obstáculo para que a integração avance.
Gerardo Caetano
Coordenador do Observatório Político (Udelar) e do Observatório Acadêmico do Centro de Formação para
a Integração Regional do Uruguai (CEFIR)
É preciso mudar e aprofundar o Mercosul
O uruguaio Gerardo Caetano, Coordenador do Observatório Político (Udelar) e do Observatório
Acadêmico do Centro de Formação para a Integração Regional do Uruguai (CEFIR), advertiu, por sua vez,
para a importância de não subestimar a crise e suas ameaças. “Temos um horizonte muito incerto pela frente”.
Caetano observou que diante da crise, uma resposta tradicional é os Estados nacionais se fecharem em si
mesmos, adotando políticas protecionistas e interrompendo processos de integração. “Gostaria de trabalhar
contra essa hipótese. A saída para a América do Sul pode ser apostar fortemente no fator da integração e do
desenvolvimento regional”. Mas ele reconhece que há muitos obstáculos pela frente. Um deles é a possibilidade
de fortalecimento de discursos nacionalistas, anti-integração. “Nos anos 1990, o Estado era o vilão. Depois, o
Mercosul e a integração também passaram a ser apontado como vilões por setores das nossas sociedades”. E
isso foi antes da crise, quando o fantasma do protecionismo não estava tão presente.
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Além deste, há problemas internos ao bloco sul-americano que também devem ser enfrentados, advertiu.
“É preciso transformar e aprofundar o Mercosul. Há tempos não temos uma avaliação positiva sobre esse
processo”. Caetano criticou a ilusão daqueles que achavam que a afinidade ideológica entre os governos
era uma condição suficiente para fazer avançar a integração. “Integração é acordo entre Estados diferentes,
entre interesses diferentes. Hoje, na América Latina, as nossas políticas externas não convergem. Em 2006, o
Uruguai, com um governo de esquerda, esteve muito perto de firmar um Tratado de Livre Comércio (TLC)
com os EUA. Seria um erro. Entre outras razões porque, na época, os EUA eram o primeiro comprador do
Uruguai e hoje é o sétimo”.
Gerardo Caetano lembrou ainda da diversidade de propostas de integração atualmente em curso na
América do Sul e na América Latina. “Temos o processo bolivariano com traços fortemente personalistas.
Por outro lado, temos a tentação do retorno do caminho bilateral envolvendo países como Peru e Colômbia.
Além disso, temos os processos do Mercosul e da Unasul. Estes dois últimos precisam ter uma agenda
externa comum. Vejo com temor essa tentação do TLC no Brasil, com um outro governo. Seria algo muito
ruim”. Agora, com a eclosão da crise econômica mundial, a agenda da integração assume nova atualidade.
Seus problemas também. “Essa agenda não nasce com a crise, mas se posiciona de um modo conjunto
diante dela”, observou Caetano, dando um exemplo de questão que exige um posicionamento conjunto dos
países da região. “Temos recursos naturais estratégicos (em particular hídricos e energéticos), mas não
temos um manejo integrado desses recursos. As riquezas e potencialidades da Bacia do Prata, por exemplo,
já despertam várias cobiças externas”.
Outro problema apontado pelo professor uruguaio é a ausência de instituições, no âmbito do Mercosul,
para pensar e implementar políticas nesta direção. “Precisamos superar a mera retórica da integração e
priorizar a construção de novas institucionalidades. Os problemas são muitos. Apenas para citar um exemplo,
a crise encontrou os países do Mercosul com políticas cambiais divergentes. Como vamos resolver isso? A
situação atual nos obriga a pensar no médio e no longo prazo. Para isso, é necessário avançar muito ainda”.
Marco Aurélio Garcia
Assessor Chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Brasil
A posição do Brasil sobre a integração regional
Assessor chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, citou uma
frase de Gramsci para definir a situação atual, um período de declínio de paradigmas, de crise civilizatória,
na sua avaliação. “Quando uma sociedade está em declínio e a outra não se afirma, podemos assistir aos
fenômenos mais perversos”. Pois é este cenário de rupturas e incertezas que desafia os projetos de integração
no continente. “Nossa visão de integração”, explicou, “parte do nosso projeto de desenvolvimento nacional
que tem como características centrais reduzir um quadro de vulnerabilidade externa, trabalhar pela
construção de uma ordem internacional democrática e pluralista e pela redução de assimetrias regionais”.
Essa não foi uma opção tranqüila, destacou. “Há setores no Brasil que dizem que a América do Sul não tem
que se unir e o que é importante é a aproximação com os Estados Unidos e a Europa”.
Marco Aurélio Garcia reconheceu os problemas que o processo de integração enfrenta, destacando alguns déficits
que precisam ser superados: a existência de fortes núcleos de pobreza e desigualdade social; a situação de escassa
conectividade entre os países do continente; a existência de importantes assimetrias regionais; a presença de uma
hipoteca ideológica conservadora com forte incidência junto aos meios de comunicação; a falta de coesão política
e, por fim, a falta de institucionalidade. Além disso, lembrou que o Mercosul nasceu como uma união aduaneira
imperfeita, resultante não propriamente de questões econômicas, mas sim do período de redemocratização na
região. Neste contexto, a compatibilização de políticas macroeconômicas e de políticas industriais e agrícolas
permanece um desafio a ser superado.
A iniciativa de construção da Unasul, explicou ainda, nasceu da consciência desses limites enfrentados
pelo Mercosul e da necessidade de expansão do bloco. Contudo, esses limites aplicam-se também à iniciativa
da Unasul. Garcia destacou cinco deles: exigência de institucionalização; necessidade de ganhar a sociedade
para essa idéia; aprovação do tratado pelos parlamentos; adoção de medidas de curto prazo para enfrentar
a crise e de instrumentos para reduzir as assimetrias entre os países da região. Um outro problema muito
sério a ser enfrentado no curto prazo é enfrentar a ameaça do retorno do protecionismo.
Apesar desses problemas, o assessor da presidência brasileira apontou dois avanços conquistados
recentemente: a estréia bem sucedida da Unasul na resolução da crise da Bolívia e a implementação do
Banco do Sul como um importante mecanismo de financiamento. Destacou ainda a presença de três países
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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da América Latina – Brasil, Argentina e México – nas próximas reuniões do G20. Para Marco Aurélio
Garcia, a solução diante da crise é mais integração, mais Mercosul. “Precisamos avançar e pensar num
desenvolvimentismo-regional”.
Destaque da fala do relator
Em seu relatório sobre os debates desta mesa, o Conselheiro Sérgio Haddad optou por fazer alguns
diagnósticos. O primeiro deles é sobre o consenso observado em relação ao reconhecimento da profundidade
da crise e de seu sentido de longo prazo por um lado e de incertezas por outro lado. Além disso, há uma
percepção de que a solução é a integração que se mostra uma alternativa para superação ou apoio durante
o período de crise que está sendo vivenciado. Para o Conselheiro, o Seminário, em geral, e a Mesa sobre a
integração latino-americana, em particular, mostraram a importância do debate sobre o protecionismo e/
ou o aprofundamento de uma política de integração. O segundo bloco de questões refere-se ao papel do
Estado. “Como bem foi frisado aqui pelo Gerardo Caetano, a crise mostra que o Estado não é um problema,
mas uma solução”, lembrou o Conselheiro.
Para Haddad, as diversas manifestações a respeito do papel do Estado no processo de integração
levantaram questões como a positividade de haver Estados com ideologias progressistas semelhantes hoje
na América Latina, o que ajuda a integração da região. Além disso, foi dito que a integração deve ser
pensada no longo prazo e não no curto prazo; deve ser focadas nos Estados e não em personalidades que
os representem; deve, por fim, ser elaborada uma agenda externa comum. Uma outra questão fundamental
diz respeito à economia. “Nós temos que pensar em cadeias produtivas que possam integrar esse processo
econômico, no fator energético, a questão da infraestrutura, matrizes integradoras que permitam fazer para
além do comércio, uma integração de natureza econômica e de caráter positivo”, defendeu.
Haddad finalizou sua intervenção, afirmando que se “essa é uma crise civilizatória, a dimensão dessa
crise não está dada apenas sob o ponto de vista econômico”. “Acho que uma das questões que a gente poderia
levantar como análise para além do processo de integração que está colocado como superação da crise é
identificar os temas de natureza social, cultural que possam levar a América Latina, com sua identidade e
diversidade cultural, a pensar em um novo modelo de desenvolvimento”, concluiu.
Comentários
Por uma agenda de diálogo positiva
Ao analisar os desafios colocados para o Brasil diante da crise, o Conselheiro João Bosco Borba, presidente
da Associação Nacional de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros, defendeu que a primeira coisa
a fazer é não aceitar o receituário daqueles que foram responsáveis pela crise. Em segundo, acrescentou,
é preciso ver o que o país tem de valor, principalmente do ponto de vista da estabilidade econômica e do
controle do sistema financeiro. “O Brasil vai ter uma gripe, mas não vai pegar uma pneumonia na crise”,
prognosticou.
O empresário defendeu ainda investimentos fortes nas pequenas e médias empresas que poderiam
assim, aproveitando-se do contexto de crise, dar um salto de qualidade e ajudar a economia do país. Em
relação aos possíveis conflitos resultantes do cenário atual, destacou que o diálogo é a melhor forma de
trabalho. “Devem ocorrer demissões, não há como evitar isso, mas esse processo precisa ser negociado
e organizado em termos de tempo. Demissões súbitas não são um bom negócio para ninguém”, resumiu.
E deu um exemplo do tipo de negociação que pode ser feita para minimizar os prejuízos e aproveitar as
oportunidades: “o presidente Lula anunciou um projeto para a construção de um milhão de casas populares.
Os empresários devem trabalhar juntos com o governo para criar uma malha de empregos em torno deste
projeto. É preciso enfrentar a ameaça do desemprego a partir de uma agenda de diálogo positivo”.
A área social é a mais afetada pela crise
Adilson Ventura, Conselheiro do CDES e Membro da União Brasileira de Cegos (UCB), destacou a
importância dos efeitos sociais da crise econômica que o Brasil está enfrentando de maneira fortemente
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positiva. Ele lembrou que, nos últimos 30 anos, o Brasil sentia com muito mais força os impactos das crises
internacionais. Hoje, conforme apresentado pela equipe de governo, o Brasil está preparado, tem reservas, e
tem meios de enfrentar essa crise com poucas consequências negativas. Além disso, o Conselheiro ressaltou
que a crise não foi causada pelo Brasil. Ventura lembrou também os problemas sociais, mais especificamente
aqueles enfrentados por deficientes físicos, que hoje representam quase 30 milhões de brasileiros.
Segundo o Conselheiro, nos momentos de crise, o primeiro gasto cortado é aquele direcionado para
políticas sociais. Qualquer contingenciamento nessa área, destacou, tem repercussões muito fortes e o
retrocesso é catastrófico. E concluiu com a afirmação de que acredita no presidente Lula e na capacidade de
recuperação do Brasil e da América Latina, mas que ações conjuntas são necessárias para evitar os impactos
da crise na área social.
Debate sobre a América Latina não deve se resumir à crise
Para o Conselheiro Danilo Pereira da Silva, a discussão sobre a América Latina não deve se dar apenas
em um contexto de crise. Ele chamou a atenção para o fato de que está em estudo uma proposta para
sobretaxar mais de mil produtos argentinos, o que se refere ao mecanismo de proteção de cada país, em
detrimento do interesse coletivo, no caso dos demais países. Em relação a acordos multilaterais no âmbito
do Mercosul, defendeu que é preciso avançar na discussão e não simplesmente fazer uma integração nos
moldes europeus.
“O professor Beinstein afirmou que vê três blocos no mundo e disse que o quem tem reais chances de se
organizar e enfrentar e crise é o bloco da América do Sul”, lembrou. “Como questões mais urgentes a serem
resolvidas, acho que temos que pensar no caso da Embraer e no caso da sobretaxa dos produtos argentinos,
pois são temas com potencial para gerar muito desemprego aqui no Brasil. Em relação ao Mercosul, acho que
deveríamos estender a discussão da implantação da convenção 150 da OIT, para protegermos o trabalho”,
concluiu.
O mundo vai precisar do Brasil
O Conselheiro Paulo Vellinho manifestou seu sentimento de indignação diante da crise, que mostrou
a natureza do capital especulativo. Para ele, o Brasil está em uma posição privilegiada e, no médio prazo,
o mundo vai precisar do Brasil. “Nós temos uma alternativa para o mundo. Nós temos a capacidade de
produzir alimentos e alimentá-los. Então dentro dessa realidade, primeiro nós temos que nos preparar para
honrar com dignidade e soberania. Essa é a maior missão. Não sermos comandados pelo Primeiro Mundo.
Podemos controlar nossos destinos e para isso nós precisamos ter que eliminar miséria, educação, saúde e
outras coisas” observou. Para Vellinho, esses desequilíbrios socioeconômicos são um barril de pólvora e a
integração da América Latina pode ser um passo em direção da superação dessas diferenças sociais.
Brasil fez a lição de casa
A professora Annete Hester, por sua vez, enfatizou que, no que tange à segurança energética e às
mudanças climáticas, o Brasil desponta como um país que soube fazer a lição de casa. “Os 40 anos de
preocupação brasileira com segurança energética, com a matriz energética, o fez tomar atitudes muito
importantes. Tem muito trabalho a fazer, mas o Brasil se mostrou mais do que os outros capaz de fazêlo”. Em termos de integração regional, Hester acha que o Brasil também tem lições a dar a seus países
vizinhos. “Durante muitos anos o Brasil realmente teve uma preocupação com seus vizinhos e com a região
não necessariamente só de interesse próprio, mas realmente interesse pela região. Então falta à região ter
interesse pelo Brasil”, completou.
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Mesa de Diálogo: Globalização financeira
e perspectivas de um novo sistema de
financiamento e regulação do sistema
financeiro internacional
Coordenador: Maurício Botelho - Conselheiro do CDES
Relator: Antônio Neto - Conselheiro do CDES
Palestrantes:
1. Oriovista Guimarães – Presidente do Grupo Positivo
2. Luiz Fernando Rodrigues de Paula – Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro
3. Octávio de Barros – Economista Chefe do Bradesco
4. Robert Guttmann - Diretor do Centro de Políticas e Relações Internacionais da Universidade de John Hopkins,
Washington, D.C.
Comentários:
Clemente Ganz Lúcio - Conselheiro do CDES
Gabriel Jorge Ferreira - Conselheiro do CDES
Humberto Mota - Conselheiro do CDES
Nair Goulart - Conselheiro do CDES
Maurício Botelho
Conselheiro do CDES
Coordenador da mesa, o Conselheiro do CDES Maurício Botelho, Presidente do Conselho de Administração
da Embraer destacou que o colapso do sistema financeiro internacional colocou na ordem do dia a necessidade de
profundas mudanças no modo de funcionamento desse sistema. Todos agora defendem algum tipo de regulação e
a urgente reconstrução do crédito internacional. Esses desafios motivaram essa Mesa.
O Conselheiro Maurício Botelho sublinhou que, depois da crise derrubar todo mundo, agora chegou a hora da
regulamentação. Para ilustrar seu diagnóstico sobre o momento econômico atual, Botelho relatou uma experiência
que viveu em janeiro de 2007, quando ainda estava na Embraer. “Estávamos recebendo a visita do segundo mais
importante executivo de um dos maiores bancos do mundo. Era uma visita de cordialidade e eu perguntei naquele
momento como estava a questão das famosas subprimes, que já começavam a surgir na imprensa. E a resposta
dele foi até certo ponto irritada, como se eu estivesse sendo impertinente. E ele disse que nós brasileiros éramos
engraçados mesmo, porque no dia anterior, em Brasília, ele havia escutado a mesma pergunta. A reposta dele:
subprime não é um problema”.
”Provavelmente”, acrescentou Botelho, “o homem acreditava mesmo que a desregulamentação do mercado se
solucionaria por si própria, apostando todas as fichas no descontrole que descambou com a economia mundial.
Agora, no entanto, é necessário que o Estado intervenha porque o mercado não tem como resolver isso sozinho.
Ainda assim, temos que considerar as forças do mercado. O Estado é solução frente a este momento de crise
absoluta, há que ver como fazer e avançar no sentido de impedir que ameaças como essa de agora não se repitam”,
concluiu.
Octávio de Barros
Economista Chefe do Bradesco
Descompasso entre riqueza e renda
Para o economista chefe do Bradesco, Octávio de Barros, o descompasso entre riqueza e renda está na origem da
crise que é, entre outras coisas, uma crise de confiança: sem confiança não há crédito, sem crédito não há confiança.
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E sem crédito, sobretudo, as exportações mundiais caem de forma brutal, a produção industrial despenca e a taxa de
desemprego vai para cima. Em um cenário otimista, previu, a economia global deve ter uma queda de crescimento
de 0,5%. Neste contexto, o Brasil terá mesmo que apertar o cinto em 2009: “O investimento total público e privado
terá queda de 3,4% no país, que sofrerá também uma queda de 2,5% do PIB. Por maior e mais relevante que seja
o esforço público, ele não compensa a queda do investimento privado. A economia vai operar de forma ociosa
durante um ano e meio, temos de nos preparar para isso”, advertiu.
Por outro lado, Barros defendeu que esse cenário não deve ser motivo de preocupação para os brasileiros, pois
existe a expectativa de sua reversão: “O crescimento projetado para o Brasil em 2010 é de 3,5% e, mesmo em 2009,
o investimento aqui vai cair menos do que em outros países emergentes. O processo de desenvolvimento deflagrado
no Brasil não vai parar, pois o custo da desmobilização total do desenvolvimento seria muito alto. O país vai voltar a
crescer de forma mais acentuada já em 2010. Caso tivesse uma economia mais aberta, acrescentou, o Brasil sofreria
muito mais. Nesta crise, os países mais abertos são os que estão sofrendo mais.
Papel dos Emergentes
Segundo projeção realizada por bancos privados, o Brasil deve se colocar em 2009, graças aos efeitos da crise
sobre os países desenvolvidos, como o país com o quarto maior crescimento do mundo: “O Brasil deve crescer
em torno de 0,6% em 2009, atrás somente da China (6,5%), da Índia (5,5%) e da Indonésia (2%). Haverá uma
mudança grande de paradigma na economia mundial. O mundo, nos próximos cinco anos, vai crescer bem abaixo
da média histórica, mas o Brasil está hoje na contramão do mundo. Seremos uma das cinco economias mundiais
que terá crescimento positivo em 2009”, disse ainda o economista. O executivo do Bradesco ressaltou, também, a
importância do papel dos países emergentes na busca por soluções para a crise econômica: “Haverá uma queda de
0,5% no crescimento global, mas, se levarmos em conta somente os países ricos, essa queda é de 6%. A crise não fez
os emergentes mais dinâmicos mudarem de rumo, por isso o peso desses países aumenta ainda mais. Em meados
de 2014, os países emergentes superarão o PIB dos países desenvolvidos. Existirão novas locomotivas da economia
mundial nos próximos 10 ou 20 anos. A China alcançará os Estados Unidos, e o Brasil, cada vez mais reconhecido
internacionalmente como um país maduro, pode também ter papel de destaque”.
Octavio de Barros citou ainda outras vantagens comparativas do Brasil para enfrentar a crise: a rede de proteção
social construída no país, com políticas como Bolsa Família, aposentadoria, seguro desemprego; os investimentos
públicos estratégicos planejados pelo governo; a solidez do sistema bancário. E repetiu o que praticamente todos
os participantes do Seminário defenderam: a melhor política anticíclica é a redução dos juros. É melhor do que a
agressividade fiscal, pois a queda da SELIC reduz o custo da dívida pública e abre espaço fiscal para ampliar os gastos
sociais e os investimentos públicos. Sobre esse ponto, assegurou que os bancos têm o maior interesse que os juros
básicos sejam os menores possíveis. “No Brasil, os melhores resultados dos bancos ocorreram justamente em períodos
em que a taxa de juros básica era mais baixa. No passado, isso pode ter sido diferente, mas, no momento que o Brasil
atravessa nos últimos anos, isso já foi superado largamente. O sistema bancário brasileiro torce para que os juros
básicos despenquem no país, pois isso traduz uma economia mais vibrante e com menos riscos”, disse o economista.
O economista defendeu a redução do spread bancário, apontado por muitos como símbolo maior da ganância
dos banqueiros, como uma das condições para a ampliação do sistema de crédito no país. “Como intelectual e
pesquisador, eu dou a maior força para que nós avancemos de forma acelerada nessa discussão sobre o spread
bancário. O comportamento que observamos no spread e na taxa de juros no Brasil revela uma deterioração da
percepção de risco num sentido amplo. É muito possível supor que, no momento em que se destensione a economia
mundial, o spread se reduza. Isso é plausível, assim como a redução da taxa de juros”. E pediu a seus interlocutores
que os bancos privados não sejam demonizados nessa questão do spread: “A parte de lucro que cabe aos bancos
é apenas uma fração do spread bancário. Algo como um quinto, segundo a Febraban, ou um quarto, segundo o
Banco Central. O spread tem outros componentes, como o risco de inadimplência, a tributação, os compulsórios e
os custos de observância dos riscos que os bancos correm por força da inflação”.
Duas Propostas
Instigado por Clemente Ganz Lúcio, Conselheiro do CDES e diretor técnico do DIEESE a apresentar duas
propostas essenciais para reduzir o spread bancário, Octávio de Barros sugeriu acabar com a tributação sobre
a intermediação financeira e reduzir o depósito compulsório, que, segundo ele, é um dos maiores do planeta:
“O Brasil é o único país que tributa a operação de crédito e a intermediação financeira, o que não faz o menor
sentido. Tenho a impressão de que o ministro Guido Mantega e toda a área econômica do governo estão sensíveis
a isso, pois é uma distorção”. E acrescentou: “Nós temos uma avenida de possibilidades para reduzir o depósito
compulsório, e o Brasil caminha nessa direção. Quanto mais a crise internacional se agrava, maior o espaço pra
isso. Não existe nenhum outro país que tenha em seu banco central um estoque tão grande de dinheiro retido dos
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bancos, dinheiro que poderia estar circulando”. O Brasil, concluiu, tem que perseguir mecanismos que mitiguem
o risco de inadimplência, que representa 35% do spread bancário. Segundo o economista, existem no momento
discussões entre os bancos e o governo sobre como enfrentar esse problema através da criação de um seguro ou
um fundo.
Oriovista Guimarães
Presidente do Grupo Positivo
Problemas com a oscilação cambial
O empresário Oriovista Guimarães, presidente do Grupo Positivo, fez algumas propostas pontuais que, na sua
opinião, deveriam ser encampadas pelo CDES. Salientando que a visão de um empresário é diferente da de um
macroeconomista, observou que as reuniões do Conselho visam consensuar sugestões objetivas que possam ser
levadas ao Presidente para que a economia brasileira possa funcionar melhor. E apresentou as suas sugestões,
advertindo que o setor eletroeletrônico está sendo muito afetado por diferenças na taxa de câmbio e já sofre com
os efeitos da crise. “O Brasil deve intervir internamente o mais rápido possível, sem esperar, com isso, interferir na
economia mundial, ou seja, guiar seu barco sozinho e deixar que outros o sigam mais tarde. Não podemos esperar
que o mundo mude e que esta mudança se reflita aqui. Nós temos que trabalhar com as nossas próprias forças de
regulamentação”.
Guimarães lembrou ainda que nem todo mundo apostou na loteria monetária que gerou a crise. Defendeu
uma regulamentação do hedge, uma forma de proteger uma aplicação contra as oscilações do mercado, e o fim do
regime de preço nas compras pelos órgãos públicos, segundo ele, uma “fonte de corrupção e de problemas causados
pela variação do dólar”. “Não precisa estatizar os bancos como o Lula sugeriu ao Obama. Mas o Banco Central
deveria adotar o hedge para evitar o impacto da vulnerabilidade do preço do dólar nas empresas brasileiras. Depois,
empresários brasileiros apostam em especulação como já fizeram papeleiras e a indústria de frango. Meu negócio é
fazer computador e não apostar em derivativo”, resumiu.
E finalizou sua participação deixando algumas perguntas relacionadas a problemas enfrentados hoje por
empresários: Como administrar preços com a volatilidade do dólar? Como os empresários podem se defender
quando, no final do ano passado, nenhum banco queria fazer hedge? E aí, o que fazemos? “O Banco Central deveria
regulamentar melhor o hedge, de modo que o empresário possa ter um mecanismo seguro a um custo menor”, concluiu.
Robert Guttmann
Diretor do Centro de Políticas e Relações Internacionais da Universidade de John Hopkins, Washington, D.C.
Uma das tarefas da crise: acabar com os “bancos zumbis”
O professor Robert Guttmann, diretor do Centro de Políticas e Relações Internacionais da Universidade John
Hopkins, de Washington, foi mais um a defender a necessidade de reformas profundas e urgentes no sistema
financeiro internacional. Guttmann advertiu que o trabalho que o mundo tem pela frente é pesado, uma vez que
esta é uma crise sistêmica e estrutural. E fez uma rápida retrospectiva histórica sobre as crises mais recentes no
capitalismo mundial. Segundo ele, há relações entre a intensidade da instabilidade financeira em cada uma destas
crises, a duração de cada uma delas e entre o grau de contaminação mundial da crise com a forma como ela se
desenrola em cada um dos países. “Todas as últimas crises começaram com fenômenos de instabilidade financeira.
Agora, estamos apenas no começo de uma nova crise e ela será muito grave. Os bancos só agora estão reconhecendo
o volume total de suas perdas e o comércio mundial está caindo fortemente”.
A longa depressão que se estendeu de 1873 até 1896, lembrou o professor, marcou o início do declínio inglês e
só se resolveu, de certa maneira, na I Guerra Mundial. A grande depressão seguinte, a de 1929, atravessou todos os
anos 30 e só foi superada com a reanimação da economia mundial em consequencia da Segunda Guerra Mundial. E
a da década de 1970, com a crise do petróleo. “Existem lições em cada uma dessas crises. Você não consegue apenas
saltar fora de uma crise como a que estamos vendo hoje, ela demanda uma reestruturação completa”.
Para o economista, a regulamentação exigida pela atual crise deverá ser muito drástica e profunda. “Primeiro,
é preciso modificar a política monetária e criar um novo sistema de crédito. Depois, sanear o sistema bancário.
Ajudar alguns bancos a sobreviver e remover aqueles bancos zumbis, que circulam morto-vivos por aí. Existem
bons e maus bancos, você deve remover cirurgicamente os tumores do sistema bancário. É necessário gerar uma
política fiscal que melhore a rede de segurança social e que invista em coisas como o PAC brasileiro. Isso tudo é um
bom começo, mas não é bastante, muitos países já tomaram essas decisões, embora tarde demais”.
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Guttmann defendeu ainda que apenas uma mudança radical será capaz de conter as ondas da crise por completo
e evitar um tsunami financeiro nos próximos meses. “Muitos países ainda não reconheceram a gravidade da crise.
É um erro grave. Você não pode ter apenas uma solução nacional para essa crise, deve ser global e atingir as fontes
da crise, que são frutos da globalização e estão enraizadas em todos os lugares”. Em meio a esses diagnósticos
pessimistas, ele apontou o que considera uma boa notícia. “Obama já provou que é muito diferente de Bush e que
é um líder muito mais internacional que os outros”. Os próximos lances do processo de crise, destacou, se darão
no âmbito da reunião do G20, no próximo dia dois de abril. “O processo do G20 começou muito mal, produziu
bons discursos de intenção que logo viraram promessas violadas (como as promessas feitas por vários países de
não adotar medidas protecionistas). A partir de agora é necessário agir de acordo com as palavras e esse é o novo
processo que o G20 vai ter que encarar”.
Na sua avaliação, os principais desafios que devem ser enfrentados pelos países reunidos no G20 são os seguintes:
“Antes de mais nada, é preciso sanear o sistema bancário, que é o coração do sistema financeiro e está mal, como
um coração que consome muita gordura. Mesmo depois de um ataque cardíaco, ainda precisamos sanear o coração
porque não podemos viver sem ele. Precisamos substituir os bancos zumbis por bancos comunitários e outras
formas de crédito solidário. A partir daí, entregar um código de conduta aos bancos, para que as veias deste coração
não fiquem mais entupidas e livrem-se de maus hábitos circulatórios como a especulação”.
Além disso, propôs uma série de medidas de médio prazo. “Temos que ir mais fundo em fixar um sistema
monetário internacional. A partir de agora, vai haver uma fragmentação monetária entre três blocos: América,
Europa e Ásia. Isso é perigoso porque não podemos manter o sistema monetário mundial baseado no dólar, isso
vai continuar a desestabilizar a economia”. O problema fundamental a ser equacionado aí, defendeu, está ligado ao
fato de que temos um sistema monetário baseado em moedas nacionais, principalmente o dólar. A questão toda
hoje é definir como o dólar chegará ao resto do mundo. Os EUA têm esse privilégio, mas está preste a perdê-lo,
advertiu. Para enfrentar esse problema, Guttmann defendeu duas iniciativas: um novo sistema de flutuação de
câmbio, limitado a uma certa faixa (target zones); adoção da proposta de uma “cesta de moedas” - direitos especiais
de saques (DES) -, apresentada embrionariamente pelo FMI, em 1968, para atenuar problemas de desequilíbrios
de pagamentos entre países.
E, no longo prazo, defendeu mudanças ainda mais radicais:
“A crise é um bom momento para que modifiquemos todos os padrões para padrões de crescimento sustentáveis,
que pensem o crescimento de forma pública, que ajudem a modificar as fontes de energia, que acabem com a crise
alimentar e demográfica e com os problemas ambientais do mundo. Um grande padrão sem fins lucrativos que
mude as diretrizes do sistema monetário internacional”.
Luiz Fernando Rodrigues de Paula
Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Velocidade da crise exige rapidez nas decisões
Último palestrante da Mesa, Luiz Fernando Rodrigues de Paula, professor da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro e vice-presidente da Associação Pós-Keynesiana Brasileira, chamou a atenção para a velocidade da
crise e para a importância de tomar decisões rápidas no momento certo. Analisando a natureza e a origem da
atual crise, observou que o processo de securitização no sistema financeiro internacional acabou, ao contrário
do que supostamente pretendia, mascarando e escondendo riscos. Agora, alertou, a ameaça de depressão exige
a firme atuação dos bancos centrais como emprestadores de última instância (”Big Central Bank”) e a adoção de
políticas fiscais anticíclicas (”Big Government”). “Avalio que a resposta do governo brasileiro está um pouco lenta,
principalmente na demora da redução dos juros e na dificuldade em deslanchar os investimentos públicos”.
Reforçando diagnósticos feitos anteriormente, o economista apontou algumas vantagens dos países em desenvolvimento
no enfrentamento da crise. Vários países apresentam superávit nas transações correntes e possuem elevados níveis de
reservas, como é o caso do Brasil. Em segundo lugar, ao contrário do que ocorreu nos anos 90 do século passado, adotaram
regimes cambiais flexíveis. Não há hoje, na maioria destes países, crises cambiais como as que ocorreram na década de 1990
(com exceção dos países do Leste Europeu). Além disso, não houve até aqui um contágio financeiro direto na economia
destes países, em boa parte porque seus mercados de títulos são, em geral, ainda pouco desenvolvidos.
No caso do Brasil, além das variáveis citadas acima, conta positivamente também a existência de uma poupança
predominantemente doméstica e de bancos públicos capazes de alavancar políticas de desenvolvimento. Isso não
quer dizer, ressaltou, que o país está imune aos efeitos mais pesados da crise. O impacto da crise no Brasil está ligado,
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entre outros fatores, à dificuldade de acesso a fundos externos e à saída de capitais de não-residentes, compondo um
cenário de crise de confiança e de crédito. E é aí, advertiu, que o governo brasileiro não pode hesitar, demorando a
fazer o que precisa ser feito: reduzir os juros e fazer deslanchar os investimentos públicos.
Destaque da fala do relator
O relator da Mesa, Antônio Neto, Conselheiro do CDES e Presidente da Central Geral dos Trabalhadores do
Brasil (CGTB), destacou algumas lições a serem tiradas do debate. Entre elas, assinalou: a falta de leis e normas
é anti-social; e o Estado regula as relações entre os seres dentro de um ecossistema, no qual é necessário o
equilíbrio, para que o meio não seja prejudicado ou que o ecossistema venha a se extinguir.
Ao comentar esses pontos, Antonio Neto citou o filósofo Jean-Jacques Rousseau: “o vínculo social é formado
pelo que há de comum nesses diferentes interesses e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses
concordam, nenhuma sociedade poderia existir”. E enfatizou: “O Estado e as leis, portanto, nos libertaram
das hordas primitivas. O “livre mercado” e o “livre comércio” nos tornaram prisioneiros e vítimas do capital
financeiro especulativo, da sanha dos monopólios externos e internos. Os interesses monopolistas são contrários
aos interesses dos povos. Os interesses do capital especulativo são contrários aos interesses do capital produtivo.
A ação indiscriminada e sem controle destes dois vírus levará milhões de pessoas à morte por inanição. Por
isso, somente uma regulação que vá além de medidas keynesianas, como afirmou Marcio Pochmann, libertará
a humanidade desta crise, que nos trouxe uma certeza: a necessidade de se caminhar no caminho inverso das
políticas neoliberais até hoje implementadas.
Neste sentido, destacou ainda, um pré-requisito fundamental é descartar de vez quaisquer ilusões sobre o
“livre mercado” e o “livre comércio”, restabelecendo o poder dos Estados nacionais, sua capacidade e poder
de regulação sobre a entrada e saída de capitais, sobre o custo do dinheiro e na taxação dos mais ricos para
financiar as obras de modernização e infraestrutura, fundamentais nos países em desenvolvimento. A partir
dessas avaliações, Antônio Neto sugeriu a implementação de medidas tais como: centralização do mercado de
câmbio assumindo o Estado controle sobre o dinheiro especulativo que ingressa no país; controle da remessa de
lucros para o exterior; redução significativa da taxa de juros; criação de um fundo estratégico de investimentos
em projetos de infraestrutura de energia, logística e no pré-sal; aprovação de leis que impeçam a demissão
imotivada dos trabalhadores, a exemplo da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Comentários
O comércio e a normalização do crédito
A situação do fluxo de crédito neste período de crise foi um dos temas levantados pelos comentaristas desta
mesa. Humberto Mota, Conselheiro do CDES, observou que o comércio ainda não sente a normalização do fluxo
de crédito. “Atuo no comércio de consumo diário e também no de equipamentos pesados. O crédito direto, o
crédito consignado e os cartões de crédito continuam com taxas de juros completamente inibidoras do consumo.
Cartão de crédito com taxas de mais de 10% ao mês é algo absurdo”, exemplificou.
Para Mota, o mercado tem condições de reagir, como mostrou o setor de automóveis. “Quando houve crédito
e juros razoáveis, nos meses de janeiro e fevereiro, o mercado reagiu. Nos demais setores, têm havido quedas
acentuadas. As vendas em dezembro não foram boas e nos dois meses seguintes foram muito ruins”. Diante deste
cenário, o empresário deixou um questionamento: com o crédito consignado apresentando taxas juros tão altos
(nos contratos já assinados) e com a queda recente dos juros, não poderemos ter uma crise dos consignados?
“O Fórum Social Mundial estava certo”
Ao comentar as conferências desta mesa, Nair Goulart, Conselheira do CDES, presidente da Força Sindical
– Bahia e vice-presidente da Federação Internacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (FITM), recordou que o
movimento sindical e o movimento social vinham alertando há muitos anos que esse modelo de globalização
baseada no capital financeiro não ia dar certo. “Quando começamos a dizer isso, no Fórum Social Mundial (FSM),
fomos taxados de jurássicos e de esquerda retórica”, lembrou. Goulart recordou ainda que o presidente Lula foi um
dos únicos líderes mundiais a ir ao Fórum de Davos levando propostas do FSM.
O que é mais importante agora, ressaltou, é ter em mente que a crise atual é mais do que uma crise de cassino,
apresentando graves conseqüências nos campos produtivo, alimentar e ambiental. Nair Goulart sugeriu que o
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momento é propício a iniciativas ousadas e que o novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, poderia dar
o exemplo, assinando o Protocolo de Kyoto. “Mantemos nossa crítica a esse modelo que tinha como um de seus
eixos centrais um comércio injusto, gerador de desigualdades entre os países e dentro dos próprios países”, concluiu.
“Desejo de globalização não pode ser contido”
Fazendo outra inflexão, Alcides Leite Junior, inspetor analista do Banco Central, fez uma defesa do fenômeno
da globalização. “O desejo de globalização não pode ser contido. Ele faz parte da natureza humana. Sempre que
se buscou, ao longo da história, impor sistemas que contrariam essa natureza, esses sistemas não se sustentaram”,
defendeu. Enfatizando que o fenômeno da globalização sempre existiu, Alcides Leite citou o livro “O Mundo é
Plano”, de Thomas Friedman, segundo o qual, apenas na era moderna, houve três ondas de globalização: as grandes
descobertas no século XVI, a Revolução Industrial no final do século XVIII, início do século XIX, e a atual onda
gerada pelo desenvolvimento da informática.
Baseado neste modelo, sustentou que toda vez que há mudança de paradigma ocorrem crises como a que
estamos vivenciando hoje. Essas crises, defendeu ainda, ocorrem porque cria-se uma defasagem entre os setores
que absorvem mais rapidamente as novas tecnologias e aqueles setores que demoram mais a absorvê-las. “Estamos
vivendo um descompasso entre a globalização financeira, a globalização comercial e a globalização institucional
que estaria mais atrasada do que as demais”, resumiu.
Uma outra relação entre riqueza e renda
Já o Conselheiro Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do DIEESE, chamou a atenção para a tarefa central do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: atualizar uma agenda estratégica para o desenvolvimento do
Brasil. Neste contexto, destacou a primeira diretriz que orienta esse trabalho, uma diretriz que trata da desigualdade.
Ganz Lucio lembrou um gráfico apresentado pelo economista Octávio de Barros, que tratava da relação entre
riqueza e renda nos Estados Unidos, nos últimos dez anos. “Temos que olhar para isso com muito cuidado, inclusive
na sua relação com a crise atual”, defendeu. E explicitou, assim, sua preocupação:
“Identificamos na nossa agenda que a questão distributiva é fundamental. Constituindo-se em um componente
estruturante de uma estratégia de desenvolvimento. E o sistema financeiro, neste caso, atua contra essa estratégia
de desenvolvimento. Quando falamos da necessidade de regulação desse sistema, hoje, devemos falar de uma
regulação que seja tal que estabeleça uma outra relação entre riqueza e renda. Não é possível produzir riqueza sem
distribuição de renda. A conseqüência de fazer isso é a crise que estamos observando agora”.
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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Mesa de Diálogo: Novo papel das instituições
financeiras multilaterais
Coordenador: Artur Henrique da Silva Santos - Conselheiro do CDES
Relator: Murillo de Aragão - Conselheiro do CDES
Palestrantes:
1. Otaviano Canuto – ex-Vice Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e futuro Vice
Presidente do Banco Mundial (BIRD)
2. Paulo Nogueira Baptista Jr. –Diretor Executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), representando o Brasil,
Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad & Tobago
3. Rogério Studart – Diretor Executivo do Banco Mundial (BIRD) para o Brasil, Colômbia, República Dominicana,
Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname, e Trinidad & Tobago
Comentários:
 Bruno Ribeiro - Conselheiro do CDES
 Dom Demétrio Valentini - Conselheiro do CDES
 Joseph Couri - Conselheiro do CDES
Artur Henrique da Silva Santos
Conselheiro do CDES
Na abertura da última Mesa do Seminário, o Conselheiro Artur Henrique da Silva Santos, coordenador da Mesa
e presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), fez uma provocação aos palestrantes e debatedores, ao
defender a necessidade de democratizar não apenas as instituições financeiras multilaterais, mas também órgãos
brasileiros como o Conselho Monetário Nacional (CMN). Além disso, propôs a inclusão de outras metas nos critérios
de avaliação dessas instituições, como metas de crescimento, de emprego, de respeito aos direitos sociais e trabalhistas.
E sugeriu a inclusão das seguintes questões na pauta de discussão das referidas instituições:
1. Há sentido na hipótese de que as instituições multilaterais migrem da provisão emergencial de liquidez a países
com desequilíbrios no balanço de pagamentos para um papel sistêmico mais relevante, de caráter estabilizador?
Em caso positivo, quais são os requerimentos, de recursos ou de natureza institucional, para que isso ocorra?
2. Existem possibilidades reais para os países emergentes assumirem um papel mais efetivo nas decisões das
instituições financeiras multilaterais? Quais os indícios de que o poder de decisão será ampliado para a
incorporação de países como Brasil, China, Índia, Rússia, México, África do Sul etc?
3. Por que as instituições financeiras multilaterais não têm assumido uma postura mais ativa na crise? Isso se
explica simplesmente porque a crise foi detonada pelos países mais ricos? Ou essas instituições estão vivenciando
uma crise de identidade em decorrência de que seus paradigmas teóricos não terem sido capazes de evidenciar
o surgimento da crise e, muito menos de conceber ferramentas e instrumentos para solucioná-la?
4. Não é necessário que existam discussões mais amplas e menos ideologizadas a respeito de caminhos e
alternativas para proteger países, trabalhadores e pessoas mais pobres dos efeitos danosos da crise?
5. Olhando a partir do epicentro da crise, como os senhores avaliam a situação brasileira e os desafios para o futuro
de forma a subsidiar este Conselho no que se refere à atualização da Agenda Nacional de Desenvolvimento?
Otaviano Canuto
ex-Vice Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e futuro Vice Presidente do Banco Mundial
(BIRD)
Investimentos em infraestrutura e energias limpas
Primeiro a falar, Otaviano Canuto, até recentemente representante brasileiro no Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e hoje Vice-Presidente do Banco Mundial, destacou que a atual crise não é produtiva, mas
sim de consumo. Segundo ele, a crise expressa a exaustão de dois elementos: de uma máquina geradora de liquidez
e alto grau de exposição a risco que se construiu a partir do processo de desregulamentação, e de um processo
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competitivo que andou num ritmo onde a geração de liquidez superou em muito a geração de riqueza real. Essa
máquina de liquidez, acrescentou, ao gerar uma altíssima alavancagem nos países centrais (em especial nos Estados
Unidos) a partir de uma profunda desregulamentação do sistema financeiro, fez com que o resto do mundo voltasse
suas economias para a satisfação desse mercado consumidor baseado em endividamento crescente. O funcionamento
dessa máquina acabou contaminando a estrutura patrimonial em geral. A grande bolha global alimentada entre 2003
e 2008 acabou gerando um falso enriquecimento patrimonial das famílias nos EUA. Essa ilusão foi desfeita agora de
um modo dramático.
Um drama que está longe de terminar, advertiu Canuto. “Após atravessar uma fase de deflação de ativos, estamos
vendo agora a interação de variáveis reais e financeiras. O reflexo negativo desse desmonte atinge todas as estruturas
produtivas relacionadas com o mercado norte-americano”. E não haverá retorno à normalidade, acrescentou: “É uma
ilusão acreditar que os problemas financeiros são problemas de liquidez. Ou seja, para enfrentar a crise, não basta o
governo comprar títulos podres e retirá-los dos bancos”. Diante desse quadro, disse ainda Canuto, uma das possibilidades
de retomada da economia global depende do consumo de setores médios dos países emergentes e de investimentos em
áreas como energia limpa e infraestrutura nestes países.
Sobre o papel das agências reguladoras nesse processo, Canuto lembrou inicialmente que elas são bancos que captam
recursos, fazem sua intermediação e emprestam para investimentos considerados estratégicos. No entanto, observou,
a parcela de capital destes bancos que é integralizada é muito pequena (algo em torno de 4,5%). É da natureza destes
bancos, portanto, que sejam seletivos, apostando em projetos que tenham um efetivo impacto de desenvolvimento. Hoje,
mais do que nunca, acrescentou, esses bancos têm uma função similar à do beija-flor: a polinização de conhecimento.
“Antigamente, tratava-se de um papel mais modesto, com menos oferta de capital também. A crise mudou muito isso
e a demanda dessas agências deve subir enormemente”. O atendimento a esse crescimento de demanda, disse Canuto,
depende fundamentalmente da recapitalização das agências multilaterais. “Pode-se fazer muito para aumentar a voz das
economias emergentes, mas é preciso ter claro que mais voz implica mais aporte de recursos”.
Outro problema a ser enfrentado, assinalou ainda, é que todas as agências precisam que o FMI aumente sua capacidade
de atuação, uma vez que a demanda por liquidez é enorme por parte das economias emergentes. E falar do aumento da
capacidade de atuação do FMI implica falar, entre outras coisas, de uma nova rodada de direitos especiais de saque (SDRs
em inglês) e de novas rodadas de capitalização. Esses desafios exigirão um trabalho de longo prazo, salientou Canuto,
utilizando uma metáfora olímpica: “A crise que estamos enfrentando não é uma corrida de 100 metros, mas sim uma
maratona que exige preparação de maratonista”.
Canuto e, mais tarde, Paulo Nogueira Batista, citaram o relatório Stern britânico como um possível caminho para
resolver os problemas atuais. Esse relatório sugere a reordenação do parque industrial mundial na direção de investimentos
em energias limpas e sustentáveis. Além de uma inadiável demanda ambiental, seria também uma oportunidade
econômica. Outro caminho apontado por Canuto, citando o economista chinês Justin Yifu Lin, é evitar a construção
de infraestruturas redundantes, principalmente no Japão e Europa, apenas para atender a demanda de enxugamento
da liquidez. Seria mais proveitoso para os próprios países ricos, defendeu, criarem fundos, ou capitalizarem as agências
multilaterais de fomento, para a criação de infraestrutura útil nos países em desenvolvimento.
Rogério Studart
Diretor Executivo do Banco Mundial (BIRD) para o Brasil, Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti,
Panamá, Filipinas, Suriname, e Trinidad & Tobago
O mundo precisa mais do que nunca das agências multilaterais
A necessidade de fortalecer o papel das agências multilaterais foi reforçada por Rogério Studart, representante
do Brasil e de outros oito países no Conselho de Administração do Banco Mundial. Segundo ele, dada a natureza
e a dimensão da crise, o mundo precisa mais do que nunca dessas agências. Essa crise, para Studart, é o auge
de um processo de três crises sobrepostas: crise de desenvolvimento, de crescimento abusivo do consumo e
de insustentabilidade ambiental. “Nas últimas três décadas, tivemos um grande retrocesso na agenda de
desenvolvimento, que passou a ser um subproduto do comércio e do sistema financeiro. Isso foi agravado pelo
crescimento abusivo do consumo. É insustentável um modelo onde mais de 25% do consumo de energia de todo
planeta esteja concentrado em um país (EUA) que tem 5% da população mundial. A crise ambiental é reflexo desse
modelo altamente consumista. O mundo já era insustentável antes de se tornar financeiramente insustentável”.
O alto consumo nos EUA acabou provocando um alto endividamento das famílias e um conseqüente desequilíbrio
macroeconômico. Países como China, Índia e Brasil, observou ainda Studart, tiveram o papel de saciar um mercado
insaciável, até que esse desequilíbrio se tornasse insustentável. Estourada a bolha de crédito, não há mais quem
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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possa consumir esta capacidade produtiva, o que, de qualquer modo, seria imprudente, considerando a extensão da
crise ambiental associada à superprodução. Ou seja, a articulação das três crises já estava aí, demandando soluções
globais e cooperação internacional.
O atendimento dessas demandas esbarra em um grande problema, assinalou Studart. A atual institucionalidade
é totalmente inadequada para os problemas atuais. A estrutura acionária favorece os interesses dos países mais
ricos. E as ofertas de recursos continuam acompanhadas pela imposição de condicionalidades que não favorecem
o desenvolvimento dos países mais pobres. A atual ordem econômica, lembrou, foi desenhada para refletir e manter
as relações de poder do fim da Segunda Grande Guerra, o que inclui os mecanismos de funcionamento dessas
instituições. Mas o mundo mudou e os problemas são outros. Para os novos problemas globais, concluiu, precisamos
de instituições verdadeiramente globais com perspectivas globais, o que exige profundas mudanças. E acrescentou:
“Não sejamos realistas. Não se constrói futuro sendo realista. O realismo tende a repetir padrões do passado”.
Paulo Nogueira Baptista Jr.
Diretor Executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI), representando o Brasil, Colômbia, Equador, Guiana,
Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad & Tobago
Aspectos da democracia interna no FMI
Representante do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr. concordou com Studart. “O realismo, às vezes, é
utilizado pare encobrir conformismo. E este é um péssimo momento para ser conformista. Temos oportunidades que
não podem ser desperdiçadas. Há propostas que há seis meses eram consideradas românticas e hoje são realistas”. Uma
das oportunidades mencionadas por Nogueira Batista reside no fato do enfraquecimento político, moral e econômico
das velhas potências, responsáveis centrais pela crise. A nova fase do G20, com a ampliação de espaço para os países
em desenvolvimento, já é um reflexo desse enfraquecimento. Isso não significa, porém, facilidades no desafio de
democratizar essas instituições. O representante brasileiro no FMI detalhou a situação da democracia interna no órgão.
Os 185 países membros do FMI não têm o mesmo poder de voto. Os EUA e a União Européia possuem quase a
metade dos votos da instituição e muitas decisões exigem uma maioria de 85% dos votos. Como os EUA têm 17%
dos votos, são o único país com poder para bloquear decisões. O Brasil, junto com outros países emergentes, tem
aproveitado a crise das potências centrais para conseguir algumas mudanças, ainda insuficientes. Em abril de 2008,
reformas alteraram em 3% para mais a fatia dos emergentes no poder de voto, mas a resistência dos EUA e Europa
às mudanças pôde ser vista em seguida, quando foi mantido o arranjo pelo qual o diretor-gerente do FMI é sempre
um europeu (hoje o francês Dominique Strauss-Khan) e o presidente do Bird é sempre um americano (hoje Robert
Zoellick). A Europa, em especial, explicou Nogueira Batista, resiste à idéia de dar mais poder aos emergentes; os EUA
também o faziam até agora, mas há sinais positivos, segundo ele, vindos do governo Obama.
Uma outra pequena vitória ocorreu no Comitê de Ministros do FMI, que se reúne semanalmente para orientar a
diretoria e funciona por consenso e não por voto de maioria. Paulo Nogueira Batista Jr. citou um exemplo do que pode
ser feito neste espaço. Quando a Argentina estava renegociando sua dívida externa, os países credores queriam condenar
o país, mas o então ministro Lavagna conseguiu sozinho, sem apoio do Brasil inclusive, bloquear a iniciativa. Agora,
pela primeira vez, a presidência desse comitê ficará nas mãos de um país em desenvolvimento, o Egito. “Estávamos
neste processo quando desabou a crise. Agora, estamos debatendo reformas muito significativas nos instrumentos de
empréstimos. Essa crise criou uma oportunidade para que haja uma substituição permanente do G7 pelo G20 como
instância de debates dos problemas globais. E criou uma oportunidade também para fixarmos uma data para revisar a
estrutura de decisão do FMI. A idéia é modificar a estrutura da diretoria, reduzindo o número de cadeiras européias”,
explicou.
Destaque da fala do relator
Não é só nas instituições de Bretton Woods que o Brasil deve se juntar a outros emergentes para enfrentar o
poderio de EUA e União Européia, que o relator da Mesa, Murillo de Aragão, Conselheiro do CDES e presidente da
Arko Advice Pesquisas, descreveu como uma versão global da política do café com leite. O espaço do G20 passa a ser
estratégico em toda luta pela democratização das instituições financeiras multilaterais. “Infelizmente, essas agências
não conseguiram evitar a crise, o que, por si só, já justifica a sua reforma”, comentou Aragão.
Na avaliação do conselheiro Murillo de Aragão, a existência das instituições multilaterais não impediu a crise,
revelando que elas não tinham o poder de evitá-la. “Por si esse argumento justifica o redesenho da arquitetura das
\ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ \ O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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instituições”, completou o conselheiro lembrando que “em todos os momentos de grande crise elas tiveram papel
relevante. Elas serão relevantes na questão da liquidez, na regulação e na retomada da confiança, na assessoria e
apoio técnico e integração dos bancos de desenvolvimentos regionais e como indutores de uma nova governança
global e promotores de uma economia mais comprometida com desenvolvimento social e ambiental”.
O conselheiro apontou, ainda, alguns aspectos consensuais nas palestras: 1) exaustão do modelo anterior das
instituições multilaterais; 2) importância da questão ambiental na reconstrução da ordem econômica mundial;
3) necessidade de se fortalecer e redesenhar as instituições multilaterais, por meio de recapitalização; 4) países
devem ter bons projetos e, no caso brasileiro, a vantagem é o PAC; 5) ampliação do papel do Brasil nas instituições
para evitar o risco da bilateralidade, ampliando o poder dos países ricos; 6) revisão da questão do revezamento do
comando das instituições por Europa e Estados Unidos.
Finalmente, o conselheiro, ressaltou que é fundamental para o Brasil ter uma atuação mais evidente nessa nova
arquitetura e para isso é necessário ter fundamentos econômicos sólidos. “Temos que dar o bom exemplo interno
para influenciar e levar nosso modelo de desenvolvimento econômico com justiça social para o mundo”.
Comentários
Crise ambiental e crise econômica
Após a fala do relator, o Conselheiro do CDES, Bruno Ribeiro fez algumas considerações sobre a natureza da
crise. “O mundo vive atualmente não apenas uma, mas duas grandes crises de cuja superação dependem a qualidade
de vida e a própria vida no planeta: a Crise Ambiental e a Crise Econômica“, destacou. Algumas características são
comuns às duas crises: i) origem nas economias desenvolvidas; ii) efeitos mais duros sobre os países e sobre os povos
que não especularam e que emitem menos gases poluentes. Elencou, em seguida, como causa comum das crises,
a irracionalidade nos padrões de consumo, de acesso ao crédito e de uso da energia”. E completou: “A emissão de
gases nas fábricas e automóveis, bem como a bolha imobiliária americana e o colapso do sistema financeiro privado
não são causas, mas efeitos dessa irracionalidade nos padrões de consumo e de crédito (exemplos: o endividamento
das famílias americanas é de 17,5 trilhões de dólares, equivalente à soma dos PIBs norte-americano e alemão. E a
média é de 13 cartões de crédito por família norte-americana). A realidade aponta para a conclusão de que “a era
das crises tem fortes traços de unilateralismo, pois elas foram originadas nas nações ricas, indo do centro para a
periferia. Nas fases de prosperidade, também, predominou o unilateralismo, só que em sentido inverso ao da crise,
com a apropriação centralizada dos ganhos e da renda/riqueza produzida em todo o Mundo”.
Quanto ao tema dos papéis e desafios que se colocam para as instituições multilaterais, o Conselheiro salientou que
as principais delas foram criadas no final da 2ª Guerra Mundial. Com fortes traços de desigualdade (a ONU tem 192
países soberanos e apenas 5 têm poder de veto, por exemplo). Nos 45 anos seguintes, observou ainda, a atuação dessas
instituições multilaterais foi fortemente influenciada pelo quadro bipolarizado da guerra fria. E nos anos recentes foram
limitadas pelo unilateralismo do governo Bush. O mundo mudou bastante e elas não se atualizaram. Não tiveram uma
atuação visível antes da explosão da crise econômica e ainda não se percebe qualquer ação importante nessa fase posterior,
apesar da previsibilidade de ambas as crises (o economista Nouriel Roubini previu todas as fases da crise econômica numa
palestra no auditório do FMI, mais de um ano antes). Essa inação, avaliou o Conselheiro, se deu apesar do fato de uma das
principais missões estatutárias do FMI ser, exatamente, a de “monitorar e regular o sistema financeiro internacional”. O
Bird, por sua vez, tem como missão a redução da pobreza no mundo e ainda não começou a atuar para mitigar os efeitos
empobrecedores da crise mundial.
Na visão de Bruno Ribeiro, “a normalidade na economia global e a retomada do crescimento não dependem
apenas do reaquecimento do crédito, que certamente não retornará aos níveis de irracionalidade da fase anterior à
crise. Sobretudo dependem da distribuição da renda entre países e dentro destes entre as pessoas. Como reflexão
para os demais participantes do seminário, deixou as seguintes indagações provocativas:
1. É adequado que o dólar permaneça como padrão monetário? Considerando que o padrão dólar foi fixado
no pós-guerra quando a economia norte-americana tinha um papel central na recuperação econômica, vai
continuar quando agora a economia americana é o principal foco irradiador da crise?
2. Como ter uma atuação verdadeiramente multilateral sem autonomia e sem uma fonte de recursos que
fortaleça a independência? (considerando a elevada dependência das instituições multilaterais quanto aos
aportes de capital americano e considerando que quem aporta recursos define a agenda de prioridades)”.
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É preciso civilizar o dinheiro
Outro Conselheiro, Dom Luiz Demétrio Valentim, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi além e defendeu
não apenas a reforma destas instituições, mas a sua refundação, a partir das seguintes constatações:
i) A atual crise mundial desfez em frangalhos o mito da auto regulação do mercado financeiro. Os países
atingidos mais fortemente pela crise, estão apelando para a intervenção massiva do setor público nos
mercados financeiros;
ii) a crise atinge os países centrais do sistema capitalista, e vai sendo inexoravelmente passada a todos. Isto
exige a busca de soluções globalizadas;
iii) hoje já não é mais suficiente, e seria ilusória, uma soberania nacional que não esteja ancorada em sólido
sistema de acordos, regras, e instituições internacionais;
iv) é urgente evitar distorções perversas, que produzem injustiças disfarçadas de legalidade, levando ao paradoxo
atual: os pobres do Sul continuam financiando os ricos do norte, via fuga de capitais, ou via constituição de
reservas financeiras aplicadas nos mercados seguros do norte.
Baseado nestes diagnósticos, Dom Demétrio Valentim apresentou as seguintes propostas:
-
é urgente uma refundação do sistema de todo o sistema de instituições econômicas e financeiras
internacionais. “É preciso encontrar novas formas de coordenação internacional em matéria monetária,
financeira e comercial.
-
é necessário evitar que se inicie a cadeia de protecionismos. Ao contrário, é preciso ir construindo práticas
de cooperação em matéria de transparência e vigilância do sistema financeiro.
-
é urgente acabar com todos os “paraísos fiscais”, que significam o descompromisso ético das finanças, e
estimulam a irresponsabilidade dos agentes financeiros.
-
é importante recomendar que na reunião do G20 o Brasil tome a iniciativa de urgir um novo sistema
financeiro mundial, que conte com claros mecanismos de monitoramento e de controle dos seus
procedimentos, e que seja colocado a serviço do desenvolvimento sustentável, justo e equitativo de todos
os países.
Na passagem do milênio, assinalou por fim, a Igreja na Suíça, país de refúgio de grandes somas financeiras,
propôs uma campanha que a crise atual torna ainda mais urgente. Ela propunha “civiliser l’argent”. Trata-se,
sim, de “civilizar o dinheiro” pois na medida em que ele permanece como instrumento de especulação continua
bárbaro e em descompasso com a consciência de cidadania universal que hoje se impõe. Cabe às novas instituições
financeiras, a serem organizadas à luz da experiência da atual crise mundial, “civilizar o dinheiro”, tornando-o fator
de um novo paradigma de desenvolvimento mundial.
Assim o dinheiro, que carrega o estigma da advertência de Cristo – “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”,
poderá recuperar sua verdadeira finalidade, de instrumento ágil e eficaz a serviço da socialização da economia
mundial, que também precisa recuperar sua civilidade, colocando-se a serviço da vida neste planeta que habitamos.
“Não é mais possível conviver com essa distorção que faz com que os pobres do Sul sigam pagando as contas dos
ricos do Norte”, defendeu.
A panela de pressão explodiu. E agora?
Presidente da Associação Nacional de Sindicatos das Micros e Pequenas Indústrias (ASSIMPI), o Conselheiro
Joseph Coury utilizou uma metáfora culinária para falar da crise. “Na semana passada descobri que sou um péssimo
cozinheiro. Coloquei feijão na panela de pressão e ela acabou explodindo, jogando o feijão todo para o teto e para as
paredes. A panela de pressão explodiu. E agora? Acho que dá para pensar a crise mundial a partir dessa situação”. Ao
falar sobre os mecanismos e escolhas que fizeram a panela de pressão da economia explodir, Coury chamou a atenção
para o fato de o Brasil ter adotado um caminho próprio.
“Tudo aquilo que disseram que o Brasil deveria fazer, o Brasil fez ao seu modo, não fazendo tudo o que diziam
que deveríamos fazer. Ainda bem que não fez. Aí está o resultado. Hoje, segundo disse a revista The Economist, o
Brasil é um dos cinco países do mundo que deve crescer em 2009”. Diante deste quadro, acrescentou, um dos grandes
desafios que temos agora é: como as instituições multilaterais levarão essa mensagem do Brasil para o resto do
mundo? “Devemos ter clareza sobre aquilo que fizemos certo e o que fizemos de certo está sendo dito pelo presidente
Lula. Devemos falar claramente sobre a importância das políticas sociais implementadas pelo governo brasileiro,
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sobre a importância do PAC e dos demais investimentos públicos, dos nossos bancos públicos e das parcerias do setor
público com nossos bancos privados”.
A partir destes avanços, Coury indagou ainda: será que não está na hora de conduzirmos um processo ao
invés de ser conduzido por ele? Será que não está na hora de nossos representantes nas instituições multilaterais
deixarem claro nosso recado, falar sobre o que está acontecendo no Brasil, com nossos acertos e erros, que faz com
que sejamos um dos únicos países do mundo com expectativa de crescimento em meio à crise. “O que devemos
ter em mente na hora de definirmos nossas políticas é que o Brasil é apontado hoje como uma das poucas ilhas de
prosperidade no mundo. Precisamos preservar o que temos e valorizar o Brasil. Todos os cenários apontam que
o país deve crescer este ano, pouco, mas crescer. Os mais pessimistas falam em um crescimento de 0,6%. Isso é
maravilhoso se levarmos em conta que a economia dos outros países está encolhendo. Teremos dificuldades sim,
mas estamos melhor do que a maioria dos outros países”, concluiu.
Brasil precisa aumentar sua força nas instituições multilaterais
O embaixador José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri),
chamou a atenção para qual tem sido a política do governo brasileiro em relação aos organismos financeiros
multilaterais, especialmente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, criados em 1944 por Bretton
Woods. “O Brasil sempre entendeu essas instituições como fornecedoras de recursos para o desenvolvimento – no
caso do Banco Mundial – ou para socorro em situações de crise na balança de pagamentos – no caso do FMI.
Deste ponto de vista, o Brasil até que foi bem, pois o Banco Mundial sempre nos emprestou dinheiro e o FMI,
forçadamente ou não, também. Mas a contrapartida negativa disso foi que o Brasil nunca se preocupou em ocupar
suas posições dentro dessas instituições de maneira a se tornar mais forte de dentro para fora e não de fora para
dentro”.
O Brasil, pelo seu tamanho, acrescentou, sempre pesa nestas instituições. Mas a política de ocupação de espaços
disponíveis no staff dessas instituições sempre foi muito fraco, avaliou. “Especialmente neste momento de crise,
deveríamos desenvolver uma política de ocupar espaços em todos os níveis. Conhecer por dentro essas instituições
torna-nos muito mais fortes. Nos últimos anos, estava crescendo uma certa irrelevância do Banco Mundial e do
FMI. Hoje, com a crise, essa tendência está sendo revertida”.
Quando ao tema das condicionalidades impostas por tais instituições, o embaixador não se mostrou muito
otimista sobre uma mudança. “Todo mundo que vai ao médico, entende o que significam essas condicionalidades.
Quando você está doente e vai ao médico, ele indica um medicamento e um tratamento que normalmente não é
agradável. As condicionalidades têm esse caráter. Eu não compartilho o otimismo de que teremos mais facilidades
nesta área no futuro. A razão é simples. Está havendo uma estatização dos recursos bancários nos Estados Unidos
e em outros países. Os governos passam a ser donos do dinheiro. Isso não vai tornar mais fácil a negociação das
condicionalidades, pois elas passam a ter uma dimensão política muito maior. É justamente em função disso que
precisamos aumentar nossa força política no interior dessas instituições”, concluiu.
Novos desenhos para as instituições multilaterais
Professora titular do Departamento de Economia da UnB, Adriana Amado, destacou em sua intervenção a
ausência de algumas observações dos debatedores na análise do papel das instituições multilaterais neste momento
de crise. Ela observou que o diagnóstico passa todo pela noção de economia monetária de produção. “Segundo
essa noção, tem-se, no início, um casamento entre o real e o monetário, que tem um lado teórico (keynesiano)
muito bem definido. É uma noção central do pensamento de Keynes que o processo de acumulação capitalista
tem objetivos monetários. Portanto, a separação entre real e monetário não pode ser feita para compreender as
trajetórias de crescimento e desenvolvimento das economias capitalistas”.
Esse casamento, prosseguiu a economista, acontece ou voluntariamente ou por meio de imposições geradas
por crises. “Aparentemente, o descolamento que começa a acontecer entre a esfera financeira e a esfera real está
ganhando uma certa autonomia. Mas numa economia que tem a estabilidade com um marco definidor, isso faz com
que as convenções passem a ganhar peso, originando movimentos cíclicos relacionados à percepção dos agentes
econômicos sobre o que está acontecendo. Isso, porém, não tem um lastro muito bem definido porque os agentes
constroem a economia no momento em que tomam suas decisões. Quando se tem um rompimento desse sistema
de convenções, explode tudo, porque todo mundo passa a duvidar das bases que orientavam sua percepção”.
Neste contexto, defendeu Adriana Amado, ganha destaque a necessidade de termos instituições que estejam fora
do sistema e que não ajam de acordo com ele e suas regras. Quem desempenha esse papel é, fundamentalmente,
o Estado, e no contexto da atual crise global ganha caráter de necessidade também a existência de agências
coordenadoras supranacionais. “O que chamou a atenção neste debate foi à timidez, ou a realismo, das propostas
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O Debate sobre Desenvolvimento no CDES
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apresentadas para o funcionamento dessas instituições. Elas estão muito calcadas ainda em Keynes. De modo geral,
os debates sobre os novos desenhos das instituições multilaterais ainda está muito travado pela própria inércia
institucional destes organismos, problema agravado pela crise”, concluiu a professora da UnB.
Encerramento
José Múcio Monteiro
Ministro de Estado-Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República
“Os fracos não eram tão fracos, os fortes não eram tão fortes”
No encerramento do Seminário, o Ministro José Múcio Monteiro resumiu assim o conjunto de diagnósticos e
propostas de enfrentamento da crise, que encontraram uma alta dose de consenso durante os dois dias de debates:
“O inesperado fez uma surpresa ao mundo. Hoje vemos que os fracos não eram tão fracos e os fortes não eram tão
fortes. E, neste grave momento, os que eram considerados fracos são chamados para enfrentar a crise”.
Os desdobramentos da crise estão aí para mostrar que, na verdade, a fraqueza está do lado daqueles que viam
o Estado e a esfera pública como um estorvo tolerável apenas para assegurar algumas migalhas aos mais pobres; e
a força, mais do que nunca, aparece ao lado de quem acredita que a economia e os conceitos de crescimento e de
desenvolvimento devem servir à emancipação humana e não ao enriquecimento obsceno de alguns poucos autointitulados vencedores.
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O DEBATE SOBRE DESENVOLVIMENTO NO CDES
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