Primeira Seção MANDADO DE SEGURANÇA N. 19.084-DF (2012/0179183-9) Relator: Ministro Sérgio Kukina Impetrante: José do Nascimento Duarte Advogado: Gandhi Gouveia Belo da Silva e outro(s) Impetrado: Ministro de Estado da Defesa Impetrado: Comandante da Aeronáutica Interessado: União EMENTA Administrativo. Mandado de segurança. Impetração contra omissão do Ministro da Defesa e ato comissivo do Comandante da Aeronáutica. Improcedência. Denegação da ordem. 1. Não pode ser imputada omissão ao Ministro de Estado da Defesa que, julgando-se incompetente para decidir requerimento administrativo com conteúdo sobre o qual não lhe é dado deliberar, encaminha o feito à autoridade competente, dando disso ciência ao requerente. Tal agir está em consonância com os princípios da limitação da competência e de atuação da Administração Pública, insertos no artigo 37, caput, da Constituição Federal e nos arts. 11 e 47 da Lei n. 9.784/1999. 2. A motivação, a teor do que requer o art. 50 da Lei n. 9.784/1999, consiste na indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que autorizam a produção do ato administrativo. 3. Ao negar a pretensão, o Comandante da Aeronáutica, no estrito cumprimento da norma legal (art. 50, I, da Lei n. 9.784/1999), cuidou de apontar os fatos e os fundamentos jurídicos que impunham o indeferimento do pedido. Descabe, por isso, falar em decisão não fundamentada. 4. Entre os militares, o critério de antiguidade para promoção de graduados (praças) deve levar em conta o respectivo quadro. Descabe, por isso, alegar violação do direito de precedência tomando como paradigma a promoção de integrantes de quadro diverso. REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 5. A promoção de militar é, em regra, ato administrativo discricionário, como se pode inferir de seu próprio conceito e, como tal, sujeita-se à avaliação – até certo ponto subjetiva – da autoridade competente, que decidirá sobre a conveniência e oportunidade de sua efetivação. Se, por um lado, isto não significa que o comandante possa promover qualquer pessoa a qualquer tempo, sem observância dos critérios e limites regulamentares (pois discricionariedade não se confunde com arbitrariedade), é igualmente certo, de outra mão, que o militar que atenda às exigências para ser promovido não tem, só por isso, direito líquido e certo à desejada promoção, até porque sujeita-se, no mínimo, à existência de vaga. Precedentes. 6 - Segurança denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon. Brasília (DF), 13 de novembro de 2013 (data do julgamento). Ministro Sérgio Kukina, Relator DJe 20.11.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de mandado de segurança impetrado por José do Nascimento Duarte, militar reformado, no qual aponta como autoridades coatoras o Ministro de Estado da Defesa e o Comandante da Aeronáutica, aos quais atribui, como ato coator, o indeferimento ao requerimento apresentado pelo impetrante com o intuito de obter, pela via administrativa, promoção ao posto de Capitão. 32 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Alega que o indeferimento atacado foi produzido “sem nenhum fundamento jurídico plausível”, sendo este “o ponto nodal que impulsionou a pretensão e este mandamus, para requerer e coibir o ato de autoridade negadora de direito líquido e certo” (sic, fl. 7). Diz também que militam a favor de sua pretensão os fatos de que (i) sargentos do Quadro de músicos foram promovidos no prazo mínimo legal, enquanto o impetrante sempre recebeu promoções com base no prazo máximo e (ii), ainda que considerado o prazo máximo de sete anos entre uma promoção e outra, o requerente, porque ingressou em 1955, poderia ter alcançado o posto pretendido ainda em 1975. Diz, por fim, que outros pares obtiveram decisões judiciais favoráveis em pleitos semelhantes e que o pedido encaminhado ao Ministro de Estado da Defesa não foi formalmente respondido. Requer, por isso, a concessão da ordem para determinar sua promoção, com a fixação de novos proventos, bem como o pagamento de valores retroativos, respeitada a prescrição quinquenal. O Comandante da Aeronáutica prestou as informações de fls. 161 a 185, nas quais suscitou preliminar de prescrição da pretensão, com fundamento no Decreto n. 20.910/1932, pois, “sendo a promoção um ato administrativo de efeitos concretos (impugnável, portanto, de imediato), deveria o impetrante, ao se sentir prejudicado por não ter sido promovido anteriormente, ter ajuizado a ação pertinente dentro do lapso temporal de cinco anos, contados a partir da data de cada ato de provimento, sob pena de ver fulminada sua pretensão” (fl. 163). No mérito, disse faltar ao impetrante o direito líquido e certo à promoção, isto porque (i) a Administração “não é compelida, por qualquer dispositivo legal, a promover os seus graduados no interstício mínimo, devendo se pautar no fluxo de carreira desejado” (fl. 166); (ii) as promoções de militares “encontram-se condicionadas às limitações impostas na legislaçao e regulamentação específicas” (fl. 166), de modo que não há amparo legal para a concessão do pedido, (iii) além do que o ingresso no quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica (QOEA) requer, dentre outros requisitos, prévia aprovação no Estágio de Adaptação ao Oficialato (EAOF), curso que o impetrante não fez quando teve a oportunidade (fl. 173). O Ministro de Estado da Defesa, por sua vez, prestou os esclarecimentos às fls. 187 a 204, alegando (i) inépcia da petição inicial; (ii) ausência de interesse RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 33 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de agir; (iii) falta de indicação do ato violador do direito; e (iv) ilegitimidade passiva do Ministro de Estado da Defesa. O Ministério Público Federal, nos termos do parecer às fls. 207 a 210, manifestou-se pela declaração da prescrição da pretensão e, acaso superada a preliminar, pela denegação da ordem. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): O impetrante aponta como autoridades coatoras o Ministro de Estado da Defesa e o Comandante da Aeronáutica, atribuindo ao primeiro responsabilidade por omissão e, ao segundo, por ação, consubstanciada esta na edição de ato tido por ilegal. Cumpre, assim, analisar separadamente as imputações, de modo a deliberar, à luz de cada hipótese, pela procedência ou improcedência das respectivas alegações. 1. Da prescrição. Tenho que a preliminar de prescrição quinquenal, que foi suscitada pelo Comandante da Aeronáutica e pelo Ministério Público Federal, com fundamento no Decreto n. 20.910/1932, não merece acolhimento. Com efeito, a jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que as ações propostas com o intuito de obter revisão do ato de promoção estão sujeitas ao prazo de prescrição quinquenal, contado da data da respectiva publicação. Todavia, esta não é a hipótese dos autos, por duas razões. Primeiro porque ataca-se, formalmente, omissão do Ministro de Estado da Defesa – não sujeita à prescrição – e ato comissivo do Comandante da Aeronáutica, publicado no Diário Oficial de 14 de maio de 2012. Depois, o que o impetrante busca não é rever sua promoção, mas obter uma nova, a que julga ter direito. Por tudo isso, é certo que os contornos fáticos e jurídicos da presente demanda em nada se assemelham àqueles que deram origem aos precedentes mencionados pelo Comando da Aeronáutica, não havendo, pois, que se cogitar de prescrição. 34 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 2. Do ato omissivo atribuído ao Ministro de Estado da Defesa. Contra o Ministro de Estado da Defesa pesa, pela ótica do impetrante, a responsabilidade por omissão, pois não teria respondido formalmente ao requerimento administrativo que lhe fora encaminhado por advogado. No ponto, a questão foi posta na inicial nos seguintes termos: Cabe salientar que, o requerimento encaminhado ao Excelentíssimo Ministro de Estado da Defesa, ainda não foi respondido ao profissional do direito que assina esta peça, na conformidade da cópia autêntica do documento transcrito neste petitório. Apesar do noticiado no item precedente, em homenagem a verdade, o Comandante da Aeronáutica, como era de se esperar da digna Autoridade, respondeu o pleito, não ao advogado, mais sim, ao próprio requerente, o que, ao sentir do patrono do Impetrante, não afasta a responsabilidade do Ministro de Estado da Defesa em responder o requerimento formalmente. (sic, fl. 11). Todavia, é o próprio impetrante quem transcreve, à fl. 21, fac-símile do expediente assinado pelo Chefe de Gabinete do Ministro de Estado da Defesa e dirigido ao Sr. Mozart Gouveia Belo da Silva, patrono do impetrante e signatário do mencionado requerimento administrativo, de cujo teor se colhe: 1. Refiro-me no requerimento datado de 13 de março de 2012. encaminhado ao Exmo. Sr. Ministro de Estado da Defesa, por meio do qual V. Sª requer promoção do Suboficial R/R José do Nascimento Duarte a patente de Capitão da Aeronáutica, na Reserva Remunerada. 2. Levo ao conhecimento de V. Sª que, acatando orientação da Consultoria Jurídica deste Ministério e em conformidade com o disposto no parágrafo único do art. 59 da Lei n. 6.880/1980 e art. 4º da Lei Complementar n. 97/1999, o Processo n. 60000.004242/2012-46 foi encaminhado ao Comando da Aeronáutica. (fl. 21). Diante dessa prova, repita-se, juntada pelo próprio impetrante, resta evidente a improcedência da alegação de ilegalidade por omissão atribuída ao Ministro de Estado: o requerimento administrativo foi, sim, respondido. É bem verdade que, na hipótese dos autos, o resultado não foi o desejado pelo requerente, mas resposta desfavorável não é falta de resposta. Ao se declarar incompetente para apreciar o pedido que lhe fora encaminhado, “acatando orientação da Consultoria Jurídica (...) e em conformidade com o disposto no parágrafo único do art. 59. da Lei n. 6.880/1980 e art. 4o da Lei Complementar RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 35 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA n. 97/1999”, o Ministro da Defesa remeteu os autos à Autoridade competente e disso deu ciência ao interessado. Não pode ser imputada omissão ao Ministro de Estado que, julgando-se incompetente para decidir requerimento administrativo com conteúdo sobre o qual não lhe é dado deliberar, encaminha o feito à autoridade competente e cientifica ao requerente. Tal agir está em consonância com os princípios da limitação da competência e de atuação da Administração Pública, insertos nos artigos 37, caput, da Constituição Federal e 11 e 47 da Lei n. 9.784/1999. Confiram-se: Constituição Federal Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999: Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos. Art. 47. O órgão de instrução que não for competente para emitir a decisão final elaborará relatório indicando o pedido inicial, o conteúdo das fases do procedimento e formulará proposta de decisão, objetivamente justificada, encaminhando o processo à autoridade competente. (grifo nosso). Não há omissão e, portanto, ilegalidade atribuível ao Ministro de Estado da Defesa, impondo-se, quanto a essa Autoridade, a denegação da segurança. 3. Do ato comissivo praticado pelo Comandante da Aeronáutica. Ao Comandante da Aeronáutica o impetrante atribui, como ato coator, o despacho publicado no Diário Oficial da União, Seção 2, de 14 de maio de 2012, com o seguinte teor: Indeferido, por falta de amparo legal, tendo em vista que a sentença só faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros, conforme dispõe o artigo 472 do Código de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973). 36 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO O requerente teve as suas promoções efetivadas em estrito cumprimento às normas estabelecidas pelos Regulamentos para o Corpo de Pessoal Graduado da Aeronáutica, vigentes nas respectivas datas de promoções, razão pela qual não comportam qualquer revisão. O interstício é o período mínimo de efetivo serviço no posto ou graduação e, por si só, não assegura promoção, visto constituir-se em, apenas, um dos requisitos para inclusão em Quadro de Acesso. A inclusão no Quadro de Oficiais Especialistas da Aeronáutica está condicionada à conclusão do Estágio de Adaptação ao Oficialato, após a aprovação do candidato no concurso de admissão, conforme disposto no Decreto n. 2.996, de 23 de março de 1999. (fl. 32). Alega que esse ato foi produzido “sem nenhum fundamento jurídico plausível”, sendo este “o ponto nodal que impulsionou a pretensão e este mandamus, para requerer e coibir o ato de autoridade negadora de direito líquido e certo” (sic, fl. 7). Não é o que se verifica. A motivação, a teor do que requer o art. 50 da Lei n. 9.784/1999, consiste na indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que autorizam a produção do ato administrativo. Confira-se: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; Foi o que ocorreu. Ao negar a pretensão, o Comandante da Aeronáutica, no estrito cumprimento da norma legal, cuidou de apontar os fatos e os fundamentos jurídicos que impunham o indeferimento do pedido. Descabe, por isso, falar em decisão não fundamentada. Passa-se, então, ao exame dos demais argumentos. A alegação de que sargentos do Quadro de Músicos foram promovidos no prazo mínimo legal, enquanto o impetrante apenas recebeu promoções com base no prazo máximo, não traduz, só por si, violação de direito. De início porque, como informou o Comandante da Aeronáutica nas informações que prestou, “cada quadro e especialidade são regidos por uma regulamentação própria” (fl. 166). Com efeito, assinala autorizada doutrina RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 37 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA que, entre os militares, o critério de antiguidade para promoção de graduados (praças) deve levar em conta o respectivo quadro. Confira-se: As promoções serão efetuadas pelos seguintes critérios: a) antiguidade; b) merecimento; c) escolha; d) por bravura; e ) post mortem. Antiguidade. Baseado na precedência hierárquica de um oficial sobre os demais de igual posto, dentro do mesmo corpo, quadro, arma ou serviço, ou de um graduado sobre os demais de igual graduação, dentro de um mesmo quadro ou qualificação militar. (ABREU, Jorge Luiz Nogueira. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 410, destaquei) Descabe, por isso, alegar violação do direito de precedência tomando como paradigma a promoção de integrantes de quadro diverso. Ou seja, a eventual promoção de sargentos do Quadro Complementar (QC) não é motivo suficiente para inferir que os integrantes do Quadro de Suboficiais e Sargentos da Aeronáutica (QSS), como é o caso impetrante, também devam ser promovidos. Depois, a promoção de militar é, em regra, ato administrativo discricionário, como se pode inferir de seu próprio conceito: Promoção é o ato administrativo que, fundamentado em valores morais e profissionais, visa preencher, de forma seletiva, gradual e sucessiva, as vagas disponíveis em grau hierárquico superior, de acordo com os efetivos fixados em lei para os diversos corpos, quadros, armas ou serviços de cada uma das Forças singulares, propiciando, assim, um fluxo regular e equilibrado de carreira para os militares. (ABREU, Jorge Luiz Nogueira. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 409) Assim, como ato discricionário que é, sujeita-se à avaliação – até certo ponto subjetiva – da autoridade competente, que decidirá sobre a conveniência e oportunidade de sua efetivação. Se, por um lado, isto não significa que o comandante possa promover qualquer pessoa a qualquer tempo, sem observância dos critérios e limites regulamentares (pois discricionariedade não se confunde com arbitrariedade), é igualmente certo, de outra mão, que o militar que atenda às exigências para ser promovido não tem, só por isso, direito líquido e certo à desejada promoção, até porque sujeita-se, no mínimo, à existência de vaga. Nesse sentido: 38 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Administrativo. Processual Civil. Análise de dispositivos constitucionais. Impossibilidade na via do especial. Julgamento extra petita. Não configurado. Servidor militar. Decreto n. 86.289/1981. Lei n. 10.951/2004. Cabo. Promoção ao quadro especial de Terceiro-Sargento do Exército. Preenchimento de requisitos objetivos. Existência de vagas. Necessidade. Precedentes. Comprovação. Incidência da Súmula n. 7 desta Corte. Recurso que deixa de impugnar fundamentos da decisão agravada. Súmulas n. 182 do Superior Tribunal de Justiça e 283 do pretório Excelso. [...] 2. Para a promoção de Cabos do Exército ao Quadro Especial de TerceiroSargento daquela Força, além do preenchimento dos requisitos objetivos previstos na legislação de regência - Decreto n. 86.289/1981 e Lei n. 10.951/2004 -, é necessário também existirem as respectivas vagas, fixadas essas por ato discricionário da Administração Pública. 3. Portanto, resta afastada a alegação de que, na hipótese, desde a data em que restou cumprido o requisito relativo ao tempo mínimo de 15 (quinze) anos de efetivo serviço, seria devido o pagamento dos valores relativos à promoção. [...] 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.177.044-RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 27.3.2012) Agravo regimental em recurso especial. Militar. Promoção ao Quadro Especial de Terceiro Sargento. Vaga. Necessidade de existência. Incidência do Verbete n. 7 da Súmula do STJ. - Sem amparo a tese recursal, pois firme o entendimento do STJ no sentido de ser necessária a existência de vagas para acesso ao Quadro Especial de TerceiroSargento. - É vedado em recurso especial o reexame de matéria de fato, a teor do Verbete n. 7 da Súmula desta Corte. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.231.968-SC, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 29.6.2011) Pelas mesmas razões, rejeitam-se as alegações remanescentes, quais sejam, as de que o requerente, por ter ingressado em 1955, poderia ter alcançado o posto pretendido ainda em 1975 e a de que outros pares obtiveram decisões judiciais favoráveis em pleitos semelhantes. Com essas considerações, denego a segurança. É como voto. RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 39 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECURSO ESPECIAL N. 1.069.810-RS (2008/0138928-4) Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho Recorrente: Neida Terezinha Garlet Belle Advogado: Nora Lavínia Campos Cruz - Defensora Pública Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul Procurador: Juliana Forgiarini Pereira e outro(s) Interessado: Município de Dona Francisca Advogado: Sem representação nos autos EMENTA Processual Civil. Administrativo. Recurso especial. Adoção de medida necessária à efetivação da tutela específica ou à obtenção do resultado prático equivalente. Art. 461, § 5º do CPC. Bloqueio de verbas públicas. Possibilidade conferida ao julgador, de ofício ou a requerimento da parte. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao rito do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8/2008 do STJ. 1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. 2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8/2008 do STJ. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves Lima e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. 40 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Sustentaram, oralmente, os Drs. Antonio de Maia e Pádua, pela recorrente, e Guilherme de Escobar Guaspari, pelo recorrido. Brasília (DF), 23 de outubro de 2013 (data do julgamento). Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator DJe 6.11.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Recurso Especial interposto por Neida Terezinha Garlet Belle, com fulcro no art. 105, III, a da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que deu provimento ao Agravo de Instrumento interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, ora recorrido, para afastar o bloqueio de verbas públicas determinado pelo Juízo de Primeiro Grau, no caso de inadimplemento da obrigação de fornecer medicamentos. 2. Nas razões do Apelo Raro, aduz a recorrente violação aos arts. 461, § 5º e 461-A do CPC, sustentando que a determinação de bloqueio nas contas do Estado do valor necessário à aquisição da medicação, confere maior eficácia e agilidade na prestação jurisdicional. 3. Não foram apresentadas contrarrazões (fls. 104). 4. Admitido o Recurso Especial na origem, subiram os autos à apreciação desta Corte Superior. 5. O ilustre Ministro Luiz Fux, Relator primevo do presente feito, submeteu o Recurso Especial ao procedimento do art. 543-C do CPC – Recurso Repetitivo –, afetando-o a esta 1ª Seção desta Corte Superior (art. 2º, § 1º da Resolução n. 8/2008 do STJ). 6. Às fls. 608-610, foi deferido, pelo eminente Ministro Luiz Fux, o pedido de tutela, realizado pelo MPF, para que o medicamento seja fornecido com continuidade. 7. Cumpridas as formalidades da norma processual civil quanto aos Recursos Repetitivos, o Ministério Público Federal, representado pelo ilustre Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho, opinou pelo provimento do Recurso Especial, nos termos da seguinte ementa: RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 41 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. Processual Civil. Recurso especial representativo da controvérsia. Fornecimento de medicamento necessário ao tratamento de saúde, sob pena de bloqueio ou seqüestro de verbas do Estado a serem depositadas em contacorrente. Violação ao art. 461, § 5º e 461-A, ambos do CPC. 2. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do recurso especial, para que o acórdão recorrido seja reformado, a fim de restabelecer a sanção de bloqueio de verbas públicas fixada pela decisão interlocutória de primeiro grau (fls. 626). 8. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Cinge-se a presente controvérsia em saber se é possível ao Juiz, tendo em vista as disposições constitucionais e processuais a respeito da matéria, determinar, em ação ordinária, o fornecimento de medicamento para portadores de doença grave, sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas do Estado a serem depositadas em conta corrente. 2. Dispõe o art. 461, § 5º do Código de Processo Civil: Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (...). § 5º - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. 3. Vê-se da leitura do artigo supracitado que o legislador possibilitou ao Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a medida que, ao seu juízo, mostrar-se mais adequada para tornar efetiva a tutela almejada. A norma apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração. 4. Dessa forma, é lícito ao Julgador, diante das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em 42 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Mormente no caso em apreço, no qual a desídia do ente estatal frente ao comando judicial emitido pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida da parte demandante. 5. Sendo certo, portanto, que o sequestro ou o bloqueio da verba necessária à aquisição dos medicamentos objeto da tutela deferida no Juízo Singular, mostra-se válida e legítima. 6. Frise-se, ainda que, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados (AgRg no REsp n. 1.002.335-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 22.9.2008). 7. Não se deve olvidar, também, a prevalência da tutela ao direito subjetivo à saúde sobre o interesse público, que, no caso, consubstancia-se na preservação da saúde da demandante com o fornecimento dos medicamentos adequados, em detrimento dos princípios do Direito Financeiro ou Administrativo. Vale transcrever as disposições insertas nos arts. 6º e 196 da Carta Magna: Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 8. Não desconheço que há entendimentos judiciais não raras vezes subordinando a eficácia de princípios constitucionais ao implemento de normas de hierarquia inferior, como que invertendo a famosa pirâmide kelseniana, ao fazer com que a Constituição seja interpretada a partir de dispositivos que lhe são subalternos; nessa prática judicial, se retira dos princípios constitucionais a sua decantada força normativa e praticamente se os devolve à pretérita fase positivista da exegese constitucional, que o mestre PAULO BONAVIDES chama de velha hermenêutica (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 43 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Malheiros, 2008), quando os princípios eram considerados exteriores à normatividade da Constituição. 9. Autores como o professor KONRAD HESSE (A Força Normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Fabris, 1991) e o professor NOBERTO BOBBIO (A Era dos Direitos, tradução Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992), que elaboraram sofisticado sistema intelectual para a compreensão jurídica do poder normativo da Constituição, tornam-se, nesse ambiente, meros propositores de abstracionismos ou de ideias generosas, mas vazias, promessas sonoras, mas improváveis e frases pomposas que não passam de sons inúteis. 10. Tenho afirmado, em várias oportunidades, que a interpretação constitucional não pode ficar a mercê de provimentos ordinários (As Normas Escritas e os Princípios Jurídicos, Fortaleza, Curumin, 2005), tanto por causa da sua supremacia, como já proclamava o Professor RAUL MACHADO HORTA (Direito Constitucional, Belo Horizonte, DelRey, 1999), quanto por causa da manifesta insuficiência do quadro normativo para dar conta da complexa trama social das relações jurídicas, consoante magistralmente revelado pelo Professor LOURIVAL VILANOVA (As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, São Paulo, Max Limonad, 1997). 11. Corroborando o posicionamento ora esposado, trago à colação excerto do voto condutor do acórdão proferido pela egrégia 1ª Turma, nos autos do REsp n. 840.912-RS, de relatoria do ilustre Ministro Teori Zavascki, DJ de 23.4.2007, que bem destacou o ponto constitucional da questão ora controvertida: 4. Todavia, o regime constitucional de impenhorabilidade dos bens públicos e da submissão dos gastos públicos decorrentes de ordem judicial a prévia indicação orçamentária deve ser conciliado com os demais valores e princípios consagrados pela Constituição. Estabelecendo-se, entre eles, conflito específico e insuperável, há de se fazer um juízo de ponderação para determinar qual dos valores conflitantes merece ser específica e concretamente prestigiado. Ora, a jurisprudência do STF tem enfatizado, reiteradamente, que o direito fundamental à saúde prevalece sobre os interesses financeiros da Fazenda Pública, a significar que, no confronto de ambos, prestigia-se o primeiro em prejuízo do segundo. É o que demonstrou o Min. Celso de Mello, em decisão proferida no RE n. 393.175, de 1º.2.2006 (transcrita no Informativo n. 414, do STF): Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet n. 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade do 44 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, ‘Comentários à Constituição de 1988’, vol. VIII/4.332-4.334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República. O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, ‘Poder Constituinte e Poder Popular’, p. 199, itens n. 20/21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 45 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. Todas essas razões levam-me a acolher a pretensão recursal deduzida nos presentes autos, ainda mais se se considerar que o acórdão ora recorrido diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou no exame da matéria em causa (RTJ 171/326-327, Rel. Min. Ilmar Galvão – AI n. 462.563-RS, Rel. Min. Carlos Velloso – AI n. 486.816-AgR-RJ, Rel. Min. Carlos Velloso – AI n. 532.687-MG, Rel. Min. Eros Grau – AI n. 537.237-PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence - RE n. 195.192-RS, Rel. Min. Marco Aurélio – RE n. 198.263-RS, Rel. Min. Sydney Sanches – RE n. 237.367-RS, Rel. Min. Maurício Corrêa – RE n. 242.859-RS, Rel. Min. Ilmar Galvão – RE n. 246.242-RS, Rel. Min. Néri da Silveira – RE n. 279.519-RS, Rel. Min. Nelson Jobim – RE n. 297.276-SP, Rel. Min. Cezar Peluso – RE n. 342.413-PR, Rel. Min. Ellen Gracie – RE n. 353.336-RS, Rel. Min. Carlos Britto – AI n. 570.455-RS, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.): Paciente com HIV/AIDS. Pessoa destituída de recursos financeiros. Direito à vida e à saúde. Fornecimento gratuito de medicamentos. Dever constitucional do Poder Público (CF, arts. 5º, caput, e 196). Precedentes (STF). Recurso de agravo improvido. O direito à saúde representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. 46 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médicohospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (RTJ 175/1.212-1.213, Rel. Min. Celso de Mello) 5. Nessa linha de entendimento, deve-se concluir que em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o da impenhorabilidade dos recursos da Fazenda, prevalece o primeiro sobre o RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 47 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA segundo. Sendo urgente e impostergável a aquisição do medicamento, sob pena de grave comprometimento da saúde da demandante, não teria sentido algum submetê-la ao regime jurídico comum, naturalmente lento, da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. Assim, pode-se ter por legítima, ante a omissão do agente estatal responsável pelo fornecimento do medicamento, a determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do direito prevalente. Assinale-se que, no caso concreto, não se põe em dúvida a necessidade e a urgência da aquisição do medicamento. 12. Ressalte-se, por fim, que a medida necessária à efetivação da tutela específica ou à obtenção do resultado prático equivalente, deve ser concedida apenas em caráter excepcional, onde haja nos autos comprovação de que o Estado não esteja cumprindo a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados e a demora no recebimento acarrete risco à saúde e à vida do demandante. 13. As Turmas que compõem esta egrégia 1ª Seção já se manifestaram em diversos julgados nessa mesma linha de entendimento, confiram-se: Administrativo. Recurso especial. Fornecimento de medicamentos. Arts. 461, § 5º, e 461-A do CPC. Bloqueio de valores. Possibilidade. 1. É possível o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa (astreintes) para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado. 2. Recurso especial provido (REsp n. 1.058.836-RS, Rel. Min. Mauro Campbell, DJe 1º.9.2008). Processual Civil. Fornecimento de medicamentos. Análise de violação de artigo da Constituição Federal. Inviabilidade. Bloqueio de valores em contas públicas. Possibilidade. 1. É vedado ao STJ analisar violação de dispositivo constitucional, por se tratar de competência reservada pela Constituição Federal ao Supremo Tribunal Federal. 2. Possibilidade de bloqueio de valores em contas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado. 3. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp n. 1.063.825-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2008). Processual Civil. Agravo regimental no recurso especial. Fornecimento de medicamentos pelo Estado. Medidas executivas. Bloqueio de valores de verbas públicas. Possibilidade (art. 461, § 5º, do CPC). Medida excepcional. Precedentes do STJ. Desprovimento do agravo regimental. 1. O entendimento pacífico desta Corte Superior é no sentido de que é possível ao juiz - de ofício ou a requerimento da parte -, em casos que envolvam o 48 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO fornecimento de medicamentos a portador de doença grave, determinar medidas executivas para a efetivação da tutela, inclusive a imposição do bloqueio de verbas públicas, ainda que em caráter excepcional. 2. Nesse sentido, os seguintes precedentes: EREsp n. 770.969-RS, 1ª Seção, Rel. Min. José Delgado, DJ de 21.8.2006, p. 224; EREsp n. 787.101-RS, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.8.2006, p. 258. 3. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 936.011-RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 12.5.2008). Administrativo. Custeio de tratamento médico. Bloqueio de verbas públicas. Possibilidade. Violação a dispositivos constitucionais. Apreciação. Impossibilidade. I - O atual entendimento desta Colenda Primeira Turma é no sentido da possibilidade do bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico ou fornecimento de medicamentos indispensáveis à manutenção da saúde e da vida. Precedentes: EREsp n. 770.969-RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Seção, DJ de 21.8.2006; EREsp n. 787.101-RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJ de 14.8.2006; REsp n. 832.935-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 30.6.2006. II - Inviável a apreciação dos fundamentos adotados pelo STF na apreciação da Suspensão de Tutela Antecipada - STA n. 91, seja porque tal argumentação fora trazida apenas nesta sede regimental como verdadeira emenda à petição de recurso especial, afrontando os Princípios da Preclusão, da Eventualidade e da Complementaridade, seja porque tais fundamentos são de ordem eminentemente constitucional, cujo exame é reservado ao Supremo Tribunal Federal, não podendo esta Corte nesta sede especial sobre eles se manifestar sequer a título de prequestionamento. III - Agravo regimental improvido (AgRg na REsp n. 920.468-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 31.5.2007). 14. Da mesma forma, no âmbito desta egrégia 1ª Seção, porém, com diversa composição dos pares, a matéria ora em debate já foi objeto de discussão, como se vê da seguinte julgado, dentre outros: Administrativo. Embargos de divergência em recurso especial. Preservação da saúde e fornecimento de remédios. Bloqueio de verbas públicas. Possibilidade. Art. 461, § 5º, do CPC. Inexistência do apontado dissenso pretoriano. Precedentes. Embargos de divergência não-providos. 1. Em exame embargos de divergência manejados pelo Estado do Rio Grande do Sul, em impugnação a acórdão que entendeu cabível o bloqueio de verbas públicas em situações excepcionais, tais como a necessidade imediata RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 49 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA da preservação da saúde da pessoa humana, mediante o fornecimento de medicação em caráter de urgência, sob risco de óbito do suplicante. O aresto embargado, proferido pela 2ª Turma, tem a ementa seguinte (fl. 111): Administrativo Processual Civil. Custeio de tratamento médico. Moléstia grave. Bloqueio de valores em contas públicas. Possibilidade. Art. 461, caput e § 5º do CPC. 1. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica e da tutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de medidas coercitivas, chamadas na lei de “medidas necessárias”, que têm como escopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas tutelas. 2. As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas da expressão “tais como”, o que denota o caráter não-exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso concreto. 3. Submeter os provimentos deferidos em antecipação dos efeitos da tutela ao regime de precatórios seria o mesmo que negar a possibilidade de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quando o próprio Pretório Excelso já decidiu que não se proíbe a antecipação de modo geral, mas apenas para resguardar as exceções do art. 1º da Lei n. 9.494/1997. 4. O disposto no caput do artigo 100 da CF/1988 não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, de modo que, ainda que se tratasse de sentença de mérito transitada em julgado, não haveria submissão do pagamento ao regime de precatórios. 5. Em casos como o dos autos, em que a efetivação da tutela concedida está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida. 6. Recurso especial improvido. (REsp n. 770.969-RS, DJ 3.10.2005, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira) A título de paradigma, o Estado requerente indicou o REsp n. 766.480-RS, o qual, segundo alega, dispõe não ser possível o seqüestro de dinheiro ou de outros bens públicos. Confira-se: Processual Civil. Tutela antecipada. Meios de coerção ao devedor (CPC, arts. 273, § 3º e 461, § 5º). Fornecimento de medicamentos pelo Estado. Bloqueio de verbas públicas. Impossibilidade. 50 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 1. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou entregar coisa, nos termos dos artigos 461 e 461A do CPC. Nesse sentido é a jurisprudência do STJ, como se pode verificar, por exemplo, nos seguintes precedentes: AgRg no Ag n. 646.240-RS, 1ª T., Min. José Delgado, DJ de 13.6.2005; REsp n. 592.132-RS, 5ª T., Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 16.5.2005; AgRg no REsp n. 554.776-SP, 6ª T., Min. Paulo Medina, DJ de 6.10.2003; AgRg no REsp n. 718.011-TO, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 30.5.2005. 2. Todavia, não se pode confundir multa diária (astreintes), com bloqueio ou seqüestro de verbas públicas. A multa é meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial. Já o seqüestro (ou bloqueio) de dinheiro é meio executivo de sub-rogação, adequado a obrigação de pagar quantia, por meio do qual o Judiciário obtém diretamente a satisfação da obrigação, independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado. 3. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (REsp n. 766.480-RS, DJ 3.10.2005, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki) 2. Em situações reconhecidamente excepcionais, tais como a que se refere ao urgente fornecimento de medicação, sob risco de perecimento da própria vida, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é reiterada no sentido do cabimento do bloqueio de valores diretamente na conta corrente do Ente Público. 3. Com efeito, o art. 461, § 5º, do CPC ao referir que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, para a efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente, “determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas ou cousas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”, apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração. De tal maneira, é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado, buscar o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela almejada, tendo em RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 51 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. É possível, pois, em casos como o presente, o bloqueio de contas públicas. 4. Tal como se evidencia, não há divergência jurisprudencial a ser dirimida, ao contrário, como restou demonstrado, o acórdão embargado está em absoluta sintonia com o entendimento aplicado à questão por este Superior Tribunal de Justiça, que admite, em situações excepcionais, o bloqueio direto de verbas públicas. 5. No caso, a autorização excepcional para o bloqueio de valores públicos objetivou o fornecimento de medicação, em caráter de urgência, à parte suplicante, sob pena de comprometimento da própria vida. 6. Embargos de divergência não-providos (EREsp n. 770.969-RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 21.8.2006). 15. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, a fim de anular o acórdão recorrido, restabelecendo a decisão do Juízo de Primeiro Grau que determinou o bloqueio de verbas públicas como medida coercitiva para o devido cumprimento da obrigação de fornecer o medicamento à ora recorrente. 16. Por tratar-se de Recurso Representativo da Controvérsia, sujeito ao procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil, determino, após a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros dessa Colenda Primeira Seção, aos Tribunais Regionais Federais, bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados, com fins de cumprimento do disposto no parágrafo 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil (arts. 5º, II, e 6º da Resolução n. 8/2008 do STJ). É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.343.591-MA (2012/0190792-4) Relator: Ministro Og Fernandes Recorrente: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama Procurador: José Cândido de Carvalho Junior e outro(s) Recorrido: J A de Souza Madeiras Ltda Advogado: Sem representação nos autos 52 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO EMENTA Direito Público. Recurso especial representativo de controvérsia. Execução fiscal. Arquivamento. Art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Ibama. Autarquia federal. Procuradoria-Geral Federal. Inaplicabilidade. 1. Ao apreciar o Recurso Especial n. 1.363.163-SP (Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 30.9.2013), interposto pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo - Creci - 2ª Região, a Primeira Seção entendeu que a possibilidade de arquivamento do feito em razão do diminuto valor da execução a que alude o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 destina-se exclusivamente aos débitos inscritos como Dívida Ativa da União, pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados. 2. Naquela assentada, formou-se a compreensão de que o dispositivo em comento, efetivamente, não deixa dúvidas de que o comando nele inserido refere-se unicamente aos débitos inscritos na Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). 3. Não se demonstra possível, portanto, aplicar-se, por analogia, o referido dispositivo legal às execuções fiscais que se vinculam a regramento específico, ainda que propostas por entidades de natureza autárquica federal, como no caso dos autos. 4. Desse modo, conclui-se que o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002 não se aplica às execuções de créditos das autarquias federais cobrados pela Procuradoria-Geral Federal. 5. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime estatuído pelo art. 543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 53 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin. Compareceu à sessão, o Dr. Luis Augusto Moreira Iannini, pelo recorrente. Brasília (DF), 11 de dezembro de 2013 (data do julgamento). Ministro Humberto Martins, Presidente Ministro Og Fernandes, Relator DJe 18.12.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Ibama, com base na alínea a do permissivo constitucional, com vistas à reforma de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado (e-fl. 31): Tributário e Processual Civil. Execução fiscal. Débito de pequeno valor. Arquivamento do feito sem baixa na distribuição (Lei n. 10.522/2002, art. 10). Autarquias. Aplicabilidade. Orientação jurisprudencial pacificada. I – A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça, inclusive sob o regime de recursos repetitivos, é no sentido de que “as execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição. Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação conferida pelo artigo 21 da Lei n. 11.033/2004” (REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 13.5.2009, DJe 25.5.2009), aí inseridos os executivos fiscais movidos pelas autarquias federais, como no caso. II – Encontrando-se a decisão agravada em sintonia com esse entendimento, poderá o Relator negar seguimento ao recurso, nos termos do art. 557, caput, do CPC. III – Agravo regimental desprovido. Alega o recorrente, em síntese, que “(...) o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 não pode ser aplicado no presente caso, pois aqui o crédito é do Ibama, e não da União. Da mesma maneira, esse crédito não compõe a dívida ativa da União, 54 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO mas sim do próprio Ibama. E, por fim, não houve qualquer requerimento da Procuradoria Federal do Ibama, ou do Advogado-Geral da União, no sentido de se determinar o arquivamento, sem baixa na distribuição” (e-fl. 47). Acrescenta que “(...) não estão envolvidas aqui apenas questões financeiras, mas sim valores outros, como os educativos, disciplinadores de condutas administrativas que são vedadas pela legislação de regência de certas atividades e que o legislador escolheu como passíveis de punição com multas financeiras” (e-fl. 47). Em conclusão, assevera que “a interpretação adotada pelo acórdão recorrido além de não conter fundamentação legal própria, já que não podem ser disciplinadas pelo art. 20 da Lei n. 10.522/2002, se revela inadequada, quando o objeto da execução são multas administrativas de qualquer natureza” (e-fl. 48). Não foram ofertadas contrarrazões (e-fl. 52). O apelo foi admitido na origem e indicado como representativo de controvérsia (e-fl. 53), o que foi mantido nesta Corte por decisão do então Relator, em. Ministro Castro Meira (e-fls. 78-80). O Ministério Público Federal, em parecer do Subprocurador-Geral da República Dr. Flávio Giron, opina pelo não conhecimento do recurso ou por seu desprovimento (e-fls. 72-74). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Registre-se, inicialmente, que, embora não haja recorrência da matéria, a objetividade da questão e os diferentes entendimentos trazidos pelos Tribunais Regionais Federais justificam sua análise sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. A questão é esta: o arquivamento dos autos, sem baixa na distribuição, nos termos do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 deve ser estendido aos executivos fiscais movidos pelas autarquias federais, a exemplo daqueles ajuizados pelo Ibama para cobrança de multa por infração ambiental? Para melhor compreensão do que ficou decidido na origem, transcrevo o voto condutor do acórdão recorrido (e-fls. 33-35): RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 55 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Trata-se de agravo regimental interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama contra decisão desta Relatoria, negando seguimento ao agravo de instrumento por ela interposto, nos termos do art. 557, caput, do CPC, e do art. 29, XXIV, do Regimento Interno deste Tribunal, sob o fundamento de que o decisum nele impugnado – arquivamento provisório de execução fiscal nos termos do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 sob o fundamento de que o valor do débito exeqüendo é inferior ao limite ali estabelecido – estaria em perfeita sintonia com o entendimento jurisprudencial de nossos tribunais sobre a matéria. Em suas razões recursais, insiste a recorrente na alegação de que o dispositivo legal em referência se aplicaria, apenas, aos créditos inscritos na Dívida Ativa da União, não se estendendo às suas autarquias e fundações públicas. Este é o relatório. Em que pesem os fundamentos deduzidos pela recorrente, não prospera a pretensão recursal por ela postulada, na medida em que não conseguem infirmar as razões em que se amparou a decisão hostilizada, que, amparando-se no entendimento jurisprudencial já cristalizado no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, negou seguimento ao recurso de agravo, na forma autorizada no art. 557, caput, do CPC, e do art. 29, XXIV, do RITRF 1ª Região. Com efeito, acerca da matéria impugnada nos autos do agravo de instrumento em referência – arquivamento provisório de execução fiscal nos termos do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 sob o fundamento de que o valor do débito exeqüendo é inferior ao limite ali estabelecido –, o entendimento jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, inclusive, no regime dos recursos repetitivos, a que alude o art. 543-C do CPC, in verbis: Tributário. Execução fiscal. Pequeno valor. Arquivamento do feito sem baixa na distribuição. Recurso submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. 1. As execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição. Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação conferida pelo artigo 21 da Lei n. 11.033/2004. 2. Precedentes: EREsp n. 669.561-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 1º.8.2005; EREsp n. 638.855-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 18.9.2006; EREsp 670.580-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 10.10.2005; REsp n. 940.882-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 21.8.2008; RMS n. 15.372-SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 5.5.2008; REsp n. 1.087.842, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 13.4.2009; REsp n. 1.014.996-SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 12.3.2009; EDcl no REsp n. 906.443-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27.3.2009; REsp n. 952.711-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 31.3.2009. 56 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 3. Recurso representativo de controvérsia, submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 13.5.2009, DJe 25.5.2009). Como visto, a controvérsia instaurada nestes autos já se encontra definitivamente resolvida, no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça, inclusive, sob o regime dos recursos repetitivos, sendo a referida orientação jurisprudencial aplicável, também, nas hipóteses de execuções fiscais ajuizadas por autarquias, como no caso, conforme consignou o eminente Ministro Hamilton Carvalhido, por ocasião do julgamento do REsp n. 945.488-SP, in verbis: Averbe-se, em remate, que o dispositivo legal invocado aplica-se às autarquias tais como a ora recorrente, como se depreende, ad exemplum, das recentes decisões monocráticas proferidas nesta Corte Superior de Justiça, todas envolvendo Conselhos Regionais de atividades profissionais: REsp n. 1.160.789-SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, in DJe 29.10.2009; REsp n. 1.039.881-SP, Relator Ministro Luiz Fux, in DJe 4.3.2009; REsp n. 1.089.568-SP, Relator Ministro Castro Meira, in DJe 18.2.2009; REsp n. 1.003.174-SP, Relator Ministro Humberto Martins, in DJe 15.4.2008; REsp n. 1.039.528-SP, Relator Ministro Francisco Falcão, in DJe 14.4.2008 e REsp n. 969.369-SP, Relator Ministro José Delgado, in DJ 30.8.2007 (AgRg no AgRg no REsp n. 945.488-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 26.11.2009). Com estas considerações, nego provimento ao presente agravo regimental. Muito já se discutiu nesta Corte a respeito da interpretação do art. 20 da Lei n. 10.522/2002, advento da conversão da MPv n. 2.176-79/2001, que possui o seguinte teor, com a redação da Lei n. 11.033/2004: Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). § 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados. § 2º Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais). RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 57 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA § 3º O disposto neste artigo não se aplica às execuções relativas à contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. § 4º No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma do art. 28 da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, para os fins de que trata o limite indicado no caput deste artigo, será considerada a soma dos débitos consolidados das inscrições reunidas. Ao julgar o REsp n. 1.111.982-SP, a Primeira Seção, chancelando o voto proferido pelo Ministro Castro Meira, decidiu que o caráter irrisório da execução fiscal (débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 – dez mil reais) não determina a extinção do processo sem resolução do mérito. Impõe-se, a teor da norma, apenas o arquivamento do feito, sem baixa na distribuição. Veja-se a ementa do precedente: Tributário. Execução fiscal. Pequeno valor. Arquivamento do feito sem baixa na distribuição. Recurso submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. 1. As execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição. Exegese do artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação conferida pelo artigo 21 da Lei n. 11.033/2004. 2. Precedentes: EREsp n. 669.561-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 1º.8.2005; EREsp n. 638.855-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 18.9.2006; EREsp n. 670.580-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 10.10.2005; REsp n. 940.882SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 21.8.2008; RMS n. 15.372-SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 5.5.2008; REsp n. 1.087.842, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 13.4.2009; REsp n. 1.014.996-SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 12.3.2009; EDcl no REsp n. 906.443-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27.3.2009; REsp n. 952.711-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 31.3.2009. 3. Recurso representativo de controvérsia, submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.111.982-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 13.5.2009, DJe 25.5.2009) Já no julgamento do REsp n. 1.102.554-MG, também da relatoria do Ministro Castro Meira, a Primeira Seção reconheceu a possibilidade de decretação de prescrição intercorrente nas execuções fiscais arquivadas em razão do pequeno valor do crédito se ultrapassados 5 anos da decisão que ordena o arquivamento. 58 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO É este o teor da ementa lavrada: Processual Civil. Art. 535 do CPC. Omissão. Inexistência. Tributário. Execução fiscal. Arquivamento. Art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Baixo valor do crédito executado. Prescrição intercorrente. Art. 40, § 4º, da LEF. Aplicabilidade. 1. A omissão apontada acha-se ausente. Tanto o acórdão que julgou a apelação como aquele que examinou os embargos de declaração manifestaram-se explicitamente sobre a tese fazendária de que a prescrição intercorrente somente se aplica às execuções arquivadas em face da não localização do devedor ou de bens passíveis de penhora, não incidindo sobre o arquivamento decorrente do baixo valor do crédito. Prejudicial de violação do art. 535 do CPC afastada. 2. Ainda que a execução fiscal tenha sido arquivada em razão do pequeno valor do débito executado, sem baixa na distribuição, nos termos do art. 20 da Lei n. 10.522/2002, deve ser reconhecida a prescrição intercorrente se o processo ficar paralisado por mais de cinco anos a contar da decisão que determina o arquivamento, pois essa norma não constitui causa de suspensão do prazo prescricional. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público. 3. A mesma razão que impõe à incidência da prescrição intercorrente quando não localizados o devedor ou bens penhoráveis – impedir a existência de execuções eternas e imprescritíveis –, também justifica o decreto de prescrição nos casos em que as execuções são arquivadas em face do pequeno valor dos créditos executados. 4. O § 1º do art. 20 da Lei n. 10.522/2002 - que permite sejam reativadas as execuções quando ultrapassado o limite legal – deve ser interpretado em conjunto com a norma do art. 40, § 4º, da LEF – que prevê a prescrição intercorrente -, de modo a estabelecer um limite temporal para o desarquivamento das execuções, obstando assim a perpetuidade dessas ações de cobrança. 5. Recurso especial não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. (REsp n. 1.102.554-MG, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 27.5.2009, DJe 8.6.2009) Faço uma pausa para uma observação: em ambas as hipóteses relatadas, a União, representada pela Procuradoria da Fazenda Nacional, compôs o polo ativo da ação. Enfim, ao apreciar o REsp n. 1.363.163-SP, interposto pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo - Creci - 2ª Região, a Primeira Seção entendeu que a possibilidade de arquivamento do feito em razão do diminuto valor da execução a que alude o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 59 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA destina-se exclusivamente aos débitos inscritos como Dívida Ativa da União, pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados. Isso porque não se pode, por analogia, aplicar o referido dispositivo legal aos Conselhos de Fiscalização Profissional, que se vinculam a regramento específico, ainda que tenham essas entidades natureza autárquica. Nesse caso, oportuno conferir a integralidade do voto do Relator, Ministro Benedito Gonçalves, cuja eloquente fundamentação serve de subsídio para a hipótese em apreço: Cinge-se a controvérsia à possibilidade de aplicação do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 às execuções fiscais propostas pelos Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional. Conforme relatado, no apelo especial, o recorrente afirma, em síntese, que não é possível a aplicação do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 às execuções fiscais propostas pelos conselhos de fiscalização profissional, tendo em vista que se refere exclusivamente aos débitos da União, inscritos em dívida ativa pela Fazenda Nacional. Alega, ainda, que o arquivamento deve ser feito exclusivamente a requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, e não por iniciativa direta do Judiciário, sendo clara a discricionariedade do executivo para decidir a respeito do prosseguimento ou não do feito, discricionariedade esta que deve ser estendida aos Conselhos Profissionais. O acórdão recorrido manteve a decisão de primeira instância que determinou o arquivamento sem baixa da execução fiscal, até que atinja o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), ainda que se trate de execução fiscal proposta por Conselho Regional de Fiscalização Profissional, ao argumento de que esse é o entendimento desta Corte. Para embasar sua conclusão, citou os seguintes precedentes: AgRg no AgRg no REsp n. 945.488-SP, Primeira Turma, Relator: Min. Hamilton Carvalhido, DJ 12.11.2009; e REsp n. 1.157.454-SP, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 18.8.2010). A solução da controvérsia, a meu ver, não demanda grandes debates, podendo ser extraída do exame do conteúdo do dispositivo legal cuja aplicação se discute, verbis (grifos apostos): Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei n. 11.033, de 2004) § 1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados. 60 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO § 2º Serão extintas as execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a 100 Ufirs (cem Unidades Fiscais de Referência). Da simples leitura do artigo em comento, verifica-se que a determinação nele contida destina-se exclusivamente ao débitos inscritos como dívida ativa da União, pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados. A possibilidade/necessidade de arquivamento do feito em razão do valor da execução fiscal foi determinada mediante critérios específicos dos débitos de natureza tributária cuja credora é a União, dentre os quais os custos gerados para a administração pública para a propositura e o impulso de demandas dessa natureza, em comparação com os benefícios pecuniários que poderão advir de sua procedência. Desta forma, não há falar em aplicação, por analogia, do referido dispositivo legal aos Conselhos de Fiscalização Profissional, ainda que se entenda que as mencionadas entidades tenham natureza de autarquias. Com efeito, tal equiparação não pode servir para que sejam aplicadas aos Conselhos regras destinadas a um ente público específico (União) e a débitos de natureza exclusivamente tributária. Conclusão semelhante a que ora se propõe foi sedimentada pela Primeira Seção, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo de n. 1.338.247RS, no qual se decidiu que “embora ostentem natureza jurídica de entidades autárquicas, não gozam de isenção quanto ao recolhimento de custas e do porte de remessa e retorno, tendo em vista a previsão contida no art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 9.289/1996, que prevalece sobre as demais (arts. 27 e 511 do CPC; e art. 39 da Lei n. 6.830/1980)”. A respeito da situação específica dos autos, destaco, ainda, que há regra específica destinada às execuções fiscais propostas pelos Conselhos de Fiscalização Profissional, prevista pelo artigo 8º da Lei n. 12.514/2011, a qual pelo Princípio da Especialidade, deve ser aplicada no caso concreto. Eis o teor do referido dispositivo (grifos apostos): Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 4 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente. Parágrafo único. O disposto no caput não limitará a realização de medidas administrativas de cobrança, a aplicação de sanções por violação da ética ou a suspensão do exercício profissional. Esse dispositivo, diferentemente daquele aplicado pela Corte de origem, leva em consideração as especificidades e parâmetros referentes aos Conselhos RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 61 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de fiscalização, mormente os valores cobrados a título de anuidade, para que se identifiquem as situações em que o custo da movimentação do judiciário seria maior do que o direito pecuniário pleiteado, de modo a “impedir” o prosseguimento da demanda. Neste sentido, a submissão dos Conselhos de fiscalização profissional ao regramento do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 configura, em última análise, vedação ao direito de acesso ao poder judiciário e obtenção da tutela jurisdicional adequada, assegurados constitucionalmente, uma vez que cria obstáculo desarrazoado para que as entidades em questão efetuem as cobranças de valores aos quais têm direito. Sob esse prisma, a imposição de dificuldades para a cobrança judicial das contribuições, as quais, dificilmente, atingiriam a quantia mínima para o manejo da ação executiva, poderia até mesmo prejudicar a realização das atividades dos Conselhos, uma vez que tais contribuições recebidas dos profissionais são, sabidamente, a maior fonte de receita das referidas entidades. Em razão de todas essas considerações, e com a devida vênia aos precedentes em sentido contrário, entendo que não se pode aplicar à presente hipótese a conclusão da Primeira Seção, tomada no julgamento do Recurso Especial de n. 1.111.982-SP, sob o regime do artigo 534-C do CPC. Isto porque, naquele feito, no qual se pacificou a orientação de que as execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição, foi debatida a interpretação do já mencionado artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, em caso específico de execução fiscal promovida pela Fazenda Nacional referente a débito inscrito em dívida ativa pela União, sem se discutir acerca da possibilidade de aplicação de tal determinação às demandas propostas pelos Conselhos Regionais. Por outro lado, nos precedentes citados pelo acórdão embargado também não foi realizado o referido debate. Por fim, em razão da conclusão pelo afastamento da aplicação do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 às execuções fiscais propostas pelos Conselhos regionais de fiscalização, entendo que fica prejudicada a discussão referente à necessidade de que o arquivamento do feito seja realizado exclusivamente a requerimento do Procurador da Fazenda Nacional. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para que, em razão da inaplicabilidade do artigo 20, da Lei n. 10.522/2002 ao caso concreto, prossiga a execução fiscal. Voltemos ao art. 20, caput, da Lei n. 10.522/2002: Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos 62 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Efetivamente, o dispositivo em comento não deixa dúvidas de que o comando nele inserido refere-se unicamente aos débitos inscritos na Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Em complementação, cabe mencionar que a Portaria MF n. 75, de 22 de março de 2012, a qual dispõe sobre a inscrição de débitos na Dívida Ativa da União e o ajuizamento de execuções fiscais pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, autoriza, no seu art. 2º (com a redação conferida pela MF n. 30/2012), o Procurador da Fazenda Nacional a requerer o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. No entanto, a presente execução fiscal foi ajuizada pelo Ibama – autarquia federal criada pela Lei n. 7.735/1989, dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente – e subscrita pela Procuradora Federal oficiante, com o desiderato de obter o pagamento de multa, no valor de R$ 4.941,25 (quatro mil novecentos e quarenta e um reais e vinte e cinco centavos), aplicada por infração ao meio ambiente relativa ao transporte de madeira sem licença obrigatória. A Lei n. 10.480/2002, ao criar a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, atribuiu-lhe (art. 10) a “representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos, a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial”. A Lei n. 11.098/2005 acrescentou os seguintes parágrafos ao art. 10 da Lei n. 10.480/2002: § 11. As Procuradorias Federais não especializadas e as Procuradorias Regionais Federais, as Procuradorias Federais nos Estados e as Procuradorias Seccionais Federais poderão assumir definitivamente as atividades de representação judicial e extrajudicial das autarquias e das fundações públicas federais de âmbito nacional. RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 63 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA § 12. As Procuradorias Federais não especializadas e as Procuradorias Regionais Federais, as Procuradorias Federais nos Estados e as Procuradorias Seccionais Federais poderão ainda centralizar as atividades de apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às atividades das autarquias e fundações públicas federais, incluindo as de âmbito nacional, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial, bem como as atividades de consultoria e assessoramento jurídico delas derivadas. § 13. Nos casos previstos nos §§ 11 e 12 deste artigo, as respectivas autarquias e fundações públicas federais darão o apoio técnico, financeiro e administrativo à Procuradoria-Geral Federal até a sua total implantação.” E a Lei n. 11.457/2007, assim dispôs no seu art. 22: Art. 22. As autarquias e fundações públicas federais darão apoio técnico, logístico e financeiro, pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses a partir da publicação desta Lei, para que a Procuradoria-Geral Federal assuma, de forma centralizada, nos termos dos §§ 11 e 12 do art. 10 da Lei n. 10.480, de 2 de julho de 2002, a execução de sua dívida ativa. Ademais, por força do art. 12 da Lei Complementar n. 73/1973 e do art. 1º da Decreto-Lei n. 147/1967, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional efetua a cobrança dos créditos inscritos em Dívida Ativa da União, tributários ou não tributários. Na página virtual da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional consta relação de diversos órgãos da Administração Pública Federal cujos créditos são por ela cobrados: Caixa Econômica Federal, Departamento de Polícia Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Federal, Justiça Militar, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Defesa, Ministério da Defesa, Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério do Trabalho e Emprego, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Secretaria da Receita Federal do Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional e Tribunal Marítimo. Verifica-se que são distintas as atribuições da Procuradoria-Geral Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, razão pela qual não se pode equipará-las para os fins do art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Nas execuções fiscais propostas pela Procuradoria-Geral Federal, a dispensa de inscrição e o não ajuizamento de ações para a cobrança do crédito encontram-se subordinados à autorização do Advogado-Geral da União e do enquadramento em uma das hipóteses previstas na Lei n. 9.469/1997. 64 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Oportuno conferir a letra da lei, sobretudo o que dispõe o art. 1º-A da Lei n. 9.469/1997, incluído pela Lei n. 11.941/2009, suplantando de vez a controvérsia: Art. 1º-A. O Advogado-Geral da União poderá dispensar a inscrição de crédito, autorizar o não ajuizamento de ações e a não-interposição de recursos, assim como o requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos da União e das autarquias e fundações públicas federais, observados os critérios de custos de administração e cobrança. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à Dívida Ativa da União e aos processos em que a União seja autora, ré, assistente ou opoente cuja representação judicial seja atribuída à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. De passagem, cabe mencionar a antiga redação do art. 1º da Lei n. 9.469/1997: O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não-propositura de ações e a nãointerposição de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos, atualizados, de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições aqui estabelecidas. Ao que parece, restou corroborada a assertiva do recorrente no sentido de que outros são os alcances das sanções aplicadas por estas autarquias federais – finalidade preventiva, punitiva, exemplificativa, educativa e social –, fruto do exercício do poder de polícia, aqui ambiental e voltado à preservação do patrimônio natural. Em suma: o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 não se aplica às execuções de créditos das autarquias federais cobrados pela Procuradoria-Geral Federal. Assim, merece reforma o acórdão recorrido ao manter a decisão do Juiz federal de primeira instância que determinou o arquivamento do feito, sem baixa na distribuição, equivocadamente com base no art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Fica prejudicada a discussão acerca do arquivamento ex officio da ação executiva pelo Magistrado. RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 65 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Por todo o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. É como voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.352.791-SP (2012/0234237-3) Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF Recorrido: Manoel Alves dos Santos Advogado: Sibeli Stelata de Carvalho EMENTA Previdenciário. Recurso especial representativo de controvérsia. Aposentadoria por tempo de serviço. Averbação de trabalho rural com registro em carteira profissional para efeito de carência. Possibilidade. Alegação de ofensa ao art. 55, § 2º, e 142 da Lei n. 8.213/1991. Não ocorrência. Recurso especial improvido. 1. Caso em que o segurado ajuizou a presente ação em face do indeferimento administrativo de aposentadoria por tempo de serviço, no qual a autarquia sustentou insuficiência de carência. 2. Mostra-se incontroverso nos autos que o autor foi contratado por empregador rural, com registro em carteira profissional desde 1958, razão pela qual não há como responsabilizá-lo pela comprovação do recolhimento das contribuições. 3. Não ofende o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.213/1991 o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo 66 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (Funrural). 4. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencido o Sr. Ministro Ari Pargendler, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou, oralmente, a Dra. Heloísa Maria Gomes Pereira, pelo recorrente. Brasília (DF), 27 de novembro de 2013 (data do julgamento). Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator DJe 5.12.2013 RELATÓRIO O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso especial manifestado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS com base no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim ementado (fls. 108-109e): Embargos de declaração. Aposentadoria por tempo de serviço. Atividade como rurícola. Vínculos empregatícios registrados em CTPS. Art. 55, § 2º, Lei n. 8.213/1991. - No caso de averbação de tempo de trabalho rural com vistas à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço no mesmo regime de previdência a que o segurado sempre foi vinculado, não é exigível o recolhimento das contribuições, relativamente ao período de labuta como rurícola anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 8.213/1991, desde que cumprida a carência, como ocorrido no caso dos autos. Precedentes. RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 67 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - A situação em apreço não se identifica com a do trabalhador rural que desenvolvia seu mister como “diarista”, quer-se dizer, aquele que, a cada dia, exercia atividade campestre em local diferente, via de regra, arregimentado em praças pública, casas do trabalhador ou outros logradouros quaisquer, de comum conhecimento dos moradores da localidade, por parte dos chamados “gatos” (mediadores entre os proprietários rurais e os rurícolas propriamente ditos). Não obstante, o próprio Instituto Previdenciário tem o bóia-fria como segurado empregado, de acordo com as Instruções Normativas INSS/DC n. 68/2002 (art. 27), 71/2002 (alínea c, inc. I, art. 40) e 95/2003 (alínea c, I, art. 2º). - De forma semelhante, não se confunde com a hipótese daqueles pequenos proprietários que, juntamente com o núcleo familiar, exploravam a terra (segurados especiais) e dela obtinham seu sustento. - Efetivamente, o recorrido foi empregado rural, segundo vínculos em CTPS. - Como tal, o regramento de regência da espécie conferiu-lhe qualidade de segurado/beneficiário (Lei n. 4.214/1973, Decreto n. 53.154/1963, DecretoLei n. 276/1967, Lei Complementar n. 11/1971, Decreto n. 69.919/1972 e Lei Complementar n. 16/1973, afora a Lei n. 8.213/1991). - Sob outro aspecto, o quesito relativo à tabela do art. 142 do regramento ordinário restou satisfeito. - Embora não houvesse previsão para aposentadoria por tempo de serviço aos rurícolas na Lei Complementar n. 11/1971, a Lei n. 8.213/1991 viabilizou também a essa classe de segurados a benesse em voga (arts. 52 e seguintes). - Embargos de declaração parcialmente providos apenas para acrescer razões ao aresto. Sustenta o recorrente violação ao art. 55, § 2º, e 142, ambos da Lei n. 8.213/1991, e ao art. 333, I, do CPC, asseverando que o segurado não se desincumbiu de provar o cumprimento do requisito de carência, bem como que “o tempo de serviço rural anterior ao advento da Lei n. 8.231/1991 não pode ser computado para fins de carência, sendo que a aposentadoria por tempo de serviço exige o cumprimento da carência prevista no artigo 142” (fl. 114e). Segundo defende, a parte autora, na data da entrada do requerimento administrativo, somente havia recolhido 90 contribuições, no entanto, de acordo com a regra de transição do art. 142 da Lei de Benefícios, são exigidos 102 recolhimentos à Previdência Social. Aduz que as anotações em carteira profissional relativas aos contratos de trabalho nos períodos de 10/1962 a 3/1987 e de 4/1990 a 3/1991 não podem ser computados para vinculação ao Regime Geral da Previdência Social RGPS, pois se referem a vínculos de trabalhador rural, cujos recolhimentos 68 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO eram destinados ao Fundo de Assistência ao Trabalhador rural (Funrural) e ao Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural), nos moldes previstos nas Leis Complementares n. 11/1971 e 16/1973. Contrarrazões às fls. 125-127e. O Tribunal Regional, constatando haver multiplicidade de recursos, na origem, com fundamento nessa questão de direito, selecionou este e o REsp n. 1.352.874-SP, com fundamento no § 1º do art. 543-C do CPC e no art. 1º da Resolução n. 8/2008 do STJ (fls. 132-133e). Em decisão de fls. 144-145e recebi o presente feito a fim de analisar a controvérsia. E quanto ao REsp n. 1.352.874-SP, para evitar reiterações de teses sob o rito do processo repetitivo, determinei o seu sobrestamento até o julgamento destes autos. O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado pela Subprocuradora-Geral da República Gilda Pereira de Carvalho, opinou pelo provimento do recurso especial, em parecer assim ementado (fls. 151-155e): Ementa. Recurso especial. Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço. Averbação de tempo de serviço rural. Carência. 1. O artigo 55, § 2º, da Lei n. 8.213/1991 veda a utilização do tempo de serviço do segurado trabalhador prestado antes da vigência da Lei n. 8.213/1991 para efeito de cumprimento da carência prevista no artigo 142 do mesmo diploma. Precedentes do STJ. 2. Tratando-se de segurado que, mediante averbação de tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991, visa à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço, não se exige o recolhimento das contribuições relativas ao período do labor rural, contudo, o segurado deve cumprir a carência prevista no artigo 142 da Lei n. 8.213/1991, contada a partir da vigência desse diploma legal. 3. Pelo provimento do recurso especial. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Narra a inicial que o segurado, ora recorrido, ajuizou a presente ação em face do indeferimento administrativo de aposentadoria por tempo de serviço, no qual a autarquia sustentou insuficiência de carência, tendo em vista constar apenas 90 RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 69 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA contribuições até janeiro de 1998, e não os 102 recolhimentos necessários (fl. 18e). Registro que não se trata de ação a postular aposentadoria rural por idade, mas, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço mediante o cômputo do tempo de serviço rural constante da Carteira Profissional de Trabalhador Rural juntada às fls. 11-17e, relativo aos períodos de 10.12.1958 a 31.1.1971; 3.1.1972 a 15.2.1980; 3.3.1980 a 23.5.1990; e 13.6.1990 a 14.11.1990. O pedido foi julgado procedente na sentença sob o fundamento de que “se não houve o recolhimento previdenciário, foi por omissão do patrão, ônus esse que não pode ser suportado pelo autor” (fl. 53e). Em grau de apelação e reexame oficial, o Tribunal Regional manteve a sentença, consignando que o autor colacionou cópias da carteira de trabalho com anotações formais nos períodos pleiteados, perfazendo, até a data do requerimento, 37 anos, 10 meses e 3 dias de tempo de serviço (fl. 88e). O referido julgado fundamentou-se nos termos do art. 19 do Decreto n. 3.048/1999, na redação original, o qual dispõe que a anotação em carteira de trabalho vale para todos os efeitos como prova de filiação à Previdência Social, relação de emprego, tempo de serviço ou de contribuição e salários-decontribuição. Assim, o tempo de anterior à vigência da Lei n. 8.213/1991 pode ser computado, inclusive, para comprovar a carência, “desde que haja anotação em CTPS, caso dos autos” (fl. 88e). Em sede de embargos de declaração, a Corte de origem, integrando o acórdão anterior, assinalou que o sistema previdenciário rural brasileiro, “representado por diversas instituições criadas ao longo do tempo (a Fundação da Lei n. 2.613/1955, o Fundo da Lei n. 4.214/1963 e do Decreto-Lei n. 276/1967 ou o Programa de Assistência da Lei Complementar n. 11/1971), contou, sempre com correlatas fontes de custeio”, inclusive dos empregadores rurais (fl. 105e). Considero que assiste razão às instâncias ordinárias. Com efeito, mostrase incontroverso nos autos que o autor foi contratado por empregador rural, com registro em carteira profissional desde 1958, razão pela qual não há como responsabilizá-lo pela comprovação do recolhimento das contribuições. A Lei n. 4.214/1963 – o Estatuto do Trabalhador Rural – “pela primeira vez, reconheceu a condição de segurado obrigatório ao rurícola arrimo de família 70 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO e criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural - Funrural” (REsp n. 1.105.611-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19.10.2009). No art. 2º, a lei denominava trabalhador rural “a pessoa física que presta serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro”, como ocorrido na hipótese. Por outro lado, em seu art. 63, o Estatuto determinava que os contratos de trabalho, se constantes de anotações em carteira profissional, não poderiam ser contestados, verbis: Art. 63. O contrato individual de trabalho rural poderá ser oral ou escrito, por prazo determinado ou indeterminado, provando-se por qualquer meio permitido em direito e, especialmente, pelas anotações constantes da Carteira Profissional do Trabalhador Rural, as quais não podem ser contestadas. E, quanto às contribuições, disciplinava o art. 158 da mesma lei que o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural seria custeado por um percentual do valor dos produtos agropecuários a serem recolhidos pelo produtor: Art. 158. Fica criado o “Fundo Assistência e Previdência do Trabalhador Rural”, que se constituirá de 1% (um por cento) do valor dos produtos agro-pecuários colocados e que deverá ser recolhido pelo produtor, quando da primeira operação, ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, mediante guia própria, até quinze dias daquela colocação. Em 1967, com a criação do Funrural, novamente, o segurado trabalhador rural foi excluído da participação na fonte de custeio do fundo de assistência (grifos nossos): Art. 158. Fica criado o Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural (Funrural), destinado ao custeio da prestação de assistência médico-social ao trabalhador rural e seus dependentes, e que será constituído: (Redação dada pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967) I - da contribuição de 1% (um por cento), devida pelo produtor sôbre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida: (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967) a) pelo adquirente ou consignatário, que fica sub-rogado, para êsse fim, em tôdas as obrigações do produtor; (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967) RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 71 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA b) diretamente pelo produtor, quando êle próprio industrializar os produtos; (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967) II - da contribuição a que se refere o art. 117, item II, da Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964; (Incluído elo Decreto-Lei n. 276, de 1967) III - dos juros de mora a que se refere o § 3º; (Incluído pelo Decreto-Lei n. 276, de 1967) IV - das multas aplicadas pela falta de recolhimento das contribuições devidas, no prazo previsto no § 3º, na forma que o regulamento dispuser. Impende ressaltar que, inicialmente, o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários - IAPI recebeu o encargo de arrecadar para o Funrural, bem assim, era incumbido da prestação dos benefícios estabelecidos para o trabalhador rural e seus dependentes (art. 159 da Lei n. 4.214/1963). Posteriormente, houve a unificação de todos os Institutos de Aposentadorias e Pensões, os quais foram incorporados ao então criado INPS - Instituto Nacional de Previdência Social, por força do Decreto-Lei n. 72/1966. Em 1971, com o advento da Lei Complementar n. 11/1971, o Funrural seria responsável por implementar o Prorural - Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, cujos recursos seriam mantidos pela contribuição de fontes oriundas do produtor, do adquirente e das empresas, novamente excluído o empregado rural (art. 15). Outrossim, na atual legislação, o parágrafo único do art. 138 da Lei n. 8.213/1991 expressamente considera o tempo de contribuição devido aos regimes anteriores à sua vigência: Art. 138. [...]. Parágrafo único. Para os que vinham contribuindo regularmente para os regimes a que se refere este artigo, será contado o tempo de contribuição para fins do Regime Geral de Previdência Social, conforme disposto no Regulamento. Dessa forma, não ofende, a meu ver, o § 2º do art. 55 da Lei n. 8.213/1991 o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (Funrural). Nesse sentido: 72 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Previdenciário. Empregado rural. Atividade de filiação obrigatória. Lei n. 4.214/1963. Contribuição. Obrigação. Empregador. Expedição. Certidão. Contagem recíproca. Possibilidade. Art. 94 da Lei n. 8.213/1991. 1. A partir da Lei n. 4.214, de 2 de março de 1963 (Estatuto do Trabalhador Rural), os empregados rurais passaram a ser considerados segurados obrigatórios da previdência social. 2. Nos casos em que o labor agrícola começou antes da edição da lei supra, há a retroação dos efeitos da filiação à data do início da atividade, por força do art. 79 do Decreto n. 53.154, de 10 de dezembro de 1963. 2. Desde o advento do referido Estatuto, as contribuições previdenciárias, no caso dos empregados rurais, ganharam caráter impositivo e não facultativo, constituindo obrigação do empregador. Em casos de não-recolhimento na época própria, não pode ser o trabalhador penalizado, uma vez que a autarquia possui meios próprios para receber seus créditos. Precedente da Egrégia Quinta Turma. 3. Hipótese em que o Autor laborou como empregado rural, no período compreendido entre 1º de janeiro de 1962 e 19 de fevereiro de 1976, com registro em sua carteira profissional, contribuindo para a previdência rural. 4. Ocorrência de situação completamente distinta daquela referente aos trabalhadores rurais em regime de economia familiar, que vieram a ser enquadrados como segurados especiais tão-somente com a edição da Lei n. 8.213/1991, ocasião em que passaram a contribuir para o sistema previdenciário. 5. Reconhecido o tempo de contribuição, há direito à expedição de certidão para fins de contagem recíproca. 6. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 554.068-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 17.11.2003, grifos nossos) Como bem ressaltado pela eminente Ministra Laurita Vaz, no acórdão supra: [...] quando do exercício labor rural já estava ele vinculado, obrigatoriamente, à previdência social (I.A.P.I. e Funrural), porquanto era empregado. Não se cuida, portanto, de atividade cuja filiação à previdência se tornou obrigatória tãosomente com a edição da Lei n. 8.213/1991, como na hipótese dos rurícolas que exercem seu trabalho em regime de economia familiar. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008. É o voto. RSTJ, a. 26, (233): 29-74, janeiro/março 2014 73 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO O Sr. Ministro Ari Pargendler: O desate do thema decidendum depende de saber se o tempo de serviço do trabalhador rural - anterior à vigência da Lei n. 8.213, de 1991 - pode ser computado para fins de carência. A esse propósito, o art. 55, § 2º, da Lei n. 8.213, de 1991, dispõe: “Art. 55 § 2º - O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento”. Na dicção do art. 126 do Código de Processo Civil, no julgamento da lide cabe ao juiz aplicar as normas legais. Juízes e tribunais só podem deixar de aplicar a lei quando declararem-na inconstitucional. Decidindo que a anotação na carteira profissional dispensa o período de carência, o tribunal a quo deixou de aplicar norma legal sem declará-la inconstitucional, contrariando o enunciado da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribuanl que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência, no todo ou em parte”. Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, dando-lhe provimento para julgar improcedente o pedido. 74