A INFLUÊNCIA DO ÍON BROMETO NO POTENCIAL DE FORMAÇÃO DE TRIALOMETANOS João Tito Borges Mestre em Engenharia Civil - UNICAMP, na Área de Saneamento e Ambiente, e doutorando na mesma área. Atualmente desenvolve trabalho em processos alternativos de desinfecção, sub-produtos da desinfecção e qualidade de águas de abastecimento. Regina Sparrapan Doutora em ciências exatas pelo IQ – UNICAMP (área de química orgânica). Pós-Doutoramento em espectrometria de massas clássica e suas aplicações no monitoramento de VOC e estudo de reações íonmolécula na fase gasosa. José Roberto Guimarães Professor associado (livre docente) do Departamento de Saneamento e Ambiente da Faculdade de Engenharia Civil – UNICAMP. Atualmente trabalha com química sanitária/ambiental, mais especificamente com qualidade de águas, tratamento de águas de abastecimento e residuárias e processos fotocatalíticos. Marcos Nogueira Eberlin Professor doutor do Instituto de Química da UNICAMP. Desenvolve trabalhos em espectrometria de massas no aparelho pentaquadrupolar em reações de íon-molécula na forma gasosa e desenvolve a aplicação da técnica MIMS em amostras de origem natural (águas, ar, solos). Endereço : Faculdade de Engenharia Civil – UNICAMP, Caixa Postal 6021, CEP: 13083-970, Campinas–S.P.-Brasil Tel: 55-19-3788.2378 - Fax: 55-19-3788.2411 e-mail: [email protected] Palavras-chave: desinfecção, cloração, trialometanos, brometo. RESUMO O presente estudo objetivou elucidar a formação e a distribuição das espécies de trialometanos formados na reação do cloro com matéria orgânica, na presença do íon brometo. A influência da presença do íon brometo fez com que ocorresse uma alteração drástica nas proporções das espécies formadas. Com o aumento da dosagem do íon brometo no meio, ocorreu uma inversão na proporção dos compostos halogenados, propiciando uma maior formação de compostos com maior proporção de bromo na molécula e a redução acentuada na formação de compostos com maior proporção de cloro na molécula. A técnica MIMS proporcionou a visualização do fenômeno, ao propiciar o monitoramento das espécies de uma maneira rápida e ilustrativa. INTRODUÇÃO O cloro molecular (Cl2) forma o ácido hipocloroso (HOCl) e o ácido clorídrico (HCl), fruto de sua reação com a água, durante o processo clássico de desinfecção. O ácido hipocloroso se dissocia para formar o ânion hipoclorito (OCl-) e o íon hidrogênio (H+). Se o ânion brometo (Br-) estiver presente no meio, o mesmo será oxidado, formando o ácido hipobromoso (HBrO). 1 Cl2 + H2O ⇔ HOCl + H+ + Cl- (equação 1) O ácido hipocloroso se dissocia para formar o ânion hipoclorito (OCl-) e o íon hidrogênio (H+). HOCl ⇔ H+ + OCl- (equação 2) A concentração das espécies desse ácido fraco (HOCl e OCl-) depende do pH e da temperatura. Se o ânion brometo estiver presente durante o processo de desinfecção, ele é oxidado, formando ácido hipobromoso (HBrO). Os ácidos hipocloroso e hipobromoso formados, reagem com material orgânico de ocorrência natural (NOM) em água para formar subprodutos halogenados, dentre os quais os trialometanos (THM). As quatro espécies de trialometanos que são formados em maior proporção são: triclorometano (CHCl3), bromodiclorometano (CHBrCl2), dibromoclorometano (CHBr2Cl) e tribromometano (CHBr3). A concentração total destes compostos é denominada TTHM - trialometanos totais. A formação dos trialometanos durante a desinfecção de águas para fins de abastecimento tem sido objeto de preocupação na área de saúde pública, por isso, tem havido um esforço progressivo no sentido de restringir os limites permissíveis para as concentrações de TTHM em águas para fins de abastecimento público. A agência de proteção ambiental dos Estados Unidos (USEPA) inicialmente adotou um limite máximo de 100 µg/L. O limite atual é de 80 µg/L para TTHM (USEPA, 1998). No Brasil, conforme Portaria 1469 do Ministério da Saúde, de 29/12/2000, o limite é de 100 µg/L para trialometanos totais. Estudos apontam que a razão entre a concentração do íon brometo presente no meio aquoso e o cloro aplicado, interfere na afeta na especiação dos trialometanos, formando maior proporção de bromometanos em comparação ao triclorometano (KRASNER, 1989; BLACK, 1996). Outros fatores que afetam na formação dos trialometanos (THM) são: - concentração de (MON) matéria orgânica de origem natural; - dose do cloro; - tempo de contato; - pH; - concentração de nitrogênio; - temperatura. Na determinação de trialometanos foi utilizada a técnica MIMS (KOTIAHO, et al. 1991), que é uma aplicação da espectrometria de massas. A espectrometria de massas é uma técnica na qual moléculas no estado gasoso, sob baixa pressão, são bombardeadas com um feixe de elétrons de alta energia. A energia do feixe de elétrons é geralmente de 70 eV (elétron-volts) expulsa um dos elétrons da molécula e produz um íon positivamente carregado, chamado íon molecular. M + e- → M+. + 2e- (equação 3) Este íon molecular não é apenas um cátion, mas, por conter um número ímpar de elétrons ele é também um radical livre (elétrons desemparelhados). Um feixe de elétrons com uma energia de 70 eV, não apenas desloca elétrons da molécula, produzindo íons moleculares, como também confere aos íons moleculares uma considerável energia extra. Assim, depois de formados, estes íons moleculares se fragmentam e o modo como estes se desintegram pode fornecer informações muito úteis sobre a estrutura da molécula. Em resumo, a fonte de ionização converte moléculas da amostra em íons e os acelera para o analisador de massas o qual distingue os íons conforme a relação de suas massas (m) pela sua carga (z), ou seja, m/z. O detector, por sua vez, identifica cada fragmento iônico e o resultado é obtido por meio da intensidade do íon versus sua relação m/z. Em qualquer forma de apresentação, ao pico mais intenso, chamado de pico base, é atribuído o valor arbitrário 100%. As intensidades dos outros picos são indicadas em valores proporcionais, como porcentagens do pico base. 2 OBJETIVO A meta principal do presente trabalho foi um estudo relacionando a presença do íon brometo com o potencial de formação de trialometanos na águas, e a influência da concentração deste íon na distribuição das espécies formadas durante o processo de desinfecção com o cloro. MATERIAIS E MÉTODOS Primeiramente, foram preparadas soluções de ácido húmico comercial nas concentrações de 0,5; 1,0; 2,5 e 5,0; e 10 mg/L. Em seguida, adicionou-se brometo de sódio às varias soluções de ácido húmico e procedeu-se a cloração destas amostras testes, com a finalidade de se realizar ensaios do Potencial de Formação de Trialometanos (THMFP), conforme procedimento descrito na APHA (1995). De acordo com o método do Potencial de Formação de Trialometanos (THMFP), as amostras testes de 250 ml foram tamponadas a um pH de aproximadamente 7,0 e adicionado cloro, na forma de hipoclorito de sódio, para se obter um residual em torno de 3,0 mg/L de cloro. Após a incubação da amostra por 7 dias, a uma temperatura de 25 0C realizou-se a determinação de trialometanos totais pelo método MIMS, já descrito em trabalhos anteriores (Kotiaho et al., 1991 e Tito Borges, Guimarães, et al, 2000) A técnica utilizada para a quantificação dos trialometanos foi a Espectrometria de Massas por Introdução via Membranas (MIMS), do inglês “Membrane Introduction Mass Spectrometry”, que se baseia na transferência de vapor de substâncias orgânicas de uma matriz aquosa para um espectrômetro de massas (Figura 1). No processo de monitoramento e na quantificação das várias espécies de trialometano nas amostras de água, utilizando-se a técnica MIMS, foram usados padrões de THM certificados. Tanto as amostras quanto os padrões foram analisados após serem refrigerados, para evitar-se a perda de analito por evaporação. Na técnica MIMS a amostra de água é injetada da amostra para a membrana por uma bomba peristáltica e os compostos orgânicos voláteis migram da solução aquosa para a membrana, se concentram e evaporam da superfície da membrana para a fonte de ionização a alto vácuo do espectrômetro de massas, onde são ionizados. A hidrofobicidade da membrana proporciona a permeabilidade aos compostos orgânicos voláteis e permite que aconteça o processo de transferência da amostra da membrana para o espectômetro de massas. Este processo de permeação depende das propriedades moleculares do analito e do material do qual é feita a membrana. As membranas tipicamente usadas são de polímeros orgânicos, tais como polietileno e PTFE para monitoramento de gás e polímeros baseados em silicone para análise de compostos orgânicos voláteis em solução aquosa ou no ar. 3 MS - quadrupolo Amostra Bomba Membrana Figura 1 – Esquema simplificado do sistema MIMS Foram monitorizados os íons m/z 83, m/z 129 e m/z 173 pela técnica SIM (singlet ion monitoring). O íon de m/z 83 representa a soma dos componentes triclorometano e monobromoclorometano, o íon m/z 129 representa o dibromoclorometano, e o íon de m/z 173 representa o tribromometano. Nas Figuras 2 e 3 são apresentados os espectros de massas dos compostos em estudo. Figura 2 - Espectros de massas do triclorometano e do bromodiclorometano. 4 Figura 3 – Espectros de massas do dibromoclorometano e tribromometano RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 1 são apresentados de uma forma resumida os métodos analíticos, o equipamento e os parâmetros analisados nos ensaios. Tabela 1 – Parâmetros analisados , método analítico e equipamento utilizado nos ensaios Referência Parâmetro Método Equipamento Extrel -ABB Membrane Introduction Mass Trialometanos Totais Kotiaho et al., 1991 Quadrupolar Spectrometry (MIMS) Potencial de Formação de Trialometanos (THMFP) Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater – 15 ed. Extrel - ABB pH Potenciométrico Orion APHA, 1995 Quadrupolar APHA, 1995 Absorção em UV 254 Espectrofotométrico Hach – DR 4000 APHA, 1995 nm Na Tabela 2, são apresentados os valores de absorção em UV a 254nm para as soluções de ácido húmico preparadas a partir de padrão de ácido húmico comercial (Acros Organics). O ácido húmico utilizado no estudo simula a presença da matéria orgânica presente nas águas naturais. Tabela 2 Valores de absorção em UV a 254nm para as soluções de ácido húmico Concentração de Ácido Húmico (mg/L) Absorção em UV a 254 nm (cm-1) 0,5 0,044 1,0 0,058 2,5 0,091 5,0 0,155 Na Figura 4 são mostrados os resultados de monitoramento da concentração das várias espécies de trialometano em relação à variação do teor de ácido húmico, com concentração de cloro fixa (5mg/L) e sem adição de íons brometo. Observou-se a formação predominante do componente com m/z 83, que representa a soma de triclorometano mais bromodiclorometano, isto é, não observou-se a formação de compostos com 5 maior proporção de bromo, representados pelos íon m/z 129 e 173, que correspondem ao dibromoclorometano e ao tribromometano, respectivamente. 750 TTHM (ug/L) 650 550 Cl = 5 mg/L Br = 0mg/L 450 m/z 83 m/z129 350 m/z173 soma 250 150 50 -50 0 1 2 3 4 5 Concentração de ácidos húmicos (mg/L) Figura 4 – Potencial de formação de trialometanos em função da concentração de ácidos húmicos com uma dosagem de 5 mg/L de cloro. Ao se comparar o comportamento dos íons monitorados nas figuras 4 e 5 verifica-se uma diferença fundamental na formação dos compostos. Na figura 4, o único composto observado foi o íon m/z 83, na ausência de brometo. Na figura 5, com adição de 0,25 mg/L de íon brometo, observa-se a formação dos componentes m/z 129 e m/z 173, isto é, após a adição de íon brometo altera de maneira significativa a proporção entre os compostos formados. O íon m/z 83 não é formado quando se adiciona brometo. E a soma total dos componentes, denominada trialometanos totais foi da ordem de 55 mg/L. Com a adição de 0,25 mg/L de brometo no meio (figura 5) observou-se um aumento significativo na formação dos trialometanos totais, e para uma concentração de ácidos húmico de 5 mg/L o valor da soma dos componentes foi de aproximadamente 550 mg/L, isto é dez vezes maior do que na ausência do íon brometo (figura 4). Nas figuras 5 e 6 são mostrados os resultados ao se realizar a cloração das amostras de solução húmica com duas diferentes concentrações de cloro, sendo 5 mg/L na figura 5 e 10 mg/L na figura 6, mantendo-se a concentração fixa do íon brometo (0,25 mg/L). Observa-se o acréscimo no potencial de formação de trialometanos com a maior dosagem de cloro e a presença dos componentes com m/z 129 e 173. Ainda quando se comparam as figuras 5 e 6, verifica-se que a diferença no potencial de formação THM se acentua para concentrações de ácidos húmicos acima de 2,5 mg/L, o que significa que o componente limita a reação no início. Quando se realiza a cloração das amostras com a mesma concentração de ácidos húmicos, aumentando-se a concentração de brometo, verifica-se um acréscimo na formação de trialometanos até um limite a partir do qual não observa-se aumento significativo. A partir de uma determinada concentração de brometo no meio, este passa a se apresentar em excesso, não sendo utilizado na formação dos trialometanos. CHANG, et al. (2001) confirmam uma maior velocidade de formação de compostos bromados. A substituição por brometo é uma conseqüência da rápida oxidação realizada pelo cloro sobre o íon brometo proporcionando a formação do bromo (ácido hipobromoso). 6 750 650 Cl = 5 mg/L Br = 0,25 mg/L 550 450 m/z 83 TTHM (ug/L) m/z129 350 m/z173 soma 250 150 50 -50 0 1 2 3 4 5 Concentração de ácidos húmicos (mg/L) Figura 5 – Potencial de formação de trialometanos em função da concentração de ácidos húmicos com uma dosagem de 5 mg/L de cloro, na presença de água com concentraçãode brometo de 0,25 mg/L. 750 650 Cl = 10 mg/L Br = 0,25 mg/L 550 TTHM (ug/L) 450 m/z 83 m/z129 350 m/z173 soma 250 150 50 -50 0 1 2 3 4 5 Concentração de ácidos húmicos (mg/L) Figura 6 – Potencial de formação de trialometanos em função da concentração de ácidos húmicos com uma dosagem de 10 mg/L de cloro na presença de 0,25 mg/L de íon brometo 7 Estes resultados estão de acordo com alguns estudos sobre o efeito do íon brometo na especiação dos trialometanos formados. Nos estudos de AIZAWA, et al.(1989), SYMONS, et al.(1993), SUMMERS, et al.(1993), foram observados comportamentos bastante semelhantes. CONCLUSÕES O presente estudo ilustra a influência da presença do bromo no potencial de formação de trialometanos, a presença deste elemento, além de alterar a proporção das espécies, aumenta significativamente a concentração de trialometanos formados. REFERÊNCIAS 1. AIZAWA, T., MAGARA, Y., MUSASHI, M. (1989) Effect of bromide ions on trihalomethane formation in water Journal Water SRT-Aqua. vol 38 pp 165-175 2. APHA (1995) Standard methods for the examination of water and wastewater. 3. CHANG, C.C.e HER, G.R. (2000) On-line monitoring trihalomethanes in chlorinated water by membrane introduction-fast gas cromatography mass-spectrometry. Journal of chromatography A, 893, 169-175. 4. KOTIAHO, T. (1991) Membrane introduction mass spectrometry.Analytical Chemistry., vol. 63, p. 875. 5. KRASNER, S. W., Mc GUIRRE, M.J. and JACANGELO J.J (1989) The occurence of disinfection byproducts in US drinking water. J.A.W.W.A 81 (8) 41. 6. NORTON and LE CHEVALIER (1997). Chloramination: Its efect on distribution Sistem Water Quality. Journal of the american water works association 89 (7) 66. 7. SUMMERS, R.S., et al. (1993) Effect of Separation Processes on the formation of brominated THMs Journal of the american water works association. 85 (1) 88-95 8. SYMONS, J. M. et al. (1993) Measurement of THM and precursor concentrations revisited: effect of bromide ion. Journal of the american water works association 85 (1), 51-62. 9. TITO BORGES, J., ALBERICI R.M., GUIMARÃES J.R. e EBERLIN, M.N. (2000) Determinação de trialometanos em águas de abastecimento utilizando-se a técnica MIMS (Membrane Introduction Mass Spectrometry) 21o Congreso de la associación interamerican de ingenieria sanitária y ambiental – dezembro , Porto Alegre RS (CD ROM). 10. USEPA (1998) Federal register, vol 63, n. 241, 16/12/1998, Rules and Regulations. Agradecimentos: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (Processo No 00/4794-0) 8