PACTO DE ESTABILIDADE E CRESCIMENTO NA UNIÃO
EUROPÉIA: HÁ INCENTIVOS AO SEU CUMPRIMENTO?
Fernando B. Meneguin
Doutor em Economia, Mestre em Economia do Setor Público
Maurício S. Bugarin
Ph.D. em Economia
RESUMO:
O objetivo deste estudo é analisar, com os instrumentais da Teoria dos Contratos e da Teoria dos Jogos,
os incentivos que podem levar um Estado-membro da União Européia a descumprir o Pacto de
Estabilidade e Crescimento e, assim, manter um déficit excessivo, mesmo sabendo do risco político e
financeiro associado ao descumprimento. São analisados vários jogos: informações completa e
incompleta entre um país e a União Européia e informação incompleta entre o bloco e dois países. Esse
último caso leva a um equilíbrio com construção de reputação. A principal conclusão do trabalho é que o
bloco econômico deve ser intransigente e exigir o cumprimento dos acordos pactuados, pois, do contrário,
incentivará um descumprimento em cascata do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que pode
inviabilizar a União Econômica e Monetária.
PALAVRAS CHAVE:
União Européia, Pacto de Estabilidade e Crescimento, Teoria dos Jogos, Teoria dos Contratos, Déficit
Excessivo.
ABSTRACT:
The objective of this paper is to analyze, with the instruments of Game Theory, the incentives that can
lead a Member State of the European Union to disregard the Stability and Growth Pact, and thus, to keep
an excessive deficit, although aware of the political and financial risk associated with the noncompliance. Some games are analyzed: complete and incomplete information between a country and the
European Union and incomplete information between the Union and two countries. This last case brings
about an equilibrium that involves formation of reputation. The main conclusion is that the European
Union must be strong and demand the fulfillment of the agreed, even if this imposes a high cost. If there
were a signaling, as is already happening, that the European Union does not detain enough power to
compel their members to adjust their deficits, there probably will be a general and in-cascade noncompliance of the Stability and Growth Pact, what will lead to the downfall of the Economic and
Monetary Union.
KEY WORDS:
European Union, Stability and Growth Pact, Game Theory, Theory of Incentives, Excessive Deficit.
CÓDIGO JEL: C72, F02, H62.
ÁREA ANPEC: ÁREA 7 - MICROECONOMIA, MÉTODOS QUANTITATIVOS E FINANÇAS.
Introdução
A década de 90 marca uma transformação fundamental na história européia. Isso resulta da
conjugação de vários fatores, como: o desaparecimento do bloco do Leste que trouxe consigo profundas
alterações no equilíbrio geopolítico da Europa; a concretização, em janeiro de 1993, do projeto do
mercado interno único, que eliminou obstáculos à livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e
capitais; os desafios na esfera das relações internacionais, que exigiram da Comunidade Européia possuir
uma voz ativa na defesa de interesses comuns; e a exigência de uma reforçada dimensão política, que
permitisse sustentar o processo de integração econômica.
Para enfrentar esses desafios, os países europeus procuraram, no plano econômico, criar a União
Econômica e Monetária, que surge na seqüência lógica do Mercado Único Europeu. No plano político,
por meio de uma política comunitária de relações internacionais e segurança comum, inicia-se um
processo que conduzirá à União Política. A junção da União Econômica e Monetária (UEM) com a União
Política caminha em direção à União Européia (UE).
Para tanto, várias negociações foram iniciadas em 1991, envolvendo doze países (Alemanha,
França, Reino Unido, Itália, Espanha, Bélgica, Holanda, Portugal, Grécia, Irlanda, Dinamarca e
Luxemburgo), que culminaram, em 1992, no Tratado da União Européia, hoje conhecido por Tratado de
Maastricht.
Relativamente à União Econômica e Monetária, para que funcione plenamente, é crucial que haja
uma coordenação ampla da política macroeconômica da Europa. A componente monetária passa a ser
conduzida pelo Banco Central Europeu. No que diz respeito à política fiscal, cada Estado-membro
desfruta de autonomia. No entanto, mesmo na política fiscal, uma completa independência poderia gerar
riscos, como aumento do déficit e da dívida de algum país acarretar pressão sobre a taxa de juros na UEM
ou levar a um ambiente inflacionário que afetaria as economias de todos os Estados-membros.
Haja vista a necessidade de disciplina fiscal nos países da União Européia, foi assinado o Pacto de
Estabilidade e Crescimento (PEC), que visa a se atingir uma sólida gestão das finanças públicas na
Europa. Em suma, criaram-se regras fiscais que estabeleceram limites para déficit e dívida. A partir de
então, caso haja o descumprimento dos limites impostos, estão previstas sanções.
Sabe-se que existe uma relação forte entre flutuações econômicas e decisões eleitorais de uma
população, tópico recorrentemente estudado tanto em economia como em ciência política.
A teoria conhecida como Political Budget Cycle (“ciclos políticos orçamentários”, Rogoff, 1990)
focou a estratégia do governante na política fiscal, como a carga tributária, as transferências
governamentais e as despesas correntes do governo, concluindo que o governante tende a distorcer a
política fiscal, cortando tributos, aumentando transferências e promovendo gastos que tenham visibilidade
imediata. Assim, sugere-se uma tendência a descontrole fiscal em períodos eleitorais.
No caso específico da União Européia, mesmo com a adesão ao Pacto de Estabilidade e
Crescimento, o governante tem interesse em se perpetuar no poder. Isso pode criar um incentivo para que
o governo de algum Estado-membro da União Européia opte por descumprir o Pacto, fazendo um déficit
além do limite previsto objetivando crescimento econômico e, com isso, obter mais popularidade junto à
população de seu país.
O objetivo deste trabalho é analisar, por meio da Teoria dos Contratos e da Teoria dos Jogos, os
incentivos que podem induzir um Estado-membro da UE a primeiramente aderir ao Pacto de Estabilidade
e Crescimento (PEC) para, posteriormente, deixar de cumpri-lo, mesmo tendo ciência do risco político e
financeiro associado ao descumprimento. Estudo semelhante foi realizado em Bugarin (2003), onde se
analisaram os efeitos de eleições na condução da política fiscal após renegociação de dívidas entre
estados e municípios e a União, considerando o federalismo brasileiro.
O estudo do tema aqui introduzido encontra-se dividido da seguinte maneira:
2
Na primeira seção do artigo, apresentam-se informações necessárias ao conhecimento do
funcionamento da UEM, bem como um panorama geral da UE e da questão fiscal, de forma que se possa
compreender melhor como dar-se-ão as estratégias dos agentes.
Na seção dois, encontra-se o desenvolvimento do modelo no qual se aprende como os países
maximizam sua utilidade.
A terceira seção, cerne deste estudo, traz o comportamento estratégico da União Européia e dos
estados-membros em várias situações: jogo com informação completa e incompleta entre um país e o
bloco e jogo com informação incompleta entre a União Européia e dois estados-membros. Este último
caso prevê a construção de reputação.
A quarta seção traz alguns comentários sobre quais instituições européias têm poder de decisão e a
proposta de um novo modelo em que a União Européia é dividida em dois outros jogadores: Conselho de
Ministros e Comissão Européia.
A seção cinco apresenta algumas extensões possíveis; e a seção seis traz as conclusões do estudo.
I. Panorama Geral da União Européia e a Questão Fiscal
Com o advento do Tratado de Maastricht, gerou-se a necessidade de definir uma estrutura
institucional, atribuindo competências específicas a cada entidade. Assim, foram criadas algumas
instituições no quadro da União Européia, destacando-se as comentadas a seguir:
O Conselho Europeu reúne os Chefes de Estado e de Governo e funciona como instância de
orientação geral para todas as áreas da União Européia.
O Conselho de Ministros é o órgão central de decisão de cada área. Seus membros compõem-se de
representantes de cada Estado-membro em nível ministerial. Por exemplo, os Ministros da Agricultura
tomam as decisões relativas à política agrícola, os Ministros das Finanças, reunidos no chamado ECOFIN
(Economic and Financial Affairs Council), deliberam sobre a harmonização fiscal e o orçamento
comunitário. A presidência é exercida por cada um de seus membros, por um período de seis meses.
A Comissão Européia é a guardiã dos Tratados Comunitários. É a única entidade capaz de fazer
propostas, ou seja, apenas a Comissão detém o direito de iniciativa, que, se não for exercido, nenhum
processo de decisão pode ser desencadeado no Conselho de Ministros. É composta por vinte membros,
sendo pelo menos um representante de cada Estado-membro e dois representantes dos cinco maiores
países (Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália). Os governos dos Estados-membros designam de
comum acordo, após consulta do Parlamento Europeu1, a personalidade que tencionam nomear presidente
da Comissão. Então, ouvido esse presidente, os governos indicam seus comissários, que necessitam de
aprovação do Parlamento Europeu.
De posse desses conceitos básicos, vamos tratar mais especificamente da União Econômica e
Monetária (UEM), nome dado ao processo de harmonização das políticas monetárias e fiscais dos
Estados-membros, com vistas à introdução da moeda única. O Tratado de Maastricht previu que a UEM
seria atingida em três estágios: o primeiro (01/07/1990 a 31/12/1993) consistiu na liberação do
movimento de capitais entre os Estados-membros. O segundo estágio (01/01/1994 a 31/12/1998) era
destinado à convergência das políticas monetárias e fiscais dos Estados-membros. Houve ainda a criação
em 1998 do Banco Central Europeu (BCE). Por fim, o terceiro período (a partir de 01/01/1999)
determinava a fixação das taxas de câmbio, introdução de uma moeda única para o mercado de câmbio
internacional e para pagamentos eletrônicos, seguida da circulação das notas de Euro a partir de
01/01/2002.
1
O Parlamento Europeu existe desde 1979. Trata-se de uma assembléia com representantes eleitos em cada Estado-membro.
Atualmente existem 786 parlamentares (situação em 13/07/2004).
3
O terceiro estágio aconteceu simultaneamente em onze países (a Grécia juntou-se apenas dois
anos mais tarde). Três Estados-membros (Inglaterra, Dinamarca e Suécia) não adotaram a moeda única.
Para garantir a sustentabilidade econômica requerida para o funcionamento da UEM, o Tratado
exigiu cinco critérios de convergência que cada Estado-membro deveria atingir para poder entrar no
Terceiro Estágio.
A Comissão e o Banco Central Europeu são os encarregados de conferir o cumprimento dos
critérios, que são os seguintes: déficit anual sobre PIB não pode exceder 3%; dívida sobre PIB não pode
exceder 60%; taxa de inflação média (nos doze meses anteriores à conferência) não pode exceder 1,5%
em relação à media dos três melhores países; taxa de juros não pode exceder mais de 2% em relação à
média dos três melhores países; e não pode haver tensões nas taxas de câmbio além das flutuações
normais decorrentes do mercado.
Mesmo conseguindo a convergência citada, o desafio era manter o sucesso da UEM a longo prazo,
após a instituição do Euro, havendo necessidade de uma coordenação forte das políticas monetária e fiscal
dos países. Assim, elaborou-se o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que entrou em vigor após o
terceiro estágio da UEM, com o objetivo de garantir que os Estados-Membros continuassem com os
esforços de manter a disciplina fiscal após a moeda única.
O Pacto gera um comprometimento dos países em seguir as recomendações, bem como em manter
um processo de vigilância orçamentária constante, de forma a evitar déficits superiores a 3% do PIB. Em
caso de fuga da meta, o Estado-membro se obriga a tomar ações corretivas imediatas e a acatar quaisquer
sanções impostas pelo Conselho de Ministros (ECOFIN).
Essas sanções são fruto de dispositivo no PEC que dá prerrogativa ao Conselho de Ministros (por
iniciativa da Comissão) de apenar qualquer Estado-membro que tenha falhado em tomar as medidas
apropriadas para conter um déficit excessivo.
Para tanto, existem os procedimentos acerca do déficit excessivo (PDE), que estão dispostos no
art. 104 do Tratado. O PDE prevê a elaboração de relatórios pela Comissão (Comitê de Economia e
Finanças), de forma a fornecer subsídios para o Conselho decidir se existe ou não déficit excessivo (o
valor de referência é 3% do PIB).
O déficit excessivo é considerado como uma situação excepcional se advém de algum evento
incomum ou de uma recessão econômica severa (considerada aquela que diminui o PIB em 2% num ano).
Após se identificar o déficit, o Conselho elabora recomendações ao Estado-membro e impõe um
limite para a tomada de ações corretivas. Caso as recomendações não sejam cumpridas, o Conselho pode
decidir pela imposição de sanções. A sanção toma a forma de um depósito não remunerado junto à
Comissão, cujo valor corresponde a uma parte fixa de 0,2% do PIB e uma parte variável com a dimensão
do déficit. O depósito não remunerado pode ser convertido em multa caso o déficit excessivo não seja
corrigido em dois anos.
Atualmente, o assunto está sendo amplamente debatido no âmbito da União Européia, porque
França e Alemanha encontram-se com déficits além do permitido.
Uma crise sem precedentes foi iniciada no segundo semestre de 2003, quando o presidente da
França, Jacques Chirac, reiterou pedido de afrouxamento das regras orçamentárias da UE, afirmando que
poderia desrespeitá-las novamente em 2004. A expectativa se confirmou quando, em setembro de 2003, a
França divulgou seu orçamento para 2004, trazendo a previsão de um déficit de 3,6% do PIB. Segundo o
presidente francês, a violação do PEC foi uma escolha deliberada para promover crescimento e empregos
no país.2
2
Publicado na Agence France Presse, em 11/07/2003.
4
Simultaneamente, a Alemanha também divulgou que pretendia estimular o crescimento, mesmo
que isso significasse ultrapassar o limite de déficit pelo terceiro ano consecutivo em 2004.
Isso significa que as duas principais economias da União Européia terão registrado um triênio
(2002-2004) de déficit público excessivo.
Sob os termos do pacto, um terceiro ano consecutivo de déficit excessivo poderia levar a UE a
punir suas duas maiores economias no equivalente a 0,5% do PIB (considerando as partes fixa e variável
da sanção). No caso da Alemanha, esse valor seria cerca de 10 bilhões de euros.
A decisão do Conselho de Ministros acerca da sanção toma ainda uma dimensão mais importante
quando se lembra que o bloco recebeu, recentemente, países do leste europeu, muitos dos quais com
grandes déficits também. Os países menores da UE mostraram-se furiosos com o desenrolar do tema. O
ministro das Finanças da Irlanda, Charlie McCreevy, afirmou que “corremos o risco de chegarmos a uma
situação na qual o Pacto de Estabilidade e Crescimento será como os Dez Mandamentos: todos sabem que
existem, dizem que você deve cumpri-los, mas todos os descumprem.”3
Após grande campanha do eixo franco-alemão para que seus sócios na União Européia
compreendessem a difícil situação em que se encontravam, não sendo possível reduzir o déficit até 2005,
o Conselho de Economia e Finanças da União Européia (ECOFIN), apesar da oposição de vários
integrantes, como Espanha, Bélgica e Suécia e da Comissão Européia (que pretendia iniciar o processo
para a aplicação da sanção), decidiu, em 25/11/2003, apenas pedir aos governos de Berlim e Paris um
empenho político para enxugarem seus déficits.
Pedro Solbes, comissário europeu de assuntos econômicos e financeiros, ou seja, o integrante da
Comissão responsável pelo controle dos déficits, lamentou a decisão e manifestou que o passo tomado
estremece o espírito do Pacto de Estabilidade e Crescimento.4
Na prática, o ECOFIN suspendeu o PEC para a França e Alemanha, preferindo não seguir os
procedimentos pactuados e substituí-los por conclusões políticas.
Isso fez com que a Comissão Européia decidisse entrar com um processo contra o Conselho de
Ministros no Tribunal de Justiça Europeu, por não ter aplicado as normas do Pacto de Estabilidade para
controlar o déficit fiscal à Alemanha e à França. A Comissão recrimina os ministros da Economia por
terem tomado uma decisão que premia em vez de punir quem desrespeita as normas européias.5
Em 13/07/2004, o Tribunal de Justiça Europeu anulou a decisão do ECOFIN de suspender os
processos de déficit excessivo contra a França e a Alemanha.6
Neste contexto, surgem vários questionamentos. A França e a Alemanha tomaram a decisão
correta ao descumprir o Pacto? Será que o custo envolvido na disputa com a Comissão compensa os
benefícios advindos do déficit excessivo? O descumprimento generalizado do Pacto afeta a estabilidade
do bloco econômico? Como a Comissão Européia deve agir para resguardar o cumprimento dos tratados?
O estudo das estratégias envolvidas na disputa entre os países europeus e o bloco econômico tentará
responder a essas questões.
II. O Modelo Básico
Para analisar os incentivos que podem levar um Estado-membro da UE a aderir ao Pacto de
Estabilidade e Crescimento (PEC) e, posteriormente, descumpri-lo, primeiramente deve-se conhecer qual
seria o gasto ideal dos países pertencentes ao bloco.
3
Publicado na Reuters Focus em 15/07/2003.
Publicado no Jornal Valor Econômico em 25/11/2003.
5
Publicado na Agence France Presse, em 13/01/2004.
6
Publicado na Agência Lusa – Serviço de Economia, em 13/07/2004.
4
5
Pressupõe-se que cada governo soberano procure gastar o máximo possível. Para tanto, tome-se
por base o modelo desenvolvido em Werneck (1995), que vislumbra uma forma de calcular o déficit
fiscal ótimo dos estados brasileiros. É proposta uma função de utilidade do governo baseada no montante
das despesas agregadas do ente estatal, de forma que a satisfação do estado aumente à medida que pode
despender mais. Assim, apresentam-se as seguintes relações adaptadas do modelo de Werneck:
U = U (G )
G = D − rB + T
em que G é a despesa agregada do Estado-membro, D representa o déficit fiscal, T a receita total do país,
B a dívida interna, r a taxa de juros paga sobre essa dívida e U a função de utilidade do governo, suposta
estritamente crescente. (U’>0).
Por sua vez, r é uma função diferenciável, crescente em relação ao déficit do Estado-membro e
decrescente relativamente ao quociente receita/dívida. Algebricamente:
∂r
 T  ∂r
r = r  D,  ,
> 0,
<0
T
 B  ∂D
∂
B
Conclui-se que, à proporção que o déficit cresce, o país tem que pagar um maior serviço da dívida,
o que diminui o montante disponível de recursos para gastos. Dessa forma, o governo terá de se controlar
fiscalmente para garantir um nível de déficit D que maximize suas despesas G.
O problema de maximização do Estado-membro, de forma a escolher o déficit fiscal que gere a
maior despesa agregada possível, pode ser desenhado da seguinte maneira:
Max U = U (G )
D
r.a.
G = D − rB + T
 T
r = r  D, 
 B
Substituindo as restrições na função objetivo e resolvendo a maximização em D, a condição de
primeira ordem (CPO) toma a seguinte forma7:
 T
∂r  D, 
B
=1
B. 
∂D
(1)
Essa relação foi analisada por Pires e Bugarin (2000), cuja interpretação econômica implica
igualdade entre custo marginal e ganho marginal, já que o lado esquerdo representa o custo adicional com
o aumento de uma unidade do déficit D (custo extra com pagamento do serviço da dívida sobre o estoque
B devido ao aumento dos juros r) e o lado direito, o ganho adicional com o aumento de uma unidade da
dívida.
Quando a igualdade (1) é atendida, o Estado-membro estará executando um nível de despesa e,
conseqüentemente, promovendo um déficit ótimo Dot que faz com que a utilidade do país seja
maximizada. O valor desse gasto que otimiza a utilidade do governo é denominado Gmax. Como U é
estritamente crescente, será utilizada nas análises a variável G no lugar de U(G), ou seja, o nível de
utilidade do Estado-membro é exatamente seu nível de gasto líquido.
7
A função G é côncava.
6
Figura 1
Déficit Ótimo do Estado-membro
III. Situação Fiscal após o PEC
Após a entrada em vigor do Pacto de Estabilidade e Crescimento, pode-se perceber três situações.
A primeira acontece quando o valor do gasto governamental que torna máxima a utilidade do Estadomembro é menor do que o valor limite do gasto conforme o PEC, que será chamado de Glim. Nesse caso,
não há conflito, pois o país está executando a despesa ideal sem entrar em choque com a União Européia.
(Gmax<Glim)
Figura 2
Situação 1: Gmax<Glim
A segunda situação ocorre quando o Estado-membro opta por pagar a sanção (S) imposta pelo
Conselho de Ministros devido ao déficit excessivo, pois ainda assim sua utilidade será maior do que se
ajustar ao gasto imposto pelo PEC.8 Nesse caso, a instituição da sanção não surte o efeito desejado pela
União Européia, uma vez que o país, mesmo pagando a multa, ainda terá mais recursos para gastar do que
o disponível se aceitasse o PEC. (Gmax – S > Glim)
8
Relativamente à questão intertemporal, por simplificação, considera-se que a sanção é paga no mesmo exercício em que
acontece o déficit.
7
Figura 3
Situação 2: Gmax – S > Glim
Por fim, a terceira situação acontece quando o país não está disposto a ser apenado com a sanção,
pois isso lhe acarretará grande desutilidade, mesmo quando se considera um benefício político-social C9
advindo do fortalecimento de sua imagem interna em decorrência da afronta ao bloco, pois sinaliza à sua
população a preocupação com o crescimento econômico a despeito das exigências do Pacto (Gmax – S + C
< Glim < Gmax). Nesse caso, surge espaço para construção de uma reputação, uma vez que o Estadomembro somente se sujeitará ao limite de gasto imposto pelo PEC se tiver certeza de que sofrerá a
sanção. Como essa terceira situação é a mais interessante do ponto de vista do comportamento
estratégico, as seções seguintes se atêm a ela mais detalhadamente.
Figura 4
Situação 3: Gmax – S + C < Glim < Gmax
9
Para simplificar a análise, trata-se o parâmetro C em termos equivalentes a gasto: U(G+C). Na situação 2, também existe esse
benefício político-social; no entanto, foi omitido por não interferir na análise.
8
III.1 Jogo, com informação completa, entre um País e a UE
Considere-se a terceira situação estudada na seção anterior, ou seja, valem as seguintes
desigualdades:
(2)10
Gmax – S + C < Glim < Gmax
Neste jogo, o Estado-membro (E)11 tem a opção de reduzir o déficit excessivo, promovendo
apenas o gasto público ajustado Glim (estratégia r), ou não tomar medidas para diminuir o déficit, não se
sujeitando às deliberações do Conselho de Ministros (estratégia nr). A União Européia (UE), por meio do
Conselho de Ministros, pode aplicar a sanção (estratégia a) ou não (estratégia na). Caso a sanção seja
aplicada, o país despenderá a multa S, mas receberá um beneficio político-social C, uma vez que sua
imagem interna ficará fortalecida pela demonstração de se preocupar com o crescimento econômico. Por
outro lado, a UE, ao optar por sancionar o Estado-membro, receberá o valor de S12, mas também arcará
com um custo político-social λ , pois resultará numa instabilidade do bloco por exigir uma medida
mediante coação. Em contrapartida, se a UE decidir por não aplicar a sanção, o Estado-membro
continuará praticando o gasto ótimo Gmax (com déficit excessivo) e a UE incorrerá num custo político µ ,
já que haverá uma indisposição da União com aqueles países que promoveram o ajuste.
A forma extensiva do jogo com as conseqüências correspondentes encontra-se apresentada a
seguir:
Figura 5
E
r
t0
nr
UE
Glim
0
a
t1
Gmax − S + C
S −λ
na
Gmax
−µ
O jogo de informação completa será resolvido por indução retroativa, determinando-se
primeiramente a decisão ótima da União Européia no nó t1 para depois encontrar a escolha ótima do
Estado-membro em t0, dada a escolha futura de UE. Para tanto, serão considerados dois ambientes, de
acordo com os parâmetros do jogo.
Ambiente 1: S − λ > − µ ⇔ S > λ − µ
(3)
Observe-se que o lado esquerdo da desigualdade (3) agrupa os efeitos econômicos, enquanto o
lado direito reflete o custo político líquido. Neste ambiente, como o retorno econômico da União
10
Uma inferência direta da expressão (11) é que S>C.
Primeiramente, os países são tratados de forma homogênea. A partir da seção III.3, os estados-membros são considerados
heterogêneos.
12
De fato, a sanção consiste primeiramente em um depósito não remunerado. No entanto, considera-se, por simplificação, que
a UE se apropria definitivamente de S.
11
9
Européia é maior do que o custo político quando ela resolve multar o país deficitário, UE escolherá em t1
aplicar a sanção (estratégia a).
O Estado-membro, por sua vez, prevendo que sofrerá a medida repressiva, decide reduzir seu
déficit (estratégia r), ajustando-se ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, haja vista estar valendo a
desigualdade (2).
O equilíbrio resultante é (a,r) cujos payoffs correspondentes são Gmax − S + C e S − λ , para o
Estado-membro e a União Européia respectivamente.
Ambiente 2: S − λ < − µ ⇔ S < λ − µ
(4)
Neste segundo ambiente, o retorno econômico é pequeno comparado ao custo político de se
aplicar a sanção, logo a UE optará por não multar o País deficitário (estratégia na).
Antecipando o comportamento da União Européia, o Estado-membro decidirá não desviar do seu
gasto ótimo (Gmax), promovendo o déficit excessivo (estratégia nr).
Neste ambiente, o bloco econômico corre sérios riscos, pois os países possuem incentivos a não
cumprir os pactos assinados. Como isso está acontecendo num caso em que Gmax – S + C < Glim, bastaria
que houvesse garantia de punição para que o Estado-membro se ajustasse ao PEC.
Há que se questionar, no entanto, a hipótese de informação completa. Não é plausível que o
Estado-membro consiga antecipar a decisão da União Européia de aplicar ou não a sanção. Assim, surge a
idéia de um modelo de informação incompleta, mais realista, em que o país deficitário não tem certeza se
será multado ou não.
III.2 Jogo com informação incompleta: dois tipos de bloco econômico
Considere-se novamente o jogo apresentado na figura 5. Se o país detiver informação completa
sobre os custos envolvidos num confronto com o bloco, então um dos equilíbrios estudados anteriormente
será realizado. Quando o custo político-social de aplicar a sanção é muito alto para a União Européia
( λ alto), tem-se um bloco econômico fraco, no sentido de que não adotará medida repressiva. Nessa
situação, o Estado-membro poderá despender otimamente, sem medo de sofrer retaliação.
No entanto, na realidade, não há como o país deficitário saber com que tipo de União Européia
está lidando. Ou seja, o parâmetro ( λ ) é de conhecimento privado da UE, sendo que o Estado-membro
possui informação incompleta sobre esse parâmetro, que pode assumir dois valores distintos.
A União Européia do tipo fraco, ou UE fraca, é aquela cujo parâmetro λ assume um valor
λ alto , de forma que:
f
13
λf − µ > S
Já a União Européia do tipo forte, ou UE forte, é aquela cujo parâmetro λ assume um valor λ F
baixo, de forma que:
λF − µ < S
Apesar de a União Européia conhecer seu tipo, o Estado-membro sabe apenas que o bloco
econômico é do tipo forte ( λ F ) com probabilidade κ ou do tipo fraco ( λ f ) com probabilidade 1 − κ .
Conforme o jogo desenvolvido na seção III.1, a União Européia fraca, denotada por UEf, não aplicará a
13
(
)
De fato, o tipo da UE é dado por λ − µ , mas, por simplicidade, supõe-se µ constante e concentra-se a especificidade da
UE no parâmetro λ .
10
sanção ao país excessivamente deficitário. Por outro lado, a União Européia forte, denotada por UEF,
sempre imporá a sanção ao Estado-membro que apresentar déficit excessivo.
Considerando os dois tipos de bloco econômico, pode-se construir o seguinte jogo, com
informação incompleta.
Figura 6
Jogo entre UE e E com informação incompleta sobre a UE
Gmax − S + C
S − λF
Gmax − S + C
Gmax
−µ
S − λf
na
a
Gmax
−µ
a
na
UEF
UEf
nr
nr
{κ }
{1 − κ }
E
r
Glim
0
r
Glim
0
Por ser um jogo de informação incompleta, procura-se determinar seus equilíbrios bayesianos
perfeitos. Por racionalidade seqüencial, a União Européia forte sempre escolherá aplicar a sanção (UEF:
a), caso o Estado-membro não reduza seu déficit. Em contrapartida, a União Européia fraca sempre
deixará de adotar qualquer medida punitiva (UEf: na) quando se deparar com um país que esteja
descumprindo o Pacto. Resta saber qual será a atitude do País que está com déficit excessivo.
O Estado-membro, como no início, tem duas opções: reduzir seu déficit (estratégia r) ou não
reduzi-lo e manter o gasto ótimo (estratégia nr). Por consistência bayesiana, a crença do Estado-membro
de estar lidando com uma UE forte é a probabilidade ex-ante κ . Considerando as escolhas da União
Européia, as utilidades esperadas do Estado-membro são:
UE(E/r) = Glim
(5)
UE(E/nr) = κ (Gmax – S + C) + (1 - κ )Gmax = Gmax + κ (C - S)
(6)
Para κ = 0 (o país tem certeza de que se trata de uma UE fraca), considerando a desigualdade (2),
tem-se que a escolha de E será não reduzir o déficit excessivo. Por outro lado, se κ = 1 (o país acredita
que a UE seja forte), E escolherá reduzir o déficit. Ou seja, a opção a ser tomada por E depende da
magnitude de κ . Comparando as expressões (5) e (6), encontra-se o valor de κ que faz a fronteira das
G − Glim
duas opções de E. Mais precisamente, seja κ 0 = max
∈ (0,1) , então:
S −C
11
(i) se κ > κ 0 , E escolherá a estratégia r;
(ii) se κ < κ 0 , E escolherá a estratégia nr;
Isso significa que a escolha do Estado-membro depende de uma reputação prévia conquistada pela
União Européia que influi as crenças dos países a respeito do tipo do bloco econômico. Por isso, é tão
importante que a UE mantenha uma posição firme com relação aos acordos pactuados, de forma a
garantir um conceito de forte por parte dos integrantes do bloco e desestimulá-los a desrespeitar os
tratados.
III.3 Jogo com informação incompleta para ambos os jogadores
A solução anterior é válida para uma situação em que há apenas um tipo de país; no entanto, é
natural que a União Européia detenha informação incompleta a respeito dos estados-membros. Ou seja,
assim como E não conhece o tipo da UE, a União Européia também não tem informação sobre o
parâmetro C relativo ao Estado-membro.
Assim, pode-se trabalhar com a existência de dois tipos de países. O Estado-membro dito forte,
caracterizado pela notação CF, é aquele cujo benefício político-social C por não ter reduzido o déficit é
alto o suficiente tal que:
CF > S – (Gmax – Glim)
O Estado-membro dito fraco, cujo benefício é representado por Cf , é aquele em que o proveito
político-social C por não ter reduzido o déficit é pequeno o suficiente, tal que:
Cf < S – (Gmax – Glim)
A União Européia não observa o tipo do Estado-membro, sabendo apenas que é do tipo forte com
probabilidade ν , sendo então do tipo fraco com probabilidade 1 − ν .
12
Dessa forma, considerando os dois tipos de países e os dois tipos de blocos econômicos, pode-se
construir o seguinte jogo com informação incompleta:
Figura 7
Jogo entre UE e E com informação incompleta bilateral
Gmax
−µ
Gmax − S + C f
S − λF
a
na
{1 − ν }
a
UEF
r
nr
{κ }
r
{κ }
Ef
Glim
0
na
{ν }
nr
Glim
0
Gmax
−µ
Gmax − S + C F
S − λF
Glim
0
EF
r
Glim
0
r
{1 − κ }
{1 − κ }
nr
nr
{1 − ν }
a
G max − S + C f
S −λf
na
Gmax
−µ
UEf
{ν }
a
na
G max − S + C F
S −λf
Gmax
−µ
Nesse caso, a União Européia forte (UEF) continua a ter como estratégia dominante aplicar a
sanção, enquanto a União Européia fraca (UEf) optará sempre por não aplicá-la.
Resta saber quais serão as escolhas dos Estados-membros forte e fraco. Relativamente ao país
forte (EF), temos as seguintes utilidades esperadas:
UE(EF/r) = Glim
UE(EF/nr) = κ (Gmax − S + C F ) + (1 − κ )Gmax = Gmax + κ (C F − S )
13
Como para o país forte, CF > S – (Gmax – Glim), e conhecendo a desigualdade Glim<Gmax, tem-se
que UE(EF/nr)>UE(EF/r), isso significa que o Estado-membro forte possui uma estratégia dominante que
é escolher nr, ou seja, o país forte não se sujeitará às deliberações do Conselho de Ministros e não
reduzirá seu déficit, independentemente de pagar ou não a sanção S.
Com relação ao Estado-membro fraco, as utilidades esperadas são:
UE(Ef/r) = Glim
UE(Ef/nr) = κ (Gmax − S + C f ) + (1 − κ )Gmax = Gmax + κ (C f − S )
Analogamente ao item III.2, existe um valor de κ que faz a divisória entre as escolhas do país
G −G
fraco. Seja κ 0 = max f lim ∈ (0,1) , então:
S −C
(i) se κ > κ 0 , Ef escolherá a estratégia r;
(ii) se κ < κ 0 , Ef escolherá a estratégia nr;
Em suma, o país forte possui estratégia dominante e nunca estará disposto a reduzir seu déficit
excessivo. Já o país fraco tomará sua decisão conforme seja sua crença a respeito do tipo da União
Européia. Novamente, isso ressalta a importância do bloco econômico em construir uma reputação de que
defenderá os pactos a qualquer custo, motivando, assim, os Estados fracos a manterem suas finanças em
ordem.
III.4 Jogo dinâmico com informação incompleta envolvendo dois países.
Como no modelo há dois tipos de países, torna-se interessante analisar as decisões da União
Européia em um processo dinâmico, de forma que ela pode se deparar com estados fortes e fracos.
Seja, assim, um jogo envolvendo dois países e dois períodos. No primeiro período, o país 1 toma
sua decisão quanto à redução do déficit excessivo. A União Européia, por sua vez, decide se aplica sanção
ao país ou não caso ele não tenha reduzido. No segundo período, o país 2 observa o resultado da interação
entre o país 1 e o bloco econômico e, a seguir, decide se reduz ou não o seu próprio déficit. A União
Européia reage e delibera sobre a punição desse outro Estado-membro, se for o caso.
Essa seqüência pode ser representada por duas cópias da figura 7. Na primeira, tem-se a interação
entre o país 1 e a União Européia. Na segunda cópia, jogada logo em seguida à primeira, apresenta-se o
bloco econômico interagindo com o segundo país. Note que cada Estado-membro deriva sua utilidade em
período distinto. Com relação à União Européia, que aufere utilidade nos dois períodos, por simplicidade,
desconsidera-se qualquer fator de desconto intertemporal.
Além do fato de cada período tratar de países distintos, outra diferença é que há uma atualização
das crenças no segundo período relativamente ao primeiro.
Seja a crença ex-ante κ do país a respeito do tipo do bloco econômico tal que κ > κ 0 . Nesse caso,
somente o Estado-membro forte não reduzirá seu déficit. O Estado-membro fraco seguirá as
determinações de ajuste fiscal, por acreditar que existe uma elevada probabilidade de a União Européia
ser forte e enfrentá-la acarretaria uma grande perda. Assim, o bloco econômico pode se beneficiar de uma
crença ex-ante κ alta. Por outro lado, se a crença de que a UE é forte for muito baixa, mesmo o país fraco
não cumprirá o Pacto, o que dificulta a oportunidade estratégica da UE de criar uma reputação para o
próximo período.
Como os dois países em questão realizam seus jogos seqüencialmente, haverá uma atualização, no
segundo período, da crença sobre o tipo da União Européia. Por exemplo, se, no primeiro período, um
bloco fraco ( λ = λ f ) se defrontar com um país forte e decidir não aplicar sanção ao Estado-membro
deficitário, isso fará com que o tipo da UE seja revelado como fraco (essa revelação é inevitável porque o
14
país forte nunca se ajusta e a UE forte sempre aplica a sanção). Em conseqüência, no segundo período, a
crença do país 2 sobre o tipo do bloco econômico é atualizada de κ para κ 2 = 0 . Portanto, o país 2 sabe
que está enfrentando uma União Européia fraca e, assim, promoverá seu gasto ótimo (com déficit
excessivo), qualquer que seja seu tipo, ou seja, mesmo sendo fraco.
Em contrapartida, a União Européia tem a oportunidade estratégica de não revelar seu tipo e tentar
criar uma reputação de forte para influenciar o comportamento do país fraco no segundo período.
Um bloco econômico fraco tem duas opções ao se deparar com um país deficitário que não quer se
ajustar ao Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Pode não aplicar a sanção e, automaticamente,
revelar seu tipo, fazendo com que o outro país no segundo período atualize sua crença para κ = 0 e
também deixe de cumprir o PEC.
Por outro lado, se a União Européia fraca multar o Estado-membro deficitário, ela arcará com um
elevado custo político-social, mas não terá seu tipo revelado. Assim, no segundo período, um país fraco
manterá sua crença original e reduzirá o déficit.
Para obter o equilíbrio bayesiano perfeito (EBP) desse jogo mais complexo, adiciona-se a seguinte
hipótese, que será importante para o estabelecimento do EBP a ser encontrado.
ν < 2−
λf − S
µ
(7)
A expressão acima nos diz que a UE estima que a probabilidade (ν ) de estar lidando com um país
forte é suficientemente baixa. Ou seja, essa hipótese tornará interessante para a União Européia fraca
fazer-se passar por forte para influenciar o comportamento do Estado-membro fraco no segundo período.
A solução do jogo passa novamente pela observação de que um país forte (EF) tem por estratégia
dominante não reduzir o déficit, e um bloco forte (UEF) tem por estratégia dominante a aplicação da
sanção em qualquer país que descumpra o PEC em qualquer dos dois períodos. Já a União Européia fraca
(UEf) tem por estratégia dominante no segundo período não executar medidas punitivas. Finalmente, a
decisão do Estado-membro fraco (Ef), no segundo período, dependerá de sua crença κ = κ 2 atualizada
pelo critério de Bayes: se κ 2 < κ 0 , Ef escolherá não reduzir o déficit e se κ 2 > κ 0 , Ef se ajustará ao PEC,
reduzindo seu déficit.
Resta então determinar a estratégia ótima da União Européia fraca no primeiro período,
considerando que essa decisão poderá influenciar as crenças do Estado fraco no segundo período. Assim,
as utilidades esperadas da UEf, quando o primeiro país não reduz o déficit, estão descritas a seguir:
UE (UE f / a) = ( S − λ f ) + ν (− µ ) + (1 − ν ).0 = S − λ f − µν
(8)
UE (UE f / na) = (− µ ) + ν (− µ ) + (1 − ν ).(− µ ) = −2µ
(9)
Nas expressões (8) e (9), o primeiro termo reflete a utilidade percebida no primeiro período, ao
passo que os dois termos seguintes calculam a utilidade esperada no segundo período.
Considerando a hipótese (7), pode-se concluir que a UE(UEf/a)>UE(UEf/na). Assim, existe um
equilíbrio bayesiano perfeito agregador desse jogo, que acontece quando a União Européia do tipo fraco
aplica a sanção ao país deficitário, mesmo sabendo que isso lhe causará um prejuízo no primeiro período,
de forma a induzir um país fraco a não gerar déficit excessivo no segundo período.
15
A caracterização desse equilíbrio bayesiano perfeito é a seguinte:
1º período
2º período
EF
nr
nr
UEF
a
a
r
r
UE
a
na
κ
κ1 = κ > κ 0
κ2 = κ > κ0
f
E
f
Com relação às crenças do Estado-membro fraco fora do caminho de equilíbrio, tem-se que, se no
primeiro período, Ef escolhe não reduzir o déficit e a União Européia deixa de aplicar a sanção, então a
crença é atualizada para κ 2 = 0 . Por outro lado, se Ef tiver escolhido não reduzir o déficit, mas a UE
aplicou a sanção, a crença permanece em κ 2 = κ .
Assim, o equilíbrio apresentado sugere uma ação a ser tomada pelo bloco econômico: punir
qualquer país que se desequilibre fiscalmente, mesmo que isso envolva a manutenção custosa de
reputação, de forma a defender um bloco coeso com uma política macroeconômica uniforme. No entanto,
para que o equilíbrio encontrado seja válido, é necessário que, de alguma forma, a União Européia já
tenha construído uma reputação de forte, de maneira que os países estimem, no início do primeiro
período, que κ > κ 0 .
IV. Considerações acerca das instituições européias: um novo jogo
Na modelagem apresentada a partir da seção III.1, foram caracterizadas as estratégias do bloco
econômico com o jogador intitulado de União Européia (UE). No entanto, conforme discutido na seção I,
existem pelo menos duas instituições que têm um papel marcante nas disputas entre os países e o bloco: a
Comissão Européia e o Conselho de Ministros.
A Comissão Européia é o órgão técnico cujo objetivo é defender os interesses da União como um
todo. Contudo, está somente autorizada a propor ações. As decisões sobre as iniciativas da Comissão são
tomadas pelo Conselho de Ministros de cada área temática. Este último colegiado, pela sua própria
composição, é um órgão político.
Essa diferenciação é que explica a discussão havida no caso da França e da Alemanha entre a
Comissão Européia e o Conselho de Ministros, que teve de ser solucionada no Poder Judiciário Europeu,
dando ganho de causa à Comissão.
Assim, poderia ser modelada a disputa entre estados-membros e o bloco, separando o jogador
União Européia em dois outros jogadores que representassem a Comissão e o Conselho de Ministros
distintamente. A Comissão sugeriria a aplicação ou não da sanção e o Conselho de Ministros agiria de
forma estocástica (com uma probabilidade associada a cada Estado-membro), confirmando ou não a
sugestão da Comissão.
A Comissão continua tendo duas opções: ou ela nem inicia o procedimento de déficit excessivo
com vistas à aplicação da multa (estratégia na) ou ela sugere a aplicação da sanção (estratégia a) e, nesse
caso, sua decisão deverá ser ratificada pelo Conselho de Ministros.
16
As decisões, no âmbito do Conselho de Ministros, decorrem de negociações internas, que serão
modeladas como um processo aleatório, em que as escolhas são aleatórias com probabilidades
predeterminadas para cada país. Sendo, portanto, o Conselho de Ministros um jogador que apenas
interfere nas ações dos outros agentes, não lhe é atribuído nenhum payoff ao final desse jogo e, assim,
pode ser interpretado como Natureza (N).
O Conselho de Ministros (Natureza) pode concordar ou não com as medidas propostas pela
Comissão. A essas duas opções atribuem-se probabilidades. Dessa maneira, o Conselho confirma a
aplicação da sanção para o país i com probabilidade ω i , ou não concorda com a sugestão da Comissão,
desautorizando-a a executar a multa (probabilidade 1 − ω i ).
Caso a Comissão sugira a sanção e o Conselho não ratifique isso, ela terá que arcar com o custo
político-social λ , por ter tentado exigir uma medida mediante coação, mas não se beneficiará do valor da
multa S.
Figura 8
Jogo entre um País, a Comissão Européia e o Conselho de Ministros
E
r
t0
Glim
0
nr
Comissão
a
t1
na
N
confirma
( ωi )
Gmax − S + C
S −λ
Gmax
−µ
não
confirma
(1 − ω i )
Gmax
−λ
Resolvendo o jogo por indução retroativa, determina-se primeiramente a decisão ótima da
Comissão. Se ela sugerir a sanção (estratégia a), seu payoff esperado será:
UE (Comissão / a) = ω ( S − λ ) + (1 − ω )(−λ ) = ωS − λ
Se a Comissão optar por não tentar multar o país deficitário (estratégia na), seu payoff será ( − µ ).
De forma análoga à seção III.1, existem dois ambientes possíveis:
ƒ
Ambiente 1: ωS − λ > − µ ⇔ S >
λ−µ
ω
ƒ
Ambiente 2: ωS − λ < − µ ⇔ S <
λ−µ
ω
Novamente pode-se constatar nas desigualdades acima que o lado esquerdo agrupa os efeitos
econômicos, enquanto o lado direito reflete o custo político líquido dividido pela probabilidade de o
Conselho concordar com a Comissão. Essa probabilidade ω é justamente o que diferencia este jogo do
apresentado na seção III.1.
17
A divisão por ω no lado direito da desigualdade faz com que o custo político líquido esperado da
aplicação da multa pela Comissão seja majorado, comparado com o modelo em que apenas existia o
jogador União Européia. Isso significa que, na presença de um Conselho de Ministros que pode
desautorizar as decisões da Comissão, esta será muito mais comedida para propor uma sanção, tornando
maior o incentivo dos Estados-membros em descumprirem o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ou
seja, esse aspecto adicional torna mais difícil a obtenção do equilíbrio que garante a estabilidade,
prejudicando a coesão do bloco.
V. Extensões
O modelo básico apresentado na figura 5 pode ser estendido de várias formas sem comprometer os
resultados encontrados.
Uma das possíveis extensões é alterar o payoff da União Européia para um valor maior que zero
quando o Estado-membro optar por reduzir o déficit. Ou seja, a UE adquirirá uma utilidade positiva
mesmo sem ter que jogar. Essa mudança terá reflexo na expressão (7), tornando diferente a estimativa da
União sobre a probabilidade de estar lidando com um país forte. Apesar da alteração, as conclusões são as
mesmas.
Outra extensão consiste em aplicar na utilidade da União Européia, relativamente ao modelo da
seção III.4, um fator de desconto intertemporal. Isso torna menos importante para o bloco o benefício
obtido no segundo período com a construção de reputação. Ainda assim, se a União Européia fraca não
descontar demasiadamente o futuro, continuará a ser de seu interesse aplicar a sanção ao país deficitário.
O jogo apresentado em III.4 trabalha com apenas dois países; no entanto, o argumento é o mesmo
quando existem n países, usando-se indução retroativa. No penúltimo jogo (com o país n-1), a União
Européia fraca, que não revelou seu tipo em nenhum dos períodos anteriores, decidirá aplicar a multa ao
país deficitário desde que a condição (7) seja satisfeita. No antepenúltimo período, se a UE punir o
Estado-membro deficitário, disciplinará o país fraco no período seguinte (n-1) e manterá seu tipo em
segredo. Assim, a UE terá um estímulo ainda maior para reter recursos de um estado forte inadimplente,
sendo a condição (7) mais que suficiente para que a União Européia fraca mantenha esse comportamento.
O raciocínio claramente se repete até o primeiro período.
Portanto, a mesma condição que garante a construção de reputação no modelo com dois Estadosmembros, também garante que um equilíbrio de reputação será atingido quando existirem n Estadosmembros.
VI. Conclusão
Segundo avaliação da Comissão, a União Européia pode não alcançar as metas econômicas
estabelecidas porque muitos países-membros mostram uma ineficiência preocupante na redução de seus
déficits. Além disso, o Conselho de Ministros tomou decisões que recompensam em vez de punir quem
desrespeita as normas estipuladas. A médio prazo, a não aplicação do Pacto de Estabilidade e
Crescimento (PEC) poderá levar o bloco a uma alta das taxas de juros e à queda do crescimento.
Este estudo vem contribuir para tentar encontrar uma solução a essa situação, mostrando quais
estratégias devem ser adotadas para que o PEC seja respeitado.
Primeiramente, num jogo de informação completa, em que o valor da sanção supera a diferença
entre a perda política do bloco (por ter um pacto funcionando mediante coação) e o custo político de não
multar e se indispor com os outros Estados-membros, a União Européia estaria sempre disposta a aplicar
a sanção quando o PEC fosse descumprido, o que reprimiria qualquer país de realizar um déficit
excessivo. No entanto, se a diferença entre esses custos for grande, a União Européia não teria força para
fazer o pacto ser cumprido, o que causaria uma situação de déficit nos países.
18
Quando se considera a possibilidade de o Conselho de Ministros divergir da Comissão Européia
sobre a aplicação da sanção ao país deficitário, o resultado é que há uma maior dificuldade para que a
multa seja implementada, aumentando os incentivos dos Estados-membros em não cumprirem o Pacto de
Estabilidade e Crescimento.
Com informação incompleta, como o país não conhece o tipo de bloco econômico com o qual está
lidando, ele pode vir a optar por reduzir seu déficit ou não, dependendo da sua crença sobre a disposição
política da União, que pode ser forte ou fraca de acordo com o valor do custo político de promover uma
sanção. Esse resultado leva ao caso mais interessante, um jogo de informação incompleta com mais de
um país, podendo também ter dois tipos de Estados-membros, fortes e fracos, cuja classificação depende
do valor do benefício advindo de uma afronta à União. Tal possibilidade abre espaço para que o bloco
construa uma reputação de forte e se beneficie disso.
A principal conclusão a que se chega é que o bloco econômico, sob o comando da Comissão
Européia e do Conselho de Ministros, deve ser forte e exigir o cumprimento dos acordos pactuados,
mesmo que isso lhe imponha um custo. Se houver a sinalização, como já está acontecendo, de que a
União Européia não tem disposição suficiente para aplicar a multa e fazer com que os países-membros
ajustem seus déficits, provavelmente haverá um descumprimento em cascata do Pacto de Estabilidade e
Crescimento, o que poderá fazer ruir a União Econômica e Monetária. Essa possibilidade já toma corpo,
pois a Comissão prevê que Itália, Grã-Bretanha, Holanda e Grécia descumpram o limite de déficit de 3%
do PIB até 2007.
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20
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pacto de estabilidade e crescimento na união européia: há