FUSÕES FISCALMENTE NEUTRAS ENTRE SOCIEDADES DETIDAS PELO MESMO SÓCIO UMA BREVE REFLEXÃO 42 Hugo Sancho Carvalho REVISOR OFICIAL DE CONTAS Introdução1 O objectivo do presente artigo consiste, fundamentalmente, na discussão da amplitude das alterações introduzidas ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), a vigorar para os exercícios iniciados em ou após 1 de Janeiro de 2010, no que se refere aos pressupostos e requisitos para a aplicabilidade do comummente designado Regime de Neutralidade Fiscal 2(doravante abreviadamente designado por RNF). Com efeito, pretende-se antecipar se, no contexto da aprovação e entrada em vigor do novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a legislação fiscal relevante sofreu alterações com o intuito dar resposta a algumas das insuficiências que, em nosso entender, o Regime de Neutralidade Fiscal padece presentemente. Em concreto, partindo de um caso concreto, pretende-se suscitar a discussão quanto aos requisitos para a aplicabilidade do RNF, previsto nos actuais artigos 67.º e seguintes do Código do IRC – considerando igualmente as alterações que entrarão em vigor a 1 de Janeiro de 2010 –, nomeadamente no que concerne à necessidade de aumento de capital social na esfera da sociedade incorporante decorrente de uma fusão por incorporação. Neste contexto, analisar-se-ão as limitações aplicáveis quando uma sociedade detém 100% do capital social de duas outras e pretende levar a cabo, por motivos de simplificação/optimização operacional e/ou outros economicamente válidos que conduzam a um aumento da eficiência das organizações empresariais, uma operação de fusão por incorporação de uma das participadas na outra. Nos termos do Código do IRC, tanto na redacção actualmente em vigor como na redacção que se prevê que venha a vigorar a partir de 2010, com excepção do caso em que se assiste à incorporação de sociedade totalmente pertencente a outra, o supramencionado RNF apenas será aplicável ao caso em análise se a sociedade incorporante proceder a um aumento de capital social e à correspondente atribuição de novas partes de capital ao(s) sócio(s) da sociedade incorporada. O presente artigo procurará desenvolver, ainda que de uma forma sucinta, o enquadramento societário vigente, a ratio legis depreendida das normas aplicáveis, o racional para o afastamento do aludido aumento de capital social e apresentar igualmente uma breve perspectiva internacional sobre a matéria. “(...) pretende-se antecipar se, no contexto da aprovação e entrada em vigor do novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a legislação fiscal relevante sofreu alterações com o intuito dar resposta a algumas das insuficiências que, em nosso entender, o Regime de Neutralidade Fiscal padece presentemente.(...)” O porquê desta reflexão Sendo claro que tanto a legislação fiscal como a legislação societária não se mostram permissivas à realização de operações de fusão similares à do caso em análise (i.e., sem o referido aumento de capital social), importa perceber se existem argumentos para sustentar que este caso devia merecer um tratamento de excepção no ordenamento jurídico-tributário3 português, à semelhança do verificado, por exemplo, para a fusão por incorporação de sociedade integralmente detida (operação vulgarmente designada por “upstream merger”). Com efeito, a realização do referido aumento de capital social no caso em apreço consiste numa obrigação fiscal imposta à contabilidade e à gestão dos agentes económicos, limitando as escolhas e opções à disposição dos mesmos – nomeadamente no que concerne às modalidades de fusão passíveis de concretização –, em especial no contexto actual de forte necessidade de imprimir dinamismo aos processos de reorganização empresarial. Também o Professor Raúl Ventura questionou a necessidade de existência de aumento de capital social na fusão de sociedades integralmente detidas pelo mesmo sócio: “como afinal os dois patrimónios sociais pertencem às mesmas pessoas, seria indiferente que, no caso de incorporação de uma na outra [participadas], os accionistas recebessem mais acções da incorporante, uma vez que as acções que já nela possuem ficam a representar a soma desses patrimónios”4 . Não obstante, e em posição contrária à por nós preconizada, e apesar de entender que a linha de raciocínio acima expendida constitui um argumento válido no sentido de o aumento de capital social ser dispensável, acabou por concluir que não havia necessidade de criar, de um prisma de direito societário, um regime de excepção para o caso, considerando que não detectava significativo interesse na inexistência de tal aumento de capital5 e que tal solução permitiria evitar a criação de “entorses ao sistema legal das fusões”.5 43 FISCALIDADE Enquadramento societário e tributário As fusões são reguladas pelas disposições constantes dos artigos 97.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (CSC). A legislação societária em vigor prevê apenas três casos em que o aumento de capital social e a correspondente atribuição de partes de capital são dispensados: · Quando a sociedade incorporante detenha participações na sociedade incorporada (cfr. n.º3 do artigo 104.º do CSC), na medida dessas partes de capital; · Quando a sociedade incorporada detenha acções ou quotas próprias (cfr. n.º3 do artigo 104.º do CSC), na medida dessas partes de capital; e · Quando a sociedade incorporante detenha a totalidade das partes de capital da sociedade incorporada (cfr. artigo 116.º do CSC). A este respeito, cumpre salientar que a redacção actualmente em vigor do artigo 116.º do CSC, dada pelo Decreto-Lei nº 185/2009, de 12 de Agosto, prevê que a operação societária comummente designada por “fusão simplificada” poderá ser concretizada desde que a sociedade incorporante detenha pelo menos 90% das partes de capital da sociedade incorporada. Não obstante, caso a referida participação não represente 100% do capital social da sociedade incorporada, manter-se-á a necessidade de proceder ao aumento de capital e atribuição de partes de capital da sociedade incorporante, no sentido de manter a situação patrimonial dos sócios minoritários da sociedade incorporada ao nível da sociedade incorporante. De um prisma fiscal, as fusões poderão beneficiar do RNF previsto nos artigos 67.º e seguintes do Código do IRC, normativo baseado nas disposições da Directiva n.º 90/434/CEE, de 23 de Julho – comummente designada por Directiva das Reestruturações Societárias. Com efeito, nos termos da legislação vigente, o aludido RNF é aplicável (apenas) às seguintes tipologias de operações de fusão6: · Operações pelas quais se transmita o património global de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e ocorra a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas7 ; ou · Operações pelas quais se constitua uma nova sociedade (sociedade beneficiária) mediante a transmissão global do património de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas), sendo atribuídas aos sócios daquelas partes representativas do capital social da sociedade beneficiária e, eventualmente, quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas; ou · Operações pelas quais uma sociedade (sociedade fundida) transfere o conjunto do activo e do passivo que integram o seu património para a sociedade detentora da totalidade das partes representativas do seu capital social (sociedade beneficiária). Constata-se assim que, com excepção da operação em que uma sociedade é incorporada pela sociedade que detém integralmente as suas partes de capital, o supramencionado RNF apenas será aplicável se a sociedade incorporante proceder a um aumento do correspondente capital social e à consequente atribuição de novas partes de capital ao sócio da sociedade incorporada (i.e., o legislador fiscal não prescindiu do “elemento formal da atribuição de títulos”8). A razão para que uma operação realizada com o modus operandi relatado não beneficie do aludido RNF assenta primacialmente no formalismo que integra a previsão do artigo 67.º, ou seja, a necessidade de serem “atribuídas aos sócios [da sociedade incorporada] partes representativas do capital social da sociedade beneficiária”. Adicionalmente, importa salientar que, em termos genéricos, a aplicabilidade do RNF está vinculada à existência de motivações económicas válidas e não poderá ser invocado no caso de operações concretizadas que tenham como objectivo principal a evasão fiscal, o que se poderá entender verificado, nomeadamente, quando as sociedades envolvidas não tenham a totalidade dos seus rendimentos sujeitos ao mesmo regime de tributação em sede de IRC. Ratio legis subjacente ao aumento de capital social A Terceira Directiva do Conselho – transposta para a generalidade dos ordenamentos jurídicos europeus, incluindo o português – confirma a motivação para a definição de regras para as fusões de sociedades: · “a protecção dos interesses dos sócios e de terceiros requer uma coordenação das legislações dos Estados-membros a respeito da fusão das sociedades anónimas (…)”; · “os credores (…) das sociedades participantes na fusão devem ser protegidos de modo a evitar que a realização da fusão os prejudique”. “(...) Constata-se assim que, com excepção da operação em que uma sociedade é incorporada pela sociedade que detém integralmente as suas partes de capital, o supramencionado RNF apenas será aplicável se a sociedade incorporante proceder a um aumento do correspondente capital social e à consequente atribuição de novas partes de capital ao sócio da sociedade incorporada(...) “ 44 Hugo Sancho Carvalho | REVISOR OFICIAL DE CONTAS FISCALIDADE A este respeito, importa salientar que Portugal transpôs as orientações comunitárias supra citadas não apenas para as sociedades anónimas mas para qualquer tipo de sociedade, conforme estatuído no CSC. Neste sentido, entendemos que a ratio legis das normas jurídicas que regulam as fusões se encontra em grande parte vinculada à protecção dos interesses dos sócios, dos credores societários e de outros terceiros, procurando regular as relações entre as partes de modo a que não existam entidades prejudicadas ou, pelo menos, sem possibilidade de se expressarem contra a realização da operação. De facto, no contexto do ordenamento jurídico-societário português, o aumento de capital assume-se como o método de eleição para garantir os interesses legítimos das entidades referidas. Importa clarificar se é o único. Argumentos para a não realização do aumento de capital social De acordo com a experiência adquirida, a realização do aumento de capital social por parte da sociedade incorporante poderá apresentarse desnecessário e, em alguns casos, um entrave ao desenvolvimento eficiente da sua actividade e objecto social. RACIONAL ECONÓMICO de negócio, considerando o estádio de desenvolvimento da actividade da empresa. Neste contexto, um capital social excessivo poderá, em termos económico-financeiros, implicar uma redução da alavancagem da sociedade, reduzindo a potencial rentabilidade dos capitais próprios para níveis sub-óptimos. Por outro lado, não é despiciendo considerar que o capital social apresenta um nível de rigidez significativamente superior ao de outras componentes dos capitais próprios, facto que poderá, em determinadas condições, dificultar operações de reorganização económico-financeira que permitam dinamizar a actividade das entidades participantes no capital da sociedade, considerando uma perspectiva de Grupo económico mais ampla. Naturalmente, o nível de rigidez dos instrumentos de capital próprio é substancialmente superior às componentes integrantes do passivo das Empresas, facto que implica que um aumento de capital social despolete uma estrutura financeira de médio-longo prazo menos adaptável e com um maior volume de investimento “cristalizado” por parte do sócio. Adicionalmente, um nível de capitalização excessivo para a actividade ou o negócio da sociedade incorporante pode conduzir à necessidade de efectuar uma redução do mesmo imediatamente após a fusão. A concretização deste tipo de operações, ainda que de prática corrente, representa significativos encargos para as entidades envolvidas, tanto a nível monetário como burocrático, especialmente quando poderiam ser evitadas. Com efeito, a teoria económica tem vindo a entender que existe um nível de alavancagem dos capitais próprios óptimo para cada ramo 45 FISCALIDADE RACIONAL SOCIETÁRIO Por fim, a realização de um aumento de capital social desproporcionado para a realidade da sociedade incorporante poderá suscitar a aplicabilidade das disposições previstas no artigo 35.º do CSC (perda de metade do capital): “Considera-se estar perdida metade do capital social quando o capital próprio da sociedade for igual ou inferior a metade do capital social”. Com efeito, um aumento do valor do capital social implicará, necessariamente, que o valor mínimo dos capitais próprios que afasta as consequências nefastas da aplicabilidade do aludido artigo 35.º do CSC será também superior. Ora, tal constatação permite inferir que, ceteris paribus, o aumento de capital social na sociedade incorporante poderá revelar-se menos eficiente (para evitar a aplicação das disposições previstas no referido artigo 35.º do CSC.), caso esta já se encontre numa situação de perda de metade do capital, quando comparada com outras opções de reforço dos capitais próprios (v.g., “reserva de fusão” equivalente ao valor dos capitais próprios da sociedade incorporada, prestações acessórias com a natureza de prestações suplementares existentes na esfera da sociedade incorporada, etc.). PROTECÇÃO DOS DIREITOS DOS SÓCIOS E TERCEIROS Assegurados que estejam os interesses dos sócios e dos terceiros, entendemos que existem casos particulares em que o aumento de capital social da sociedade incorporada poderia (e deveria) ser dispensado. 46 A este respeito, o Professor Raúl Ventura comenta que “Do ponto de vista dos sócios das sociedades que se extinguem pela fusão, todo o processo desta está organizado de modo que, ao fim e ao cabo, eles se tornem sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade” 9. Ora, do ponto de vista dos sócios, entendemos que os seus interesses estarão assegurados quando não se verificar, pela realização da operação de fusão, qualquer alteração do valor real das participações detidas ou qualquer variação nos seus direitos de voto. “(...) aumento de capital social na sociedade incorporante poderá revelar-se menos eficiente (...) caso esta já se encontre numa situação de perda de metade do capital, quando comparada com outras opções de reforço dos capitais próprios (...)” Dependendo do caso em concreto, tal inexistência de alteração na posição jurídica dos sócios poderá ocorrer mesmo que não se verifique o aumento de capital social da sociedade incorporante. De facto, no cenário em análise, o sócio comum da sociedade incorporante e incorporada detém 100% de ambas, pelo que a sua posição em nada se altera com concretização da operação sem haver lugar a um aumento de capital social: o valor de mercado mantémse e os direitos de voto existentes permitem o controlo de toda Hugo Sancho Carvalho | REVISOR OFICIAL DE CONTAS FISCALIDADE a actividade desenvolvida pelas duas sociedades (anteriormente de forma segregada e após a operação de forma consolidada e agregada)10. de fusão”12 , entendemos que não ocorrem alterações substantivas nas garantias daqueles. Adicionalmente, o Professor Raúl Ventura chama igualmente à atenção que “No caso de fusão, os sócios não intervêm no processo até lhes ser apresentado, para deliberação, o projecto de fusão”10, pelo que, em última instância, competirá aos sócios decidir se os seus interesses serão prejudicados ou não. Por outro lado, importa mencionar que o Direito Societário tem como dois dos seus princípios basilares a protecção dos interesses dos credores societários e terceiros e a manutenção da segurança jurídica das relações. Não obstante, os credores dispõem ainda de mecanismos para se oporem à operação de concentração a concretizar, nomeadamente no que se refere aos seus termos, mediante a consulta do respectivo projecto de fusão. A este respeito, entendemos que a operação em análise não prejudica igualmente os interesses dos credores societários e terceiros em qualquer medida. A título de comparação, na fusão por incorporação de sociedade totalmente detida, embora não exista aumento de capital na sociedade incorporante, não foi prevista qualquer medida legislativa adicional para protecção dos interesses dos credores societários e terceiros. Com efeito, os interesses dos credores da sociedade incorporada encontram-se protegidos pelo disposto no artigo 112.º do CSC, o qual dispõe que, no acto de inscrição definitiva da fusão no registo comercial, todos os direitos e obrigações da sociedade incorporada se transmitem para a esfera da sociedade incorporante. Ainda que o capital social seja a expressão preferível para a protecção dos interesses dos credores da sociedade (cfr. Professor Raúl Ventura - “interesses dos credores, presentes e futuros, da sociedade incorporante […], os quais se situam na formação do capital social, sua única e fraca garantia”11 ), atendendo ao regime jurídico das designadas “reservas Paralelamente, os interesses dos credores dos sócios permanecem, em nossa opinião, totalmente assegurados, pois a posição patrimonial daqueles fica inalterada com a operação de fusão em análise, visto que não surge uma diminuição nem é frustrado nenhum eventual aumento do património daqueles, inexistindo assim interesse em recorrer à acção sub-rogatória consagrada no artigo 606.º do Código Civil. Em conclusão, podendo existir constrangimentos financeiros e económicos decorrentes da realização do aumento de capital social na operação em análise e inexistindo implicações relevantes na esfera dos sócios, credores ou terceiros, somos de opinião que o CSC e o Código do IRC não deveriam impor, por requisito, que a realização daquelas fusões e a aplicabilidade do RNF dependam, entre outros aspectos, da concretização de um aumento de capital ao nível da sociedade incorporante. Tal opção legislativa discrimina negativamente a aplicabilidade do RNF, em sede de IRC, em função do facto de não haver lugar ao aumento de capital social na esfera da sociedade incorporante no contexto de uma operação de reestruturação societária, quando o resultado económico pretendido com a aludida operação é em tudo idêntico, independentemente de ter ocorrido ou não tal reforço do capital social 13. “(...) CSC e o Código do IRC não deveriam impor, por requisito, que a realização daquelas fusões e a aplicabilidade do RNF dependam, entre outros aspectos, da concre-tização de um aumento de capital ao nível da sociedade incorporante.(...)“ Perspectiva internacional Neste capítulo, procurámos perceber qual seria o enquadramento societário e fiscal da situação em discussão em Espanha e na Holanda, atendendo à reconhecida competitividade fiscal destes dois territórios europeus. Em Espanha, em contraposição com o caso português, a Administração Tributária local já emitiu parecer favorável à aplicação de um regime equivalente ao RNF consagrado no Código do IRC a uma fusão “gemelar” (termo castelhano para a operação em análise). Optámos por transcrever, ainda que parcialmente e em castelhano (embora nos pareça clara a sua leitura e interpretação), uma parte desse entendimento: “No obstante, en este caso particular en donde las sociedades absorbidas y absorbente están íntegramente participadas por el mismo socio de forma directa, no parece absolutamente necesario que se produzca tal atribución de títulos. En efecto, aún cuando no se produzca esa atribución de valores de la sociedad absorbente, al existir un único socio en todas las entidades que participan en la operación, la situación patrimonial de éste no varía sustancialmente ya que sigue participando en el mismo patrimonio antes y después de la operación de fusión, con la particularidad de que el valor de la participación en las absorbidas incrementa el valor de la participación tenida en la sociedad absorbente con posterioridad a la fusión, cumpliéndose así la neutralidad requerida en el capítulo VIII del título VII del TRLIS para la aplicación del régimen fiscal especial. Por tanto, en un caso como el planteado de fusión entre sociedades íntegramente participadas por una misma entidad, aunque no se produzca una atribución de valores al socio de la entidad absorbida, ni un aumento de capital en la sociedad absorbente, la operación planteada podrá aplicar el régimen fiscal especial del capítulo VIII del título VII del TRLIS, en la medida en que cumpla los requisitos mercantiles necesarios para ello.” 14. De igual modo, na Holanda, a operação em apreciação configura uma denominada “fusão legal”, porquanto poderá beneficiar de um regime similar ao RNF previsto no código do IRC, sem que tal dependa da existência de aumento de capital por parte da sociedade incorporante. 47 FISCALIDADE Conclusões Como vimos, este é, aliás, o procedimento adoptado pelas legislações espanhola e holandesa. Em nosso entender, a operação de fusão em análise não beneficia aparentemente de qualquer regime excepcional ao nível da legislação societária actualmente em vigor (perspectiva reforçada pelos comentários do Professor Raúl Ventura). Com o objectivo de eliminar quaisquer obstáculos à promoção dos processos de reorganização empresarial, em especial obstáculos de natureza fiscal, designadamente os fenómenos de concentração empresarial entre sociedades integralmente detidas pelo mesmo sócio, e atendendo à discriminação negativa descrita supra, s.m.o., entendemos que as seguintes soluções legislativas poderão ser futuramente equacionadas: De igual modo, numa perspectiva estritamente fiscal, entendemos que a operação em causa não seria de enquadrar em nenhuma das operações taxativamente delimitadas no n.º 1 do artigo 67.° do Código do IRC, norma que prevê o RNF em sede deste imposto, uma vez que a emissão de partes de capital por parte da sociedade incorporante é um requisito obrigatório para aproveitar do referido regime favorável. Estando assegurados os direitos e interesses de todos os intervenientes no processo de fusão, entendemos que a legislação societária não deveria impor obstáculos às escolhas e opções à disposição dos agentes económicos, em especial no contexto actual de forte necessidade de imprimir dinamismo nos processos de reorganização empresarial. Assim, por um lado, entendemos que a legislação comercial portuguesa deveria conferir maior grau de autonomia e capacidade decisória aos sócios, permitindo que fusões “atípicas” (v.g., fusões invertidas, fusões com participadas integralmente detidas, fusões entre participadas 100% detidas) sejam exequíveis do ponto de vista societário, garantidos que estejam os interesses dos diversos intervenientes. “(...)somos da opinião que, tal como sucede em outros regimes jurídicos europeus, a legislação comercial deveria ser alterada no sentido de alargar os casos tipificados como fusões e a legislação fiscal remeter, na íntegra, a qualificação das operações elegíveis para efeitos da aplicabilidade do RNF para o normativo comercial.(...) “ · Alargamento das modalidades de fusão especificamente previstas na legislação societária e alteração das disposições do Código do IRC no sentido de fazer depender a aplicabilidade do RNF, quanto aos tipos de operações abrangidas, exclusivamente do seu enquadramento nos termos do CSC (conforme prática adoptada em Espanha) – i.e., prevalência do CSC nas operações susceptíveis de beneficiar do aludido RNF 17; ou · Em alternativa, na esteira da opção seguida pelo legislador fiscal português (i.e., o RNF, em sede de IRC, é apenas aplicável às operações taxativamente delimitadas no n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC), e assumindo que se manteriam intactos os traços gerais do CSC no que a esta matéria diz respeito, entendemos que poderiam ser introduzidas alterações ao Código do IRC, em particular à norma enunciada, no sentido de adicionar a modalidade de fusão em análise no presente artigo ao elenco das modalidades de fusão aí descritas e relativamente às quais é possível aplicar o RNF, passando assim a estar contemplada a previsão legal necessária à aplicação do RNF à fusão entre sociedades detidas pelo mesmo sócio. Neste contexto, reflectindo sobre o cenário legislativo mais equilibrado, somos da opinião que, tal como sucede em outros regimes jurídicos europeus, a legislação comercial deveria ser alterada no sentido de alargar os casos tipificados como fusões e a legislação fiscal remeter, na íntegra, a qualificação das operações elegíveis para efeitos da aplicabilidade do RNF para o normativo comercial. Com efeito, as alterações legislativas supra propostas mostram-se prementes com o intuito de melhor adaptar os normativos legais vigentes às práticas empresariais existentes no mercado, mitigando a incerteza jurídica gerada pela limitada previsão (ou regulação específica) dos CSC e Código do IRC. Por outro lado, entendemos igualmente que a legislação fiscal, designadamente ao nível da arquitectura do RNF, deverá abarcar todas as operações que, nos termos da legislação societária, se possam qualificar e enquadrar como fusões, ainda que “atípicas”15. Adicionalmente, entendemos que a legislação fiscal não deveria impor qualquer tipo de limitação à forma ou natureza das fusões, desde que se mantenha intocável o princípio basilar de existência de motivações económicas (afastando as operações que tenham como principal objectivo ou como um dos principais objectivos a fraude ou a evasão fiscais)16, evitando discriminar negativamente a aplicabilidade do RNF à modalidade da operação de fusão entre sociedades participadas integralmente pelo mesmo sócio quando não haja lugar à atribuição de novas partes de capital da sociedade incorporante (orientação que se revela injustificável em face do facto de se obter o mesmo resultado económico que numa operação na qual ocorra um aumento de capital na esfera da sociedade incorporante). 48 1 A exposição vertida no presente artigo resulta de uma análise autónoma do autor não correspondendo necessariamente à opinião da Deloitte sobre a matéria em discussão. Aproveito igualmente a oportunidade de agradecer o precioso auxílio dos meus colegas Luís Marques e André Valente na materialização da presente reflexão. 2 O Código do IRC consagra um regime especial de neutralidade fiscal aplicável a operações de reestruturação societária, nas quais se incluem, nomeadamente, as operações de fusão, nos termos do qual não são apurados quaisquer ganhos, para efeitos fiscais, na esfera das sociedades intervenientes na operação de fusão e dos sócios daquelas sociedades, desde que respeitadas determinadas condições. Na ausência deste regime, certamente que muitas das operações societárias de reorganização não seriam concretizadas, considerando o ónus fiscal subjacente à sua realização. 3 Tomámos conhecimento de situações similares em que a Administração Tributária Hugo Sancho Carvalho | REVISOR OFICIAL DE CONTAS FISCALIDADE questionou a aplicabilidade do RNF decorrente da inexistência de aumento de capital social nominal, entendimento este que constituiu a principal fonte de motivação para a presente reflexão. Neste contexto, embora tal não seja verdadeiro em todos os casos, tal inaplicabilidade do RNF importará, provavelmente, a materialização tributária de significativos ganhos, despoletando impactos fiscais que poderão ser inviabilizadores da concretização da operação de reorganização. Por outro lado, entendemos que, caso tal se coloque, a Administração Tributária poderá ainda vir a indeferir eventuais pedidos de transmissibilidade de prejuízos fiscais reportáveis ao abrigo do artigo 69.º do Código do IRC, causando, novamente, implicações fiscais nefastas, colocando, assim, num segundo plano o incremento de eficiência económica que estes projectos de reestruturação permitem alcançar. Apesar de não constituir objecto do presente artigo (e que poderá merecer uma reflexão numa futura oportunidade), não queria deixar de manifestar preocupação (e discordância) pela doutrina administrativa aparentemente vigente em Portugal, nomeadamente no que diz respeito ao afastamento do RNF nas fusões invertidas, nas fusões que envolva a transferência de um património negativo e fusões em que as empresas envolvidas não possuam o mesmo período de tributação em IRC, doutrina essa que entendemos não merecer acolhimento e credibilidade em face da letra da lei fiscal vigente. 4 Cf. RAÚL VENTURA em Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, pág. 274. 5 De facto, como veremos mais à frente, em nosso entender existem razões de índole económica e fiscal (relacionadas com a inaplicabilidade do RNF ao caso de fusão em análise) suficientemente válidas para justificar uma intervenção legislativa na arquitectura jurídica das fusões. 6 De facto, o artigo 67.º enuncia, de uma forma expressa, quais as modalidades de operações de fusão que poderão beneficiar do referido RNF. 7 A título exemplificativo, e não obstante se tratar de uma matéria controvertida em face da posição adoptada pela Administração Tributária, somos da opinião que as fusões invertidas estão abrangidas pelo actual artigo 67.º do Código do IRC, mais concretamente na alínea a) do seu n.º1, porquanto neste tipo de operações também ocorre a atribuição aos sócios da sociedade incorporada de partes representativas do capital social da beneficiária. 8 Cf. J.L. SALDANHA SANCHES in Revista Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal – “Fusão inversa e neutralidade (da administração) fiscal”, Edição 34 – Abril/Junho 2008. 9 Cf. RAÚL VENTURA em Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades – Comentário ao CSC, pág. 77. 10 Uma fusão pode ser vista genericamente como um negócio em que existe uma relação de troca. Com efeito, do ponto de vista conceptual, se sociedade A incorpora a sociedade B, o sócio de B (sociedade C) perde as partes de capital detidas em B (visto que esta sociedade extingue-se) mas recebe, como contrapartida, partes de capital, entretanto emitidas, de A. No caso em estudo, não será necessária a emissão de novas partes de capital de A pois a sociedade C também é sócia única da sociedade A. 11 Cf. RAÚL VENTURA em Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades – Comentário ao CSC, pág. 78. 12 As quais ficam sujeitas ao regime da reserva legal previsto nos artigos 295.º e 296.º do CSC. 13 Ainda a este respeito, importa salientar a opinião de J.L. SALDANHA SANCHES (in Revista Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal – “Fusão inversa e neutralidade (da administração) fiscal”, Edição 34 – Abril/Junho 2008) que, embora se refira a fusões inversas, entendemos que poderá ser adaptada ao caso em análise: “Nessas operações [fusões inversas], mas como em qualquer outra fusão, cisão, troca de participações ou destaque de activos, podemos ter comportamentos abusivos que retirarão a possibilidade de neutralidade fiscal se forem devidamente comprovados – mas não há qualquer razão, nem sequer isso foi alegado, para presumir uma especial propensão para o abuso nas fusões inversas”. Do mesmo modo, salienta também que a Administração Tributária está dotada de um poder vasto, ao abrigo da Cláusula Específica Anti-Abuso prevista no actual n.º 10 do artigo 67.º do Código do IRC: “Sempre que a operação não tenha sido realizada por razões económicas válidas, a neutralidade acaba. Depois de demonstrar que o fim empresarial não era obter maior eficiência por meio de reestruturação, a Administração fiscal pode recusar a neutralidade da operação e tributar as mais-valias realizadas”. 14 Cf. Consulta Vinculante V1659/2008 (Ref. NFC031228), Direccion General de Tributos, 12 de Setembro de 2008. 15 Embora, em nossa opinião, tal já suceda para as primeiras duas modalidades de fusões atípicas, conforme o disposto nas alíneas a) e c) do n.º1 do artigo 67.º do Código do IRC, respectivamente. 16 Aliás em consonância com a jurisprudência do TJCE no Caso C-28/95 (Leur-Bloem), de 17/07/97 que reafirma que o regime previsto na Directiva das Reestruturações Societárias se “aplica indistintamente a todas as operações de fusão, de cisão, […], independentemente dos seus fundamentos, quer sejam financeiros, económicos ou puramente fiscais”. 17 Solução que aliás foi acolhida no passado, antes da publicação da Directiva das Reestruturações Societárias, pelo legislador fiscal português, partindo assim do sistema legal de fusões estabelecido no CSC. 49