VARIAÇÃO E PRECONCEITO LINGUÍSTICO EM IVAÍ, PARANÁ
Elizandra Feld (Iniciação Científica Voluntária - UNICENTRO), Loremi LoregianPenkal (Orientadora), e-mail: [email protected]
Universidade Estadual do Centro-Oeste/Departamento de Letras/Irati, PR.
LINGUÍSTICA, LETRAS E ARTES. SOCIOLINGUÍSTICA.
Palavras-chave: Variação linguística, preconceito linguístico, Sociolinguística.
Resumo:
O presente trabalho apresenta uma breve reflexão teórica acerca da variação e do
preconceito linguístico, seus conceitos e suas principais implicações sociais. Como parte
prática, analisamos se há presença de variações e preconceito linguístico em narrativas de
experiência pessoal de falantes descendentes de ucranianos e poloneses da cidade de Ivaí,
Paraná. Utilizamos como aporte teórico autores da Sociolinguística Variacionista e os dados
analisados são provenientes do Projeto VARLINFE, Variação Linguística de Fala Eslava.
Com esta pesquisa, buscamos contribuir para as discussões na área da Sociolinguística,
bem como trazer uma reflexão a respeito da importância da heterogeneidade linguística e do
combate ao preconceito linguístico.
Introdução
Diante da grande pluralidade linguística no Brasil, um país que recebeu diversos
povos, etnias, culturas e tradições diferentes, é preciso além de aceitar, também
respeitar essas diferenças, principalmente no que tange à língua.
Como em todo o país, o estado do Paraná também apresenta essa variedade
de culturas. Ivaí é um município brasileiro do estado do Paraná. Situa-se na região
dos Campos Gerais e está 210 quilômetros distante da capital paranaense, Curitiba.
Tem uma população de 12.899 habitantes, desses muitos são descendentes de
poloneses e ucranianos que chegaram ao município a partir de 1829. O município
ocupa uma extensão territorial de 608 km².
Tendo em vista que a maioria da população de Ivaí ser constituída por
poloneses e ucranianos, buscamos nesta pesquisa analisar, por meio de entrevistas,
se essas pessoas já sofreram alguma situação de preconceito linguístico, bem como
preconceito com relação a sua cultura, de maneira geral.
Segundo Bagno (1999), o preconceito linguístico se trata da crença de que só
existe uma única língua portuguesa digna desse nome e que seria ensinada nas
escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Dessa maneira, os
falantes sofrem por seu falar que acaba sendo estigmatizado, sem ser respeitado
pelo simples fato de falar diferente. Esse autor também afirma que em todas as
línguas do mundo existe um fenômeno chamado ‘variação’, isto é, nenhuma língua é
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falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas
falam a mesma língua de modo idêntico.
Materiais e métodos
Esta pesquisa apresenta caráter bibliográfico e de campo. As referências
bibliográficas estão todas pautadas na sociolinguística variacionista.
As entrevistas (pesquisa de campo) são provenientes do Banco de Dados
VARLINFE. Foram analisados quatro falantes da cidade de Ivaí, Paraná: 2 homens e
2 mulheres, idade: um homem e uma mulher de 25 a 49 e um homem e uma mulher
de 50 anos ou mais, descendentes de ucranianos e/ou poloneses. Buscamos nas
entrevistas trechos do discurso dos falantes que abordam a questão do uso da
língua falada pelo entrevistado, presença de variações linguísticas e se o
entrevistado já sofreu algum tipo de preconceito devido a sua fala.
Após o levantamento dos trechos das entrevistas, efetuamos a análise dos
dados, tomando como base o aporte teórico da Sociolinguística Variacionista.
Resultados e Discussão
Ao analisar as informações dos informantes, percebe-se diferença na variável faixa
etária. Os informantes mais novos relatam que não sofreram nenhum tipo de
preconceito por sua raça, língua e sua maneira de falar. Os mais velhos, por sua
vez, demostram certos resquícios de preconceitos, comentam também que
presenciaram cenas de preconceito linguístico. Como vemos em:
Fragmento 4:
O pai queria, a mãe não queria, outra descendência, daí
concordaram né... uma casô com polonês, não é ucraíno né...,
a mais nova casô com brasilero, a mãe aceitô...tava ficando pra
titia. (...)
Não mudô né... porque os antigo não queriam que se
misturasse gente preto com os ucraíno. Meu filho casô com
uma bem preta, mas gente boa né? (04 M 65 anos).
Pelo que se constata das entrevistas analisadas, a escolaridade não
influencia muito na questão do preconceito étnico, mas está diretamente ligada ao
enaltecimento e valorização da língua. Os informantes com maior grau de
escolaridade (informantes 3 e 5) discorrem acerca da importância do aprender e
ensinar a língua ucraniana para as novas gerações. No entanto, todos os
informantes mostram-se muito preocupados com os caminhos que o ensino da
língua de origem (ucraniano/polonês) tem tomado naquela comunidade.
Argumentam que, ao entrar na escola, as crianças têm um maior contato com a
língua portuguesa, embora em casa os pais ou avós ainda falem em
ucraniano/polonês, a escola muitas vezes predomina, já que as crianças aprendem
a ler e a escrever na escola em língua portuguesa. Tal fato contribui para que a
língua perca sua vivacidade no contexto familiar, o que, na visão dos entrevistados,
posteriormente faz com que a língua ucraniana e/ou polonesa fique fragmentada.
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Fragmento 3:
Falavam só em ucraniano, tem bastante que fala, as criancinha
tudo pequena cantando feito umas cigarra. Os padre ficaram
assustado (…).
Tem os irmão dela que são bem preto, eles vem nas missa
aqui eles cantam, rezam e são preto né... eles como não tem
nada de ucraniano, eles intendem mesmo sendo preto.
A criança vai parando de falar em ucraniano quando vai para a
escola (...).
Deus o livre se um ucraniano casá com um preto, “pra trabaiá
os preto são muito bão, mais pra casa não presta”. Eles
queriam ucraniano com ucraniano, poloneis com poloneis...o
coitado do preto, ainda se for votá fica em último, preto são
demais, são muito folgado, pode falá de polaco, os polaco não
reclamam, basta falá quarqué coisa já é bulling, racismo. (03
M 45 anos).
E o Fragmento 5:
[o ucraniano] Tá se perdendo, mas o motivo principal é o
casamento das famílias ucraniano com brasilero, porque daí já
mistura tudo os costumes, os costumes ainda ficam, mas já
não falam mais em ucraniano.
Eu nunca dividi brasilero de ucraniano, pra mim, eu gostava de
todos, aqui tinha brasilero preto, preto que é de relampiá, mas
falava em ucraniano, porque eram poucos, a maioria eram
ucranianos. Então eles na sala, eles liam e escreviam em
português, mas falavam em ucraniano saíam no recreio era
tudo em ucraniano, os brasileiros que tavam junto ali,
aprenderam em ucraniano, até agora tem brasileiros mas eles
cantam tudo em ucraniano, a missa tudo. (05 F 64 anos).
Os informantes relataram ainda que seus pais se importavam com seus
casamentos. A família exigia que se casassem com pessoas da mesma etnia, o
argumento utilizado na maioria das vezes era o de que a união de duas pessoas de
diferente etnias levaria à perda da cultura. Além disso, as pessoas não falavam na
mesma “velocidade” (ritmo), o que poderia atrapalhar na convivência no lar. Como
podemos observar em:
Fragmento 1:
Tem bastante brasilero, são negro, os ucraíno falam em
brasilero. A mãe dizia que nóis era ucraíno, tinha que casá com
um ucraíno, se quisesse namorá, ache um ucraniano, e não um
brasilero ou um negro, daí eu dizia: - mais que diferença que
dá? - Porque daí a família não consegue convivê em casa, ela
dizia que o ritmo de um ucraino pra falá com um negro é
diferente né... conversa e tudo fica estranho na hora né... de
muitos achavam que os ucraíno eram diferentes deles, por mor
da cor e já se estranhavam nisso também né... mais sempre
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nóis procurava os ucraíno, e sempre por fora que a gente
saísse não tinha veiz de achá outras pessoa. (01 F 30 anos).
Conclusões
O preconceito linguístico, assim como qualquer outro tipo de preconceito, é um préjulgamento, isto é, ter um conceito ou opinião de algo ou alguém antes de conhecer.
Sendo assim, o preconceito é o sentimento mais ofensivo e desrespeitoso com o
outro. E o preconceito linguístico não é diferente, muitos ainda sofrem com esse tipo
de preconceito, seja na escola, na rua ou em qualquer local social.
Após analisar as entrevistas, percebe-se que ainda atualmente as pessoas
têm muito preconceito. O preconceito linguístico está diretamente ligado ao mito de
que as pessoas falam “errado”, quando essas pessoas estão sendo julgadas
somente por estarem falando fora da norma culta.
De acordo com Leite (2008), é possível evitar o preconceito desde que sejam
tomadas precauções relativas aos sentimentos positivos e negativos sentidos em
relação a pessoas, fatos e ideias. Segundo ela, tomar precaução significa raciocinar,
levantar pontos positivos e negativos, ponderar a respeito das pessoas,
circunstâncias e ideias em julgamento, para que as ações decorrentes da avaliação
sejam justas.
Assim, a mudança pode acontecer quando todos notarem que é preciso,
acima de tudo, “RESPEITAR” as diferenças e o espaço do outro.
Agradecimentos
Ao Projeto VARLINFE, pelos dados fornecidos.
À professora Loremi Loregian-Penkal, pela orientação da pesquisa.
Referências
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola,
1999.
LEITE, Marli Quadros. Preconceito e intolerância na linguagem. São Paulo:
Contexto, 2008.
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