ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MASC Nº 70026654293 2008/CÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL. ADVOGADO. RECURSO INTERPOSTO INTEMPESTIVAMENTE. PERDA DE UMA CHANCE. NEXO CAUSAL CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA EM RELAÇÃO AO DANO MATERIAL. A responsabilidade civil do advogado é subjetiva, de acordo com o que preceitua o art. 14, § 4º, CDC. A obrigação assumida pelo profissional do direito é de meio e não de resultado. Neste tipo de contrato o objeto da obrigação não é o êxito na causa ou a absolvição do cliente, e sim o desempenho cuidadoso e consciente do mandato, dentro da técnica usual. Responsabilidade civil do advogado que interpõe recurso fora do prazo legal. Hipótese de perda de uma chance, a configurar o nexo causal a dar ensejo a reparação do dano material, sendo razoável, no caso, reduzir o valor da indenização fixada na sentença. Apelo parcialmente provido. APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL Nº 70026654293 COMARCA DE PORTO ALEGRE PAULO CICERO DA CAMINO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL APELANTE APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo. Custas na forma da lei. h 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MASC Nº 70026654293 2008/CÍVEL Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES.ª ANA MARIA NEDEL SCALZILLI E DES. ERGIO ROQUE MENINE. Porto Alegre, 23 de julho de 2009. DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, Relator. RELATÓRIO DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA (RELATOR) Trata-se de apelação interposta por Paulo Cícero da Camino em face de sentença que julgou procedente a ação de reparação de danos ajuizada pelo Estado do Rio Grande do Sul. Faz uma breve resenha dos fatos e refere a ausência de nexo de causalidade entre algum ato danoso que tenha cometido e o alegado prejuízo sofrido pelo ente estatal. Menciona que não foi a não interposição do recurso ordinário que redundou na condenação do Estado, pois o ente estatal violou normas trabalhistas. Assim, de nada adiantaria a tempestividade do recurso, pois não haveria reforma da decisão. Assevera que se mostra impossível vislumbrar nexo de causalidade. Refere que a não interposição do recurso, no prazo legal, não impediu que se examinasse, no acórdão, a preliminar de ilegitimidade passiva da Corlac e da Corsan, quando do julgamento do recurso das mesmas. Menciona a inadequação da jurisprudência colacionada. Aduz que a Procuradoria Geral do Estado ao assumir os processos trabalhistas, poderia ter exaurido as possibilidades manejando recurso de revista ou ação rescisória. Sustenta a ausência de prova do alegado prejuízo e refere a nulidade da sentença por ausência de amparo legal. Alternativamente, requer que a condenação seja fixada no h 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MASC Nº 70026654293 2008/CÍVEL equivalente ao valor pago para a interposição do recurso. Pede o provimento. Com as contra-razoes, vieram-me conclusos. Parecer do Ministério Público pelo conhecimento e desprovimento do apelo. Consigno que foi atendido o disposto nos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. É o relatório. VOTOS DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA (RELATOR) Cuida-se de ação de reparação de danos materiais, ajuizada pelo ente estatal em face de advogado constituído para atuar na defesa de seus interesses. A causa de pedir é a ‘perda de uma chance’, pois interposto recurso ordinário – em demanda trabalhista - fora do prazo legal, o que resultou na impossibilidade de revisão da matéria em grau recursal, confirmando o julgamento desfavorável ao Estado. A sentença foi julgada procedente e as razões de apelo se resumem na ausência de nexo de causa entre o manejo extemporâneo do recurso e o resultado desfavorável ao ente estatal. É incontroverso que o apelante perdeu o prazo para recorrer da sentença que julgou procedente demanda trabalhista ajuizada contra o Estado do Rio Grande do Sul. Embora manejado, o recurso ordinário não foi conhecido por extemporâneo. Preambularmente, cumpre ressaltar que a responsabilidade civil do advogado é subjetiva, de acordo com o que preceitua o artigo 14, § 4º, Código de Defesa do Consumidor, in verbis: h 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MASC Nº 70026654293 2008/CÍVEL § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Sabido que, a obrigação assumida pelo profissional do direito é de meio e não de resultado. Dessa forma, além da prova do dano e do nexo de causalidade, faz-se necessária a demonstração do agir culposo do profissional. Para Humberto Theodoro Júnior1 na obrigação de meio, o que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de atingi-lo. Sobre o tipo de obrigação assumida pelo advogado ensina José de Aguiar Dias2 que: “O advogado responde contratualmente perante seus clientes. Nem seria possível negar o contrato existente entre ambos como autêntico exemplo de mandato. Tanto que é indiferentemente chamado mandatário ou procurador judicial. Suas obrigações contratuais, de modo geral, consistem em defender as partes em juízo e dar-lhes conselhos profissionais. (...) Por força do caráter de munus público que tem a função advocatícia, ao advogado se impõe uma correção especial no exercício da profissão. As normas em que se traduz essa exigência estão compendiadas no Código de Ética Profissional.” Nesta espécie de contrato o objeto da obrigação não é o êxito na causa ou a absolvição do cliente, e sim o desempenho cuidadoso e consciente do mandato, dentro da técnica usual. Após a caracterização da responsabilidade civil do operador do direito, faz-se necessário investigar a 1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano Moral. 4ª ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 69. 2 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 410/411. h 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MASC Nº 70026654293 2008/CÍVEL ocorrência dos pressupostos do dever de indenizar. Imprescindível a determinação de falha ou omissão do profissional. A respeito do tema, oportuno transcrever trecho do artigo publicado na ‘Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil’, vol. 21, pág. 136, escrito por Ênio Santarelli Zuliani: “Perda de uma chance é uma expressão feliz que simboliza o critério de liquidação do dano provocado pela conduta culposa do advogado. Quando o advogado perde o prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios, o cliente, na verdade, perdeu a oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação integral ou completa de seus direitos (art. 5º, XXXV, da CF). Não perdeu uma causa certa; perdeu um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance.” Ou seja, o que se revela pertinente no procedimento do apelante, é a perda da chance, ao deixar de recorrer de julgamento desfavorável ao cliente. A propósito do tema, cito parte de voto do então Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do RS, Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, quando do julgamento da Apelação Cível 591064837, tratando da questão da responsabilidade do advogado, pela perda do prazo de interposição de recurso: h 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MASC Nº 70026654293 2008/CÍVEL “... causaram à autora a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Professor François Chabas: Portanto, o prejuízo não é a perda de aposta (de resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la “(La perte d´une chance en Droit Française, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS. Em 23.05.90.)” Dessa forma, restou configurada a prestação deficiente dos serviços pelo apelante, na medida em que, na condição de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, habilitado ao exercício da advocacia, deve pautar a sua conduta pela obediência a lei. Neste sentido, as sempre 3 pertinentes lições de Sérgio Cavalieri Filho : “Não é obrigado o advogado a aceitar o patrocínio de uma causa, mas, se firmar contrato com o cliente, assume obrigação de meio, e não de resultado, já que não se compromete a ganhá-la, nem a absolver o acusado. A sua obrigação é defendê-lo com o máximo de atenção, diligência e técnica, sem qualquer responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da causa. Conseqüentemente, não há presunção de culpa nessa espécie de responsabilidade, a despeito de ser contratual. O cliente só poderá responsabilizar o advogado pelo insucesso da demanda provando que ele obrou com dolo ou culpa. A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), em seu art. 32, é expressa nesse sentido. Via de regra, a responsabilização do advogado, tal como em relação aos médicos, tem lugar nos casos de culpa grave (art. 34, IX) decorrente de erros grosseiros, de fato ou de 3 CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 377. h 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MASC Nº 70026654293 2008/CÍVEL direito, cometidos no desempenho do mandato, tais como o ajuizamento de ação inviável, desconhecimento de texto expresso de lei ou de jurisprudência dominante etc. Mais comuns são os casos de responsabilização do advogado por omissão negligente no exercício da sua atividade, perdendo o prazo para contestar, recorrer, fazer o preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante.” Portanto, presente o nexo causal e o dano, resulta a obrigação do apelante em reparar os prejuízos efetivamente sofridos. Entretanto, não reputo razoável condenar o advogado à reparação dos danos com base no valor da causa (do proveito econômico do Estado, no caso de vitória), como se a tempestiva interposição do recurso acarretasse, necessariamente, o êxito na demanda. De fato, a lei não estabelece critérios objetivos para a fixação do quantum indenizatório que deflui da perda de chance, devendo ser dosado mediante o prudente arbítrio do julgador. Portanto, nessas condições, imperioso atentar-se ao grau de culpa do profissional, à dimensão da ofensa e às condições do ofensor e do ofendido. Nesse contexto, observo que a conduta profissional desidiosa do apelante foi a perda do prazo para interposição do recurso cabível na ação trabalhista patrocinada, o que poderia ter mudado o resultado da referida demanda. Além do evidente descaso, a perda do prazo recursal traz ínsita uma culpa em grau elevado, pois poderia ter modificado os rumos do processo, inclusive com decisão favorável ao ente estatal, porém não na proporção estabelecida pelo Juiz “a quo”, que fixou a indenização no h 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MASC Nº 70026654293 2008/CÍVEL prejuízo total (R$ 7.300,00) suportados pelo ente estatal com a perda da ação trabalhista. Por outro lado, máxima vênia parece ser aviltante a sugestão do apelante, na fixação da indenização em apenas 2 URHs, pois, repito, eventual interposição do recurso poderia ter mudado os rumos da decisão proferida na ação trabalhista, trazendo melhor sorte ao Estado. Com efeito, observadas as peculiaridades do caso, considero razoável a fixação do valor indenizatório em R$ 3.000,00 (três mil reais), além das 2 URHs (referentes às custas do recurso), quantia que se mostra necessária e suficiente para reparar o prejuízo, sem representar enriquecimento sem causa do erário. Com tais razões, dou parcial provimento ao apelo. É o voto. DES.ª ANA MARIA NEDEL SCALZILLI (REVISORA) - De acordo. DES. ERGIO ROQUE MENINE - De acordo. DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA - Presidente - Apelação Cível nº 70026654293, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME." Julgador(a) de 1º Grau: DEBORAH COLETO ASSUMPCAO DE MORAES h 8