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Estudo e publicação final da Avaliação Abrangente do Tráfico de Drogas e Crime Organizado na
África Ocidental e Central encomendado pela União Africana.
O relatório foi elaborado por uma equipa composta por Mark Shaw, Tuesday Reitano e Marcena
Hunter. A pesquisa em três línguas foi providenciada por Laura Adal, Andreia Teixeira, e Judith
Ulirsch.
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Sumário Executivo
Entender a Nova Realidade
Um volume de literatura com crescimento exponencial badalou a expansão do crime organizado em
África. Desde os artigos dos meios de comunicação até relatórios e estudos de investigação
académica, agora já há uma vasta gama de publicações que retratam o grau dos desafios que a
África Subsaariana está a enfrentar no que concerne ao tráfico ilícito e o crime organizado. O que
antes era um debate circunscrito em relação a comunidades específicas, agora está interligado na
narrativa continental da formação do estado, desenvolvimento económico, paz e segurança.
O objectivo do presente estudo, que foi solicitado no âmbito do quadro do Plano de Acção relativo
ao Controle de Drogas (2013 – 2017), era verificar o impacto do crime organizado na África Ocidental
e Central; com vista a elaborar um registo da literatura disponível; providenciar recomendações
relevantes para a formulação de uma resposta efectiva e identificar as áreas em que é necessária
investigação adicional. O estudo visava ainda responder à necessidade urgente identificada no Plano
de Acção para que seja feita uma melhor investigação e recolha de informação sobre o tráfico de
drogas e crime organizado, e para servir de linha de base e levantamento da literatura disponível. As
constatações e conclusões do presente relatório inspiram-se na revisão de toda a documentação
disponível, em Inglês, Francês e Alemão. No total, foram consultados mais de 500 documentos ou
artigos, e 150 deles foram usados como material de base no presente relatório, sendo que a maioria
deles foi colhida em recentes fontes de material académico.
Uma revisão abrangente da literatura disponível sobre o crime organizado na África Ocidental e
Central sugere que as duas regiões estão a atravessar um importante período de mudança:
alterações políticas, económicas e sociais importantes que estão sendo acompanhadas por um
aumento no crime organizado e tráfico ilícito, que em si estão a forjar tendências correntes bem
como a natureza emergente de governação nas regiões em causa. A literatura mapeia a evolução de
mercados emergentes e mercados ilícitos entrincheirados, com rotas históricas que existem há
muito tempo que, sob a influência de três tendências globais e alguns factores favoráveis, criaram
condições que facilitaram a rápida evolução de novas formas de crime organizado. Isto resultou no
quadro que vemos hoje. Por conseguinte, o entendimento a sua amplitude bem como o impacto são
elementos cruciais para a análise das mudanças em curso.
Entender o impacto do crime organizado
O relatório conclui à partida que, não obstante o facto de haver uma ampla aceitação do conjunto
de definições padronizadas em relação ao que compromete o crime organizado a nível global, ainda
há muito menos consenso a nível dos analistas internos e externos, no que diz respeito à forma
como os conceitos devem ser definidos no contexto Africano. Isso é, em parte, uma a reflexão da
complexidade de uma vasta gama de factores envolvidos na economia ilícita e cinzenta nas duas
regiões. Porém, no âmbito da paz e segurança, o Conselho de Segurança das Nações Unidas analisou
questões relativas ao crime organizado como sendo um aspecto progressivamente proeminente em
debates e resoluções, e em formas cada vez mais diversificadas: notando a capacidade de todos
aspectos, desde a proliferação de armas ligeiras até à mineração ilícita e a caça furtiva, como
ameaças à paz e segurança. Porém, mesmo uma análise superficial da essência destas resoluções
demonstra que, de facto, o crime organizado tornou-se quase sinónimo com os debates em torno da
paz e segurança no continente Africano. Do total de 77 Resoluções ou Declarações Presidenciais do
Conselho de Segurança que mencionaram o crime organizado nos últimos dez anos (2004-2014), ou
quaisquer das formas do crime organizado, uma considerável maioria (83 porcento) relacionam-se
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com países ou regiões em África. 51 por cento relacionam-se com a África Ocidental ou Central.
Assim sendo, está claro que o crime organizado não só é uma questão importante para a agenda da
paz e segurança, como também é intrinsecamente uma questão Africana.
Declarações ou Resoluções do Conselho de Segurança referentes ao Crimre Organizado 2004-2014
Porém, uma constatação chave do relatório é que não obstante a crescente evidência da grande
escala do crime organizado bem como os imensos impactos adversos que tem nas duas regiões
abordadas no relatório, o crime organizado em todas as suas formas na África Ocidental e Central é
surpreendentemente um fenómeno não analisado. A maior parte do entendimento actual é
norteada por literatura secundária sobre o crime organizado e tráfico ilícito, que é escrita e
publicada na África Ocidental. Há comparativamente poucos académicos, analistas ou peritos
Africanos a trabalhar nesta área. Isto cria uma atenção desproporcional em relação às actividades
criminosas, com uma ameaça percebida em relação à Europa e América do Norte – por exemplo, o
tráfico de cocaína através da África Ocidental – bem mais dos que os crimes ou impactos conexos
que mais afectam às populações locais. Se os estados Africanos tiverem que enfrentar o problema
do crime organizado e do tráfico ilícito e envolverem-se num debate político a longo prazo, que o
mesmo seja devidamente fundamentado. É crucial que se capacite os Africanos nesta matéria para
melhor formular o debate e a resposta continental.
A incidência da maior parte da análise do tráfico ilícito em ambas regiões está na questão de
“quanto?”, ao invés de “qual é o impacto?”. Uma simples incidência nos números num contexto em
que os sistemas de estatística dos estados e o problema clássico de se avaliar os crimes estão
interlaçados quer dizer que os números podem dar uma ideia vaga do que está a acontecer, e não
necessariamente reflectir o grau ou as mudanças ao longo do tempo no que tange ao fenómeno
criminal. Não obstante o facto de vários relatórios terem recentemente começado a incidir no
impacto mais amplo da governação da região, há poucos estudos que analisam o nível local das
implicações comunitárias, incluindo a mudança dos níveis de riqueza; o poder que alguns indivíduos
granjeiam em relação aos outros e o ponto até o qual o dinheiro ilícito pôs em causa princípios de
organização social estabelecidos há muito tempo. Evidências recentes do Sahel dão a entender, por
exemplo, que o crescimento na adesão a uma ou outra religião em algumas comunidades resulta do
aumento do impacto do dinheiro ilícito que está a ser sentido pelos cidadãos pacatos. É sobre a
última fase, de modo particular, que os analistas Africanos têm mais trabalho a fazer – e onde os
desafios reais a longo prazo criados pelo tráfico ilícito e o crime organizado serão sentidos.
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Mercados criminosos interligados
A pesquisa sobre a actividade ilícita que está a decorrer na África Ocidental e Central revela uma
vasta gama de actividades e actores criminosos espalhados num espaço geográfico amplo. Assim
sendo, qualquer tentativa de fazer um mapa do contexto do crime organizado em contínua evolução
nas regiões não só envolve a identificação de diversos e diferentes filamentos numa rede de
actividade transnacional ampla, mas também a forma como os filamentos se interligam e
influenciam um ao outro na África Ocidental e Central.
A literatura revelou que as incursões criminais na África Ocidental e Central adoptam estruturas,
modus operandi e facetas típicas de comerciantes e agentes de negócio legítimos da região. A
abordagem da África tornou os grupos criminosos extremamente bem-sucedidos na aldeia global do
crime “desorganizado” moderno. Conjugado com uma comunidade da diáspora considerável e bem
interligada, os traficantes instalaram-se na maior parte do mundo e oferecem redes mais para o
interior.
A evolução e a inter-relação dos Mercados do Crime na África Ocidental e Central
A literatura indica ainda que os mercados ilícitos ou criminosos evolveram em resposta às
tendências globais, e que esta evolução pode ser amplamente dividida em três categorias
interligadas:



Crime Histórico: Crimes transnacionais que tiveram lugar na região por um considerável período
de tempo (pelo menos de os anos 1970) e que são bem conhecidos, apesar de ainda estarem a
evolver;
Crimes novos e evolvente: mercados criminosos que podem ter tido raízes há muito tempo mas
que não eram transnacionais, na sua natureza, e
Factores determinantes do Crime: que podem sobrepor-se uns aos outros das categorias acima
e torna-se crimes organizados de direito próprio, mas que também podem servir como factores
determinantes para actividades mais generalizadas do crime organizado.
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Apesar de haver deficiências na categorização desta forma, o exercício providencia uma melhor
compreensão do fenómeno, que pode ser aplicada para servir de base de informação e
entendimento dos potenciais impactos das políticas e iniciativas, bem como promover a
consciencialização e gerar discurso político. Ademais, a classificação permite que haja justaposição
do crime organizado como uma métrica em comparação com outros indicadores do estado,
tornando acessível o diálogo em torno do crime organizado e os seus impactos e trazer os actores de
desenvolvimento mais cruciais que devem ser parte das futuras respostas.
Os vários mercados do crime aflorados no relatório são analisados e estruturados com esta distinção
em mente.
Crime histórico: Uma Fundação Criminosa
Não obstante, o facto dos crimes nesta secção, i.e. tráfico de drogas, tráfico de seres humanos, e o
tráfico de bens ilícitos, serem referenciados como sendo históricos e antigos, isso retrata
predominantemente da sua longevidade nas regiões, ao invés do seu modus operandi. De facto, tal
como acontece com todos os crimes organizados, estes são mercados criminosos que estão a
evolver rapidamente e a inovar; que desenvolveram significativamente ao longo do período do
estudo e continuam dinâmicos, ademais, os seus antecedentes e a sua existência desde há muito
tempo abriram alas para que novos bens ilícitos ou actos criminosos pudessem se desenvolver.
O contrabando de mercadorias raramente é considerado como sendo crime organizado na região, a
literatura de modo geral conclui que o contrabando de pessoas e bens por muito tempo foi a
maneira de viver para muitas comunidades, particularmente na região do Sahel. Por conseguinte, as
redes de contrabando de há muitos anos servem como artérias para a actividade criminosa na
região, providenciando uma fonte pronta para os que estão envolvidos no contrabando de bens e
permitido a circulação de mais bens ilícitos de elevados valores. Por exemplo, as redes no Sahel que
antes apenas serviam para o contrabando de cigarros, viraram as suas atenções para os lucros mais
elevados oferecidos no contrabando de haxixe e cocaína. Ademais, o reflexo da interligação da
actividade ilícita e migrantes foi documentado como sendo usado para ocultar o transporte de bens
ilícitos.
Os dois fluxos que suscitaram mais atenção na literatura são o tráfico de cigarros ilícitos e
medicamentos fraudulentos; (os produtos electrónicos ilícitos e materiais também podem ser
considerados como uma excepção, apesar de ser em menor escala). Cigarros, tais como muitos
outros bens ilícitos entram na região através de portos da África Ocidental e depois são traficados
para o nordeste, de onde posteriormente são contrabandeados para países da África do Norte. Por
exemplo, sabe-se que os cigarros “Illicit Whites”, fumados na Líbia, são importados através da África
Ocidental, nomeadamente, Togo e Benim. Ambos tipos de tráfico suscitaram interesse devido ao
grau do problema, os imensos impactos que o crime pode ter nos estados e nas populações locais,
bem como o nível de interesse a favor do sector privado.
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Rotas de Contrabando de Cigarros Ilícitos
O tráfico ilícito é de especial interesse porque, há quem defenda que as rotas de trânsito criadas
para o tráfico de produtos foram usadas para o tráfico de bens ilícitos de mais alto valor, incluindo o
contrabando de migrantes e, sobretudo o tráfico de cocaína. Estudos feitos recentemente no Sahel
demonstraram rotas de acumulação criminosa ao longo das rotas do Norte de África para a Europa,
notando que muitos actores envolvidos no tráfico de bens ilícitos não fazem qualquer distinção
entre os bens que transportam. Quanto a todos produtos, a literatura geralmente consente que o
grau até o qual os operadores do crime organizado e suas redes controlam as redes de contrabando
profissionalizou-se consideravelmente desde os meados dos anos 2000. Os preços já foram
concordados em relação à maior parte dos troços e há envolvimento das comunidades locais e os
agentes da segurança, alfândegas e oficiais da migração.
O contrabando de migrantes da África Ocidental e Central foi amplamente coberta nos meios de
comunicação de massas, particularmente em relação às condições em que as pessoas atravessam o
Mediterrâneo de barco. A literatura nota que não obstante isso, a vasta maioria da migração (até um
índice estimado em 90%) ocorre a nível intrarregional. O grau até ao qual a Líbia agora oferece uma
área de trânsito relativamente livre para o movimento de pessoas quer dizer que as rotas da África
Ocidental e Central convergem no norte do Níger, antes de continuarem para o norte. Devido ao
crescente fluxo de bens, os riscos para os migrantes, incluindo a extorsão por parte de actores
criminosos do Estado, continua extremo. Porém, há um acordo generalizado segundo o qual a
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resposta ao contrabando de migrantes na região tem sido silenciada, com poucos processos e
quadros legislativos fracos em vários países.
No que concerne ao tráfico de seres humanos, vários artigos e relatórios realçam que a maior parte
das actividades ocorre na região, tendo crianças como vítimas. O propósito deste tráfico é
predominantemente para fins laborais e, apesar de no passado as crianças também terem sido
traficadas para servirem como crianças soldados, a última componente declinou. Alguma literatura
incide no tráfico de crianças para serviços sexuais no mercado Europeu, mas parece haver consenso
em relação ao facto destes números serem relativamente menores. Há um acordo generalizado
segundo o qual a resposta ao contrabando de migrantes e o tráfico de seres humanos na região
foram postos em surdina, havendo apenas alguns processos e alguns quadros legislativos fracos nas
regiões.
Das drogas múltiplas que transitam pelas duas regiões, o movimento da cocaína é o mais lucrativo, e
esta é a área em que se concentra a maior componente da literatura sobre o crime organizado na
África Ocidental e Central. Não obstante a atenção, as estimativas relativas ao volume em toda a
região continuam a variar, estas são de modo geral baseadas nos dados referentes às apreensões, e
a literatura académica lida com os dados com relutância. O que de qualquer modo está claro é que
mesmo nas estimativas conservadoras, um considerável volume de cocaína fluiu através da África
Ocidental desde os princípios de 2000, cujo valor é comparável com o orçamento da defesa ou
segurança dos menores estados da região.
A literatura enfatiza igualmente o grau até ao qual os governos e os actores na área de defesa e
segurança acabaram intrinsecamente interligados com o tráfico de drogas na região. Isto parece
mais evidente no que concerne ao recebimento de pagamentos para permitir a passagem segura de
remessas de drogas, o que é um processo que teve implicações importantes em relação ao aumento
de níveis de corrupção. Ademais, a documentação, incluindo investigações internacionais, ligou a
conexão da cocaína com grupos rebeldes que também estão envolvidos no tráfico de armas.
Acima de tudo, a literatura nota igualmente o grau até ao qual os actores da África Ocidental - desde
os meados dos anos 2000 - de modo particular, tornaram-se actores mais activos no tráfico de
drogas. A presença de nacionais da América Latina na região parece ter reduzido, tendo redes da
África Ocidental assumindo a responsabilidade pela recepção e o reencaminhamento das remessas.
Isto dá a entender o grau até o qual o tráfico de drogas se impregnou na região, de modo particular
na África Ocidental, substituindo a heroína como a droga geradora de receitas para os traficantes.
Ademais, há evidências de técnicas bem-sucedidas de tráfico que estão a ser transferidas de um bem
ilícito para outro, ressaltando a natureza interligada e evolvente das redes e mercados criminosos.
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Fluxos e apreensões de Cocaina
Apesar de agora ter sido substituído pela cocaína, o tráfico de heroína através da África Ocidental é
considerado como uma prática que tem raízes históricas mais profundas. Os grupos criminosos da
África Ocidental vêm usando a região como ponto de trânsito desde os anos 1980. O tráfico
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contínuo de heroína através da região criou uma intersecção entre as rotas de cocaína e de heroína,
uma vez que ambas rotas tentam penetrar as fronteiras do sul da Europa.
Não obstante o facto de a cannabis (haxixe) ser consideravelmente disponível em ambas regiões, há
relativamente pouca literatura que incide na produção, tráfico, venda e uso da mesma. A única
excepção é o caso da República Democrática do Congo (RDC) onde o papel do exército e dos
rebeldes foi documentado. No Sahel, o haxixe é uma grande fonte de rendimentos, com rotas que
passam pela Mauritânia e do Ocidente para o Leste, atravessando o Sahel. Parece haver alguma
intersecção entre o movimento do haxixe do ocidente para o leste, rumo ao Médio Oriente e o
movimento da cocaína que transita da Líbia, sendo movimentada ou para o norte, ou para o leste, a
caminho da rota de trânsito do Médio Oriente e dos Balcãs.
Fluxos integrados de Canabis e de cocaina
Há cada vez mais evidência da produção de metanfentaminas na África Ocidental, apesar da
expansão regional enfrentar o desafio dos produtores do Leste da Ásia, que têm uma vantagem
comparativa em termos de proximidade dos mercados e os baixos custos de produção. Porém, o
crescimento de um mercado Asiático de longo prazo para todas as drogas, bem como outros bens
ilícitos – de modo particular no que diz respeito à fauna bravia – pode também fazer com que um
elevdo número de estados seja usado como pontos de trânsito – com os estados da África Central
sendo mais vulneráveis.
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Tendências da produção de metanfetaminas na África Ocidental
Os mercados criminosos para este fluxo histórico devem ser amplamente entendidos como sendo o
alicerce da actividade criminosa nas duas regiões. As rotas, redes e as economias de protecção que
se desenvolveram em torno do trânsito de produtos, contrabando de pessoas e o tráfico de pessoas
subjazem na economia ilícita da África Ocidental e Central.
Crime Novo e Evolvente: Evolução e Acumulação
Para além do caso do crime cibernético, que é claramente tanto antigo quanto a tecnologia que o
tornou possível, talvez seja um contrassenso descrever os crimes nesta secção: o crime ambiental,
pirataria marítima, raptos em troca de dinheiro pago para o resgate e o crime cibernético, como
sendo “novos”. Certamente, o crime ambiental e a pirataria existem há séculos nas regiões em causa
e tem antecedentes históricos de há longo tempo e, tanto quanto os que constam na categoria
anterior, estão a evolver rapidamente.
A razão para distingui-los dos crimes históricos é o facto dos crimes enquadrados nesta categoria
antes terem sido muito mais restritos em termos de âmbito e magnitude. Antes da última década, os
crimes ambientais como o abate ilegal de árvores e a caça furtiva, ou mesmo a mineração ilícita não
eram fluxos transnacionais e tinham impactos mínimos além das suas próprias fronteiras imediatas.
A pirataria também era predominantemente concentrada na faixa costeira da Nigéria e era crime
estreitamente associado com a dinâmica política nacional e a indústria petrolífera.
Na última década, porém, a base da rede de actores criminosos e rotas transnacionais que
floresceram com o escalonar das rotas históricas de tráfico e as economias de protecção que se
desenvolveram em torno delas estão a ser usadas para mover uma mais vasta gama de bens ilícitos
para os mercados globais. Por exemplo, o tráfico ligado à fauna bravia tinha atingido níveis sem
precedentes, uma vez que os grupos locais de caçadores furtivos que abatiam as espécies chave para
poderem transportá-las através de redes internacionais já estabelecidas. Assim sendo, o crime
organizado e a dinâmica do estado evolveram nas regiões, facilitando a emergência desses crimes
que agora estão a ser alvo de uma proeminente menção na literatura.
Crimes ambientais, apesar dos crimes virem sendo praticados há muito tempo, na maior parte dos
casos aumentaram exponencialmente com conexões internacionais e transnacionais, comparando
ao que eram no passado. Uma grande diversidade de actividades cai sob a alçada da categoria de
crimes ambientais: desde a extração e tráfico ilícito de minerais até a pesca ilegal, dumping de
resíduos tóxicos, e a caça furtiva. Estes são crimes que, apesar de serem incrivelmente diferentes,
estão ligados de uma forma ou de outra, e consequentemente têm um impacto nocivo ao ambiente
e sobre as comunidades da África ocidental. De muitas formas pode se argumentar que os impactos
do crime ambiental são os danos que se fazem sentir de forma mais aguda e directamente nas
comunidades. Desde aldeias na África Central que estão a ser ameaçadas pelos caçadores furtivos,
até as comunidade ao longo da costa da África Ocidental que veem os seus cardumes e bases de
sustento a reduzir drasticamente. As provas disponíveis, reflectidas em parte no aumento na
atenção que se presta em relação à situação na literatura, dão a entender que há um aumento dos
casos de crimes contra o meio ambiente, apesar da cobertura de tais casos ser relativamente
localizada, sem uma avaliação mais ampla do impacto na/s região/regiões.
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O mapeamento do crime ambiental organizado na África Ocidental e Central revela uma teia
complexa de actores que vão desde grupos armados até funcionários de Estado a nível local e em
postos de responsabilidade no governo, bem como no sector de negócios privados. O sector privado
regularmente empreende actividades tais como a fuga ao fisco, exploração laboral, dumping de
resíduos tóxicos, licenças de exploração mineira, etc. – mas para a concessão de licenças ou direitos
de exploração é preciso que estejam envolvidos funcionários corruptos.
O que é interessante no que concerne ao exame da evolução dos crimes ambientais, nas suas
múltiplas e variadas formas, é que claramente ilustra a evolução e a acumulação criminal que
caracteriza muitos crimes organizados na região. Os actos criminosos que eram motivados por um
desejo de financiar uma base de subsistência ou um movimento ideológico estão cada vez mais a
tornar-se um fim em tanto que tal, com as cadeias de oferta a profissionalizarem-se
consideravelmente, e economias de protecção sofisticadas se desenvolvendo em torno do comércio
ilícito.
A pirataria marítima na África Ocidental assumiu uma maior proeminência quer nos meios de
comunicação de massas, quer na literatura secundária, dado que os ataques no Golfo da Guiné
aumentaram. Parece haver alguma “aprendizagem” do uso da pirataria do Corno de África, apesar
da evidência sobre esse facto ser parca, e as duas formas de pirataria demonstrarem importantes
diferenças – não sendo menos relevante o facto dos casos da costa da África Ocidental serem muitas
vezes descritos como “roubo com recurso ao uso de armas de fogo”, o que implica um objectivo
diferente e uma materialização mais cabal.
Os casos de Pirataria Marítima no Golfo da Guiné1
Tendo começado nos meados dos anos 2000, a pirataria no Golfo da Guiné era inicialmente restrita
à região do Delta do Níger, directamente ligada aos conflitos relativos à indústria petroleira. Porém,
nos últimos anos houve um aumento nos ataques marítimos, quer em termos de frequência, quer
em termos de abrangência geográfica. Tanto mais que em 2012, pela primeira vez, o número
reportado de embarcações atacadas por piratas da África Ocidental ultrapassou os que foram
atacadas pelos piratas Somalis. Em termos comparativos, há mais dados abrangentes sobre a
pirataria do que sobre outras formas de crime organizado. Porém, não obstante o facto da pirataria
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no Golfo da Guiné ser uma área relativamente conhecida, é difícil pintar um quadro preciso do grau
da pirataria porque os dados sobre os ataques piratas não são abrangentes nem exaustivos, e os
índices de reportagem são baixos.
Em paralelo, a natureza dos ataques, em tanto que tais, está a evolver. Originalmente eram levados
a cabo por grupos de militantes Nigerianos com objectivos políticos relacionados com a exploração
do petróleo no Delta do Níger, a maior parte dos actos de pirataria no Golfo da Guiné agora são
perpetrados pura e simplesmente por grupos do crime organizado, motivados pela natureza de
baixo risco e elevados ganhos das operações de pirataria; enquanto a pirataria no Golfo da Guiné se
limitava à sifonagem e abastecimento de petróleo e muitas vezes ataques violentos que tinham
como alvos embarcações comerciais e seus tripulantes. Com o interesse político perdido, os piratas
não mais se limitam a áreas politicamente significativas, um desenvolvimento que explica a rápida
expansão da pirataria para as águas territoriais dos vizinhos da Nigéria: Benim, Camarões, Cote
d’Ivoire, Guiné Equatorial, Gana, Guiné, Togo e Gabão.
A pirataria marítima testou severamente a capacidade de coordenação regional, e destacou a
necessidade urgente dos países ao longo da Costa da África Ocidental trabalharem juntos para
repelir a ameaça, uma vez que a pirataria tem-se caracterizado pela sua facilidade de deslocação.
Incidentes de pirataria agora se espalharam do Delta do Níger para outras faixas costeiras, bem
como para o alto mar, em conformidade com uma mudança geral das motivações políticas para uma
pirataria meramente criminosa. Contrariamente à pirataria na costa da Somália, o valor não deriva
dos raptos em troca de resgate das vítimas, mas na apreensão de mercadorias – com maior
destaque para o petróleo – que esteja a ser transportado por embarcações ao longo da costa da
África Ocidental.
Em terra firme, um dos crimes mais novos ligado aos grupos criminosos na região é a prática de
raptos para exigir resgate, com aumento significativo de incidentes desde os princípios dos anos
2000. Tal como acontece no caso da pirataria marítima, os casos de raptos são vistos como tendo
mudado de uma motivação amplamente política, com destaque para o rapto de cidadãos Ocidentais
na região do Sahel, para uma motivação puramente criminosa – para o lucro. Ao mesmo tempo que
os raptos aumentaram no Sahel, uma vez que a região tem sido alvo de uma crescente
desestabilização, consta que o maior aumento registado em casos a nível global ocorre na Nigéria.
Esta tendência recente parece ser associada ao aumento de famílias ricas vitimadas devido à sua
capacidade de pagar o resgate.
O Crime cibernético é uma terceira categoria dos crimes novos e emergentes. A chegada do crime
acionável através da Internet mudou as regras de jogo no que concerne ao comportamento
criminoso e às respostas das agências de lei e ordem a nível global por retirar as ligações físicas entre
o criminoso e o crime, criando uma capacidade sem igual de se ocultar a identidade dos
perpetradores e das transacções criminosas, e por facilitar a comunicação, a Internet provou-se
como esteroide do crime organizado. Ela permitiu a introdução de novas formas de criminalidade, e
aumentou a potência dos crimes tradicionais. Os países da África Ocidental lideram a área no que
concerne ao crescimento e inovação do crime cibernético, e ganharam uma notável reputação pelo
facto.
Não obstante o facto do crime cibernético se manifestar de uma vasta gama de formas, no contexto
da África Ocidental e Central pode ser, de modo geral, subdividida em três categorias: actividade
criminosa tradicional tornada possível através dos avanços tecnológicos, crime cibernético da
primeira geração (“Carta Nigeriana”), e o crime cibernético da segunda geração. O que os três
diferentes tipos de crime ilustram é que não só se trata de tecnologia melhorada que aumenta a
eficiência com que os criminosos podem cometer crimes que vem cometendo há décadas, mas que
também abre uma vasta gama de opções criminosas. Ademais, com o crescimento da capacidade
regional e mais indivíduos têm acesso à internet, um crescente número de indivíduos terão acesso
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aos instrumentos necessários para cometer o crime cibernético. Por exemplo, a proliferação do
crime cibernético da primeira geração já se tornou tão notória, que até o esquema fraudulento
tradicionalmente designado “Carta Nigeriana” agora é chamado “Carta da África Ocidental”. Assim
sendo, a categorização não só explica a natureza do crime organizado, mas também dá uma
ilustração de tendências mais amplas e a natureza rapidamente evolvente e adaptável do crime
organizado na África Ocidental e Central.
Os países de rendimento intermédio e as economias emergentes estão a provar-se como os terrenos
mais férteis para os crimes electrónicos. Uma faceta dos avanços tecnológicos da África Ocidental e
Central que faz com que as regiões sejam especialmente atraentes para a actividade criminosa no
espaço cibernético é o salto significativo da tecnologia de informação e comunicação. África está a
investir mais na internet e nas tecnologias de comunicação mais do que qualquer outro continente e
está a exibir avanços surpreendentes no uso da telefonia móvel e, assim sendo, os criminosos
cibernéticos nas regiões estão na linha da frente dos avanços da tecnologia de informação e
comunicação e detêm a vantagem de primeiro impulsionador. Por exemplo, a chegada dos serviços
de banda larga na África ocidental faz com que a região seja um vizinho próximo no mundo virtual, o
que permite que os criminosos ataquem a qualquer um, ao mesmo tempo que tornam difícil que se
identifiquem as redes criminosas envolvidas. Já em 2008, um relatório sobre a segurança cibernética
na Cote d’Ivoire notou que o crime cibernético em África está a crescer mais de pressa do que em
qualquer outro continente.
Como os instrumentos para o crime cibernético se vão tornando cada vez mais disponíveis com
facilidade, os perpetradores de crimes cibernéticos não mais precisarão de elevados níveis de
competência técnica. A aquisição “artificial” de competência técnica permitirá uma mudança do
criminoso digital altamente competente para uma rede mais ampla de indivíduos. O crime
cibernético está a evolver de um crime baseado em cartas não solicitadas para actividades
criminosas com suporte da internet tais como: a falsificação de documentos, roubo de identidade e
branqueamento de capitais. O crime cibernético da segunda geração requer muito menos tempo do
que o crime cibernético da primeira geração e requer competência mais avançada para executar o
roubo electrónico de informação, infiltração em sistemas de outrem (“hacking”), clonagem de
páginas da internet e roubo de identidade.
As firmas de crime cibernético agora estão a providenciar pacotes informáticos para o roubo de
identidade, números de cartões de crédito, infiltração em sistemas de outrem e os engenhos de
criptografia agora providenciam linhas verdes e serviços de troca de mensagens ao vivo para
executar crimes cibernéticos que, mesmo há poucos anos teriam sido impossíveis.
Estas inovações na tecnologia estão a providenciar oportunidades para o crescimento dos grupos
criminosos transnacionais e domésticos, e os grupos são capazes de usar a perícia à sua escolha.
Antes perpetrados por indivíduos em internet cafés, agora os crimes cibernéticos sofreram
metamorfoses e tornaram-se algo operado por redes organizadas soltas que estão activas mesmo
além das fronteiras de vários estados e de nacionalidades. Agora estima-se que mais de 80 porcento
dos actos de crimes cibernéticos originam de alguma forma de actividade organizada. Os níveis de
competência podem tornar-se uma variável que possa ter um papel no que concerne às estruturas e
hierarquias dos grupos do crime cibernético.
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Países com mais de 10 por cento de indivíduos que usam internet2
Os factores estimulantes do crime
Vários crimes organizados, apesar de serem crimes de mérito próprio, são de particular relevância
devido a forma como servem de multiplicadores para outros comportamentos criminosos. O crime
cibernético, branqueamento de capitais, tráfico de pequena escala e a corrupção podem ser
considerados como “esteroides” do crime organizado – uma actividade criminosa que faz com que o
crime organizado na sua conjuntura seja mais potente do que seria.
Os crimes aqui considerados não são um fenómeno particular para África – de facto muitos são
desafios igualmente prementes a nível global. Mas devido à sua capacidade de fomentar a
criminalidade e exacerbar os seus impactos negativos, lidar com esses mercados criminosos será
uma parte crucial para qualquer resposta efectiva ao crime organizado.
O crime cibernético aparece outra vez, como avanços tecnológicos que facilitaram a comunicação
entre as pessoas terem sido cruciais na facilitação das redes criminosas na África Ocidental, de modo
particular, e em parte contribuíram para as suas estruturas horizontais e relativamente dinâmicas. A
chegada de crimes acionados através da internet mudou as regras de jogo no que concerne ao
comportamento criminoso e para as respostas das agências de lei e ordem a nível global, ao remover
as ligações físicas entre o criminoso e o crime, criando assim uma capacidade sem precedentes de se
camuflar a identidade dos perpetradores e das transacções criminais, e facilitando a comunicação, a
internet provou-se como sendo o esteroide do crime organizado. Permitiu que houvesse novas
formas de criminalidade, e aumentou a potência dos crimes tradicionais.
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Colocar o crime cibernético em contexto3
Acção Criminosa
Estimativa de Custo
Percentagem do PIB
Pirataria
USD1 bilião - US$16 biliões
.008% - .02%
Tráfico Narcótico
USD600 biliões
5%
Crime cibernético USD300 biliões - US$1 triliões 0.4% - 1.4%
Global
A internet mudou o crime fundamental e completamente por permitir às pessoas que se interliguem
em formas que outrora não podiam, facilitando todas as formas de crimes, desde os mercados de
drogas até ao tráfico de pessoas, e cria uma maior anonimidade que faz com que deteção seja um
desafio maior. O crime cibernético fez com que o crime organizado se posicionasse como esteroide:
os avanços tecnológicos que facilitaram a comunicação entre as pessoas foram cruciais na facilitação
das actividades das redes criminosas em toda a África Ocidental, de modo particular, e em parte
contribuíram para as suas estruturas horizontais e relativamente dinâmicas. Melhorou a
comunicação com os grupos que estão fora da região e o crescimento do uso de dinheiro virtual
removeu ligações físicas entre o crime e o seu perpetrador, e reduziu a deteção e identificação por
parte das agências da lei e ordem. A anonimidade não é absoluta, mas as tecnologias que existem
agora são mais fortes do que o sistema tradicional de pagamentos electrónicos e a discrição é
garantida pela posse de pseudónimos.
A luta contra o crime facilitado pelo ambiente cibernético é uma batalha ferrenha que poucos, se
bem que alguns, estados estão em altura de responder. Mas é daqueles casos em que os estados
precisam de lidar urgentemente com a situação. É necessário que se melhore a capacidade das
agências da lei e ordem no que tange à investigação, bem como reforçar os quadros reguladores,
protocolos jurídico-legais e consciencializar o público em geral para que reforce a sua própria
segurança no espaço cibernético.
O crime de branqueamento de capitais tem uma relação comum com as outras formas do crime
organizado, uma vez que quase todas as formas de actividade ilícita envolvem o branqueamento de
capitais em algum ponto. O branqueamento de capitais é o método através do qual os criminosos
encobrem as origens ilegais da sua riqueza para proteger o seu património, com vista a evitar
suspeitas por parte das agências da lei e evitar deixar rastos das provas incriminadoras. Assim sendo,
a maior parte dos criminosos branqueiam os seus proventos com vista a tirar vantagem do seu
património na economia formal.
Não obstante o facto do crime em todas as suas formas constituir uma séria ameaça, a incidência
aqui é no branqueamento de capitais ligados a outras formas de crime transnacional organizado.
Crimes financeiros, tais como fuga ao fisco e peculato, são danosos em mérito próprio, privando aos
governos de fundos tão necessários; debruçar-se sobre todas as formas de branqueamento de
capitais seria abrir uma caixa de pandora no que tange os assuntos que requerem análise dos
regulamentos financeiros de cada nação individual, concernentes à tributação. Cingir a discussão
sobre o branqueamento de capitais no contexto da região, a discussão retrata a relação entre o
branqueamento de capitais e outras actividades do crime organizado na África Ocidental e Central;
incluindo a forma como os proventos do crime têm impacto nos governos locais e destorcem as
economias locais.
Há vários métodos de se fazer o branqueamento de capitais, mas os métodos notórios na África
Ocidental e Central revolvem em torno do Mercado da imobiliária e branqueamento de capitais
baseado em trocas comerciais, especificamente a importação e venda de carros usados. Métodos
adicionais de branqueamento de capitais incluem a criação de empresas que sirvam de capa ou de
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faixada e transacções ilegais de recursos minerais, bem com o uso de empresas legítimas para
branquear fundos ilícitos.
Fluxos de armas de pequeno parte, como centros de comércio e pontos de inflamação de conflitos actuais
Ao mesmo tempo que o tráfico de armas de fogo na região é um mercado de mérito próprio,
também é um facilitador importante para padrões mais amplos de crime organizado. A literatura
mais recente dá a entender que o fluxo de armas para a região (mais recentemente vidas da Líbia)
reduziu ou parou e que os principais fluxos de armas são internos, com a procura local a ser
consideravelmente satisfeita com o que está disponível neste momento. O que é preocupante é que,
as evidências indicam que uma das fontes de armas é de dentro da própria região, com arsenais dos
governos a serem roubados, ou com oficiais da segurança a “alugarem” armas para grupos
criminosos.
Não obstante, a facilidade com que as armas estão disponíveis transformou a economia da
protecção em torno do tráfico, sobretudo na região do Sahel onde muitas armas da Líbia foram
parar. Entrevistas recentes na região demonstraram que o resultado da demasiada disponibilidade
de armas é que agora é virtualmente impossível engajar-se em qualquer forma de movimento de
bens ilícitos sem pagar, de um ou de outra maneira, pela protecção.
A disponibilidade de armas também serviu como um estímulo importante para as actividades
criminosas, para além do tráfico ilícito, em que a violência armada, ou a ameaça da mesma,
17
constituem uma das facetas. O exemplo mais citado na literatura é o aumento na pirataria no Golfo
da Guiné, onde a disponibilidade de armas abriu o mercado para um número mais amplo de grupos.
Um elemento impulsionador adicional para as actividades criminosas nas regiões é o
branqueamento de capitais. Pelo menos na literatura disponível para o público, o grau do
branqueamento de capitais não está bem documentado. Porém, reporta-se que os proventos ilícitos
das actividades criminosas em ambas regiões são branqueados através de investimentos na banca,
seguros, imobiliária, venda de viaturas e negócios gerais de importação e exportação, bem como
donativos a organizações religiosas. É difícil quantificar o valor total dos montantes de dinheiro
envolvidos nesse processo. A literatura também não quantifica os volumes dos fundos ilícitos que
saem da região para outras jurisdições. Alguma evidência de facto sugere que uma proporção
surpreendente permanece na própria região, apesar do dinheiro da África Central (Angola e RDC de
modo particular) ser canalizado para a Europa ou para a África do Sul. Dada a fraca regulamentação
bancária bem como o secretismo dos bancos, a região continua vulnerável ao branqueamento de
capitais.
A respeito do branqueamento de capitais, pode-se concluir que, apesar de se admitir que seja um
problema, há extremamente poucos dados sobre o ponto até o qual o desafio se afigura. Distinguir o
branqueamento de capitais das formas específicas de crime organizado e isso como resultado da
corrupção ou outras transferências ilícitas, parece ser difícil se não impossível.
A Corrupção desempenha um papel crucial no que tange criar condições favoráveis para as
actividades do crime organizado na África Ocidental e Central. Não se limita ao pagamento de
pequenos subornos nos postos fronteiriços, a corrupção infiltrou-se para os níveis mais altos das
instituições governamentais e militares. O crescimento no tráfico de drogas, de modo particular na
África Ocidental, aumentou consideravelmente a disponibilidade de fundos ilícitos para apoiar
práticas corruptas. A corrupção associada ao tráfico de drogas na África Ocidental e no Sahel parece
ter permeado instituições governamentais chave e processos políticos em muitos estados,
debilitando instituições e enfraquecendo as capacidades dos governos. Envolver-se no crime
organizado pode ser extremamente atraente a todos os níveis de angariação de receitas na África
Ocidental e Central devido às discrepâncias na base nacional de receitas e lucros gerados pelo crime
organizado, mas o fracasso dos sistemas nacionais de justiça em termos de dar uma resposta
efectiva à corrupção e criminalidade resulta num sentido de impunidade, que por sua vez facilita
ainda mais o recrutamento e perpetuação do crime organizado a nível da comunidade.
Um impacto muitas vezes não considerado da corrupção é que, ironicamente leva a uma subrepresentação do quadro real do tráfico, que se baseia em dados relativos à apreensões.
Historicamente os índices de apreensão foram o instrumento principal usado para avaliar o grau e a
orientação dos fluxos ilícitos bem como o sucesso das operações. Porém, as apreensões e os dados
subsequentes estão sujeitos a elevados índices de variabilidade e podem ser consideravelmente
influenciados pela corrupção. A redução nas apreensões ao longo do tempo pode ocorrer porque as
agências da lei e ordem se tornem mais eficientes e dificultem a movimentação dos fornecedores e
os agentes do crime organizado na sua jurisdição ou porque as agências da lei e ordem se tornem
menos eficazes e os agentes do crime organizado se tornem mais capazes de evitar as apreensões.
Agentes da lei e ordem corruptos têm pouca probabilidade de apreender bens ilícitos como droga, e
têm maior probabilidade de devolver bens apreendidos aos grupos do crime organizado, em troca
de pagamento.
O impacto do Crime Organizado: Ciclos interligados de prejuízos
Os países na África Ocidental e Central persistem no ponto mais baixo no que tange aos índices de
desenvolvimento humano, e os esforços no sentido de se promover a estabilidade, desenvolvimento
e segurança humana em todas as suas formas estão a ser postos em causa e desviados pelo crime
organizado. Pode-se argumentar que o crime organizado pode ser visto como uma das principais
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ameaças para a capacidade dos povos daquela sub-região no que diz respeito à materialização do
seu desenvolvimento humano fundamental e atingir as metas relativas aos direitos humanos bem
como manter bases de subsistência produtivas.
As complexas interligações entre os diferentes mercados criminosos que lhes permitem que tais
ganhem espaço levantam a questão crucial relativa ao impacto do fenómeno nas duas regiões. De
facto, tal como notado acima, seria de se argumentar que, enquanto a literatura dedica considerável
atenção numa tentativa de quantificar o grau dos fluxos nas regiões, a componente relativa ao
impacto não é bem entendida e merece muito mais atenção.
Apesar do impacto do crime organizado nas regiões se sobrepor e, muitas vezes a realidade de uma
região afecta a outra, a leitura da literatura disponível dá a entender que o crime organizado
despoleta danos nas seguintes esferas: fragilidade do estado; violência e segurança; danos sociais,
económicos e ambientais.
Os danos do crime organizado
Em muitos casos a determinação dos impactos do crime organizado continua sendo um processo
subjectivo; a falta de dados primários faz com que seja difícil avaliar exactamente o que é que está
em causa. Porém, na mesma, considerável evidência dá a entender que o impacto do crime
organizado em ambas regiões é decisivo e está a aumentar. Mesmo a resenha geral aqui
apresentada confirma que o crime organizado constitui uma ameaça para a paz e estabilidade,
destorce os processos políticos, cria e perpetua instabilidade, põe em causa a economia lícita,
destrói comunidades e propaga doenças, entre uma vasta gama de outros danos.
A literatura disponível que aflora os vários impactos varia em conformidade com o tipo de prejuízo.
Apesar de ser um considerável volume de literatura e dos meios de comunicação reportarem alguns
aspectos relativos à segurança e corrupção, os prejuízos relativos a saúde e ao desenvolvimento que
emanam da actividade do crime organizado são, em grande medida, ignorados. Olhando
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especificamente para o tráfico de drogas, os peritos destacaram as ameaças à segurança e as
respostas cingiram-se no estancar do fornecimento de drogas, através de esforços de aplicação da
lei. Foi dada pouca ênfase aos aspectos atinentes à saúde e ao desenvolvimento, no que concerne
aos efeitos de transbordo que decorrem do tráfico de drogas que, ao longo de tempo podem vir a
constituir uma maior ameaça à segurança para a África Ocidental e Central, bem mais do que
actualmente se reconhece.
Ao avaliar os impactos do crime organizado, existe o potencial de sentimentos conflituosos em
relação ao assunto por parte das comunidades da África Central e Ocidental. A curto prazo, as
actividades do crime organizado podem parecer trazer resultados positivos. As comunidades podem
beneficiar do crime relacionado com a fauna bravia quando forem capazes de vender marfim e
cornos em troca de somas avultadas; os mineiros artesanais podem ver grandes lucros que derivem
da sua parceria com operações criminosas de maior escala; os migrantes contrabandeados podem
ver as redes criminosas como sendo o roteiro para uma vida nova e melhor. Porém, o que pode
parecer um benefício a nível individual raramente se traduz em benefício a longo prazo para a
estabilidade e desenvolvimento da comunidade.
É crucial entender os impactos e o nível de danos que as actividades ilícitas causam. Isso permite ter
abordagens alternativas para avaliar a magnitude do crime organizado bem como permite que os
actores relevantes entendam os custos de se não fazer nada; da prevenção da ocorrência de tais
danos, e a redução da vulnerabilidade e o aumento da resiliência das pessoas que estejam a ser
prejudicadas
Fragilidade do Estado
O crime organizado promove a fragilidade do estado e põe em causa a capacidade da sociedade
edificar instituições do estado e desenvolver estruturas económicas e mercados legítimos. Não lidar
com o problema do crime organizado numa fase inicial (particularmente em situações pós-conflito)
pode levar a que grupos armados ganhem mais poder, e torna mais difícil lidar com a questão mais
tarde. Ademais, a instabilidade relacionada ao crime num país pode transbordar para a região
circunvizinha, expandindo as oportunidades para o crime organizado transnacional, e aumentar a
ameaça à paz e segurança, não só tendo impacto imediato nas regiões afectadas, mas também sobre
as comunidades ao longo das rotas de tráfico e sobre pessoas a milhares de quilómetros.
Hoje o crime organizado e a corrupção são consideravelmente interdependentes nos mais elevados
níveis. Indivíduos em instituições políticas, militares e de negócios, a todos os níveis, foram
implicados no crime organizado e o grau de penetração social e identidade que estes fenómenos
têm nas comunidades é sem precedentes. Por exemplo, as entidades legais estão a envolver-se em
comportamentos e actividades que antes eram ilegais, e apenas se tornaram legais através de actos
de funcionários corruptos. A corrupção em grande escala faz com que seja difícil distinguir a
corrupção e o crime organizados e quando é que um funcionário é instrumento de grupos do crime
organizado, e quando é que é um membro proactivo. Assim sendo, lidar com o crime organizado no
futuro requererá que se lide com a criminalização dos governos nas definições.
Violência e Insegurança
O crime organizado aumenta a violência e a insegurança. Em primeiro lugar, apesar da evidência dar
a entender que, contrariamente ao que acontece em outras regiões, tais como a América central e a
América Latina de modo geral, onde o tráfico de droga – de modo particular- levou a declínios
directos na segurança individual, na África ocidental e na África Central a situação é mais complexa.
Indivíduos ou comunidades, na sua maioria, não foram sujeitos à violência relacionadas com as
drogas. Neste contexto, os declínios na segurança são mais relacionados com o fracasso geral das
funções do estado e o aumento de grupos armados que concorrem para o poder político; ao invés
de grupos criminosos que pelejem, uns contra os outros; o estado ou a comunidade, tal como é o
20
caso em México, por exemplo, ou na América Central (apesar de sem dúvida os volumes da droga
traficada serem maiores).
Em Segundo lugar, há evidência do facto da presença do crime organizado promover insegurança,
particularmente onde as instituições do Estado sejam fracas ou inexistentes. O aspecto chave para
se entender este fenómeno é que onde o estado é fraco ou estiver comprometido, emerge um
mercado para a protecção. Este é particularmente o caso das actividades de elevados lucros mas
vulneráveis como o contrabando de droga. O crescimento do mercado de protecção paga dá poder
aos que estão bem posicionados para explorar a oportunidade que tal providencia e promove o
crescimento de novos centros de poder armado e/ou localizado. O caso mais gritante deste
fenómeno é o Sahel, onde a protecção das rotas de tráfico tem sido uma fonte chave de receitas
para alguns grupos, incluindo elementos dentro do aparelho do estado. Propõe-se que, o estudo do
mercado de protecção, como um bem em tanto que tal, seja uma área que mereça muito mais
atenção no contexto das duas regiões.
Em terceiro lugar, e relacionado ao ponto acima, é uma literatura que examina as ligações entre
grupos terroristas e o crime organizado. Muito foi escrito sobre esta matéria nos últimos tempos,
com maior enfoque no Sahel, de modo particular. O trabalho recente sugere que a ligação entre os
grupos terroristas e o crime organizado pode ter sido exagerada; os que estão envolvidos no tráfico
ilícito foram demonstrados como sendo resilientes em relação às mudanças, no que concerne ao
poder local e nacional, encontrando um enquadramento (financeiro) com os que podem
providenciar protecção. O resultado é que os grupos terroristas ou insurgentes podem não estar
directamente envolvidos no tráfico de drogas mas, são dados algum pagamento em troca da
provisão de protecção.
Analisadas em conjunto, a natureza da insegurança gerada pelo tráfico ilícito nas duas regiões pode
ser resumida da seguinte forma: a insegurança individual apenas sofre um impacto indirecto, apesar
de tal se afigurar sob a forma de se comprometerem instituições do estado; tem sérias
consequências como o crescimento de um mercado de protecção, envolvendo actores do estado e
não do estado, ou uma combinação de ambos; providencia uma rota importante para desviar os
recursos destinados para a segurança do estado das suas reais e legítimas funções e acobertar
actores não do estado (incluindo grupos terroristas ou armados) e coloca-los numa posição de
providenciar protecção para actividades ilícitas.
Danos Sociais e Económicos
Ao mesmo tempo, o crime organizado serve para pôr em causa a segurança humana e restringir
oportunidades individuais da vida. Não obstante o facto de a literatura dar a entender que haja
muito poucos estudos para que se possa tirar conclusões claras, a insegurança a nível individual
pode não ser directamente influenciada pelo crime organizado; a influência dá a entender que o
impacto mais amplo da actividade do crime organizado tenha uma série de impactos críticos sobre o
meio social e económico em que os cidadãos comuns vivem – o resultado sendo a redução nas suas
oportunidades na vida, de modo geral.
Mais proeminentemente, a literatura disponível (e ainda é muito limitada) dá a entender que o
crime organizado causa danos económicos por exacerbar a pobreza e aumentar a desigualdade nas
duas regiões. Isso é em parte uma faceta do facto dos que já estão em posições de poder estarem
em altura de beneficiar das actividades ilícitas protegendo as mesmas. Mais especificamente, o
branqueamento de capitais que resultem de actividades criminosas para mercados lícitos é poucas
vezes usado para actividades produtivas, tais como o investimento em negócios, e é passível a
inflacionar os preços de bens importantes tais como habitação, gado, bem como o aumento de
despesas sociais, como é o caso do valor que se deve pagar por uma noiva. Mais uma vez, é de se
enfatizar que tais impactos sociais da introdução de dinheiro ilícito nas economias locais continua
sendo uma área crucial mal explorada na literatura.
21
A longo prazo, o potencial para um maior número de utentes de drogas nas duas regiões, mas
particularmente na África Ocidental, tem a probabilidade de resultar em custos mais elevados na
área da saúde. O que está a faltar é um conjunto de indicadores viáveis para captar os danos
económicos e sociais causados pelas actividades ilícitas de uma forma que permita que os impactos
sejam devidamente avaliados. Dada a provável inclusão do tema geral do impacto da insegurança no
desenvolvimento na agenda de desenvolvimento das Nações Unidas pós 2015, o trabalho a ser feito
pela União Africana pode ser revestido de alguma importância.
Conclusão
O relatório demonstrou a evolução, o grau e o impacto do crime organizado e o tráfico ilícito em
África. É com base na revisão de uma vasta gama de material secundário em várias línguas, mas uma
das conclusões iniciais mais importantes é o facto de muito pouco deste material ter sido recolhido
de África ou escrito por Africanos. Assim sendo, o debate sobre o crime organizado no contexto
Africano é muitas vezes orientado por estrangeiros - não importa quão preocupados estejam ou
quão bons sejam os seus motivos, por conseguinte – e requer mais envolvimento de académicos e
analistas Africanos, particularmente os que trabalham em áreas inerentes à governação, no Estado e
no desenvolvimento.
Uma maior incidência no assunto por parte dos Africanos é, em si, um passo crítico para a edificação
da vontade política e enfoque na questão por parte dos líderes Africanos. Seria de notar que apesar
de ter havido uma série de respostas importantes ao crime organizado em ambas regiões, na maior
parte dos casos tais continuam sendo estratégias cuja implementação não foi levada a cabo ou
avaliada de forma abrangente. Ademais, apesar de ter sido feito trabalho em torno da matéria, a
natureza rápida da mudança resultou em novas consequências. A capacidade geral dos Governos e
outros actores no continente para agirem de forma proactiva muitas vezes foi restrita devido à falta
de informação estratégica credível e a natureza da rápida do movimento dos eventos.
Diante deste cenário, a definição destes actores criminosos no contexto Africano continua sendo um
desafio chave; eles atravessam as esferas legítima e ilegítima de actividade e eles podem ter ligações
fortes com actores do Estado, fações políticas e/ou grupos armadas. Há algum perigo em se incidir
demais na definição dos assuntos, discutindo sobre o que seja ou não seja o crime organizado, num
contexto em que ocorram danos significativos. Não parece haver consenso crescente por parte dos
académicos Africanos que trabalham na área, no que diz respeito ao que se está sendo vivenciado
para que tal seja definido como “crime organizado”, não obstante o facto de haver um claro
reconhecimento de algumas das características terem importantes dimensões Africanas.
Um dos aspectos mais importantes destes elementos - sugere o relatório - é uma crescente ligação
entre a consideração do crime organizado no contexto Africano como sendo uma questão inerente à
paz e segurança de uma forma que não está a ser confrontado em outros quadrantes. É de notar, 80
porcento dos pronunciamentos dignos de destaque por parte do Conselho de Segurança sobre o
crime organizado relacionam-se com os conflitos em África. Isto dá a entender que compreender e
responder às redes e aos grupos criminosos em África continua sendo um dos desafios chave que, se
bem-sucedidos, contribuirão para uma agenda mais ampla da edificação da paz. Enquanto isso,
prevalecem desafios inerentes a aspectos inerentes ao conceito, dados e aspectos práticos que
devem ser ultrapassados.
Para além dos aspectos atinentes à definição, já aflorados, o crime organizado na África Ocidental é
um fenómeno relativamente recente, que se foi tornando uma preocupação a partir do final dos
anos 1990. O relatório argumentou que uma série de crimes históricos, mais proeminentemente,
mas não exclusivamente, o tráfico de drogas, tiveram consequências de longo prazo para a África
Ocidental e Central. As mudanças nos mercados ilícitos globais, bem como os desenvolvimentos
dentro da própria África tiveram impacto de um factor sobre o outro para criarem novas séries de
22
redes ilícitas e actores bem posicionados para transacionar ou traficar numa vasta gama de bens
ilícitos.
O resultado foi que mercados criminosos de há longo tempo – drogas, tráfico de seres humanos e
bens ilícitos – em conjugação com as mudanças na economia global e de modo particular com o
crescimento dos mercados Asiáticos, criaram noa procura de produtos ambientais ilícitos. Isto foi
seguido pelo surgimento de novos mercados criminosos de raptos e pirataria marítima, sobretudo
na África Ocidental. Uma série de crimes conexos foi crucial para estes desenvolvimentos: o tráfico
de armas e os crimes de corrupção e branqueamento de capitais providenciaram um ambiente
favorável para a edificação de economias ilícitas regionais.
Em resumo, a posição agora é que os mercados ilícitos estão entrelaçados uns com os outros e que
as causas e os efeitos estão estreitamente relacionados. Por exemplo, o tráfico ilícito resultou no
empoderamento e apetrechamento dos actores políticos e criminosos que têm a liberdade de
operar devido ao acesso limitado dos estados Africanos; e esses actores por sua vez têm poucos
incentivos para permitirem que haja controlo por parte do Estado central. O resultado é um ciclo
vicioso em que as consequências do tráfico ilícito põem em causa as tentativas de se responder ao
fenómeno, enfraquecendo os estados e criando novos beneficiários; inclusive em muitas
comunidades locais.
Em áreas de fraca influência do Estado, também foi notado que a protecção de actividades ilícitas se
tornou um bem em tanto que tal. É fornecido por actores criminosos, grupos terroristas ou
insurgentes, e as vezes pelos próprios actores do Estado. Os pagamentos pela protecção são puco
entendidos, apesar de fomentarem novos centros de poder local e aumentarem incentives para a
corrupção entre os actores do estado.
Por conseguinte, a posição geral é um maior desafio e mais difícil de se responder do que era o caso
mesmo há poucos anos, particularmente no caso de conflitos prolongados no Sahel e no leste do
Congo. De modo particular ainda, está cada vez mais claro que o crime organizado no contexto da
África Ocidental e Central vai requerer muito mais do que uma série de acções limitadas das
instituições da lei e ordem (apesar de tais serem inequivocamente cruciais), mas é necessário que
haja um entendimento conceptual bem como uma abordagem multissectorial.
O debate sobre o impacto do crime organizado, não obstante o facto de os dados continuarem
limitados, dá a entender com muita frequência que, o crime organizado tem um impacto
subvalorizado nas vidas dos Africanos comuns, pondo em causa o seu acesso aos serviços básicos,
tais como a saúde, educação e a provisão de segurança, e a questão é muitas vezes ignorada nas
discussões sobre o desenvolvimento; porque não é bem entendida, mas também em virtude dos
reais desafios políticos envolvidos. Também resta muito pouco entendimento sobre o efeito do
crime organizado ou tráfico ilícito sobre as comunidades locais, particularmente sobre os grupos
vulneráveis como mulheres, crianças e os idosos.
Recomendações
Este breve resumo do argumento clama em questionar o que pode ser feito. O relatório termina
com cinco recomendações amplas com vista a reajustar e a incidir os esforços que visam confrontar
o desafio. Apesar de, em condições normais, fazer o argumento segundo o qual “é necessário que
haja melhor aplicação da lei” ou “Menos corrupção” constituir a chave para reduzir o crime
organizado e o tráfico; bem como o respectivo impacto, sugere-se que será necessária uma série de
intervenções mais estratégicas e a longo prazo nas duas regiões. As recomendações aqui
apresentadas reforçam as quatro áreas prioritárias do Plano de Acção relativo ao controle de
Drogas, que demonstrou o reconhecimento da magnitude e complexidade das novas tendências no
crime organizado, e o subsequente impacto no que concerne à saúde bem como à segurança social e
económica. Como tal, o Plano dá uma forte ênfase à necessidade se fazer mais investigação e
23
recolher informação sobre o fenómeno bem como o desenvolvimento de sistema de monitorização
algo diferente, com vista a fazer uma melhor monitorização e analisar as tendências em mudança e
as emergentes. Recomendações como esta em parte visam a mudar os contornos do debate, forjar
uma capacidade Africana para a intervir e responder, bem como mudar significativamente de uma
abordagem em que as respostas sejam de índole do estado e a nível nacional; passando para
respostas que sejam orientadas rumo à comunidade e baseadas no conhecimento local mais flexível.
Recomendação 1: Tornar esta questão um debate liderado pelos Africanos
Tal como foi notado acima, a grande maioria do material sobre o crime organizado e tráfico ilícito na
África Ocidental e Central não foi escrito por Africanos. Como também nota o Plano de Acção da UA
relativo ao Controle de Drogas (2013-17), é crucial criar capacidade para a investigação e a recolha
de dados, e para estimular a discussão entre os Analistas Africanos em relação às causas e
consequências do crime organizado. Tal como o relatório da Comissão da África Ocidental para a
Droga enfatiza, não se pode sustentar o argumento segundo o qual a África Central e, de modo
Particular a África Ocidental são simples canais para os mercados ilícitos no Ocidente ou na Ásia. O
tráfico de Drogas e os crimes ambientais, entre outros, estão a causar danos consideráveis. Isso não
só afecta indivíduos e os recursos dos países e das comunidades, mas também porque o grau até o
qual se infiltraram e enfraqueceram as instituições do estado.
O que é necessário é criar uma rede multissectorial dos intervenientes da África Ocidental e Central,
incluindo investigadores, oficiais da lei e ordem, representantes da sociedade civil e legisladores;
que sejam capazes de, numa base regular, deliberar sobre os avanços, desafios e estratégias
relativas ao combate ao crime organizado, com maior incidência nos impactos locais, e
colectivamente responder a tais desafios colocados pelas drogas ilícitas e o crime organizado.
Recomendação 2: Fazer uma monitorização efectiva das tendências e dos impactos
Actualmente não há mecanismos com base nos quais se possa fazer a monitorização e prestar
relatórios relativos às tendências do tráfico ilícito e o crime organizado na região. O resultado é que
a análise e as políticas são orientadas por relatórios individuais ou a divulgação de dados isolados,
como é o caso de apreensões de drogas. É necessário que se consolide a informação disponível e
apresenta-la regularmente e como um produto considerável aos legisladores, com vista a permitir
que sirva de base de evidência para que se saiba que serviços devem ser incrementados para lidar
com o impacto social e na saúde, que resultam do uso de drogas, tráfico ilícito e crime organizado. O
relatório demonstrou como é que o tráfico ilícito cresceu em termos de dimensão e seriedade, num
período de tempo muito curto. Há pouca indicação do fenómeno haver de ser de pouca duração, em
termos de âmbito; por conseguinte, a capacitação no que concerne à denúncia e a promoção da
discussão política constituirão o factor chave para o sucesso.
A este respeito, uma das opções é criar um “observatório” regional ou sub-regional Africano do
Crime Organizado com vista a garantir uma fonte objectiva e consistente de informação. Tal
observatório devia ser supervisionado por, mas ser independente de, actores do estado; se possível
localizados numa organização regional relevante.
Recomendação 3: Crime organizado deve ser inserido na agenda de desenvolvimento
Por muito tempo o crime organizado foi considerado como sendo uma questão que fosse apenas da
responsabilidade das instituições responsáveis pela lei e ordem. A sua complexidade, as múltiplas
causas e o facto de muitas agências de lei e ordem não terem competência ou não se
comprometerem a confrontá-lo, requerem uma resposta abrangente. Os parceiros ocidentais de
desenvolvimento têm sido historicamente relutantes em envolver-se em programas que respondam
às causas e ao impacto do tráfico ilícito. De facto, não tem havido debate suficiente em relação ao
facto de tais programas poderem ser elaborados e implementados. Recentemente, como o âmbito
do desafio vem se tornando claro, há uma tentativa de pensar na forma como os actores de
desenvolvimento podem formular respostas mais efectivas. Porém, este debate está, em grande
24
parte, a ter lugar entre a comunidade dos parceiros de desenvolvimento. É um requisito urgente que
os actores da África Ocidental e Central tragam as suas próprias perspectivas e seus pontos de vista
à mesa.
Uma saída concreta a este respeito seria que a UA ou comissões regionais organizassem um diálogo
com os parceiros de desenvolvimento em relação à forma como as intervenções de
desenvolvimento podem ter impacto na redução do crime organizado, particularmente através do
apoio ou mudança dos incentivos para o envolvimento dos actores locais.
Recomendação 4: Promover respostas da sociedade civil e locais
A incidência da resposta ao crime organizado na áfrica Ocidental e na África central tem recaído nos
estados. Porém, em contextos em que os actores do estado possam ser fracos, e em alguns casos,
em contextos em que os mesmos estejam comprometidos, há argumentos fortes para mudar o
rumo da discussão, de modo a incluir dois conjuntos de partes que desempenharam um papel
limitado no pensamento sobre as respostas ao crime organizado – a sociedade covil e os círculos
eleitorais locais. Os grupos da sociedade civil, incluindo os meios de comunicação de massas, têm
um papel crucial na promoção do conhecimento sobre o fenómeno, bem como na acção por se
empreender contra o crime organizado. Desempenharam papéis importantes em outros debates no
contexto Africano, com maior destaque na saúde, educação e no desenvolvimento. Devem ser
encorajados a desempenhar um papel mais relevante neste debate também, incluindo intervenções
mais localizadas para lidar com os desafios.
Para mitigar urgentemente o impacto social do crime organizado, e mais pertinentemente ainda, o
tráfico de drogas, é necessário que se envolva uma vasta gama de actores. Tal como está previsto no
Plano de Acção da UA, sob o Resultado B, a informação deve ser disseminada para os legisladores,
entidades profissionais, organizações da sociedade civil, grupos vulneráveis e o público em geral,
através da advocacia, campanhas através dos meios de comunicação de massas e actividades de
sensibilização.
As provas evidentes dão a entender que respostas orientadas pelo estado e a nível nacional podem
ter pouco impacto a nível local. O que é necessário é fortalecer a posição dos actores locais que
buscam desenvolver as suas comunidades fora da influência dos interesses criminais. Apesar de
haver pouca experiência que possa servir de base, as evidências sugerem que as iniciativas locais
(por exemplo, na Somália, em resposta à pirataria) foram cruciais na edificação de uma coligação
contra o crime organizado. Isto inclui garantir que os líderes locais que se pronunciem contra o crime
organizado sejam protegidos e que os incentivos económicos para se envolver nas actividades
económicas legítimas sejam aumentados.
Recomendação 5: Mudar a lógica dos mercados de protecção
O relatório dá a entender que em quase todos os mercados do crime, em ambas regiões, as
actividades tornam-se possíveis porque há quem providencie protecção – e paga – por actores
criminais. O relatório notou que, a partida, nos casos em que o estado seja fraco, a protecção de
actividades económicas ilícitas torna-se um produto em tanto que tal. Isto inclui a corrupção e o uso
de recursos do Estado para garantir que não se interfira com as actividades ilícitas. O que é
necessário em muitos dos sítios é reverter esta lógica. Responder ao crime organizado em tais
contextos requer mais do que simplesmente investigar e processar suspeitos, requer o
restabelecimento de uma economia de protecção, que proteja aos que estão envolvidos e,
actividades legítimas, contrariamente às actividades ilegítimas.
Para isso é necessário que seja feita uma análise mais sofisticada do mercado de protecção em
muitos sítios – isto inclui o entendimento dos pagamentos que são feitos para garantir o movimento
de bens ilícitos, e intervir para garantir que os custos para tal sejam mais elevados.
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No cerne, isto requer respostas das agências da lei e ordem e de agentes externos, que decorram
com um entendimento dos mercados de protecção, e assim sendo as intervenções direccionadas
para individuos, grupos ou fluxos específicos de tráfico podem aumentar o custo do movimento de
bens ilegais. Num contexto em que o tráfico ilícito seja relativamente amplo e que a maior parte
decorra através de zonas com alcance limitado do Estado, são necessárias abordagens mais
inovadoras.
Aspectos que requerem investigação e análises mais profundas
O relatório apresentou os dados da investigação sobre o crime organizado e o tráfico na África
Ocidental e Central, que estão disponíveis. A revisão expôs várias áreas em que uma nova maneira
de pensar; pesquisa e novos dados são os requisitos chave para a formulação de políticas
adequadas. De entre esses elementos, os mais críticos são os seguintes:
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Indicadores para definir e avaliar a magnitude do crime organizado num contexto Africano;
Um entendimento mais sofisticado das mudanças nos mercados ilícitos, com maior destaque
para a nova procura por parte das economias asiáticas em expansão, e o grau até o qual a
África pode ser a fonte e o ponto de trânsito para produtos ilícitos;
O impacto do crime organizado na comunidade, saúde e bases de sobrevivência não foram
devidamente analisados;
Não obstante o facto do enfoque do presente relatório ter sido em relação à África
Ocidental e Central, está claro que na matriz estão presentes interacções mais amplas com a
África Oriental e Austral – as economias criminais sub-regionais em África não são fáceis de
isolar, por conseguinte, é necessário que seja feita uma análise continental da ligação e das
implicações das mesmas;
Sabe-se demasiado pouco sobre o uso da droga nas duas regiões, sobretudo na África
Ocidental onde as evidências dão a entender que há um aumento no vício de consumo de
cocaína. Há uma necessidade urgente de aprofundar a base de evidências com informação
credível;
É necessário que haja um maior enfoque nas lições das intervenções das comunidade local
às actividades ilícitas, incluindo a forma como se pode proteger e incentivar os actores locais
que desejem contrapor o crescimento dos mercados ilegais;
Finalmente, é necessário muito mais trabalho para que se entenda a protecção como um
bem, em tanto que tal, nos mercados do crime, incluindo as disposições relativas à
determinação de preços da protecção e a forma como se pode incrementar o custo da
movimentação de bens ilícitos.
1
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2
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Comprehensive Assessment of Organised Crime in West and