Técnicas Vergenciais:
gradação, consciência e intenção
Lígia Alves Barros
Ronaldo Marinho Persiano
Resumo: Neste artigo discutiremos um certo número de exercícios vergenciais, frequentemente
usados nos tratamentos de forias: prismas, anáglifos, vectogramas, estereoscópios, separadores e
janelas, estereogramas no espaço livre. Essas técnicas serão avaliadas sob o ponto de vista de seus
valores dissociativos, estabelecendo-se assim uma gradação que deve ser considerada na seleção do
momento em que são incorporadas ao tratamento. Esse tipo de estratégia conta de início com os
reflexos do paciente, mas requer pouco a pouco, a medida que novos recursos são introduzidos, uma
maior consciência do seu processo, conduzindo-o a uma participação mais ativa.
Prismas
Estes elementos essencialmente desviam a direção da luz. Em sua aplicação nos exercícios ortópticos vergenciais
horizontais, os prismas são interpostos diante de um dos olhos, causando o deslocamento da imagem retiniana deste
olho ou no sentido temporal ou nasal. O primeiro caso ocorre quando se interpõe o prisma com base nasal (ou seja,
com sua base voltada para o septo nasal e o vértice voltada para as têmporas) enquanto o segundo caso observa-se na
interposição inversa de base temporal (base na têmpora, vértice no septo nasal).
O deslocamento da imagem retiniana de um dos olhos produz de imediato uma visão diplópica que induz, por conta
do reflexo de fusão, a um movimento corretor do olho munido do prisma. Para o caso de prismas aplicados em base
temporal, a busca da fusão produz um movimento do olho no sentido de maior convergência, enquanto os prismas em
base nasal induzem o movimento contrário, divergente.
Em resumo, os prismas quebram a fusão e induzem, graças ao reflexo de fusão, a um movimento corretor de
convergência ou divergência. O processo de fusão nas terapias baseadas em prismas conta apenas com movimentos
resultantes dos reflexos de fusão. Não há nesse caso qualquer intervenção intencional por parte do paciente.
Estereoscópios e Amblioscópios
Estes aparelhos são essencialmente dissociativos. Nos amblioscópios, as oculares de cada olho dirigem o eixo visual
para cada uma das transparências cujas posições espaciais em relação ao paciente podem ser alteradas por
movimento dos dois punhos. Nos estereoscópios, efeitos vergenciais são obtidos pelo uso de lentes descentradas e
pelo posicionamento das figuras de um estereograma. Em ambos, a fusão por parte do paciente nos exercícios
vergenciais decorre da dissociação e do reflexo de fusão à semelhança do processo descrito no trabalho com os
prismas. Por conta disso, os amblioscópios e os estereoscópios tal como os prismas são apropriados nas fases iniciais
do tratamento por não requererem do paciente nem consciência dos processos em curso, nem intenção.
Anáglifos e Vectogramas
Anáglifos são pares de figuras similares (estereogramas) impressas no suporte (papel ou transparência) uma em
verde e a outra em vermelho. São visualizados com o auxílio de óculos verde/vermelho. O olho esquerdo, coberto
pelo filtro verde dos óculos “enxerga” apenas o traçado da figura em vermelho, enquanto o outro olho, pela ação do
filtro vermelho, reconhece apenas a figura traçada em verde. O efeito vergencial é criado pela diferença de posição
entre a figura verde e a figura vermelha.
Anáglifos são dissociativos pela ação dos filtros. Nesse caso, as visões dos dois olhos são dissociadas pela diferença
de cor com que o suporte das figuras e o ambiente é visto. A dissociação dos anáglifos facilita a fusão das duas figuras
(mesmo na presença de discrepâncias parciais nas projeções retinianas) criando um efeito convergente ou divergente
de acordo com o posicionamento relativo das figuras. Se a figura verde está à esquerda da figura vermelha, o efeito é
convergente; e será divergente no posicionamento inverso.
Apesar da dissociação facilitar a fusão, note-se que, na fusão de anáglifos, o suporte das figuras aparece em diplopia.
Por conta disso, a fusão restringe-se às figuras e não a todo o plano de acomodação (que é o suporte do anáglifo). Essa
característica diferencia os exercícios vergenciais com os anáglifos daqueles com os prismas ou estereoscópios. Os
prismas, antes da fusão, impõem uma diplopia de todo o campo visual do paciente. Os estereocópios e
amblioscópios restringem o campo visual apenas a duas figuras do estereograma. Os anáglifos, entretanto, criam um
efeito vergencial restrito apenas às duas figuras do estereograma.
Essa característica dos anáglifos faz com que eles demandem uma maior consciência da diplopia fisiológica e do
processo de fusão, já que o reflexo de fusão é prejudicado pelo tipo de dissociação dos filtros. Os exercícios com
anáglifos devem por isso ser precedidos de exercícios de conscientização da diplopia fisiológica e exercícios
vergenciais com prismas e/ou estereoscópios/amblioscópios, além de uma explicação ao paciente dos objetivos e
consequências dos exercícios.
Maior consciência do processo é requerida pelos exercícios com vectogramas. Nestes, as duas figuras do
estereograma são gravadas de forma a refletir luz polarizada de forma que, observadas por meio de óculos com filtros
polarizadores, cada olho vê apenas uma das figuras. À primeira vista, o efeito é similar ao dos anáglifos. No entanto,
os filtros nesse caso não apresentam cor, apenas atenuam a intensidade luminosa em todo o espectro. Como
consequência, a dissociação é menor que com os óculos verde/vermelho. Se o paciente fixar-se no suporte do
vectograma, verá as figuras em diplopia. Ao fusionar as figuras, o suporte do vectograma assim como o entorno
estarão em diplopia.
Separador de Remi
Este instrumento, utilizado para relaxamento por demandar divergência, dispõe de um septo para criar a dissociação.
O par de figuras complementares nesse caso é gravado em um suporte transparente de modo a facilitar a visualização
de objetos que se encontrem atrás. Ao fixar-se em um objeto atrás da transparência do estereograma, colocado a uma
distância conveniente, o paciente tem a possibilidade de fusionar as duas figuras do estereograma ainda que sem a
nitidez típica de uma acomodação correta. Mantendo essa vergência o paciente deve trazer a sua acomodação para o
plano da transparência.
Os exercícios com o Separador de Remi são mais difíceis que aqueles com os prismas em base nasal ou mesmo com
os anáglifos e vectogramas divergentes: além do requerido relaxamento da musculatura é necessário uma maior
consciência do processo para que intencionalmente se aumente a acomodação (relativamente à vergência). À parte
das dificuldades inerentes ao relaxamento, os exercícios de divergência com anáglifos e com vectogramas requerem
muito menor intenção do paciente ainda que igual consciência.
Régua de Vergência
Os exercícios vergenciais com este aparelho recorrem a septos para os exercícios de divergência comparando-se ao
Separador de Remi em nível de dissociação e dificuldade. O septo nesse caso tem a mesma função dos encontrados
no Separador de Remi e na Asa de Maddox.
Nos exercícios de convergência, a dissociação é obtida pela interposição de uma janela entre os olhos do paciente e o
estereograma. Pela janela, cada olho vê apenas a figura do estereograma que se encontra no lado oposto. Dentro do
campo visual do paciente encontra-se toda a janela, parte da Régua e todo o entorno da sala. Assim a dissociação
restringe-se à figura que é vista em diplopia enquanto o paciente fixar-se nos demais elementos do seu campo visual.
O exercício de convergência exige que o paciente abstraia-se de todo o resto concentrando-se apenas nas duas figuras
buscando fusioná-las. Quando alcança este objetivo, todo o resto aparece em diplopia.
Os exercícios vergenciais com a Régua requerem um nível de consciência e intenção semelhante ao do separador de
Remi. Por isso, há que se treinar previamente o paciente com outros recursos e, ao introduzí-lo aos exercícios com a
Régua, explicar em detalhes quais deverão ser os seus objetivos acompanhando de início cada passo do processo.
No caso dos exercícios de divergência, a estratégia usualmente adotada com o Separador de Remi de fixar-se
inicialmente em um ponto além do estereograma, deve ser experimentada, especialmente se o paciente já exercitouse com aquele instrumento. Pode-se igualmente auxiliá-lo nos exercícios de convergência fazendo com que convirja
seus olhos fixando a ponta de um ponteiro colocado entre seus olhos e o estereograma; nos estereogramas de baixa
vergência (VG1 a VG6) o apontador é localizado entre a janela e o estereograma e nos demais à frente da janela. Se a
posição do ponteiro é correta ao fixar-se na ponta dele o paciente verá ao fundo as duas figuras fusionadas; para
completar o processo bastará relaxar sua acomodação para recuperar a nitidez do estereograma.
O domínio dos exercícios com a Régua de Vergência propicia não só os benefícios diretos das vergências exercitadas
como principalmente uma maior compreensão do processo de visão binocular e de seu controle. É por isso um
excelente auxiliar nos exercícios de manutenção após o tratamento clínico.
Exercícios Vergenciais em Espaço Livre
Estes exercícios realizam-se com estereogramas sem a ajuda de qualquer aparelho. Os estereogramas são impressos
em um cartão que deve ser visualizado diretamente. São excelentes como exercícios de manutenção pelo seu baixo
custo e simplicidade. Os Cartões de Vergência servem a esse propósito.
Cada cartão dispõe de um par de figuras, marcas de controle de supressão (um X e um ponto) e um par de círculos
excêntricos. O objetivo dos exercícios com eles é alcançar a fusão das duas figuras do estereograma de cada cartão. A
fusão resulta do direcionamento do eixo de cada olho para uma das figuras. Nos exercícios de convergência cada
olho dirige seu eixo para a figura do lado oposto; nos de divergência para a figura do mesmo lado.
Quando a fusão é alcançada, as características que se seguem servem de confirmação da correção do exercício (se
houver supressão, nenhuma delas será observada):
!paciente verá 3 reproduções da figura do cartão: apenas a do meio representa de fato uma fusão;
!na figura central, o X e o ponto, acima e abaixo dos círculos concêntricos, devem ser vistos simultaneamente;
!osestereopsia:
círculos concêntricos da figura central devem ser percebidos com profundidades diferentes por efeito de
na divergência, o círculo menor adianta-se e na convergência ele afasta-se do maior.
Nos exercícios com esses cartões não há a intervenção de qualquer recurso dissociativo. O paciente conta apenas
com sua consciência do processo de visão binocular, da diplopia e da supressão e com a intenção de produzir as
vergências necessárias. Por conta disso, eles devem ser introduzidos apenas na fase final do tratamento e a técnica
vergencial necessária aos exercícios com esses cartões deve ser dominada pelo paciente em exercícios na clínica
antes de serem prescritos os exercícios em casa.
Uso de Lentes nos Exercícios Vergenciais
As lentes em óculos tem um efeito direto sobre a acomodação e um efeito vergencial indireto mas significativo. Por
isso, podem ser usadas para reforçar ou atenuar os exercícios vergenciais descritos. Lentes positivas intensificam os
exercícios de convergência e aliviam os de divergência. Lentes negativas, ao contrário, intensificam os exercícios de
divergência e abrandam os de convergência. A simples leitura de um texto portando um óculos com lentes positivas
(ou uma adição positiva), por exemplo, é um exercício de convergência similar ao de um prisma. Quanto maior o
grau das lentes, maior o seu efeito vergencial.
Por isso, pode-se tornar mais exigente um exercício de convergência com a Régua de Vergência pelo uso de um par de
lentes positivas e pode-se aliviar as dificuldades de um paciente no exercício do Separador de Remi com essas
mesmas lentes.
Ainda pelo mesmo motivo, pacientes portadores de correção podem apresentar dificuldades (ou relativa facilidade)
na realização de certos exercícios vergenciais. Um paciente alto míope portando correção, por exemplo, pode ter
sérias dificuldades em realizar toda a série de exercícios de divergência da Régua de Vergência. Fará, entretanto, com
facilidade toda a série de convergência. Nesses casos, convém compensar as demandas vergenciais das lentes
corretoras do paciente pela interposição de um prisma adequado.
Conclusões
O elenco de recursos para exercícios vergenciais disponíveis ao ortoptistas permite mais que uma simples
diversificação com vistas a motivar o paciente. Os diversos recursos apresentam diferentes dificuldades que devem
ser consideradas no planejamento do tratamento ortóptico. Este, por sua vez, além de uma simples ginástica dos
músculos oculares, necessita uma crescente cooperação do paciente seguida de uma participação ativa deste na
medida que a execução de certas tarefas demanda não só consciência mas intenção. O papel do ortoptista nessa linha
de trabalho é também de um educador que guia o paciente na compreensão do funcionamento de uma das partes mais
sensíveis e receptiva de seu próprio corpo.
Este texto serviu de base para a apresentação de Ligia Barros no Workshop realizado pela Associação Brasileira de
Ortóptica em outubro de 2002 no IBMR
Ligia Barros é Ortoptista formada pelo IBMR
Ronaldo Persiano é Engenheiro da VERGÊNCIA Produtos Ortópticos
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