ID: 56450180
03-11-2014
Tiragem: 36230
Pág: 45
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 20,20 x 23,38 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
Somos churchillianos
e, por isso, somos livres
João Carlos Espada
Cartas do Atlântico
omeça amanhã ao jantar,
em Londres, o programa
Churchill 2015, dedicado às
comemorações dos 50 anos
da sua morte, a 24 de Janeiro
de 1965. Poderá legitimamente
ser dito que 4 de Novembro
de 2014 é uma data precoce
relativamente a 24 de Janeiro
de 2015. Mas podem existir
razões imprevistas.
Uma razão decisiva pode residir no
facto de as comemorações de 2015 serem
totalmente isentas de dinheiro dos
contribuintes. Este primeiro jantar de 4
de Novembro destina-se basicamente a
recolher fundos para as comemorações
do ano vindouro. Cada lugar custa 500
libras, embora os (mais antigos) aliados
portugueses tenham direito a 50% de
desconto — devido ao custo da deslocação
a Londres e à boa reputação da Churchill
Society of Portugal.
Um dos oradores no jantar de amanhã
será Boris Johnson, o mayor de Londres,
que nessa mesma tarde lança o seu último
livro, The Churchill Factor: How one man
made history (Hodder & Stoughton, 408
págs., 25 £).
É um livro interessante, embora, para
meu gosto e minha avançada idade,
demasiado cansativo. O ritmo é quase
frenético, a linguagem demasiado popular,
frequentemente vulgar, e o argumento faz
cedências eleitoralistas à actual atmosfera
politicamente correcta. Apesar disso, tratase de uma homenagem tocante, por vezes
comovente, ao velho Winston Churchill.
O grande desafio de Boris Johnson é o de
tentar decifrar o que representa Churchill
— não só para os britânicos, mas para o
mundo inteiro. Esta é a pergunta com que
todos os anos termino a minha cadeira
de mestrado e doutoramento sobre “A
Tradição da Liberdade” (que acaba com
C
uma sessão sobre Churchill). Todos os
anos há respostas interessantes, por vezes
inesperadas. Mas, este ano, há poucas
semanas, um doutorando de um país
africano deu uma resposta francamente
original.
“Churchill queria evitar a revolução
— nazi ou comunista”, disse ele, assim
mesmo, sem mais explicações. Após alguns
minutos de profundo silêncio em toda a
sala, ripostei: “O mesmo não poderia ser
dito sobre o doutor Salazar?” Após novos
minutos de silêncio total, veio a resposta:
“Talvez. Mas Churchill evitou a revolução
por causa da liberdade e Salazar não
conseguiu evitá-la por causa da falta de
liberdade.”
Proponho que reflictamos sobre estas
sábias palavras do nosso amigo africano.
Talvez elas possam trazer sobre todos
nós uma atmosfera de tranquilidade, de
equilíbrio e de moderação. Sim, cada um
de nós tem seguramente causas urgentes
de reforma ou de conservação social.
Mas, frequentemente, elas chocam. Se
quisermos promovê-las uniformemente
a toda a sociedade, vamos ofender muita
gente que discorda de nós. E eles poderão
amanhã fazer o mesmo contra nós — é a
ideia de revolução e de contra-revolução
que está aqui subjacente.
Há, contudo, uma alternativa. Em vez de
reclamar o poder do Estado para impor a
todos as causas de alguns, podemos todos
reclamar a igual protecção da lei e do
Parlamento para o livre e pacífico usufruto
de cada causa — por parte daqueles que a
subscrevem.
Talvez seja esta uma das mensagens de
Winston Churchill e do que ele representa:
a liberdade ordeira sob a lei, a mais
robusta trincheira contra a revolução.
Talvez seja por isso que as comemorações
de 2015 não receberão dinheiro do Estado
britânico — embora Churchill tenha sido
“eleito” o britânico mais importante de
todos os tempos.
Talvez seja também por isso que a casa
de Churchill em Chartwell seja mantida
pelos bilhetes pagos pelos mais de 200 mil
visitantes anuais. Talvez seja também por
isso que os tocantes “Cabinet War Rooms”,
em Westminster, sejam também mantidos
pelos mais de 500 mil visitantes anuais —
tudo isto sem um cêntimo dos contribuintes
e sem interferências doutrinárias dos
governos de plantão.
Em contrapartida, lembra Boris Johnson
na página 338 do seu último livro, um
vídeo do Ministério da Educação britânico,
emitido em 1995,
sobre a vitória
na II Guerra
Mundial, concedeu
a Churchill 14
segundos, num
programa de 35
minutos. O velho
leão foi considerado
pelo ministério
como demasiado
conservador
para os gostos da
época, os gostos
da tristemente
chamada “Cool
Britannia”.
Não queremos
dizer ao Ministério
da Educação
— britânico,
ou qualquer
outro — qual é a
visão “correcta”
sobre Churchill.
Queremos apenas
o muito britânico e
churchilliano “right to be left alone”. É por
isso que a International Churchill Society/
Churchill Centre do Reino Unido, da
Austrália, do Canadá, dos EUA, da Islândia,
de Israel, de Portugal e da Nova Zelândia
não recebem um único subsídio do Estado.
Nós somos churchillianos. E, por isso,
somos livres.
Sim, cada um
de nós tem
seguramente
causas
urgentes de
reforma ou de
conservação
social. Mas, frequentemente,
elas chocam
Professor universitário, IEP-UCP
Escreve à segunda-feira
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"Somos churchillianos e, por isso, somos livres", in Público, 3 de