6 — DOMINGO, 28 de novembro de 2004 CORREIO DO POVO ELIO GASPARI Gushipress O comissário Luiz Gushiken tornou-se um reformulador das teorias de comunicação. Sua última realização foi suspender a circulação do boletim interno Carta Crítica, em que se falara mal do governo. Levou dois anos para descobrir as virtudes do cadeado. Essa atitude soma-se à edição de uma revista que noticiava o bom funcionamento do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (ele não existia). Depois, liberou um filme de TV mostrando as belezas do Programa Nacional de Agricultura Familiar (era fraude, filmada numa fazenda que nada teve a ver com o Pronaf). Em setembro passado, distribuiu uma falsa entrevista do ministro Gilberto Gil, descascando “o fascismo das grandes corporações da mídia”. Era falsa. Depois de ter associado a Presidência da República a uma fantasia e a duas fraudes, a Gushipress aprendeu a apreciar as vozes do silêncio. Curso Madame Natasha de piano e português Madame Natasha tem horror a música e detesta arquivos, pois teme que alguém descubra sua data de nascimento. Ela condena a tortura do idioma e acaba de conceder mais uma de suas bolsas de estudo ao almirante Mário César Flores, pela seguinte pérola a respeito da memória da ditadura: “Não se trata de descartar o passado, cujo estudo deve ser poupado do sensacionalismo, nem de rejeitar a contribuição política e civil em geral, com vistas ao futuro; em particular, na contribuição para a identificação e avaliação política, administrativa e acadêmica dos cenários de preocupações verossímeis e das vulnerabilidades nacionais neles – como acontece nas grandes democracias, onde políticos e a intelligentsia dedicados ao tema são relevantes no macrodelineamento da segurança e defesa nacionais.” Madame ficou com uma saudade danada do professor Francisco Campos, o “Chico Ciência”, autor do preâmbulo do ato institucional de 9 de abril de 1964, que dizia: “O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. (...) A revolução vitoriosa se investe no exercício do poder constituinte”. Natasha gosta do professor Campos porque ele maltratava as instituições, mas deixava o idioma em paz. Eremildo, o idiota Eremildo é um idiota e, como todos os demais idiotas, estarreceu-se com a sabedoria sintética do líder do PMDB, deputado José Borba, quando especificou as exigências de seu partido nas negociações que Lula vem conduzindo para reorganizar o governo do PT Federal. Ele pede: “Um ministério que conte com estrutura orçamentária e financeira, caneta e tinta. É o perfil que desejamos”. O idiota tem certeza de que o doutor Borba esqueceu-se de uma coisa: algemas. Registro Ana Fonseca saiu do ministério da fome porque não quis misturar sua biografia ao prontuário de improvisações destinadas a saciar a fantasia marqueteira do Planalto. GUAÍBA Jornal da Tarde AM 720 kHz 2ª a 6ª das 16h05min às 17h Para baixo, volver L SISSON / FOLHAIMAGEM / ALEX FREITAS / ESPECIAL / CP trata o Sistema Único de Saúde coula não leva o governo para a esquerda nem para a direita. Levamo se fosse uma dissidência do o para baixo. Enquanto consome Banco Santos. Viu-se submetido a seus dias seduzindo hierarcas uma marquetagem que privilegia o do PMDB, perdeu cinco quadros que pode ser apresentado como da primeira linha do seu governo: Carnovidade em detrimento da boa los Lessa (BNDES), Gastão Wagner política de saúde. (secretário executivo da Saúde), Ana Exemplo: o governo gosta das Fonseca (secretária executiva da foFarmácias Populares, uma demame), Ricardo Kotscho (assessor de imgogia de alcance limitado, enquanprensa) e Frei Betto (assessor pessoal). to vai devagar com o Programa Dessas cinco pessoas pode-se dizer Saúde da Família. Lula prometeu de tudo: doidos, encrenqueiros, inaumentar o número de equipes de transigentes, atrapalham por introme17 mil para 32 mil. Passou-se metidos ou por ausentes. Duas coisas tade do governo e implantaram-se são certas: todos os cinco têm mais de apenas 5 mil equipes. O plano de 30 anos de militância na defesa do inqualificação dos serviços hospitateresse público e são exemplos de prolares, prometido para o Brasil, fibidade pessoal. São todos pobres. O cou restrito a três cidades, entre patrimônio dos cinco cabe na disputa elas o Recife do ministro Humberto de R$ 7 milhões que uma empresa do Costa. deputado Eunício de Oliveira, grão-seÉ muito provável que Wagner teNa montagem, o ex-secretário nhor do PMDB, teve com o INSS. nha sido chamado ao Planalto para executivo do Ministério da Saúde Gastão Wagner, defenestrado da reuniões com marqueteiros com Secretaria Executiva do Ministério da Gastão Wagner mais freqüência do que para discuSaúde, pode ser um símbolo do quinteto. Indica quem tir políticas de saúde. são as pessoas que estão saindo. Ele tem 52 anos, 21 de Os governos podem ser medidos de duas formas: pePT, uma cadeira de professor de Medicina Preventiva na lo tamanho das pessoas que entram e pelo tamanho dos Unicamp e três filhos. Não precisa do poder nem do seu que saem. Lula conseguiu uma proeza: nunca tanta aparelho. Dois anos de governo custaram-lhe dinheiro e gente exemplar saiu em tão pouco tempo por motivos a paciência de manter duas moradias. Foi para Brasília tão desqualificados. levando o sonho de uma geração. Viu-se num governo Wagner foi para Brasília achando que o governo de que centraliza a compra de toneladas de material odon- Lula faria um Plano Marshall para quem trabalha e vive tológico do programa Brasil Sorriso. Reuniu-se com mal. Caiu fora do Plano Palocci para quem vive de juros uma ekipekonômica (Joaquim Levy e Bernard Appy) que sem trabalhar. Surgiu no Ceará o fiscal das Bolsas Veio do sertão cearense o remédio para proteger os programas sociais do governo. Seu inventor chama-se Wilson Melo, tem 38 anos, dirige a Rádio Jangadeiro FM e passa uma hora por dia no ar, conversando com a gente de Brejo Santo, um município de 40 mil habitantes, a 500 quilômetros de Fortaleza. Ele lê em seu programa cerca de cem nomes de beneficiários dos programas sociais da Viúva e pede aos ouvintes que identifiquem as pessoas que não precisam de ajuda. A malha popular captura em torno de três espertalhões por dia. Numa crueldade com Suzana Vieira, pegaram a Maria do Carmo local, dona do depósito de materiais de construção, embolsando R$ 15 mensais do Vale-Gás. A diretora da escola municipal, duas vezes candidata a vereadora, também avança no Vale-Gás. Já a secretária da policlínica da família do prefeito, mulher de um pequeno criador e comerciante de leite, recebe o Bolsa Escola. Na quinta-feira, Melo foi procurado por Jucélia Reinaldo dos Santos, uma jovem de 23 anos que ouvia a letra “M” quando soube que alguém recebe R$ 30 do Bolsa Alimentação em nome de sua mãe, Miraneide. Numa patifaria da corrupção, o prefeito de Brejo Santo é do PPS de Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional. A maracutaia local segue um padrão. Em geral, quem frauda o cadastro da pobreza são funcionários da rede de proteção social do Estado: servidores, agentes de saúde e professores. Num governo em que o ministro da Fome tem um funcionário (DAS3) encarregado do seu cerimonial, isso não chega a ser uma surpresa. São peças destinadas a preservar relações de poder que começam em Brejo Santo e terminam em Brasília, de onde saem de volta para os brejos desta vida. Sem Brejo Santo, Brasília não seria o que é. Um andar de cima que soube ser elite Depois de “Churchill”, a biografia Churchill escreveu os retratos Winston ainda não sabia o tamanho de Winston Churchill escrita por entre 1928 e 1936, seus anos de os- de Churchill. Talvez isso explique Roy Jenkins, e de “Cinco dias em tracismo. Há em inúmeros perfis uma solicitude próxima da bajulaLondres”, a narrativa do grande mo- (sobretudo dos militares) ecos dos ção de muitos personagens ingleses. mento de sua vida, contada por desentendimentos ocorridos duran- Fora daí, sabia ser claro, sincero e John Lukacs, os perseguidores da te a Grande Guerra. Em 1936, sir mau como os adversários. Atribuía a memória de sir Winston têm mais EDITORA NOVA FRONTEIRA / UNIVERCIDADE / ESPECIAL / CP Leon Trotsky “a ferocidade um livro à disposição. É sua obra de Jack, o Estripador”. Na “Grandes homens do meu temcombatividade contra o inipo”, o painel com 34 ensaios biomigo comunista, ouve-se o gráficos de figuras como Charles primeiro-ministro que, a parChaplin, Leon Trotsky, Hitler e tir de 1940, enfrentou Adolf Lawrence da Arábia. Essas são as Hitler e, como sustenta John figuras de fora do Império, todas Lukacs, salvou a civilização bem conhecidas. Os retratos de ocidental. ingleses como Arthur Balfour, São esboços biográficos da George Curzon e Herbert Asquith elite, para a elite, pela elite. mostram os homens do esplendor Acordar tarde? Todos os de um império servido por uma notívagos justificam-se com elite inimitável. Asquith não falao exemplo de Churchill, mas va de assuntos de Estado fora do ele seguiu um dos costumes expediente. Balfour, o primeiro de Balfour, que, depois do algovernante inglês a andar de carmoço, conversava por meia ro (Rolls-Royce, por certo), era um hora e saía para jogar golfe mestre do estilo. Um exemplo: ou tênis. Só uma elite que se “Nesse discurso houve coisas que respeita e autoglorifica podesão verdadeiras e outras que são ria produzir um livro como banais: mas o que é verdadeiro é Arthur Balfour (E), um dos esse e um autor como Churbanal e o que não é banal não é grandes homens do tempo chill, capaz de ver mérito nuverdadeiro”. ma informação desse tipo. de Winston Churchill (D) O pulo Há dois anos, Lula teve que apertar José Dirceu para que ele se decidisse entre a Casa Civil e a presidência da Câmara. Mostrou-lhe que arriscava ficar sem nada. Pelo andar da carruagem, o comissário pode preferir a presidência da Câmara a uma Casa Civil com mais trabalho e menos conversa. Para seus viperinos adversários no PT, mudando de prédio, Dirceu levaria consigo proezas das quais o governo não quer mais ouvir falar. Como ensinou Guimarães Rosa, “sapo não pula por boniteza, mas sim por precisão”. Erro Estava redondamente errada a notícia aqui publicada de que o Sindicato dos Empregados dos Correios de Pernambuco cobra 2% de contribuição assistencial dos trabalhadores da categoria. Estava errada porque o SintectPE não cobra essa contribuição. Pior: esse sindicato é contra esse tipo de cobrança, condena sua prática por meio dos descontos em folha e denuncia qualquer expediente destinado a tomar esse dinheiro dos trabalhadores. Sua diretoria tem um compromisso de independência em relação ao governo e à ECT. Ao sindicato, devidas desculpas. O que ele faz é exatamente o contrário do que se denominou de “Tunga sindical”. A tunga está em outro lugar. Quem cobra 2% de taxa em cima de um salário mensal dos trabalhadores da ECT é o Sintect de São Paulo. Seu jornal, O Ecetista, na edição de outubro, informou que os trabalhadores (sindicalizados ou não) tomariam uma mordida de 2% sobre um mês de salário em quatro prestações. Quem não quiser pagar deve ir pessoalmente ao sindicato ou escrever quatro cartas registradas, com aviso de recebimento. Um trabalhador que ganha R$ 1 mil mensais pagará R$ 20,00. Se quiser se livrar da mordida, morrerá em R$ 21,40 nas tarifas postais das cartas que os companheiros pedem. Outra solução: os funcionários da ECT de São Paulo pediriam transferência para Pernambuco. Brasil perigoso Bem que o Itamaraty poderia se interessar pela derrubada das barreiras que dificultam o acesso de brasileiros ao Japão. O governo japonês exige um visto exclusivo para cada entrada no país. Faz isso com os brasileiros enquanto dispensa os cidadãos de 59 nações da apresentação de vistos. Entre elas, Argentina, Chile, Lesoto e Tunísia. Mais: os consulados exigem a apresentação de uma cópia integral da declaração de Imposto de Renda dos interessados. Exigência ilegal pela legislação brasileira, impertinente de acordo com os bons modos do mundo. Desde os anos 70, cerca de 300 mil brasileiros foram viver legalmente no Japão. No início do século XX, quando o andar de cima do Mikado quis se livrar de um pedaço do seu andar de baixo, o Brasil acolheu 250 mil japoneses. Em 2008, os dois países comemorarão o centenário da imigração dos pobres do Japão. Poderão festejar também as barreiras para os brasileiros.