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Curitiba, domingo, 25 de abril de 2010
GAZETA DO POVO
Vida Pública
DENÚNCIA
Prisões ocorrem
40 dias após início
das reportagens
Da Redação
Reportagens denunciaram a
existência de atos secretos na
Assembleia, desvio de dinheiro
público e funcionários fantasmas.
Presidente da Casa, Nelson
Justus, é sócio da filha de um
dos presos, Abib Miguel
❚ As prisões temporárias de ex-diretores da Assembleia Legislativa do
Paraná aconteceram 40 dias após o
início das denúncias feitas pela
série de reportagens “Diários
Secretos”, da RPCTV e Gazeta do
Povo. Durante dois anos, os jornalistas Karlos Kohlbach, Katia
Brembatti, James Alberti e
Gabriel Tabatchek analisaram
700 diários oficiais editados entre
1998 e 31 de março de 2009.
A investigação revelou a existência de 2.178 atos secretos do
Legislativo entre janeiro de 2006 e
março de 2009. Todos publicados
em diários oficiais avulsos, que serviam para ocultar nomeações,
demissões e pagamentos irregulares. Em três anos, 1,8 mil servidores
foram contratados dessa forma.
Comprovou ainda a existência
de, pelo menos, duas grandes redes
de apadrinhados na Assembleia.
Dezenas de funcionários ligados de
alguma forma ao presidente da
Casa, Nelson Justus (DEM), e ao exdiretor-geral Abib Miguel ganhavam altos salários sem trabalhar.
Alguns nem moravam no Paraná,
mas constavam como servidores
do Legislativo. A remuneração de
73 pessoas que ganhavam acima
do teto do legislativo consumiu R$
59,6 milhões entre 2004 e 2009.
Mistério
Desde que a primeira reportagem
da série foi publicada, em 16 de
março deste ano, em nenhum
momento a AL prestou informações precisas sobre as denúncias,
tampouco houve qualquer comportamento convincente dos
deputados para esclarecer as irregularidades.
A gravidade das denúncias
levou ao pedido de afastamento
de Miguel, prontamente aceito
pela mesa diretora da Assembleia.
Em seguida caíram o diretoradministrativo José Ary Nassiff e o
diretor de pessoal Claudio
Marques da Silva – este último
acusado de dificultar o acesso do
Ministério Público Estadual a
dados para investigação.
A série “Diários Secretos” resultou na abertura de 20 procedimentos investigatórios no
Ministério Público Estadual. Há
indícios de pelo menos nove crimes, entre eles peculato (desvio de
dinheiro público), falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, prevaricação e improbidade administrativa. Há ainda a suspeita de
sonegação fiscal, um crime federal que levou a Polícia Federal a
abrir um inquérito para investigar
a administração da Assembleia.
Desde o início da série, o MP tomou
o depoimento de dezenas de pessoas, pediu a quebra de sigilos bancários e fiscal de envolvidos e
requisitou documentos de diversos órgãos públicos.
Em um primeiro momento
Justus negou as irregularidades e
disse ter apenas uma relação formal com Bibinho. Mas documento ao qual a Gazeta do Povo teve
acesso revelou que o presidente da
Assembleia é sócio de Isabel Stein
Miguel, filha do ex-diretor-geral
da Casa, em uma rádio em Guaratuba, o que comprova a estreita
ligação entre o parlamentar e
Miguel. A rádio, inclusive, não foi
declarada à Justiça Eleitoral por
ocasião da campanha de reeleição
de Justus em 2006.
Pressão
Pressionado pela opinião pública,
Justus determinou a abertura de
uma sindicância interna e anunciou o recadastramento de todos os
funcionários da Casa – medidas
consideradas insuficientes por partidos e entidades da sociedade civil
para atenuar a responsabilidade da
mesa diretora nos episódios.
A Ordem dos Advogados do
Brasil do Paraná (OAB-PR), a Associação dos Juízes Federais do
Paraná e partidos como PPS, PV e
PCdoB pediram o afastamento de
Justus e do primeiro-secretário, o
deputado Alexandre Curi (PMDB),
que atua como uma espécie de
“prefeito” da Assembleia, até que
as denúncias fossem apuradas.
Manifestantes – a maioria estudantes e sindicalistas – chegaram
a invadir a Casa do Povo para exigir o afastamento de Justus, medida que até agora não ocorreu.
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Curitiba, domingo, 25 de abril de 2010
DIÁRIOS
Na casa de Abib
Miguel foram
apreendidos
três malotes de
documentos e
R$ 50 mil em
dinheiro vivo.
CRONOLOGIA
Veja a série de
acontecimentos que
culminaram com as
prisões do MP.
16 de março – Reportagem da
RPC TV e Gazeta do Povo revela
que a Assembleia Legislativa do
Paraná encobre metade de seus
atos em diários avulsos.
17 de março – Pelo menos 20
apadrinhados do diretor-geral da
Assembleia receberam R$ 11,2
milhões da Casa. Parte deles nem
sequer trabalha no Legislativo.
18 de março – Pagamento de
salários acima do teto do
Legislativo custa R$ 59,6 milhões à
Assembleia. MP abre inquérito para
investigar denúncias.
19 de março – Diretor-geral da
Assembleia, Abib Miguel, o Bibinho,
pede afastamento do cargo.
21 de março – Análise dos
Diários Secretos revela a publicação
de 2.178 atos secretos e a
contratação de 1.846 servidores
entre janeiro de 2006 e março de
2009. Em um único dia de 2007, 81
pessoas foram contratadas.
22 de março – O diretor administrativo da AL, José Ary Nassiff,
também pede afastamento.
24 de março – Bibinho
comparece ao Ministério Público
para depor, mas se cala diante das
perguntas dos promotores.
Estudantes protestam em frente à
Casa do Povo.
25 de março – Polícia Federal
abre inquérito para apurar a suspeita de crime fiscal na Assembleia.
29 de março – Começa a
funcionar a Comissão de
Sindicância anunciada por Justus,
duas semanas antes, com a
participação do Tribunal de Contas.
31 de março – O diretor de pessoal de Assembleia Legislativa do
Paraná, Cláudio Marques da Silva
pede afastamento do cargo um dia
após o MP recomendar sua saída.
2 de abril – Banco vê indícios de
fraude em conta aberta em nome
da agricultora Vanilda Leal, personagem da primeira reportagem da
série.
6 de abril – Reportagem mostra a
rede de apadrinhados políticos de
Nelson Justus, que tem como base
a Assembleia.
7 de abril – Justus é sócio de filha
do ex-diretor geral da Assembleia
em uma rádio de Guaratuba não
declarada à Justiça eleitoral.
9 de abril – Editorial da Gazeta do
Povo pede o afastamento da mesa
diretora para dar isenção às
investigações. Entidades como a
OAB-PR, a Associação dos Juízes
Federais e partidos como o PPS, PV
e PC do B endossam o pedido.
10 de abril – MP abre inquérito
para investigar especificamente o
deputado Nelson Justus.
13 de abril – Assembleia
reconhece erro e bloqueia o
pagamento de salário de 1,9 mil
servidores.
14 de abril – Cerca de 600
estudantes e sindicalistas invadem
a Assembleia para pedir o afastamento da mesa diretora da casa.
20 de abril – AL exonera 237
funcionários comissionados –
22 deles apontados em
irregularidades na série
“Diários Secretos”.
23 de abril – O Ministério Público
pede o bloqueio de R$ 23 milhões
em bens dos diretores afastados,
além do auxiliar administrativo
João Leal de Matos.
24 de abril – Gaeco cumpre 11
mandados de prisão e busca e
apreensãos. Miguel, Nassiff e
Marques da Silva são presos.
Albari Rosa/ Gazeta do Povo
❚
secretos
Justus e Curi não são
encontrados para comentar
❚ A reportagem da Gazeta do Povo tentou entrar
em contato com alguns representantes da
Assembleia Legislativa para saber o posicionamento oficial da Casa sobre as prisões de ex-dirigentes e outros envolvidos em irregularidades,
ocorridas neste sábado. O telefone do presidente da Casa, Nelson Justus, encontrava-se desligado e o deputado Alexandre Curi, primeiro-secretário da AL, não atendeu às ligações. A assessoria
de imprensa também não foi localizada.
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