SUSPENSÃO, PELO SENADO, DE LEIS
PROCLAMADAS INCONSTITUCIONAIS
PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino1
Geovany Cardoso Jeveaux2
RESUMO
O artigo reproduz os aspectos essenciais da pesquisa realizada com
o intuito de investigar a participação do Senado Federal no controle
incidental de constitucionalidade, via suspensão da execução de leis
proclamadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
um instituto peculiar e original do controle de constitucionalidade
brasileiro (CF, art. 52, X), instituído com o objetivo de conferir eficácia
erga omnes à declaração incidental de inconstitucionalidade, inibindo,
desse modo, a disseminação de processos e as probabilidades de decisões contraditórias. O trabalho analisa a importância da participação
do Senado, avalia o seu desempenho e verifica a conveniência ou inconveniência da permanência do instituto na ordem jurídica nacional.
Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Suspensão da execução.
Efetividade.
ABSTRACT
The article reproduces the essential aspects of the research carried
through with the objective to investigate the participation of the Fed1 Mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais, pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV);
advogada e professora do curso de Direito do UNESC.
2 Professor da Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Mestre (PUC/RJ) e doutor (UGF/RJ)
em Direito Constitucional; Juiz do Trabalho.
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
eral Senate in the incidental control of constitutionality, through the
suspension of the execution of laws proclaimed unconstitutional for
the STF, a peculiar and original institute of the Brazilian control of
constitutionality (CF, art. 52, X), instituted with the objective to confer
effectiveness erga omnes to the incidental declaration of unconstitutionality, inhibiting, in this manner, the dissemination of processes and
the probabilities of contradictory decisions. The work analyzes the importance of the participation of the Senate, it evaluates its performance
and it verifies the convenience or inconvenience of the permanence of
the institute in the national jurisprudence.
Keywords: Unconstitutionality. Suspension of the execution. Effectiveness.
INTRODUÇÃO
Q
uando o assunto é controle jurisdicional de constitucionalidade,
o Brasil apresenta um intrincado sistema, que lhe rendeu o título
de “[...] um dos mais amplos e complexos do mundo”. 3 De natureza
híbrida, nele coabitam o controle concentrado-abstrato, característico
dos sistemas jurídicos de origem romano-germânica, e o controle difuso-concreto, originário dos países da Commom Law.
Todavia, nem sempre o sistema apresentou tal complexidade.
Desde os primórdios da República até 1965, quando a Emenda nº.
16 à Constituição de 1946 inseriu o controle abstrato de normas (via
representação de inconstitucionalidade), na ordem jurídica brasileira, existia exclusivamente o controle jurisdicional difuso, adotado
de forma indireta4 pela Constituição de 1891 (art. 59, § 1º, “b”), que,
3 Título dado por Keith S. Rosenn, professor da Faculdade de Direito da Universidade de
Miami, em conferência proferida, em março de 2000, na Reunião Anual da Associação de
Estudos Latino-Americanos (Miami, Flórida). Esse artigo foi traduzido por Carlos J. Sampaio
Costa e publicado na Revista de Direito Administrativo, n. 227, p. 1-30, jan./mar. 2002, sob
o título “O controle da constitucionalidade no Brasil: desenvolvimentos recentes”.
4 De forma direta, o reconhecimento ocorreu em 1894 por conta da Lei que completou a organização da Justiça Federal da Republica (Lei n. 221), que, no art. 13, § 10, previa caber aos
juízes e tribunais a apreciação da validade das normas (leis e regulamentos), deixando de
aplicá-las aos casos concretos quando manifestamente inconstitucionais. No art. 24 estabelecia:
“O Supremo Tribunal Federal julgará os recursos extraordinarios das sentenças dos tribunaes dos
Estados ou do Districto Federal nos casos expressos nos arts. 59 § 1º e 61 da Constituição e no art. 9º
paragrapho unico, lettra (c) do decreto n. 848 de 1890, pelo modo estabelecido nos arts. 99 a 102 do
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Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
entre as atribuições do Supremo Tribunal Federal (STF), incluiu a
de julgar em grau de recurso as sentenças de última instância das
justiças dos Estados, “[...] quando se contestar a validade de leis ou de
atos dos governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais,
e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis
impugnadas” (grifo nosso).
O controle concreto implantado foi transposição direta do
sistema norte-americano. Mas, ao contrário do que aconteceu nos
Estados Unidos, onde surgiu de construções jurisprudenciais e sua
efetividade decorre da força vinculante dos precedentes jurisdicionais (stare decisis), no Brasil o controle concreto foi instituído por
dispositivo constitucional e, desde logo, encontrou algumas dificuldades, principalmente, no que respeita à eficácia erga omnes: seja pela
incompatibilidade do stare decisis com a origem romano-germânica
da ordem jurídica brasileira, que mais valoriza a livre convicção
do juiz do que a força da jurisprudência (BARROS, 2003), seja pela
insegurança e timidez dos membros do Supremo no exercício das
novas competências (LEITE, 2002), seja pela preocupação excessiva
com a separação e usurpação dos poderes e o medo de subverter a
sua organização, criando-se uma ditadura do Poder Judiciário ou um
“governo de juízes” (LEITE, 2002).
Qualquer que seja o motivo ou os motivos que geraram as dificuldades, o certo é que, até 1934, as decisões do STF geravam efeitos
apenas inter partes, dada a inaplicabilidade do stare decisis e a inexistência de qualquer outro mecanismo capaz de generalizar os efeitos
da declaração incidental de inconstitucionalidade.
Na Constituinte de 1934 os efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade foram um dos assuntos que mais discussões geraram.
Dividiam-se as opiniões entre a complexa proposta de João Mangabeir
(apud LEITE, 2002) que, entre outras assertativas, propunha:
seu regimento interno, mas em todo caso a sentença do tribunal, quer confirme, quer reforme a decisão
recorrida, será restricta á questão federal controvertida no recurso sem estender-se a qualquer outra,
por ventura, comprehendida no julgado. A simples interpretação ou applicação do direito civil, commercial ou penal, embora obrigue em toda a Republica como leis geraes do Congresso Nacional, não
basta para legitimar a interposição do recurso, que é limitado aos casos taxativamente determinados
no art. 9º paragrapho unico, lettra (c) do citado decreto n. 848” (redação original, grifo nosso).
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Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Uma lei da Assembléia Nacional só poderá ser declarada inconstitucional
quando votarem neste sentido, pelo menos, dez ministros do Supremo
Tribunal. Verificado este caso, o Presidente do Supremo Tribunal remeterá, dentro de 48 horas, uma cópia da decisão ao Presidente da República.
Se este concordar com o julgamento, expedirá, dentro de 48 horas, um
decreto declarando a lei revogada [...].
A proposta de Themístocles Cavalcanti defendia a declaração de
inconstitucionalidade em tese por meio de ação declaratória e uma
outra postura, que previa a extensão da eficácia da decisão do STF a
qualquer pessoa interessada, via uma ação judicial (LEITE, 2002).
Ao final, a Assembléia Nacional Constituinte rejeitou todas as
propostas e aprovou somente a exigência do quorum especial (maioria
absoluta) para a decretação de inconstitucionalidade pelos tribunais,
contida na proposta de Mangabeira, dando origem à regra de que, “[...]
só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes, poderão
os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder
Público”, presente no art. 179 daquela Constituição e que continua a
ser observada e a fazer parte da Lei Maior em vigor (art. 97, CF/88).
Com relação à eficácia subjetiva das decisões de inconstitucionalidade, a Constituição de 1934 inovou a ordem jurídica ao estabelecer que
“Compete ao Senado Federal: suspender a execução, no todo ou em parte, de
qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados
inconstitucionais pelo Poder Judiciário” (art. 91, IV, grifo nosso). 5
Ao atribuir ao Senado Federal a competência para suspender a
execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional, o constituinte nacional manteve o controle concreto e resolveu o problema da
eficácia erga omnes das decisões de inconstitucionalidade, substituindo
a força vinculante das decisões judiciais (própria dos sistemas da Commow Law), pela resolução suspensiva do Senado, que retira a eficácia
da norma tida como inconstitucional e, conseqüentemente, generaliza
os efeitos da decisão judicial, beneficiando todos que se encontrem na
mesma situação jurídica.
5 Muitas críticas foram feitas à imprecisão do art. 91, sob o argumento de que, ao utilizar a
expressão Poder Judiciário, deixou de especificar a decisão (tanto poderia dizer respeito às
proferidas pelo STF, como às de qualquer outro órgão judicial) a partir da qual o Senado
poderia emitir resolução suspensiva. Nesse sentido, ver Tavares (2004, p. 49).
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Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
Desse modo, preservou-se o princípio da separação dos poderes
(então, verdadeiro dogma), principal obstáculo para dotar as decisões
do STF do caráter de generalidade, e se afastou da ordem jurídica a
aplicação das normas portadoras de inconstitucionalidade.6 Trata-se,
como diz Tavares (2004), de uma engenhosa solução engendrada para
conferir efeitos erga omnes à decisão proferida pelo STF em um caso
concreto, sem criar atrito entre os Poderes e sem permitir que leis inconstitucionais continuem a gerar efeitos dentro da ordem jurídica.
Assim, desde 1934, o controle concreto de constitucionalidade
realizado por todos os juízes e tribunais (difuso), observada a exigência do quorum especial no último caso e a suspensão pelo Senado
de norma proclamada inconstitucional pelo STF, integram o sistema
jurídico brasileiro, incorporados seguidamente pelas Constituições de
1946 (arts. 101, III, “b” e “c”, 200 e 64), de 1967/69 (arts. 119, III, “a”,
“b”, “c”, 116 e 42, VIII) e, finalmente, de 1988 atualmente em vigor (arts
102, III, “a”, “b”, “c” , 97 e 52, X).
Apesar da longevidade e permanência na ordem constitucional,
recentemente, vozes conhecidas, entre elas se destacam a do ministro
Gilmar Mendes (1998) e a do profesor Luís Roberto Barroso (2004), têm
afirmado a necessidade de se procederem a urgentes aperfeiçoamentos
no controle difuso de constitucionalidade, realçando que o instituto da
suspensão de norma inconstitucional pelo Senado é um mecanismo
obsoleto, que perdeu grande parte do seu significado devido, principalmente, à amplitude do controle abstrato de normas 7 e à possibilidade
de suspensão liminar da eficácia de leis e atos normativos com eficácia
geral, além de ser ineficaz para as decisões do Supremo que não proclamam a inconstitucionalidade, como aquelas que fixam uma determinada
interpretação, afirmando que sua permanência no texto constitucional é
injustificável e se deve, exclusivamente, a razões de índole histórica.
6 Salienta Mendes (2004) que a atribuição dessa competência ao Senado não foi isenta de críticas.
Criticava-se, sobretudo, o indevido deslocamento da matéria da esfera jurídica.
7 Alargado pela Constituição de 1988: com a quebra do monopólio da legitimidade ativa, que
até então era exclusividade do procurador-geral da República, a criação da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão e a argüição de descumprimento de preceito fundamental;
pela Emenda Constitucional nº. 3/93, com a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade; e, mais recente, ainda, a Emenda Constitucional nº. 45, que aperfeiçoou o sistema
unificando os legitimados das ações diretas (ampliou o rol da ADC), reconhecendo o efeito
vinculante das decisões proferidas em controle abstrato.
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Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Apesar da reconhecida notoriedade dos autores das críticas e da
força dos argumentos apresentados, aceitá-los, sem uma análise mais
profunda da eficácia e efetividade do instituto da suspensão, não
parece o meio mais correto. Crê-se que um juízo valorativo, sobre a
conveniência ou a inconveniência da permanência do referido instituto
na ordem jurídica nacional, somente pode firmar-se depois de investigada a efetiva atuação do Senado no controle de constitucionalidade,
ou seja, depois de estudados os resultados práticos e o alcance jurídico
do desempenho dessa prerrogativa constitucional pelo Senado.
Convém não esquecer que se trata de um instituto de matiz constitucional, que é respeitado pelo STF, que, em sede de controle concreto,
a cada decisão de inconstitucionalidade, emite ofícios e cópias de documentos, gera custos, onera o Estado e toda a coletividade. Por tudo
isso, considera-se indiscutível a necessidade de examinar a utilidade
e o alcance efetivo do instituto.
Com esse propósito, executou-se, entre novembro de 2004 e junho
de 2005, trabalho de pesquisa, intitulado “Suspensão, pelo Senado, de
leis proclamadas inconstitucionais pelo STF”, aprovado pelo Núcleo de
Pesquisas da FDV e realizado sob orientação do Professor Dr. Geovany
Jeveaux, cujo objetivo foi investigar a participação do Senado Federal no
controle concreto-difuso de constitucionalidade, visando a responder
ao seguinte problema: qual o alcance prático e a efetividade da regra
contida no art. 52, X, da Constituição Federal?
A pesquisa realizou-se por etapas: a) começou pelo estudo do
procedimento que liga a decisão do STF à publicação da Resolução do
Senado, um trabalho que consistiu na análise dos diplomas legislativos, principalmente da CF/88 e dos Regimentos Internos do Supremo
Tribunal Federal (RISTF) e do Senado Federal (RISF); b) seguiu-se o
levantamento de dados no STF, para identificar e quantificar as decisões em que, entre 1995 e 2005, incidentalmente, foi proclamada a
inconstitucionalidade; c) verificou-se, no Senado, o andamento dos
respectivos processos; d) seguidamente, precedeu-se à classificação
dos dados de modo a identificar quantitativa e qualitativamente os
processos remetidos ao Senado, durante cada uma das Sessões Legislativas pesquisadas, bem como os que se encontravam pendentes ao
início de cada uma dessas Sessões, assim como o número de Resolu-
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Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
ções emitidas, e também para permitir a contagem do lapso temporal
existente entre o trânsito em julgado da decisão do STF e a edição da
Resolução Senatorial; e) finalmente, compararam-se os resultados com
vistas a avaliar a conveniência ou a inconveniência da manutenção do
instituto da suspensão na ordem jurídica nacional.
Antes, porém, de se falar da participação do Senado no controle
concreto de constitucionalidade e, especificamente, do instituto da suspensão da norma inconstitucional, impõe-se a compreensão de todo o
sistema, razão dos breves apontamentos que se apresentam a seguir.
1
A SUSPENSÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL
PELO SENADO FEDERAL
O ordenamento jurídico brasileiro, como a maioria dos sistemas
jurídicos nacionais, adota uma forma hierarquizada de normas, cuja
norma máxima, ocupando o topo da hierarquia, é a Constituição Federal. Ela é o elemento fundante e integrador de todo o sistema jurídico,
razão pela qual Canotilho afirma ser ela “[...] o fundamento da coerência intrínseca do ordenamento jurídico, tanto pelo estabelecimento de
regras de hierarquia e de ordenação entre as diversas fontes como pelo
estabelecimento dos princípios fundamentais a que hão de obedecer
todas as demais fontes” (1991, p. 62).
Por ser “[...] a mais alta expressão jurídica da soberania” (BONAVIDES, 2002, p. 17), a Constituição é dotada de supremacia e, conseqüentemente, a unidade da ordem jurídica depende de que todas as
normas jurídicas inferiores respeitem e se coadunem com as suas regras
e princípios, sob pena de serem taxadas de inconstitucionais.
Justamente a possibilidade de as condutas jurídicas (comissivas
ou omissivas) afrontarem ou infringirem normas constitucionais e a
rigidez da Constituição escrita e codificada, que torna o texto constitucional único e formalmente superior (higher law) aos demais textos
normativos, fez surgir os mecanismos de controle constitucional, ou
seja, as formas de verificação da compatibilidade/incompatibilidade
da conduta jurídica com a Norma Superior, visto que a inconstitucionalidade não é auto-evidente ou automática, mas depende do reconhecimento do(s) órgão(s) competente(s).
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Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
1.1 O controle de constitucionalidade
Os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade variam
substancialmente de um ordenamento jurídico para outro: enquanto
uns optam por um controle político, normalmente a cargo do Poder
Legislativo ou de um órgão especial, outros atribuem ao Poder Judiciário essa competência, privilegiando, portanto, o controle jurisdicional,
seja por meio dos órgãos judiciários comuns, seja por meio de órgão
específico, em regra, os Tribunais Constitucionais; enquanto uns optam
pelo controle preventivo ou a priori, que antecede a “[...] introdução
das normas na ordem jurídica” (CANOTILHO, 1993, p. 974), outros
dão primazia ao controle repressivo ou a posteriori, que ocorre depois
que o ato normativo já adentrou na ordem jurídica, atribuição, em
geral, do Poder Judiciário.
E o Brasil, que sistema adota?
1.2 Controle de constitucionalidade no Brasil
O sistema brasileiro de fiscalização de constitucionalidade, embora
privilegie o controle repressivo a cargo do Poder Judiciário, também
prevê o controle político, repartindo-o entre o Poder Legislativo e o
Poder Executivo. Trata-se, no dizer de Veloso (2003, p. 158), de
[...] um controle prévio de constitucionalidade das leis exercido por
órgãos políticos, no processo legislativo. Com o objetivo de evitar o ingresso no ordenamento jurídico de normas inconstitucionais, as Casas do
Congresso Nacional têm uma Comissão permanente: a de Constituição e
Justiça, cuja atribuição principal é a de verificar a adequação e conformidade dos projetos em tramitação com a Constituição, emitindo, se for o
caso, parecer pela inconstitucionalidade da proposição. Em outra etapa,
se o projeto for aprovado, sendo enviado para análise e manifestação do
Chefe do Poder Executivo, o Presidente da República, na forma do art.
66, § 1º, da Carta Magna, poderá, se considerá-lo, no todo ou em parte,
inconstitucional, vetá-lo total ou parcialmente.
Assim, na ordem jurídica brasileira, o processo fiscalizatório da
constitucionalidade se inicia preventivamente e, no momento inicial, compete ao Legislativo, a quem cabe verificar se os projetos de
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Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
emendas à Constituição e os projetos de lei contêm algum vício de
constitucionalidade. Num segundo momento, o controle preventivo
pode ser efetivado pelo Presidente da República, via sanção e veto (art.
66, § 1º da CF). Esse controle, porém, não abrange todas as espécies
normativas, pois as PECs não se sujeitam à sanção presidencial, sendo
promulgadas pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal (CF, art. 60, §§ 2º e 3º).
No que respeita ao controle repressivo, função do Poder Judiciário, novamente o Brasil optou por um complexo sistema, adotando
um sistema híbrido ou misto, que comporta tanto a forma abstrata e
concentrada de controle, via ação direta de competência exclusiva do
STF, como a forma concreta e incidental, levada a efeito “[...] no curso
de um processo, no qual a questão constitucional configura ‘antecedente lógico e necessário à declaração judicial que há de versar sobre
a existência ou inexistência de relação jurídica’” (MENDES, 1998, p.
354) e cujo exercício é reconhecido a todos os órgãos judiciais, razão
pela qual é conhecido, também, como controle difuso e aberto.
Apesar de pertencer a todos os órgãos jurisdicionais, no modo
de exercício, distingue-se o controle difuso exercido por juiz singular
do controle difuso exercido pelos tribunais. O juiz monocrático jamais
proclama a inconstitucionalidade do texto normativo com eficácia erga
omnes, apenas reconhece a inconstitucionalidade da norma e deixa de
aplicá-la na solução do caso concreto. A invalidade é apenas uma conseqüência prática da declaração incidental de inconstitucionalidade. O
provimento jurisdicional é aí apenas declaratório, precisamente porque
a pronúncia da inconstitucionalidade não passa dos limites objetivos e
subjetivos do processo. Nos tribunais, por sua vez, o controle difuso é
exercido por meio do incidente de inconstitucionalidade, procedimento
que, suspendendo o processo principal, remete ao Pleno do Tribunal
ou ao Órgão Especial (se existir) a questão constitucional, que, por
maioria absoluta dos seus membros (CF, art. 97), pode proclamar a
inconstitucionalidade da norma impugnada.8
A respeito, são claros os ensinamentos de Streck (2004, p. 457):
8 Atualmente, o art. 481 do CPC dispensa a instalação do incidente de inconstitucionalidade
quando, em pronunciamento anterior, o tribunal já houver se manifestado sobre o tema.
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[...] há uma diferença entre o controle difuso exercido pelo juiz singular
e o controle exercido pelos tribunais. Ao contrário dos tribunais, o juiz
não declara a inconstitucionalidade do texto normativo; deixa de aplicálo [...] Já nos Tribunais de Segunda Instância (Tribunais de Justiça dos
Estados-Membros, no âmbito da Justiça Comum; Tribunais Regionais
Federais, no âmbito da Justiça Federal) o controle difuso estabelece-se
com a instalação do incidente de inconstitucionalidade, ocasião em que o
processo fica suspenso, e a questão da inconstitucionalidade é remetida
ao Órgão Especial do Tribunal, acompanhado do respectivo acórdão.
É do STF a “[...] competência terminante do questionamento da
constitucionalidade” (BARROS, 2003, p. 234). Assim sendo, seja nas
ações concretas de sua competência originária (art. 102, I, CF), seja por
meio do recurso ordinário (art. 102, II, CF) ou do recurso extraordinário
(art. 102, III, CF), cabe ao STF a última palavra sobre a constitucionalidade/inconstitucionalidade de uma lei ou de outro ato normativo.
Os efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo pelo Supremo Tribunal Federal variam conforme tenha
sido proferida em ação direta ou incidenter tantun. No primeiro caso, a
decisão proferida possui efeitos erga omnes e vinculantes (CF, art. 102,
§ 2º, com redação dada pela EC nº. 45/2004 e pela Lei nº. 9.868/99, art.
28, parágrafo único). No segundo, a decisão de inconstitucionalidade
produz efeitos inter partes, ou seja, seus efeitos só valem para o processo e para o caso concreto em que foi proferida. Conseqüentemente, a
norma continua válida e eficaz para as demais situações jurídicas.
Nesse sentido, Veloso (2003, p. 41) explica:
Se houver a declaração de inconstitucionalidade, argüida como questão
prejudicial, a conseqüência é a não-aplicação da norma impugnada na
relação jurídica sob exame. Não há invalidação da lei, de modo geral,
perante todos. A decisão afasta, apenas, a sua incidência no caso, para o
caso e entre as partes. A eficácia da sentença é restrita, particular, referese, somente, à lide, subtrai a utilização da lei questionada ao caso sob
julgamento, não opera erga omnes.
Foi precisamente para generalizar os efeitos dessa decisão que se
criou o mecanismo da suspensão da execução do ato normativo proclamado inconstitucional, hoje previsto no inciso X, art. 52 da CF/88,
que diz ser privativa do Senado a competência para: “[...] suspender
82
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por
decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
1.2 A participação do Senado Federal: a resolução suspensiva
Como se depreende do preceito constitucional, pode o Senado
da República, por meio de resolução, suspender “[...] para todos a
eficácia que o Supremo já suspendera entre partes” (BARROS, 2003.
p. 243). O que significa que a intervenção do Senado serve “[...] para
que a decisão emanada do controle difuso tenha efeitos erga omnes”
(STRECK, 2004, p. 471).
Ao suspender a execução da norma proclamada inconstitucional,
a resolução do Senado, “[...] faz valer para todos o que era circunscrito
às partes litigantes, confere efeito geral ao que era particular, em uma
palavra, generaliza os efeitos de uma decisão singular” (BROSSARD,
apud ZAVASCHI, 2001, p. 32).
Reconhecida, pois, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
pelo STF, torna-se imperioso que o Senado Federal tome conhecimento da decisão. Por isso, em ocorrendo o trânsito em julgado (RISTF,
art. 178), o presidente do STF remete ofício ao presidente do Senado
Federal, informando-o da decisão e do seu conteúdo.
Ao participar do controle difuso de constitucionalidade o Senado
age como órgão nacional e não federal. Sua competência para suspender a execução de lei considerada inconstitucional diz respeito não só
às leis federais, mas também às leis estaduais, às distritais e às municipais (MORAES, 2004; CHIMENTI et al., 2004). Portanto, qualquer
que seja a origem (federal, estadual, distrital ou municipal) da norma
proclamada inconstitucional pelo STF em sede de controle difuso, a
decisão da inconstitucionalidade, que opera inter partes, só adquire
eficácia erga omnes “[...] com o Senado emitindo resolução suspensiva
[...]” (STRECK, 2004, p. 470).
Em suma, a eficácia contra todos do reconhecimento da inconstitucionalidade depende de manifestação de vontade do Senado Federal,
com a promulgação de resolução suspensiva, um ato que Mendes define
como o “[...] ato político que empresta eficácia erga omnes à decisão do
Supremo Tribunal proferida em caso concreto” (1998, p. 376).
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1.3.1 Resolução do Senado Federal: ato jurídico vinculado ou discricionário?
Muito se tem discutido sobre a natureza jurídica da competência
do Senado Federal. A questão é saber se a competência que lhe é atribuída pela Constituição é um dever jurídico, ou seja, uma atividade de
caráter vinculado e que não pode deixar de ser realizada, ou se, pelo
contrário, constitui mera faculdade, sempre dependente de um juízo
de conveniência ou oportunidade por parte do Senado.
Várias correntes de pensamento disputam o assunto. As duas
principais assumem posturas opostas: uma defende que se trata de
um ato vinculado, sem qualquer esfera de discricionariedade e que,
conseqüentemente, a “[...] suspensão não é posta ao critério do Senado,
mas lhe é imposta como obrigatória”, de forma que “[...] o Senado, à
vista da decisão do Supremo Tribunal Federal, tem de efetuar a suspensão da execução do ato inconstitucional” (FERREIRA FILHO, 2002,
p. 43); a outra, contrariamente, defende a discricionariedade total do
ato, entende que a Constituição confere ao Senado a prerrogativa de,
mediante um juízo de conveniência e oportunidade, editar, ou não, o
ato suspensivo (MORAES, 2004; MENDES, 1998).
Uma terceira posição merece ser destacada, trata-se do pensamento defendido por Celso Ribeiro Bastos (1995), que vê a atividade do
Senado vinculada aos aspectos formais da decisão, ou seja, defende que
a atuação do Senado é meramente formal, competindo-lhe verificar se,
para a decisão do Supremo, concorreram todos os pressupostos constitucionais, caso em que a norma não pode deixar de ser suspensa.
Na explicação de Streck (2004), que julga a terceira tese a mais
acertada e mais consentânea com o que se entende por Estado Democrático de Direito e o seu princípio da supremacia da Constituição, a
base da terceira corrente de pensamento parte de que cabe ao STF, por
determinação constitucional, a guarda da Constituição. Por conseguinte, permitir ao Senado um novo juízo sobre a inconstitucionalidade, um
juízo exclusivamente político, e que esse juízo se sobreponha ao julgamento jurídico-político do Supremo, é comprometer e diminuir o papel
do STF, deixando de ter sentido o art. 102, caput, da Constituição.
Dentre todas as posições, parece prevalecer o entendimento de
que a atuação do Senado não é obrigatória, ou seja, de que, apesar da
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Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
atribuição constitucional da competência, não está o Senado obrigado
a emitir a resolução suspensiva do ato normativo proclamado inconstitucional e que se trata, portanto, de um ato discricionário.
Barros afirma expressamente: “[...] o Senado não está obrigado a
generalizar, pois pode muito bem achar oportuno e conveniente que
a inconstitucionalidade continue a ser decretada apenas inter partes”
(2003, p. 236).
O Senado também defende a discricionariedade da sua atuação,
tendo-se como competente para emitir ou deixar de emitir o ato suspensivo, de acordo com o seu entendimento. No uso dessa prerrogativa em 1993, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) decidiu,
a partir do parecer do senador Amir Lando, pela inoportunidade da
suspensão dos dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF,
nos autos do RE nº. 150764-1-210, do Estado de Pernambuco.9 Comportamento, aliás, acobertado pelo Parecer 154 da mesma Comissão,
que, desde 1971, já assentava:
Ao Senado Federal, na atribuição que lhe foi dada de suspender a execução de lei ou decreto declarado inconstitucional [...], não só cumpre
examinar o aspecto formal da decisão declaratória da inconstitucionalidade, verificando se ela foi tomada por quorum suficiente e é definitiva [...],
mas também indagar da conveniência dessa suspensão (apud TAVARES,
RT- 819, jan. 2004, p. 62).
Esse é também o entendimento do STF, expresso de forma cristalina nas palavras do ministro Victor Nunes, no voto proferido na
Questão de Ordem levantada no Julgamento do Mandado de Segurança
nº. 7.248-SP, de que foi relator:
[...] nossa Constituição proveu, a respeito, com prudência porque estabeleceu que o Senado, tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal
Federal, pode suspender a execução da lei. Mas fica a critério do Senado
verificar se determinado pronunciamento do Supremo Tribunal Federal
deve ser entendido como um pronunciamento firme, uniforme. Quem
suspende a vigência da lei, em nosso sistema, é o Senado Federal, não
9 Conforme SF OFS 00038/1993 de 16-04-1993. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/
atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=15619>. Acesso em: 30 jun. 2005.
85
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
o Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal julga cada
caso [...], mesmo que já tenha decidido uma questão em determinado
sentido, pode julgar, depois, em sentido contrário, em outra causa [...]
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RMS 7.248-SP, p. 624).
Um pouco adiante, em resposta à intervenção do ministro Ribeiro
da Costa, que afirmou não poder o Senado se recusar a suspender a
norma declarada inconstitucional, acrescenta:
Com permissão de V. Exa., entendo que pode, a decisão deste Tribunal pode ter sido tomada por maioria ocasional, inclusive por maioria
constituída pelo voto de juízes substitutos. O Senado apreciará estas circunstancias, porque o Tribunal decide in casu, enquanto que ele, Senado,
delibera in genere, suspende a execução da lei. Só o deve fazer, portanto
quando não haja dúvida de que o pensamento nítido e firme do Tribunal
é pela inconstitucionalidade (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RMS
n. 7248-SP, p. 634, grifos no original).
A discricionariedade da prerrogativa senatorial é reforçada pela
inexistência de prazo para a manifestação do Senado e pela ausência
de sanção nos casos de omissão ou de retardamento. Tudo leva a
crer, tal como aponta Ferrari (1992) e apesar da lógica incontestável
da terceira corrente de pensamento apresentada, que o objetivo do
Constituinte foi permitir que, após o juízo técnico-jurídico do Supremo, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma fosse
analisada sob o prisma político.
Vale, entretanto, a advertência feita por Barros (2003), no sentido
de que o Senado, ao suspender a execução da norma inconstitucional
não entra no mérito da inconstitucionalidade, cuja competência é do
Supremo, nem tampouco rejeita a decisão, apenas avalia a conveniência e a oportunidade de estender-lhe a eficácia erga omnes. Desse
modo, o Senado não pode modificar o sentido, ampliar ou restringir a
extensão da decisão judicial (MENDES, 1998; CHIMENTE et al., 2004)
e, ao editar a resolução suspensiva, esgota sua competência, não lhe
sendo permitido alterar seu entendimento para modificar ou tornar
sem efeito a resolução emitida.
A respeito, escreve Rego (2001, p. 269, nota 426):
86
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
O Senado Federal pratica ato político irretratável, ou seja, não pode voltar
atrás após a expedição da resolução que suspendeu a lei declarada inconstitucional pelo STF. [...]. No entanto, o Senado Federal não está obrigado a
suspender; suspenderá segundo critério de conveniência e oportunidade
e, ao suspender, deve-se ater à extensão do julgado do STF.
Também o STF já se manifestou sobre o assunto:
EMENTA: Resolução do Senado Federal, suspensiva de execução de norma legal cuja inconstitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal
Federal. Inconstitucionalidade da segunda resolução daquela Casa do
Congresso, que interpretou a decisão judicial, modificando-lhe o sentido
ou restringindo-lhes os efeitos (SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL, RMS
16.907-SP, Rel. ministro Luís Gallotti, DJ, 13-12-1966).
Finalmente, vale lembrar que, quando a Constituição fala de suspender a execução da norma proclamada inconstitucional por decisão
definitiva do STF, fala de sustação de efeitos, fala da eficácia, não da
sua existência ou da sua validade, os outros dois planos verificáveis em
qualquer ato jurídico. Significa que, em sede de controle difuso, STF e
Senado Federal mexem, única e exclusivamente, com os efeitos da lei
ou ato normativo: o Supremo, ao reconhecer a inconstitucionalidade,
elimina-os para as partes que promoveram a ação concreta; o Senado,
generalizando a decisão, elimina-os para todos.
Como afirma Tavares (2004), a resolução do Senado incide no plano da eficácia da lei, não se presta a reconhecer a invalidade, nem pode
ser confundida com a revogação (competência própria do mesmo órgão
que ditou a lei), sua finalidade é suspender a eficácia, é fazer com que
deixe de ter incidência, de forma que não mais pode ser aplicada.
Desse modo, “[...] a lei continua existindo, ainda que ineficaz”
(BARROS, 2003, p. 234), o que explica os efeitos da resolução suspensiva que se analisam a seguir.
1.3.2 Os efeitos da Resolução Senatorial
Sabe-se que o controle difuso de constitucionalidade é aquele
realizado nos casos concretos levados ao Judiciário, em que a questão
da inconstitucionalidade se apresenta como prejudicial, constituindo,
87
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
portanto, questão cuja análise prévia é indispensável ao julgamento
do mérito, do qual é pressuposto.
A argüição de inconstitucionalidade tem como finalidade afastar de
alguém os efeitos da lei ou ato normativo reputado de inconstitucional,
ou seja, afastar a aplicação da norma viciada da relação jurídica objeto
do litígio. Como diz Tavares (2004, p. 46), seu objetivo é “[...] a resolução
de uma questão de direito para a solução de uma lide intersubjetiva”.
Acolhida a prejudicial de inconstitucionalidade pelo juiz ou tribunal, é pacífico o entendimento de que se trata de um provimento de
natureza declaratória com efeitos ex tunc, eis que não pode passar do
reconhecimento da inconstitucionalidade, já que a norma não pode ser
retirada do ordenamento em caráter erga omnes, e porque o incidente
tem efeito reflexo sobre o direito que constitui o mérito principal cujo
nascimento ocorreu no passado. Mas a eficácia do reconhecimento da
inconstitucionalidade se restringe às partes integrantes do litígio e ao
processo em que foi proferida a decisão. Em relação aos demais, viuse que a lei continua eficaz e aplicável enquanto o Senado Federal não
suspender a sua execução.
Se existe consenso em relação aos efeitos temporais da decisão
judicial que reconhece incidentalmente a inconstitucionalidade, o mesmo não acontece quanto aos efeitos temporais da resolução senatorial.
Dividem-se os autores entre duas correntes: uma que diz ter efeitos ex
nunc, outra que defende a eficácia ex tunc.
A eficácia ex tunc é defendida por Mendes (1998, 2004) e por Zavascki (2001), sob o fundamento de que uma das premissas básicas da
declaração de inconstitucionalidade no Direito brasileiro é a natureza
declaratória da decisão judicial, além de a extensão dos efeitos da declaração judicial constituir um instrumento de economia processual, pelo
que devem ser atribuídos à resolução do Senado efeitos ampliativos,
não apenas paralisantes ou derrogatórios da norma viciada.
Nesse aspecto, Mendes filia-se ao entendimento do Senado,
expresso nas palavras do senador Accioly Filho, que, no Parecer nº.
154/71, assim se pronunciou:
Posto em face de uma decisão do STF, que declara a inconstitucionalidade de lei ou decreto, ao Senado não cabe tão-só a tarefa de promulgador desse decisório.
88
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
A declaração é do Supremo, mas a suspensão é do Senado. Sem a declaração, o Senado não se movimenta, pois não lhe é dado suspender a execução de lei ou decreto não declarado inconstitucional. Essa suspensão é
mais do que a revogação da lei ou decreto, tanto pelas suas conseqüências
quanto por desnecessitar da concordância da outra Casa do Congresso e
da sanção do Poder Executivo. Em suas conseqüências, a suspensão vai
muito além da revogação. Esta opera ex nunc, alcança a lei ou ato revogado só a partir da vigência do ato revogador, não tem olhos para trás
e, assim, não desconstitui as situações constituídas enquanto vigorou o
ato derrogado. Já quando de suspensão se trate, o efeito é ex tunc, pois
quilo que é inconstitucional é natimorto, não teve vida (cf. Alfredo Buzaid e Francisco Campos), e, por isso, não produz efeitos, e aqueles que
porventura ocorreram ficam desconstituídos desde as suas raízes, como
se não tivessem existido (apud MENDES, 1998, 2004, p. 371-372).
O próprio Mendes (1998; 2004, p. 373) conclui: “A suspensão
constitui ato político que retira a lei do ordenamento jurídico, de forma
definitiva e com efeitos retroativos”. A maioria dos autores, no entanto,
parece defender a tese oposta, a de que a resolução do Senado produz
efeitos a partir da publicação, sem alcançar as situações jurídicas anteriormente constituídas, apresentando, portanto, eficácia ex nunc.
Essa parece ser a tese mais acertada, principalmente quando se pensa nos três planos dos atos jurídicos: existência, validade e eficácia.
Nessa linha, Ferrari (1992, p. 116) explica:
A lei até tal momento existiu e, portanto, obrigou, criou direitos, deveres,
com toda sua carga de obrigatoriedade, e só a partir do ato do Senado
é que ela vai passar a não obrigar mais, já que enquanto tal providencia
não se concretiza, pode o próprio Supremo, que decidiu pela sua invalidade, alterar seu entendimento [...].
Barros, na mesma esteira, também defende que a ampliação erga
omnes da decisão de inconstitucionalidade só pode ter efeitos ex nunc,
a partir da publicação da resolução. Explica:
[...] não se tem o efeito ex tunc próprio do sistema difuso, porque aí não se
está julgando um caso concreto. De outro lado, porque o Senado aí não age
como legislador negativo (ademais ele é uma das câmaras do Legislativo,
nas não é o Legislativo), não há possibilidade de modular no tempo – ex
tunc, ex nunc ou pro futuro – o vigor da decisão de inconstitucionalidade
89
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
vinda do Supremo, ao qual o Senado não pode substituir. O Senado
apenas suspende a execução da lei. O que – evidentemente – ele só pode
fazer do momento de sua resolução em diante, ou seja, ex nunc. Sob pena
de ultrapassar a sua competência constitucional (2003, p. 239).
Streck (2004), apesar de defender a eficácia ex nunc, aponta uma
explicação diferente. Equipara a perda de eficácia com a invalidação e
contesta a afirmação de que suspender a execução da lei é retirar-lhe a
eficácia, pois, se assim fosse, não haveria como diferenciar o controle
concentrado do controle difuso. Defende que suspender a vigência é
como revogar a lei, por isso os efeitos permanecem.
Cabe lembrar, porém, que a perda de eficácia com a manutenção
da validade não é incomum no Direito Constitucional Brasileiro, pois,
além da perda da eficácia da lei pela superveniência de resolução do
Senado, outras duas situações semelhantes existem, reguladas na
própria Constituição Federal: a perda da eficácia da lei estadual pela
superveniência de lei federal sobre normas gerais, regulando matéria
de competência concorrente (§ 4º do art. 24) e a perda de eficácia das
Medidas Provisórias quando não convertidas em lei no prazo legal (§ 3º
do art. 62). De igual modo, também é possível a hipótese contrária, ou
seja, perdurar a eficácia depois de haver desaparecido a vigência. Basta
pensar, por exemplo, no direito adquirido exercido após a revogação
da lei definidora do fato constitutivo (eficácia ultrativa).
Esse é o cenário teórico que estrutura a pesquisa realizada e cujos
resultados se comentam a seguir.
2
A ATUAÇÃO DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE
INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE:
RESULTADOS
A apresentação dos resultados a seguir desdobra-se em dois
momentos: o primeiro leva em conta os objetivos traçados; o segundo
tenta solucionar o problema inicialmente levantado.
2.1 Os resultados
Considerando os objetivos traçados, quatro pontos merecem
destaque: o procedimento, o tempo de duração do processo, a atuação
90
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
(quantitativa e qualitativa) do Senado Federal no controle difuso de
constitucionalidade e a conveniência ou inconveniência de manutenção
do instituto da suspensão na ordem jurídica.
2.1.1 O procedimento: da decisão de inconstitucionalidade à resolução do Senado
Visando a compreender todo o processo e as suas várias etapas
procedimentais, recorreu-se aos seguintes diplomas legais: Constituição Federal, na matéria relativa à distribuição de competências
do Senado (art. 52) e do STF (art. 102); RISTF, Título VI, no que trata
da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (arts.
169 a 178) e RISF, principalmente o Título X, Capítulo III, que trata da
suspensão da execução de lei inconstitucional.
As informações legais contidas nessas normas puderam ser
confirmadas pela análise das fichas de acompanhamento processual,
disponibilizadas on-line pelo STF e pelo Senado, e permitem concluir
que as principais etapas procedimentais, dentro do STF, seguem a
ordem apresentada no seguinte fluxograma:
Figura 1: Fluxograma STF
91
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Já no Senado, a tramitação do processo é regulada pelo Regimento
Interno, que, no seu Capítulo III, trata especificamente da suspensão da
execução de lei inconstitucional, prevendo ali não só a necessidade de
comunicação e os modos como o Senado pode tomar conhecimento da
decisão (art. 386), mas também os documentos que devem acompanhar
a comunicação (art. 387).
A norma regimental aponta que a notícia da inconstitucionalidade
pode chegar ao Senado por três modos distintos: comunicação do presidente do Tribunal; representação do procurador-geral da República;
ou projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania.
Cumpre observar, no entanto, que os estudos realizados revelam a utilização de um único meio, a comunicação da decisão pelo
STF, via ofício, ao presidente do Senado Federal. No espaço dos dez
anos pesquisados, em nenhum processo se observou outra forma
de notificação.
No Senado, a comunicação é recebida pelo Serviço de Protocolo
Legislativo, ali o Ofício do STF se transmuda em Ofício “S” e recebe o
número de ordem de protocolo por espécie específica (RISF, art. 246),
em seguida, é encaminhado à Subseção da Coordenação Legislativa
do Senado (SSCLSF) para, depois de lido em Plenário, seguir para a
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), em atendimento
ao que preceitua o art. 388, verbis: “Lida em plenário, a comunicação
ou representação será encaminha à Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte”.
No Senado, há uma maior complexidade de atos procedimentais, que, em termos esquemáticos, seguem a ordem do seguinte
fluxograma:
92
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
93
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Figura 2: Fluxograma de atos procedimentais dentro do
Senado Federal
2.1.2 Entre a decisão de inconstitucionalidade e a resolução senatorial
Importa aqui analisar o lapso temporal transcorrido entre esses
dois momentos extremos. Para tal, lançando mão das planilhas do
94
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
programa “Microsoft Excel”, classificaram-se, ano a ano, entre outros
elementos, a data do trânsito em julgado ou do julgamento (conforme
os dados disponibilizados na ficha de acompanhamento processual),
a data de recebimento no Serviço de Protocolo Legislativo, a espécie
normativa proclamada inconstitucional, a data do ultimo registro e a
situação atual do processo.10 A pretendida variação temporal obtevese pelo estabelecimento de dois tipos de relações: a) a conjugação dos
dados relativos à data do julgamento ou do trânsito em julgado da
decisão, com a data do recebimento da comunicação no Serviço de Protocolo do Senado; e b) a conjugação das datas do registro do Protocolo
Legislativo, com a data do último lançamento na ficha de acompanhamento processual. Os dados foram relacionados, entre si, utilizando-se
a função “Dias360”, uma das ferramentas disponibilizadas pelo Excel,
que permite estabelecer o número de dias entre duas datas, com base
em um ano de 360 dias (doze meses de trinta dias).
Em relação à primeira relação estabelecida, constatou-se que, salvo
poucas exceções, a comunicação do trânsito em julgado e do conteúdo
do acórdão, por parte do STF, é rápida, o lapso temporal é pequeno e
apresenta pequena variação no número de dias.
Na verdade, nos últimos anos, houve considerável redução no
tempo gasto na efetivação da comunicação ao Senado da pronúncia de
inconstitucionalidade por parte do STF. O tempo gasto atualmente, considerados os valores medianos alcançados, representa pouco mais de um
terço do tempo que era gasto há dez anos, como se pode ver no Gráfico
abaixo, em que a linha decrescente demonstra bem essa evolução.
Gráfico 1: Variação Temporal da Comunicação do STF
10 As tabelas elaboradas encontram-se no Relatório Final da Pesquisa, depositado no Núcleo
de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
95
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Bem diversa é a situação no que respeita ao tempo decorrido entre
o recebimento da comunicação no Serviço de Protocolo Legislativo do
Senado Federal e o resultado final do processo, nos casos em que esse
já foi concluído. Excluídos os processos ainda em andamento, a análise
dos processos finalizados, entre janeiro de 1995 e fins de abril de 2005,
revelou que a duração temporal do processo no Senado tem aumentado
substancialmente. Representados graficamente os resultados obtidos,
chega-se à seguinte visualização:
Gráfico 2: Variação Temporal no Senado Federal
No gráfico, a linha contínua demonstra a evolução do tempo de
duração dos processos e permite ver que o tempo médio de duração
quase duplicou. A linha tracejada (vermelha), por sua vez, demonstra a
tendência de aumento no tempo de duração e, pela impossibilidade de
apuração dos resultados devido à inexistência de processos concluídos,
foi conseguida pela aplicação da função “tendência linear”, ferramenta
disponibilizada pelo Excel, que, a partir dos dados conhecidos e por
meio de operações matemáticas, permite prever, com antecedência, as
possíveis tendências e evolução dos fenômenos. Neste caso, possibilita
demonstrar aquilo que os dados das tabelas elaboradas já apontavam,
que, ao final do ano de 2004, a duração média de um processo no Senado ultrapassa 1.200 dias, com tendências a aumentar.
Em síntese, em relação ao tempo transcorrido entre a pronúncia de
inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e a suspensão da
norma inconstitucional pelo Senado Federal, a pesquisa revela que, nos
últimos dez anos, o Supremo Tribunal, apesar da “crise” pelo excesso
de processos que recebe anualmente e que tem motivado grande parte
96
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
das reformas processuais, inclusive a EC nº. 45/2004, com o requisito da
repercussão geral para a admissibilidade do recurso extraordinário (art.
102, § 3º, CF), agilizou sua atuação, reduzindo substancialmente o tempo
gasto para dar ao Senado conhecimento da decisão proferida, no que
revela um comportamento condizente com os princípios da celeridade
e economia processuais, bem como a preocupação com a efetividade do
direito constitucional do acesso à Justiça e do também constitucional
direito à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF).
O mesmo não se pode dizer da atuação do Senado Federal que,
principalmente nos últimos cinco anos, quase triplicou o tempo de
duração dos processos, permitindo que eles tramitem por anos a fio
antes de tomar uma decisão, que, muitas vezes, como se verá, outra
utilidade não tem senão a de acabar com o processo, uma vez que a
matéria ficou completamente prejudicada.
2.1.3 A atuação do Senado no controle difuso de constitucionalidade
Qual é efetivamente a participação do Senado Federal no controle
incidental de constitucionalidade? Eis a questão que neste item se coloca
e que exige a análise quantitativa e qualitativa da atuação do Senado.
2.1.3.1 Aspecto quantitativo
A analise quantitativa esteia-se na comparação entre o número total
de processos que tramitaram durante o período pesquisado (jan./1995 a
dez./2004) e o número de resoluções suspensivas editadas pelo Senado.
A tabela abaixo demonstra o número de ofícios remetidos anualmente ao Senado e evidencia que há uma certa regularidade quanto
ao número de processos recebidos.
Tabela 2: Quantidade de Processos Recebidos pelo Senado
97
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Não há como negar que se trata de um número reduzido de processos, principalmente, se comparado com os milhares de processos
com que o Poder Judiciário tem de lidar anualmente. No entanto,
apesar do reduzido número de processos recebidos, eles se acumulam
à espera de uma decisão. O Relatório da Presidência do Senado de
200411 retrata bem essa situação:
J.17.2 – OFS/Assunto: 2- Suspensão de execução de lei inconstitucional*
* Constituição Federal, art. 52, X
Quadro 1: Resultados do Senado Federal - 2004
Elaborada pelo próprio Senado, o quadro apresenta o volume
de processos ao longo das três Sessões Legislativas e informa que, ao
final do exercício de 2004, se encontravam pendentes de apreciação
120 processos, o que demonstra a acumulação de processos. Eis que
apenas 19 deles foram recebidos durante aquele ano e, no início do
período legislativo, já havia 101 processos pendentes.
Os dados falam por si e o resultado da linha “apreciados” explica
o porquê dessa situação: nenhum processo foi resolvido durante o
período legislativo de 2004, repetição do que se observou nos períodos
antecedentes e que bem demonstra a pouca importância com que os
processos de suspensão de execução de norma declarada inconstitucional representam para o Senado.
11 Dados disponíveis em: <http://www.senado.gov.br/web/relatorios/RelPresi/2004/>.
Acesso em: 30 jun. 2005.
98
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
O tratamento conjunto de todos os períodos pesquisados traduz
o cenário de toda a pesquisa e é reproduzido na tabela abaixo.
Tabela 3: Demonstrativo da Quantidade de Processos que
Tramitam no Senado Federal
Como se vê, no início da 1ª Sessão Legislativa da 50ª Legislatura
(1995), onde se iniciou a pesquisa, existiam 24 processos vindos de
Sessões Legislativas anteriores, que, somados aos 154 recebidos, completam o universo de processos que tramitaram pelo Senado Federal
para fins de suspender a execução de lei inconstitucional, durante o
período pesquisado (1995-2004), um total de 178 processos.
A diferença no número de processos pendentes ao final da apuração difere da informação contida no Relatório da Presidência do
Senado, devido a que, no referido Relatório, os Ofícios nº. 32/1996 (p.
778) e nº. 54/1996 (p. 779) foram contabilizados duas vezes, elevando
de 99 para 101 o número de processos recebidos do ano anterior e, como
conseqüência, aumentando para 120 o número de pendentes.
Do total de 178 processos, verifica-se que apenas 60 foram finalizados, com a promulgação de 32 Resoluções e o arquivamento definitivo
de outros 28 processos. Os restantes 118 aguardam apreciação.
Apresentados graficamente, os dados dão bem idéia do movimento dos processos.
99
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Gráfico 3: Movimento dos Processos no Senado Federal
entre 1995 e 2004
Como se pode constatar, em termos quantitativos, a participação
efetiva do Senado no controle incidental de constitucionalidade é muito
pequena, tendo em vista o reduzido número de resoluções emitidas,
que, em termos percentuais, corresponde a apenas 18% dos processos
que, durante o período observado, tramitaram pelo Senado. Como
se constata, 66% dos processos ainda se encontram em tramitação, o
que, em termos quantitativos, é quase o dobro da soma dos processos
arquivados com os que resultaram em resolução suspensiva.
Além disso, em um número significativo dos processos arquivados, o arquivamento resultou da promulgação de uma única resolução. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Resolução nº. 7/96 e
com a Resolução n. 44/99, proferidas, respectivamente, nos processos
desenvolvidos a partir dos Ofícios “S” nº. 54/95 e nº. 15/96, mas que,
conjuntamente, levaram ao arquivamento dos processos: 55 e 58 de
1995; 15, 41 e 42 de 1996; 1, 2, 3, 30, 43 e 49 de 1997; 18 e 19 de 1998 e
14 de 1999, ou seja, apenas as Resoluções nº. 79/96 e nº. 44/99 produziram o arquivamento de 14 outros processos, o que representa 50%
dos processos arquivados durante todo o período, o que, em termos
de atuação do Senado, reduz ainda mais essa atuação, uma vez que
não houve apreciação efetiva da matéria.
Desse modo, constata-se que, no aspecto quantitativo, a atuação
do Senado Federal no desempenho da prerrogativa que lhe é conferida
pelo art. 52, X , da Constituição Federal, deixa muito a desejar.
100
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
2.1.3.2 Aspecto qualitativo
A análise qualitativa se fundamenta na análise dos processos
concluídos e incide sobre o conteúdo das Resoluções emitidas e na
sua comparação com o conteúdo dos Ofícios recebidos, na justificativa
dos arquivamentos e na dinâmica de controle do Senado do conteúdo
das próprias decisões.
A análise dos processos concluídos revela dois tipos de solução: a) a edição de resolução que suspende a execução da norma
inconstitucional, hipótese em que o Senado participa efetivamente do
controle de constitucionalidade, generalizando erga omnes os efeitos
da decisão do Supremo; b) o arquivamento do processo porque a
matéria ficou prejudicada.
As resoluções do Senado que suspendem a execução de norma
inconstitucional são diplomas legislativos formalmente simples e de
reduzido conteúdo. Depois de identificado o presidente do Senado
que a promulga, a resolução é identificada pelo número de ordem
(numeração anual, por espécies específicas), seguido do ano. O texto
legislativo é encimado pela ementa, seguindo-se o texto legal, distribuído em dois ou três artigos.
Comparado o conteúdo das resoluções com a ementa constante
dos ofícios que dão início ao processo dentro do Senado, constata-se
que há exata correspondência entre os preceitos normativos declarados
inconstitucionais pelo STF e aqueles que têm sua execução suspensa
pela Resolução, demonstrando que o Senado Federal, tal como defende
a generalidade da doutrina, não entra no mérito da inconstitucionalidade e que o objeto de sua ação é delimitado pela decisão judicial que
ele tem de respeitar, sem poder restringir ou ampliar sua extensão.
A análise das resoluções permite ver que estas têm por objeto
espécies normativas de diversa natureza, apresentando até um certo
equilíbrio, haja vista que quatorze dizem respeito a normas federais,
entre elas, uma Resolução da Câmara de Deputados, dez a normas
estaduais e oito a normas municipais.
Mais uma vez, chama a atenção o longo tempo de duração dos
processos e a disparidade de tempo de uns processos para outros.
O prazo mínimo encontrado foi de 75 dias para a Resolução nº.
36/99, que suspende os efeitos de uma Lei Municipal e constitui
101
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
verdadeiro record, quando comparada com os demais; o maior prazo
encontrado foi o de 3.187 dias, quase nove anos, para a Resolução
nº. 67/96. A média aritmética aponta em 735 dias o prazo médio
para a promulgação da Resolução.
A análise do andamento dos processos e das Resoluções não
permitiu a identificação de um critério definidor de prioridades, que
justifique a disparidade de tempo que existe entre os processos, já que
o procedimento (tirando alguns obstáculos, como a redistribuição ao
final de cada Legislatura), é exatamente o mesmo. Parece depender
da presteza do relator.
Com relação ao arquivamento dos processos, porque a matéria
ficou prejudicada, variados fatores podem ditar esse arquivamento.
Recordam-se, entre outros: a revogação da norma declarada inconstitucional, a declaração de inconstitucionalidade/constitucioanlidade em
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) ou Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC); a alteração no pensamento do Supremo
Tribunal; equívocos de remessa; juízo do Senado de que não é conveniente nem oportuna a suspensão de execução da norma; e o fato de
a matéria já sido objeto de resolução.
Analisados todos os processos arquivados durante os dez anos
da pesquisa, um total de 28, uma causa de arquivamento reina soberana: a prejudicialidade provocada por a matéria já ter sido objeto
de outra resolução.
Já se falou que só as Resoluções nº. 79/96 e nº. 44/99 determinaram o arquivamento de 14 outros processos; o que não se comentou é
que, a partir do “OFS. 54/95” (Ofício nº. 139/95 do Supremo Tribunal
Federal), recebido em 24-09-1995, até 1999, o Senado recebeu uma
avalanche de ofícios com o mesmo objeto. Ainda assim, levou quase
quatro anos para editar a Resolução nº. 44/99, que, ao ser publicada,
permitiu o arquivamento de uma pluralidade de processos.
Se se considerar que, apesar do bombardeio quase diário de
comunicações de pronúncia de inconstitucionalidade sobre o mesmo
objeto, o Senado Federal levou todo esse tempo para decidir sobre a
conveniência de suspender ou não a execução dos dispositivos inconstitucionais, em termos qualitativos, sua atuação deixa a desejar, pois
deixa de ter os efeitos práticos desejados e que a justificam.
102
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
A qualidade se deteriora mais ainda, quando se observa que,
apesar das duas resoluções emitidas (RSF nº. 79/96 e nº. 44/99), em
março de 2005, portanto seis anos depois, alguns dos processos ainda
se encontram esperando ser incluídos em pauta e, como não poderá
deixar de ser, será votado o seu arquivamento por prejudicialidade da
matéria, uma vez que já há resolução a respeito.
Como se pode ver, 20 processos foram arquivados em decorrência
da preexistência de resolução suspensiva. Os oito processos restantes:
cinco, anteriores à Constituição Federal de 1988, tiveram prejudicada
a sua finalidade pelas novas disposições constitucionais, mas esse reconhecimento só ocorreu sete anos depois de a CF/88 estar em vigor;
um foi arquivado a pedido do Supremo Tribunal Federal, por se tratar
de decisão da Turma do STF e não do Plenário, não sendo hipótese de
encaminhamento para fins do art, 52, X, da CF; um foi arquivado pela
Comissão de Constituição e Justiça; e o outro, depois de ficar aguardando a decisão definitiva do STF, foi arquivado ao final da Legislatura.
Assim, em termos qualitativos, destaca-se: apesar de se reconhecer
a possibilidade de o Senado deliberadamente poder deixar de suspender
a execução da norma declarada inconstitucional, por entender inoportuna e inconveniente essa suspensão, isso não é uma prática comum.
Nenhum dos processos analisados teve esse fim. Isso pode significar
que o Senado Federal se limita a verificar os aspectos formais da questão
(definitividade da decisão, caráter incidental da declaração, quorum, etc);
a multiplicidade de notificações com o mesmo objetivo, durantes longos
períodos de tempo e a resposta demorada do Senado para atender às
demandas revelam a ineficácia do sistema; a tramitação de processos
durantes anos a fio, mesmo depois de promulgada resolução a respeito,
denota falta de controle do conteúdo das próprias decisões, além de
onerar os cofres públicos com custos desnecessários; o tempo de duração
dos processos, longo demais, impossibilita que se alcancem os efeitos
práticos almejados, como o de evitar a repetição de ações, contribuindo
para a sobrecarga de demandas que assolam o Poder Judiciário.
2.1.4 A conveniência/inconveniência da manutenção do instituto da
suspensão na ordem jurídica nacional
Analisados os aspectos quantitativos e qualitativos da atuação
do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade, cabe, a
103
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
partir deles, perquirir sobre a conveniência ou inconveniência da manutenção do instituto da suspensão da execução de lei inconstitucional
pelo Senado, na ordem jurídica nacional.
Viu-se que, na ordem jurídica brasileira, o controle difuso de
constitucionalidade é contemporâneo da República. Instituído com
base no modelo norte-americano, deste não teve como importar o efeito
vinculante das decisões da Supreme Court, pela incompatibilidade da
doutrina do stare decisis com o sistema brasileiro, sistema de origem
romano-germânica, de fundo legal-privatístico.
Na ausência de efeito vinculante capaz de generalizar os efeitos
das decisões e de neutralizar, para todos, a aplicação da lei ou ato normativo inconstitucional, as decisões do STF restringiam seus efeitos às
partes envolvidas no litígio, o que gerava um grande inconveniente:
um grande número de ações com o mesmo objeto e a possibilidade
de decisões conflitantes sobre o mesmo assunto, pois qualquer juiz
ou tribunal, apesar da pronúncia de inconstitucionalidade, poderia
continuar a aplicar a lei ou ato normativo inconstitucional.
Segundo Streck (2004, p. 438), tal estado de coisas mostra “[...] a
índole liberal-individualista do sistema jurídico, que relegava a Constituição a um plano secundário, alçando a legislação infraconstitucional, construída para a regulação das relações privadas, a um lugar de
comando das relações sociais”, algo não consentâneo com os ideais
sociais que se desenvolveram após a Constituição de Weimar (1919) e
a do México (1917), fontes de inspiração da Constituição brasileira de
1934 e que levou o constituinte de então a atribuir ao Senado Federal o
papel de suspender a execução da lei proclamada inconstitucional, na
tentativa de resolver “o problema da ausência do efeito erga omnes”.
Entretanto, firmou-se o entendimento de que tal competência é
uma atividade discricionária, de modo que a suspensão da execução
da lei não é obrigatória, cabendo, única e exclusivamente, ao Senado
determinar o momento e a conveniência de suspender a lei ou o ato
normativo proclamado inconstitucional.
O estudo realizado permite dizer que a discricionariedade total da
atuação senatorial, conjuntamente com a ausência de prazo legal para
a manifestação de vontade e a inexistência de qualquer tipo de sanção
pela inação, impede a realização dos resultados pretendidos.
104
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
Como se viu, apesar da comunicação imediata das decisões pelo
Supremo Tribunal Federal, nos dez anos pesquisados, os processos se
acumulam dentro do Senado, ficando longos períodos sem solução,
mesmo quando reiteradas decisões comprovam claramente o entendimento do Supremo, e apenas um pequeno número (18%) termina
com a edição de resolução.
O longo prazo de duração dos processos e a ausência de resolução suspensiva obrigam a que cada um dos jurisdicionados, atingido
pela norma inconstitucional, recorra à Justiça na salvaguarda de seus
direitos. Conseqüentemente, o instituto da suspensão da execução da
norma inconstitucional mostra-se um instrumento incapaz de prevenir a multiplicidade de demandas judiciais com o mesmo objeto e a
existência de decisões conflitantes.
A carência de resultados práticos permite concluir pela inconveniência da manutenção do instituto na ordem jurídica, se persistir a
absoluta discricionariedade do Senado Federal.
Num momento em que a preocupação pela facilitação do acesso à
Justiça é uma constante e o direito a um razoável tempo de duração do
processo é alçado a direito fundamental (art. 5º, LXXVIII, CF), a existência de um instituto que se mostra incapaz de resolver os problemas
frisados está na contramão de todo o processo e, pode-se dizer, que
produz efeitos contrários àqueles para os quais foi projetado, pois, ao
persistir na ordem constitucional, impede a utilização de mecanismos
mais eficazes e menos onerosos a toda a sociedade.
Um desses efeitos prejudiciais é apontado por Streck (2004, p. 484):
[...] a não-suspensão pelo Senado da lei declarada inconstitucional acarreta seriíssimos problemas no sistema, na medida em que citadas leis
podem, e continuam a ser, aplicadas pelos demais tribunais, acarretando
mais e mais Recursos Extraordinários, que vão entulhando as prateleiras
do Supremo Tribunal.
2.2 A eficácia e efetividade do artigo 52, x da constituição federal
Finalmente, cabe enfrentar o problema levantado, a questão do
alcance prático e da efetividade da regra contida no art. 52, X da CF. A
preocupação ultrapassa a questão técnica da eficácia, ou seja, a capaci105
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
dade da norma de produzir, em maior ou menor grau, os seus efeitos
típicos (BARROSO, 1996), capacidade que é incontestável.
A problemática envolve não os simples efeitos práticos, que sem
dificuldade se constatam, basta pensar nos ofícios remetidos pelo STF
ao Senado Federal sempre que incidentalmente proclama a inconstitucionalidade de uma lei ou de outro ato normativo, mas os efeitos
realmente queridos, os resultados verdadeiros, aqueles capazes de
justificar sua presença no texto constitucional.
Nesse aspecto, a pesquisa e o estudo realizado demonstram que
o preceito constitucional está longe de ser uma norma efetiva no verdadeiro sentido do termo. Já que a efetividade se mede pelos objetivos
específicos alcançados, que no caso passam pela generalização erga
omnes dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade do Supremo, via
emissão de resolução suspensiva da execução da lei inconstitucional,
de modo a evitar a existência de decisões conflitantes, ensejadoras de
dúvidas, de insatisfações e de inseguranças.
Muito ao contrário disso, por se tratar de uma atividade discricionária do Senado, sem prazo para a sua manifestação e sem nenhum
tipo de sanção, o número de resoluções é ínfimo, quando comparado
com o número de processos em curso.
A norma constitucional instituída para evitar a repetição de
ações, acelerando desse modo o processo de distribuição da justiça,
desafogando o Poder Judiciário e garantindo a paz e a segurança
jurídica, se revela inútil quando se pensa no longo prazo de duração
dos processos e no número de processos com o mesmo objeto, ou
seja, relativos à mesma espécie normativa ou ao mesmo dispositivo
legal (facilmente comprovados pelo número de processos arquivados
e motivos do arquivamento).
Por outro lado, se o objetivo do Constituinte foi permitir o reexame da questão da inconstitucionalidade sob um enfoque puramente
político, de modo a verificar se, atendendo às circunstâncias políticas,
econômicas e sociais, seria oportuna e conveniente a suspensão da
execução da norma declarada inconstitucional, podendo deixar de
suspendê-la nas hipóteses que julgasse inoportunas, também esse não
se confirmou, pois nenhum dos processos analisados foi arquivado por
esse motivo, embora exista parecer nesse sentido, datado de 1993.
106
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
Não se confunda, entretanto, a inefetividade da regra do art. 52, X,
CF, com o próprio controle difuso, mecanismo que ocupa um relevante
papel no controle e efetividade das normas constitucionais, permitindo
que todos os órgãos judiciais, ao analisarem a questão da inconstitucional, deixem de aplicar as normas tidas como inconstitucionalidade,
sem terem de aguardar manifestação do órgão superior, retirando,
portanto, “[...] do órgão de cúpula do Poder Judiciário o monopólio
do controle de constitucionalidade” (STRECK, 2004, p. 564).
Com Barroso (2004) se entende que, apesar do avanço do controle
constitucional pela via direta, o controle incidental-difuso ainda é um
importante instrumento de garantia dos direitos individuais e o único
meio de acesso do cidadão comum à jurisdição constitucional, pois
inexiste, na ordem jurídica brasileira, qualquer mecanismo de acesso
direto, nos moldes do “recurso de amparo” do Direito espanhol ou do
“recurso constitucional” do Direito alemão.
É justamente a importância do papel que exerce no Direito brasileiro que exige a reflexão profunda dos seus institutos e a atualização
dos procedimentos que se mostram incompatíveis com os princípios
constitucionais ora reinantes.
A suspensão da execução da lei inconstitucional pelo Senado,
instituída em 1934, quando dominava o dogma da rígida tripartição
dos Poderes do Estado (BARROS, 2003) e a forte crença no princípio
da legalidade, que impedia o alargamento dos poderes do Supremo
Tribunal, por receio de se instituir a ditadura do Judiciário, não se
justifica mais, não só pela reduzida efetividade da sua atuação, mas,
principalmente, porque, desde 1965, as decisões em ação direta contam com eficácia erga omnes e, agora, com efeitos vinculantes (Lei nº.
9.868/99 e EC nº. 45/2004).
Além disso, a Emenda Constitucional nº. 45/2004 criou a figura
da súmula vinculante (CF, art. 103-A, e seus §§), cujo objetivo, nos
moldes do preceito constitucional, visa à
[...] validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca
das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses
e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e
relevante multiplicação de processos sobre a questão idêntica.
107
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Com a presença da súmula vinculante, o sistema jurídico brasileiro, integrante da família do direito romano-germânico (civil law), se
aproxima do sistema da common law e da sua doutrina dos precedentes
(stare decisis), pois, a partir do momento em que o STF adotar a súmula
vinculante e enquanto ela não for cancelada, a obrigatoriedade da sua
observância se imporá a todos. Nesse momento, a atuação do Senado
Federal se tornará desnecessária, já que a força normativa da decisão
do Supremo produzirá os mesmos efeitos e suprirá a necessidade da
atual resolução senatorial.
O que se vê é que os receios existentes em 1934 não mais existem
e o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado, um avanço
na época, demonstra ser, na atualidade, um mecanismo burocrático de
pouca ou nenhuma utilidade, que onera de todas as formas a sociedade: atingindo individualmente cada cidadão, que, afetado pela norma
inconstitucional, é obrigado a recorrer ao Judiciário para fazer valer o
seu direito, apesar de a mais alta Corte do País já haver reconhecido a
inconstitucionalidade (pois, enquanto não for suspensa a sua execução
pela resolução do Senado, a norma continua válida e eficaz); onerando a sociedade civil com a repetição de ações e recursos; atrasando a
prestação jurisdicional e fazendo-a arcar com os custos materiais de
um procedimento ineficaz e de resultados práticos quase nulos.
Por tudo isso, parece que o melhor seria a eliminação do instituto
da suspensão da execução da lei inconstitucional pelo Senado da ordem
jurídica nacional, até para preservar sua importância histórica, atribuindo-se ao STF, instituído guardião da Constituição, a prerrogativa
de avaliar quando sua decisão, proferida em ação concreta, deva ter
eficácia erga omnes ou inter partes, nada muito diferente do que a Corte
Superior já faz, quando manipula os efeitos das decisões proferidas
em controle concentrado.
É bom lembrar que os julgamentos do Supremo, além de jurídicos,
são também decisões políticas, o que justifica o pensamento citado.
Entretanto, se não se quiser romper com os típicos efeitos do
controle difuso, poderão instituir-se outros critérios capazes de gerar
os efeitos erga omnes, a exemplo do que acontece em Portugal, onde,
apesar de o controle concreto só ter eficácia inter partes, a Constituição
prevê mecanismo que permitem passar da fiscalização concreta ao
controle concentrado, nas hipóteses em que o Tribunal Constitucional,
108
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
no julgamento de casos concretos, houver declarado, por três vezes, a
inconstitucionalidade da norma impugnada. Assim, depois de haver
julgado, seja no exercício de sua competência recursal (recursos de
constitucionalidade), seja nos casos em que atua como tribunal de
instância, três casos concretos com o mesmo objeto e decidido pela
inconstitucionalidade do preceito normativo, pode o próprio Tribunal
Constitucional (qualquer juiz do Tribunal Constitucional ou o Ministério Público) provocar o reexame da questão constitucional, em sede de
controle concentrado, pelo Pleno do Tribunal, obtendo, desse modo, a
eficácia erga omnes e os efeitos vinculantes (se confirmada a inconstitucionalidade), sem depender de outro órgão político. Trata-se da “[...] declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral com base
em juízos concretos de inconstitucionalidade” (CANOTILHO; MOREIRA,
1993, p. 1037), prevista no art. 281, n. 3, da Constituição da República
Portuguesa, cuja redação prevê: “O Tribunal Constitucional aprecia e
declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou
a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada
inconstitucional ou ilegal em três casos concretos”.
Na verdade, é um novo processo, agora de controle abstrato, que,
se confirmar os juízos anteriores, generaliza a inconstitucionalidade,
atendendo assim ao princípio da economia (impede a multiplicação
de ações sobre as mesmas questões), da segurança jurídica (impede as
decisões conflitantes) e da igualdade de tratamento das pessoas que
se encontram na mesma situação (MIRANDA, 2001).
Outras soluções podem ser pensadas. O que importa é reconhecer
a importância do controle difuso, mecanismo democrático que faz de
cada um dos cidadãos um fiscal da Constituição ou, como diz Tavares, confere ao particular uma prerrogativa, quase um múnus público,
gera “[...] uma subjetivação no sistema [...], uma humanização [...]”
(TAVARES, 2004, p. 51), demonstra que o direito está posto não para
atender aos problemas abstratamente colocados, mas está a serviço do
indivíduo, do homem, revelando-se, portanto, um importante meio de
acesso do cidadão comum à Constituição.
Finalizando, resta falar das duas hipóteses formuladas no projeto
de pesquisa. Na oportunidade, conjeturou-se, em primeiro lugar, que,
ao conferir eficácia erga omnes às decisões definitivas do Supremo, o
instituto da suspensão da execução da norma inconstitucional pelo
109
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
Senado desempenha um importante e efetivo papel no controle difuso
de constitucionalidade; em segundo lugar, admitiu-se que o Senado
Federal, ao desempenhar ampla e eficazmente sua prerrogativa, exerce,
por seu intermédio, importante papel político. A reduzida efetividade
da regra contida no art. 52, X da Constituição Federal, constatada ao
longo desta pesquisa, entretanto, torna impossível a confirmação das
hipóteses formuladas para a realização deste trabalho. A primeira
porque, apesar da importância prática dos efeitos da resolução senatorial, a eficácia erga omnes da decisão de inconstitucionalidade do
Supremo, o número de resoluções emitidas é tão reduzido e tão tardio
que não se pode considerar relevante o papel que elas desempenham
no controle concreto de constitucionalidade; a segunda fica ainda mais
prejudicada, eis que se constatou que a atuação do Senado Federal,
quantitativa e qualitativamente, está longe do que se pode chamar
exercício amplo e eficaz de uma prerrogativa. Conseqüentemente,
deixam de confirmar-se as hipóteses formuladas.
Enfim, a partir da análise dos elementos empíricos coletados,
constatou-se a pouca utilidade do instituto da suspensão da execução
da lei inconstitucional, via resolução do Senado, de onde resulta a
inoperatividade do sistema e a inefetividade da norma constitucional
que o prevê (art. 52, X, CF), revelando a urgência de se repensarem
institutos jurídicos, que, apesar do importante papel histórico desempenhado, não atendem às exigências da atualidade.
2
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir este artigo, sintetizam-se as seguintes considerações:
1. O art. 52, X da CF continua a ser observado pelo STF, que a cada
pronúncia de inconstitucionalidade proclamada em controle
concreto comunica ao Senado Federal a decisão e o seu conteúdo.
Tal comunicação é imediata, com pequena variação de tempo que,
nos últimos anos, tem sofrido gradual redução do tempo gasto
para a sua efetivação.
2. A quantidade de ofícios remetidos anualmente ao Senado não é
grande (em média 16 por ano) e apresenta uma certa regularidade,
mas os processos se acumulam dentro do Senado, ficando longo
110
Suspensão, pelo senado, de leis proclamadas inconstitucionais pelo supremo tribunal federal
tempo à espera de uma solução que, quando chega, nem sempre
tem a utilidade desejada.
3. Em termos quantitativos, é muito pequena a participação efetiva
do Senado no controle incidental de constitucionalidade. As
resoluções são raras e o arquivamento é ditado, em regra, pela
prejudicialidade da matéria, quer porque já existe resolução a
respeito (o que revela a multiplicidade de processos como o mesmo
objeto), quer porque a matéria ficou superada. Não se verificam
verdadeiros juízos de conveniência e oportunidade em que o
Senado resolve não suspender a execução (nenhum dos processos
analisados teve esse fim), apesar de prevalecer esse entendimento
e de existir precedente nesse sentido.
4. Qualitativamente, nota-se que o conteúdo das resoluções do Senado
coincide com as decisões do STF, demonstrando que o Senado não
entra no mérito da inconstitucionalidade, e que as resoluções têm
por objeto espécies normativas de diversas naturezas, o que atesta
a atuação do Senado como órgão nacional.
5. Mesmo quando promulgada a resolução suspensiva, inexiste
mecanismo de controle que neutralize a tramitação do processo,
evitando despesas e perda de tempo.
6. Revela-se inconveniente a manutenção do instituto na ordem
jurídica, pela sua incapacidade de produzir os efeitos almejados,
devido ao fato de que se trata de uma atividade absolutamente
discricionária e também à inexistência de prazo para a manifestação e
à ausência de qualquer tipo de sanção para os casos de omissão.
7. Na verdade, a sensação que fica, após a realização da pesquisa, é que,
ao participar do controle difuso de constitucionalidade, o Senado
Federal parece cumprir, sem muito apreço, mera determinação
constitucional, sem atentar para a relevância do papel que lhe foi
confiado desde 1934, o de suspender a eficácia da norma julgada
inconstitucional, estendendo a todos a eficácia de uma decisão
judicial que, de outro modo, só produz efeitos inter partes.
8. Sem a atuação do Senado, a norma jurídica continua atuante e eficaz,
afetando de forma direta e pessoal a esfera jurídica de indivíduos
específicos, que, para se livrarem dos seus efeitos, são forçados a
recorrer ao Judiciário. Ao mesmo tempo, onera toda a comunidade e
o próprio Estado, quando, podendo evitar, nada faz para impedir a
repetição de um número considerável de ações com iguais objetivos
111
Elsa Maria Lopes Seco Ferreira Pepino • Geovany Cardoso Jeveaux
e finalidades, cujo custo final é arcado por toda a sociedade, que, por
meio de tributos, custeia a máquina estatal. Além disso, emperra
a máquina estatal violando, até mesmo, o princípio constitucional
da eficiência dos serviços públicos.
9. Portanto, o instituto da suspensão da execução de lei inconstitucional
pelo Senado mostra-se incapaz de prevenir a multiplicidade de
demandas e recursos e a existência de decisões conflitantes.
10.Por outro lado, a existência de controle concentrado e os efeitos
erga omnes e vinculantes das suas decisões, bem como a recente
instituição da súmula vinculante, demonstram que os motivos
que levaram à instituição do instituto da suspensão da execução
da lei inconstitucional pelo Senado não prevalecem mais, exigindo
que se avalie a sua efetividade e se repense a sua presença na
ordem constitucional.
11.Em suma, a regra contida no art. 52, X da Constituição Federal
revela-se carente de efetividade, precisando ser repensada e
substituída por mecanismos capazes de solucionar, com rapidez e
diligência, o problema da eficácia erga omnes do controle difuso de
constitucionalidade, de modo que esse democrático meio de acesso
à Constituição assuma a importância que deve ter.
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