XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 Gestão do conhecimento no planejamento governamental Amarildo Baesso Este artigo é uma análise das ações implementadas na Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) do Brasil a partir de 2008, associando ferramentas de gestão do conhecimento ao planejamento governamental. O MP, por meio da SPI1, tem como responsabilidade coordenar as ações do sistema de planejamento no Governo Federal, além de buscar meios de promover a articulação desse sistema com estados e municípios. Trata-se de uma atribuição complexa, que demanda a utilização de várias ferramentas e, apesar do acúmulo de experiência já adquirido pela Secretaria, novos desafios se colocam rotineiramente, especialmente nos últimos anos, com o início de uma conjuntura que exige uma nova ação do Estado. Nessa primeira década do século XXI, o Brasil entrou em um ciclo de desenvolvimento mais sustentado. Entre 2004 e 2007, o País cresceu, em média, acima de 4% ao ano. Essa nova realidade proporciona um cenário promissor, especialmente por contar também com um ciclo mais ou menos longo de redução de assimetrias históricas. No que tange às desigualdades sociais, pode-se notar, conforme trabalho realizado pela SPI em 2009, para avaliar a dimensão estratégica do plano de governo (PPA 2008-2011), que: “O índice de Gini da distribuição de renda domiciliar per capita teve declínio de 5% entre 2003 e 2007” (BRASIL 2009:42). Se considerarmos as assimetrias regionais, houve melhorias mais significativas nas regiões menos desenvolvidas, como Norte e Nordeste, o que pode ser medido tanto pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) quanto do Índice de Gini. Importa, para o objetivo desse trabalho, o fato de que esse cenário traz consigo um conjunto de novos desafios para o País, em especial para o setor público. As bases do desenvolvimento estão em grande parte na atuação do Estado, especialmente, por meio de políticas como a valorização do salário mínimo, a transferência de renda e a ampliação do crédito, que têm promovido a expansão do mercado de consumo de massa, e dos investimentos em infraestrutura. O desenvolvimento coloca a necessidade de aprofundamento dessas políticas, além de uma atuação mais forte em outros setores, como o da agricultura e da política industrial, para citar alguns exemplos. É necessário que o desenvolvimento se faça de forma sustentável e integrada, buscando-se a superação das distorções existentes e evitando-se o advento de outras. No que diz respeito à infraestrutura, já em 2004, houve uma iniciativa – o Programa Piloto de 1 A estrutura do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão foi definida pelo Decreto n.º 7.063, de 13 de janeiro de 2010, alterado pelo Decreto n.º 7.102, de 8 de fevereiro de 2010. De acordo com essa norma, as atribuições da SPI são: estabelecer diretrizes e normas para elaboração e implementação do plano plurianual e dos programas que o compõem, bem como para o planejamento territorial; coordenar, orientar e supervisionar a elaboração e a gestão do plano plurianual e de projetos especiais de desenvolvimento; coordenar e orientar as atividades relativas a sistemas de informações para o planejamento, programação, desempenho físico, gestão de restrições e avaliação dos programas e ações do plano plurianual, em articulação com a Secretaria de Orçamento Federal e com o Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais; identificar, analisar e avaliar os investimentos estratégicos governamentais, suas fontes de financiamento e sua articulação com os investimentos privados, bem como prestar apoio gerencial e institucional à sua implementação; coordenar e orientar as atividades de acompanhamento, avaliação e revisão do gasto público, do plano plurianual e de projetos especiais de desenvolvimento; desenvolver estudos com o objetivo de viabilizar fontes alternativas de recursos para financiar o desenvolvimento do País; e desenvolver estudos com vistas à avaliação ambiental estratégica de agrupamento de investimentos. 1 XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 Investimentos (PPI)2, que foi a base para a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 3. O PAC conta com o aporte de aproximadamente R$ 650 bilhões para o período entre 2007 e 2010. A execução de um volume de recursos dessa monta expôs um conjunto de problemas que caracterizam o despreparo do Estado para investir. Os problemas vão desde a baixa capacidade para a realização de estudos e a elaboração de projetos até as dificuldades impostas pelo modelo de contratação, passando pelo licenciamento ambiental e pelos sistemas de planejamento e orçamentário. Na área social, além das políticas já mencionadas, houve avanços importantes em áreas mais estruturadas como na de assistência social, com a instituição do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e na de educação, com o estabelecimento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb), para citar alguns exemplos. Também nessa área alguns problemas importantes foram encontrados, dentre os quais merecem destaque aqueles associados à instituição do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) 4, fundamental para a gestão do Programa Bolsa Família5. Com vistas à superação desses problemas, medidas vêm sendo adotadas pelo Governo Federal, como a criação e a reestruturação de carreiras, modificações na regulamentação das contratações, instituição de sistema de monitoramento dos investimentos focado nos resultados, especialmente no caso do PAC, dentre outros. Essa dinâmica vem demonstrando, por sua vez, a necessidade de se buscar novas formas de leitura dos desafios colocados para a Nação, além de um novo papel para o Estado, que implica em novas práticas por parte da Administração Pública. Nas décadas precedentes, os desafios colocados para o País passavam muito fortemente pela estabilização econômica. No que respeita ao Estado, como explica Marco Aurélio Nogueira (2004: 42), a lógica foi a de “[...] promover a desconstrução do Estado realmente existente – mediante a utilização intensiva de mecanismos de privatização, descentralização, cortes e redução funcional [...]”. Nogueira explica também que, ao fazer isso, “[...] o processo desorganizou o aparelho estatal e diminuiu a força e a organicidade dos sistemas de desenvolvimento”. É preciso, portanto, modernizar a Administração Pública e, como defende Nogueira (2004:71 e 72): “[...] a incorporação de novas tecnologias de gestão, a redução de gastos, a remodelagem da dimensão organizacional e o enxugamento administrativo não podem ser perseguidos como se fossem hierárquica e axiologicamente superiores ao estabelecimento de 2 A forte correlação entre os níveis de investimento em infraestrutura e o crescimento do PIB, conforme reconhecido por organismos internacionais (em particular por estudos realizados pelo Banco Mundial) e, por via de conseqüência, com a relação entre dívida pública e PIB, levou o Governo a desenvolver em fins de 2004 projeto-piloto buscando novo padrão de investimento público, voltado para conjunto de projetos com forte potencial para gerar retorno econômico e fiscal no médio prazo. (http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/spi/programas_projeto/PPI/060100_PRP_PPI_relSituacao.pd f Acessado em 05 de agosto de 2010, às 9:35) 3 Ver Seção III da Lei nº 11.653, de 7 abril de 2008. 4 O Índice de Gestão Descentralizada (IGD), regulamentado pela Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009, é um número indicador que varia de 0 a 1 e mostra a qualidade da gestão do Programa Bolsa Família (PBF) no âmbito municipal, além de refletir os compromissos assumidos pelos municípios no Termo de Adesão ao Bolsa Família (Portaria GM/MDS nº 246/05). (http://www.mds.gov.br/programabolsafamilia/estados_e_municipios/indice-de-gestao-descentralizada-igd/ Acessado em 05 de agosto de 2010, às 9:35) 5 O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 70), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004. (http://www.mds.gov.br/programabolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/o-que-e/ Acessado em 05 de agosto de 2010, às 9:35) 2 XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 novos parâmetros de atuação, novas responsabilidades e novos compromissos públicos e estatais. Técnica, política e ética caminham juntas. De resto, eficiência sem equidade e sem qualidade é algo desprovido de sentido, estranho à dimensão democrático-republicana que deve prevalecer numa gestão pública que faça jus a seu nome.” Como área crucial do conjunto da ação do Estado, o planejamento governamental, objeto deste trabalho, é parte importante nessa construção. Conforme aponta Jackson De Toni (2004:1): “Os métodos de planejamento tradicionais, ao ignorar a variável política, cortaram o caminho para o diálogo entre plano e gestão, relação absolutamente imprescindível para casar o “planejar” com o “fazer”.” No Brasil, seguindo a ótica da contenção dos gastos públicos, como uma das estratégias para a busca da estabilidade econômica, o planejamento governamental foi ganhando, crescentemente, uma conotação processualística e perdendo cada vez mais seu papel organizador da ação do Estado a partir dos desafios colocados para a sociedade. As experiências de planejamento governamental no Brasil, até a década de 1990, basearam-se em objetivos econômicos com enfoque predominantemente desenvolvimentista ou estabilizador. Outro ponto comum aos planos desse período é que eles foram elaborados segundo metas e objetivos específicos que os governos pretendiam alcançar em determinados intervalos de tempo. Ou seja, mais que um esforço ativo de planejamento global e estruturado de médio ou longo prazos, os planos eram destinados a alterar ou corrigir situações presentes no período de sua implantação. A lógica de um planejamento plurianual, estruturado e abrangente, com vistas a ser seguido nos mesmos moldes por todos os governos, veio com a Constituição da República de 1988 6. No entanto, a primeira experiência mais estruturada para dar consequência prática ao comando constitucional veio já com o processo de consolidação da estabilização econômica em curso, por meio do Plano Plurianual 1996-1999, no qual foram introduzidos novos conceitos, como a referência espacial do desenvolvimento e os projetos estruturantes. A partir de 2000, como resultado do acúmulo das experiências anteriores, houve um movimento de reformulação na concepção do Plano. Como explicam Kátia Calmon e Divonzir Gusso (2003:10), os principais objetivos do PPA 2000-2003 eram: “a) racionalizar e melhorar a qualidade do gasto público, “levando em conta um cenário de restrições ao seu financiamento; e b) implantar um sistema de gestão pública orientada para resultados que assegurassem o motivo anterior e conferissem mais eficiência à aplicação de recursos públicos e eficácia para legitimar as ações de governo junto à sociedade civil”. No entanto, uma análise mais detida de como se desdobrou o processo de consolidação dessa nova concepção leva a crer que a concretização do primeiro objetivo acabou por dificultar, senão impedir, o alcance do segundo. O foco na perseguição do ajuste nas contas públicas e do alcance de metas fiscais levou à constituição de um plano extremamente abrangente e detalhado, focado em processos e formalista. Tal desdobramento parece ter sido aprofundado pela forma como se implementou uma outra orientação constitucional importante que busca garantir, ao menos naquilo que é mais estratégico da ação governamental, ou seja, nos investimentos públicos, que o orçamento seja orientado pelo plano. 6 Conforme explicam Calmon e Gusso (2003:8), “A Constituição de 1988 estabeleceu que a gestão pública orientar-seia por meio de três novos instrumentos: a Lei do Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) – que passou a consolidar o Orçamento Fiscal, o Orçamento da Seguridade Social e o Orçamento das Empresas Estatais”. 3 XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 Conforme pode ser observado em importante trabalho de Ronaldo Garcia (2000:22), a vinculação deuse nas categorias formais da peça orçamentária e do plano, ou seja: “A Portaria MPO nº 117, de 12/11/98 (ou MOG nº 42, de 14/4/99) define as novas categorias orçamentárias, que deverão permitir conexões mais articuladas com o PPA. Assim, são conceituados a função (em número de 28, tomadas como definidoras das políticas governamentais e entendidas como o maior nível de agregação das diversas áreas de despesas públicas); a subfunção (em um total de 109, representa uma partição da função, e visa agregar determinado subconjunto de despesas do setor público); o programa (instrumento de organização da ação governamental, que visa concretização dos objetivos pretendidos e é mensurado por indicadores estabelecidos no PPA); o projeto; a atividade; e as operações especiais (despesas que não contribuem para a manutenção das ações de governo, das quais não resultam um produto e não geram contraprestação direta sob a forma de bens ou serviços).” Esse processo foi se aprofundando com a consolidação de sistemas de informações gerenciais que usam as mesmas categorias no plano de governo, no orçamento e na execução financeira. Conforme explicam Calmon e Gusso (2003:24): “Com o intuito de facilitar o registro e a gestão das informações, foi desenvolvido, no âmbito da SPI, o Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento (Sigplan), que comporta dados de execução orçamentária e financeira de todos os programas e ações do governo federal, oriundos do Sistema Integrado de Dados Orçamentários (Sidor) e do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi); além das informações de monitoramento e gestão fornecidas pelos gerentes dos programas, pelos órgãos setoriais e pelo Ministério do Planejamento”. Essa conformação do sistema de planejamento, ao que parece, induziu a um “fazer” focado no processo, ou seja, aquilo que deveria ser meio teve sua importância ampliada a ponto de ofuscar o verdadeiro fim. Com isso, a atividade de planejamento governamental perdeu força e, consequentemente, perdeu importância o órgão de planejamento. Esse aspecto não se fez sentir com intensidade em um cenário no qual não se dispunha de recursos para uma ação mais incisiva do Estado. No entanto, com a retomada do crescimento econômico e da capacidade do Estado de investir, começam a aparecer as limitações. Essa evidência fica ainda maior porque o Brasil depende, para garantir o desenvolvimento econômico equilibrado, de um planejamento governamental mais estratégico e menos incremental. Daí a necessidade de se reposicionar a função planejamento, o que tem levado a uma série de ações na busca de uma inflexão, que vão desde modificações na estrutura do plano com vistas a torná-lo mais estratégico até mudanças na própria prática de planejamento e de gestão do plano. Uma das ferramentas que tem contribuído nesse sentido é a gestão do conhecimento. O conhecimento vem ganhando importância especialmente no campo da administração, em geral, e da Administração Pública em particular. Bresser-Pereira (2005:1) aponta que: “O século XX ficará conhecido no futuro por muitas mudanças importantes: foi o século do progresso tecnológico, das organizações mais do que das unidades de produção familiares; o século em que o número de burocratas ou de técnicos aumentou a ponto de merecerem ser identificados como uma classe social – a classe média profissional. Juntamente com essas mudanças, foi o século em que o conhecimento acabou se tornando o fator de produção decisivo, e o controle do conhecimento tecnológico, organizacional e comunicativo tornou-se estratégico.” Trata-se de um movimento associado à própria dinâmica da sociedade contemporânea, desde antes da Revolução Industrial, que tem caminhado no sentido de automatizar cada vez mais o trabalho físico e exigir cada vez mais do trabalho intelectual. Peter Drucker (1999:13) aponta, por exemplo, que a Encyclopédie, editada entre 1751 e 1772 por Denis Diderot (1713-1784) e Jean d' Alembert (171 74 XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 1783) pode ser considerada a obra que marcou o início dessa nova era. Para ele: “Essa famosa obra tentava reunir, de forma organizada e sistemática, o conhecimento de todas as profissões artesanais, de maneira tal que um não-aprendiz pudesse aprender como ser um "tecnólogo". Não foi por acidente que os artigos na Encyclopédie que descrevem a fiação ou a tecelagem, por exemplo, não foram escritos por artesãos. Eles foram escritos por "especialistas em informação": pessoas treinadas como analistas, matemáticos e lógicos - Voltaire e Rousseau foram colaboradores. A tese subjacente à obra era que os resultados efetivos no universo material – em ferramentas, processos e produtos – são produzidos por análise sistemática e pela aplicação sistemática e intencional do conhecimento.” Ainda segundo Drucker, o conhecimento veio, ao longo dos últimos duzentos e cinquenta anos, tornando-se um fator de produção fundamental, superando em importância o capital e a mão-de-obra, entendida como força física. Para ele, o que importa hoje é a produtividade dos trabalhadores nãomanuais, o que requer a aplicação do conhecimento ao próprio conhecimento já acumulado. De acordo com suas reflexões, esse processo passou por três fases distintas. Na primeira, com o advento da Revolução Industrial, o conhecimento era aplicado sobremaneira a ferramentas, processos e produtos. Numa segunda fase, no fim do século XIX, o conhecimento passou a ser aplicado ao trabalho, gerando a Revolução da Produtividade. Segundo Drucker (1999:24), no entanto: “A Revolução da Produtividade transformou-se em vítima do seu próprio sucesso. Daqui em diante, o que importa é a produtividade dos trabalhadores não-manuais. E isso requer a aplicação do conhecimento ao conhecimento.” Essa é a terceira fase da revolução do conhecimento no mundo contemporâneo, especialmente no campo das organizações. O conhecimento é aplicado ao próprio conhecimento na busca de se gerar novos conhecimentos. Dessa forma, ele se prova em ação, ou seja, deve focar na busca de resultados concretos. Isso não quer dizer que o aprimoramento dos produtos, das ferramentas e dos processos, bem como da força de trabalho, deixou de ser importante, mas é um tipo de aprimoramento que apresenta pequenos diferenciais entre as organizações; vem, enfim, se transformando cada vez mais em um ponto de partida, em uma linha de base. Considerando o conhecimento como fator de produção fundamental, sua gestão vem ganhando cada vez mais importância. O debate em torno dessa importância, do que seja a própria gestão do conhecimento e das ferramentas para essa gestão também vem ganhando grande dimensão. Como se trata de debate relativamente recente, não há grandes consensos a respeito dos conceitos que permeiam o campo. Conforme explicam Renato Souza e Rivadávia de Alvarenga Neto (2003:4,5): “É preciso que se perceba que essa nova dimensão dada à informação e ao conhecimento não significa simplesmente uma alteração das regras do jogo. Configura-se, na verdade, como um novo jogo cujas diretrizes e regras não se encontram claramente dispostas nos livros e manuais.” No entanto, começam a se conformar algumas linhas em torno das quais têm se desenvolvido as teorias, com consequências importantes na prática. Fábio Ferreira Batista (2004:8) arrisca uma definição que, para os anseios do presente trabalho parece adequada. Para ele, “práticas de Gestão do Conhecimento são práticas de gestão organizacional voltadas para produção, retenção, disseminação, compartilhamento e aplicação do conhecimento dentro das organizações, bem como na relação dessas com o mundo exterior”. No que diz respeito à administração pública federal brasileira, a utilização das técnicas de gestão do conhecimento é ainda mais recente e, na área do planejamento governamental, está apenas se iniciando. 5 XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 A implantação de mudanças importantes nessa área precisa considerar o sistema de planejamento como um todo e os maiores desafios do órgão de coordenação estão em organizar as propostas e o debate em torno delas. Para isso, precisa considerar, além dos interesses de cada órgão, potencializados pelo sistema presidencialista de coalizão 7, as transversalidades e as intersetorialidades inerentes à ação governamental. A gestão do conhecimento pode ser ferramenta importante nesse processo. Assim, a Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, com atribuições de coordenação do planejamento federal, tem procurado usar a gestão do conhecimento em todas essas etapas. Primeiramente, durante o ano de 2008, foi constituído um grupo de trabalho composto por servidores, para estudar uma proposta de modernização da Secretaria. Os estudos partiram de um diagnóstico de que o planejamento governamental e a própria Secretaria vinham perdendo importância de forma crescente e acelerada. Era necessário, portanto, buscar mecanismos que permitissem a inflexão desse processo. Em linhas gerais, esse grupo propôs que a Secretaria procurasse estabelecer um diálogo com os demais órgãos de governo componentes do sistema de planejamento a partir do conteúdo mais estratégico das políticas públicas, buscando superar a lógica então predominante focada nos processos. Propôs, ainda, uma nova estrutura que organizasse a Secretaria por áreas temáticas, a concentração do acompanhamento dos processos em um único setor e a criação de um setor que se responsabilizasse pela gestão do conhecimento. Após debate com o restante da Secretaria e com algumas modificações, mais de forma que de mérito, houve a formalização da nova estrutura por meio do Decreto nº 6.929, de 06 de agosto de 2009. A partir da formalização, foram instituídos três departamentos temáticos, sendo um responsável pela área social, outro pelos temas de infraestrutrura e um terceiro pela área econômica e pelos temas especiais. Além disso, foi estruturado um departamento responsável pelo acompanhamento dos processos, pela legislação da área e pelos sistemas gerenciais. Por fim, foi criado um departamento de planejamento, que teve entre suas atribuições a gestão do conhecimento e a responsabilidade de organizar a Secretaria para trabalhar na nova concepção, ou seja, a partir dos temas e do conteúdo das políticas públicas. O primeiro passo desse novo departamento atuando já dentro da nova estrutura foi definir os temas, que, conforme uma visão de planejamento, seriam tratados como políticas públicas. Notou-se que, no caso brasileiro, o tratamento da ação do Estado não se organiza na forma de políticas públicas, mas de políticas setoriais, organizadas a partir da dinâmica dos órgãos de governo. Assim, com a participação de toda a Secretaria, foi definido um conjunto de critérios que permitiu segmentar o conjunto da ação do governo em 51 temas, organizados em 16 núcleos temáticos, que, por sua vez, foram organizados em três áreas temáticas. Conforme documento denominado Portal do Planejamento: Conhecimento das Políticas Públicas Organizado em Temas, publicado pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (BRASIL, 2010:15): “Os núcleos temáticos são entendidos como eixos estruturadores de conhecimento, formados a partir de um conjunto de temas, e têm por objetivo fornecer a visão geral de um conjunto de políticas públicas afins, permitindo o mapeamento das inter-relações entre as políticas e a identificação dos principais problemas existentes. Os temas, por sua vez, são assuntos que, pela relevância, foram incorporados aos compromissos governamentais e justificam a ação do Estado, por 7 Uma discussão sobre o modelo de presidencialismo de coalizão pode ser encontrada em Abranches (1988). 6 XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 meio de políticas públicas consideradas determinantes para o desenvolvimento”. Alguns desses temas apresentam conformações mais próximas do conceito de política pública, o que parece se explicar principalmente por se tratarem de ações mais estruturadas de Estado. Outros, no entanto, para que sejam compreendidos como políticas públicas, terão que passar por um processo de conformação e legitimação, que se constitui no próprio debate que se pretende estabelecer entre os atores relevantes para cada um deles. É provável que muitos não se consolidem como políticas públicas e tenham que passar por processo de alteração de suas configurações. Definidos os temas, entendeu-se que, para o estabelecimento de um diálogo com os demais atores, havia a necessidade de organizar o conhecimento sobre cada um deles, o que poderia ser feito pelo próprio quadro de servidores da Secretaria, composto por profissionais altamente qualificados e com conhecimento sobre os temas8. Para isso, foram necessárias algumas ações importantes, como a definição dos produtos a serem desenvolvidos para o desempenho dessa nova atribuição. O mais importante produto para o aprofundamento do processo foi um documento de referência para cada tema, que agregasse os conhecimentos já acumulados, além de análises e reflexões. De acordo com o documento Portal do Planejamento: Conhecimento das Políticas Públicas Organizado em Temas (BRASIL 2010:23): “O Documento de Referência Temática é o primeiro produto desenvolvido e que dá sustentação à estruturação das políticas públicas em temas. É a base conceitual do tema, e contempla um conjunto de informações capazes de expressar sua síntese. Possui caráter estrutural, o que demanda que seja único, mas com atualizações permanentes com pontos de controle periódicos. Possui dois objetivos centrais, quais sejam, organizar e aprimorar o conhecimento do órgão central de planejamento e ser o instrumento de debate com os demais órgãos e esferas de governo e com a sociedade.” Não se tratava, no entanto, de sistematizar o conhecimento existente apenas, mas, principalmente, de construir conhecimento novo para a elaboração dos principais desafios colocados para cada uma das políticas públicas, bem como das formas de superação desses desafios. O delineamento dos desafios é central para se traçar as estratégias (o “como fazer”) para sua própria superação. A construção de conhecimento novo, como explica Nonaka (2001:30): “(...) depende do aproveitamento dos insights, das intuições e dos palpites tácitos e muitas vezes altamente subjetivos dos diferentes empregados (...)”. Trata-se de processo com elevado grau de complexidade porque, de acordo com Nonaka (2001:31): “A essência da inovação é a recriação do mundo de acordo com determinada visão ou ideal. Criar novos conhecimentos significa, quase literalmente, recriar a organização e todas as pessoas que a compõem num processo ininterrupto de auto renovação pessoal e organizacional.” É a transformação do conhecimento tácito em conhecimento explícito e, como explica Nonaka (2001: 36): “(...) como o conhecimento tácito abrange modelos mentais e crenças, além do know-how, a evolução do tácito para o explícito é (...) um processo de articulação da própria visão de mundo – o que é e o que deveria ser”. Essa complexidade implicou em uma atuação muito forte da área de gestão do conhecimento na 8 A SPI dispõe de um corpo de servidores públicos de alto nível pertencente, na sua maioria, a carreiras típicas de Estado. A Secretaria conta com 64 integrantes da carreira de Analista de Planejamento e Orçamento (APO), 18 servidores pertencentes ao Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, 12 Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, 9 integrantes da carreira de Analista de Infraestrutura, entre outros, totalizando 131 pessoas em seu corpo funcional. Deste quadro, cerca de 80% possuem nível superior, muitos com mestrado e doutorado. 7 XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 sistematização e no diálogo sobre a nova visão. A partir de um debate na Secretaria, foi constituído um documento base, explicitando o que se pretendia, o que se esperava dos servidores e os próximos passos. Esse documento foi a base para uma oficina realizada em agosto de 2009, na Escola Nacional de Administração Pública (Enap), com vistas a pactuar esses pontos com todo o quadro da Secretaria. Para ampliar o volume de conhecimento, criou-se o Diálogos na SPI. Por meio dessa iniciativa, são convidados especialistas em várias áreas para diálogo com os servidores, além de se promover debates sobre trabalhos desenvolvidos na própria Secretaria. Para contribuir com esse segundo objetivo, foi lançado também um boletim eletrônico semanal por meio do qual são divulgadas experiências vividas por servidores da Secretaria na semana anterior. Os servidores participam, por exemplo, de reuniões com outros órgãos nas quais são tomadas decisões importantes, que precisam ser socializadas e o Boletim cumpre esse papel. No entanto, apenas essas ferramentas não seriam suficientes, pois a produção de conhecimento novo exige o trabalho compartilhado. De acordo com Leonard e Straus (2001:109): “(...) as inovações ocorrem com o entrechoque de diferentes idéias, percepções e formas de processamento e avaliação de informações. Isso, por sua vez geralmente exige a colaboração entre numerosos participantes que veem o mundo sob perspectivas intrinsecamente diversas”. Em se tratando da ação governamental e das políticas públicas, esse aspecto ganha uma importância ainda maior. Como aponta Mintzberg, é praticamente impossível isolar as políticas públicas, uma vez que elas são resultados do contínuo processo de decisão política, que faz com que elas tenham um caráter intrinsecamente transversal e intersetorial. Segundo ele (1998:154): “Para que fosse possível isolar as atividades governamentais do controle hierárquico direto, da maneira como a Administração prescreve, seria necessário que, na esfera política, fossem formuladas políticas públicas claras, isentas de ambigüidade, para então serem implementadas em uma esfera puramente administrativa”. Considerando esses aspectos, foi elaborada uma ferramenta capaz de apoiar o trabalho compartilhado. Trata-se do Portal do Planejamento, que, de acordo com o documento Portal do Planejamento: Conhecimento das Políticas Públicas Organizado em Temas (BRASIL 2010:23): “(...) foi concebido com o objetivo de prover um ambiente virtual para o desenvolvimento colaborativo dos produtos temáticos, sob a nova lógica de atuação do planejamento governamental focada nas políticas públicas, nos bens e nos serviços ofertados à sociedade. Por ter foco na produção de conhecimento, o Portal promove um ambiente favorável à aprendizagem organizacional e à gestão estratégica da informação e do conhecimento”. O trabalho compartilhado gerou 51 documentos de referência temática, um para cada tema, que, no conjunto, representam cerca de três mil páginas de sistematização de informações, análises, reflexões e sugestões de encaminhamentos. Ao final dos trabalhos, foram geradas duas versões de cada documento. Uma primeira versão continuará a ser atualizada ininterruptamente e a outra foi tornada estática e será base para o debate com outros atores relevantes na formulação e na execução das políticas públicas. Deverá ser renovada a cada seis meses, para contemplar os novos conhecimentos. De acordo com o documento Portal do Planejamento: Conhecimento das Políticas Públicas Organizado em Temas (BRASIL 2010:23), além de ser ferramenta de apoio ao trabalho compartilhado: “A ferramenta destina-se também à divulgação desses produtos e debate com interessados [...].”. Em 2011, de acordo com a legislação brasileira, elabora-se o Plano Plurianual que deverá vigir entre 8 XV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Sto. Domingo, Rep. Dominicana, 9 - 12 nov. 2010 2012 e 2015. Torna-se fundamental, portanto, o aprofundamento do diálogo do órgão coordenador com os demais integrantes do sistema. Assim sendo, além da disposição dos documentos como base para os debates, estão sendo desenvolvidas ferramentas eletrônicas que deem suporte e facilitem as trocas de conhecimento. Está em fase de implementação uma rede virtual para cada tema. Essas redes deverão contar com a participação de atores envolvidos com as políticas públicas e especialistas. Estão sendo elaboradas, também, oficinas presenciais para os temas, com vistas ao aprofundamento do diálogo e a validação de conceitos, conclusões e linhas de ação, ou seja, dos desafios. Além de consolidar essa nova forma de tratar o planejamento governamental, os avanços já alcançados apontam para a possibilidade de ampliar o processo para a participação dos estados. Por se tratar de um país federativo, com três esferas de governo que contam com elevado nível de autonomia, o Brasil demanda mecanismos eficazes de relacionamento entre essas esferas. No que diz respeito ao planejamento governamental, esses mecanismos são importantes para garantir a ação integrada entre as três esferas, evitando-se superposições de ações e a ausência de atuação governamental em alguns setores. Está previsto para novembro de 2010 o primeiro seminário nacional de planejamento governamental, que deverá promover o debate sobre as políticas públicas a partir da construção temática da Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. A expectativa é a de que se inicie um processo de planejamento federativo que, ao final, permita pactuar as responsabilidades de cada ente com foco nos desafios colocados para o país. Por fim, a evolução das ferramentas e o aprimoramento dos conhecimentos e da forma de torná-los públicos poderá propiciar uma nova forma de participação social. Além da participação focada na transparência e no controle de legalidade, que conta com grande evolução no país, poderá haver a participação mais ativa no processo decisório do gasto público. Se, como defende Lèvy (2000), parece haver atualmente um esgotamento do modelo representativo de democracia e mecanismos de participação direta podem contribuir para o aperfeiçoamento do sistema, o aprimoramento de iniciativas desse tipo pode ser um caminho promissor. BIBLIOGRAFIA ABRANCHES, Sérgio Henrique H. de. Presidencialismo de Coalizão. O Dilema Institucional Brasileiro. Dados, vol. 31, nº 1, pp. 5-38, 1988). BATISTA, Fábio Ferreira. Governo que aprende: gestão do conhecimento em organizações do Executivo federal. Texto para discussão nº 1022. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Brasília, junho de 2004 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimento Estratégicos – SPI. Relatório de avaliação Plano Plurianual 2008-2011 : avaliação da dimensão estratégica : exercício 2009 - ano base 2008 / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. – Brasília : MP, 2009. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Portal do Planejamento: Conhecimento das Políticas Públicas Organizado em Temas / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. - Brasília : MP, SPI, 2010. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Capitalismo dos técnicos e democracia. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol.20. nº 59. São Paulo, 2005 CALMON, Kátya Maria Nasiaseni e GUSSO, Divonzir Arthur. A experiência de avaliação do Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal do Brasil. Cepal. Santiago, 2003. DE TONI, Jackson. 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Foi Subsecretário dos Direitos da Criança da Secretaria Especial de Direitos Humanos, entre 2005 e 2006, presidente a Associação Nacional do Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental entre 2003 e 2007. 10