Bloqueio em processo eletrônico é atentado - Walter Capanema Os tribunais estão, gradativamente, se adaptando ao processo eletrônico e, com isso, criando suas normas regulamentares, estabelecendo requisitos e procedimentos. Causa estranheza, contudo, a definição da pena de "bloqueio" de acesso do advogado ao sistema, que pode ser encontrada nas resoluções 427/2010 do Supremo Tribunal Federal (art. 4o, parágrafo único), 01/2010 do Superior Tribunal de Justiça (art. 18, par. 3o) e 94/2012 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que regulamenta o seu Processo Judicial Eletrônico (art. 29). No caso do STF, por exemplo, ocorrerá o bloqueio em caso de "uso inadequado do e-STF (seu sistema processual) que venha a causar prejuízo às partes ou à atividade jurisdicional". Mas o que seria esse "uso inadequado"? A invasão do sistema? A destruição de Norma, documentos do processo? A fraude? infelizmente, peca O envio de vírus de computador? pela simplicidade Haveria, ainda, a necessidade de prova da culpa in committendo do advogado, ou se trataria de responsabilidade objetiva? A norma, infelizmente, peca pela simplicidade. Imagina-se, v.g., a hipótese de um advogado que pretenda enviar a sua petição ao STF, e se cercando de todos os cuidados de segurança possíveis, analisa seus arquivos com um programa antivírus devidamente atualizado, tendo a certeza, assim, de que seu sistema está imune. Todavia, ao término do envio desta petição, o sistema do tribunal verifica que havia um vírus de computador no arquivo e determina, por conseguinte, o bloqueio do usuário; seria justo, nas circunstâncias descritas, punir o advogado, que adotou as medidas protetivas disponíveis, e, mormente quando se tem consciência de que,em segurança informática, não podemos utilizar a certeza absoluta, mas apenas a probabilidade? Por conseguinte, seria justo impor uma sanção tão grave sem garantir Bloqueio de ao advogado o contraditório e a cadastro permite ampla defesa, princípios basilares imposição de de um Estado de Direito, previstos sanção disciplinar na Constituição Federal em seu art. por órgão judicial, 5o, LV? desrespeitando Não há, nas normas que definem a Estatuto da pena de "bloqueio", a conceituação Advocacia e sem de que tipo de conduta, observar princípios especificadamente, determinaria tal do contraditório, da procedimento; posto que se trata ampla defesa e da de um imperativo de deveria ser razoabilidade também graduado segundo a extensão do ato praticado. Mas não seria muito grave impor ao advogado esta sanção, que praticamente o impediria de exercer sua profissão no âmbito daquele tribunal? A Resolução do PJe-JT, por exemplo, se refere a "bloqueio provisório", que poderá ocorrer em relação ao processo que deu causa ou a todo o sistema. Seria interessante, também, analisar a natureza jurídica do bloqueio de cadastro. Se ele guarda relação direta com a conduta praticada pelo advogado no sistema de processo eletrônico, não seria uma sanção processual? Se este raciocínio prevalecer, vê-se que as normas supracitadas seriam inconstitucionais, pois só por meio de lei de iniciativa da União é que poderiam ser veiculadas, conforme determina o art. 22, I, CF. E o mais importante: quem determinará este bloqueio? Será o "sistema", esta "entidade computacional" desprovida de razão e de capacidade de análise de fatos e de argumentos jurídicos? Pode um programa de computador decidir o destino profissional de um advogado? O STJ e o PJe-JT, por sua vez, atribuem esta competência à "autoridade judiciária" correspondente/competente. Na realidade, pode-se dizer que o bloqueio de cadastro do processo eletrônico guarda semelhança às sanções previstas pelo mau comportamento ou abuso, nos contratos de serviços da internet, como no caso de redes sociais (Facebook, Orkut) e de lojas de mídia (iTunes/Mac AppStore). Acontece que o sistema do processo eletrônico não é um simples serviço de internet, mas um verdadeiro instrumento para a defesa de interesses legítimos perante o Poder Judiciário. Vejo que, por se tratar de uma sanção ao advogado, no exercício de sua função, a legitimidade para a sua imposição deve ser do respectivo Conselho Seccional da OAB em que tenha ocorrido a infração, salvo se cometida perante o Conselho Federal, conforme determina expressamente o art. 70, caput, da Lei 8.906/94, constituindo uma medida arbitrária a sua fixação pelo Poder Judiciário. Vale notar que no rol taxativo de penalidades do art. 35 do Estatuto da Advocacia constam apenas a censura, suspensão, exclusão e a multa, nada mencionando sobre o tema em debate. Portanto, o bloqueio de cadastro é medida de duvidosa constitucionalidade e que ofende, diretamente, as prerrogativas do advogado, pois permite a imposição de sanção disciplinar por órgão judicial, em claro desrespeito ao Estatuto da Advocacia e sem observar os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da razoabilidade. Walter Capanema é secretário-geral da Comissão de Direito e Tecnologia da Informação da OAB/RJ. Versão online da Tribuna do Advogado, edição de novembro de 2012.