Saúde mental
Estudo da presença de sintomatologia
depressiva na adolescência
FERNANDO OLIVEIRA-BROCHADO
ANA OLIVEIRA-BROCHADO
Uma vez que a depressão na adolescência é uma perturbação relativamente frequente podendo provocar grave incapacidade no desempenho individual, familiar, escolar e
social, a sua avaliação é crucial. O objectivo da presente
investigação foi o de avaliar a presença e severidade de
sintomatologia depressiva e as qualidades psicómetricas da
segunda versão do Inventário de Depressão de Beck (BDI-II)
numa população não-clínica de adolescentes com idades
compreendidas entre os 13 e os 16 anos. Neste artigo, são
dados a conhecer os principais resultados obtidos a partir
da auto-administração da versão portuguesa do BDI-II a
340 adolescentes, no ano lectivo 2006/2007, na região do
Porto. A percentagem de estudantes com depressão
«mínima» ou «ligeira» foi comparada com os que experimentaram depressão «moderada» a «severa». A média
total de pontuações do BDI-II alcançados mostraram que
as raparigas pontuaram 3 pontos mais do que os rapazes e
foram estatisticamente significativas (p < 0,002). A consistência interna do BDI-II, nesta amostra, foi de 0,89 (Alpha
de Cronbach). Estes resultados suportam as excelentes qua-
Fernando Oliveira-Brochado é doutorando em Saúde Mental, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), Universidade do Porto.
Ana Oliveira-Brochado é assistente, CESUR, DECivil — Instituto
Superior Técnico (IST), Universidade Técnica de Lisboa.
Submetido à apreciação: 20 de Fevereiro de 2008
Aceite para publicação: 15 de Maio de 2008
VOL. 26, N.o 2 — JULHO/DEZEMBRO 2008
lidades psicométricas demonstradas pelo BDI-II na amostra em estudo e validam a sua utilização como instrumento
de avaliação da sintomatologia depressiva em amostras
não-clínicas de adolescentes.
Palavras-chave: adolescentes; Inventário de depressão de
Beck; depressão; prevalência.
1. Introducão
Um grande número de trabalhos de investigação tem
estudado a sintomatologia depressiva na adolescência. Hoje é aceite que os sintomas depressivos nesta
fase do ciclo de vida não são apenas aspectos transitórios do normal desenvolvimento do adolescente.
De facto, os sintomas depressivos na adolescência
são correlacionados com baixos níveis de auto-estima e de aptidão social (Devine et al., 1994), uma
maior propensão para a delinquência e consumo de
drogas e de álcool (Piacentini e Pataki, 1993) e suicídio (Lewinsohn, 1991). Os adolescentes com
depressão possuem uma elevada probabilidade de
apresentar um estado depressivo na vida adulta
(Harrington et al., 1996). Dadas as consequências
potenciais da depressão na fase da adolescência
revela-se importante o seu estudo neste grupo etário.
Estudos de prevalência da perturbação depressiva
nos adolescentes são essenciais para os profissionais
que actuam nesta área, pois para além de fornecerem
dados importantes em relação à proporção de adoles-
27
Saúde mental
centes que experimentam sintomatologia depressiva
durante esta fase do ciclo de vida reflectem o «estado
actual» da saúde mental dos jovens. Este tipo de estudos facilita a compreensão longitudinal da adolescência, e permite comparações com outros grupos etários. Adicionalmente, a informação desempenha um
papel fundamental na determinação dos serviços de
saúde mental que poderão ser colocados à disposição
dos adolescentes perturbados.
O presente trabalho teve como objectivo: (i) estimar
a prevalência da sintomatologia depressiva numa
amostra de adolescentes dos 13 aos 16 anos e aferir
as (ii) propriedades psicométricas da BDI na identificação dos sintomas depressivos em adolescentes.
2. Métodos
escola pública e de um colégio privado da região do
Grande Porto e os participantes apresentavam idades
compreendidas entre os 13 e os 16 anos; 138 (40%)
tinham 13 anos, 121 (36%) tinham 14 anos, 51
(15%) tinham 15 anos e 30 (9%) tinham 16 anos.
A média (M) total de idades foi de 13,92 anos
(DP = 0,95).
Dos 340 adolescentes que participaram neste estudo,
179 (52,6%) frequentavam o ensino público e 161
(47,4%) frequentavam o ensino privado, distribuídos
pelos 7. o (9%), 8.o (54%) e 9.o (37%) anos de escolaridade.
A média do peso dos alunos foi de 56,08 kg
(DP = 10,67 kg) e a altura média foi de 1,65 m
(DP = 0,09 m). Os alunos do sexo masculino pesam
mais e são mais altos que os do sexo feminino
(p < 0,003 e p < 0,001, respectivamente).
2.1. Instrumento de medida
2.3. Administração e cotação do instrumento
Um dos instrumentos de auto-administração mais
utilizados na detecção e medição da sintomatologia
depressiva é o Inventário de Depressão de Beck
(BDI). A sua primeira versão foi desenvolvida por
Beck et. al. (1961), e administrada em populações de
adolescentes por vários autores (Kaplan et al., 1980,
Teri et al., 1982, Baron e Perron, 1986, Ehrenberg et
al., 1993 e Connelly et al., 1993) .
Recentemente, este inventário foi modificado e
melhorado surgindo uma nova versão, o BDI-II, que
é utilizado no presente estudo. O BDI-II, para além
de reflectir os critérios de diagnóstico da Depressão
Maior segundo o Manual de Diagnóstico de Perturbações Mentais actual, DSM-IV (American
Psychological Association, 1994), também pode ser
usado em populações adolescentes (Beck et al.,
1996). Estudos das propriedades psicométricas do
BDI-II neste grupo etário incluem os contributos de
Beck et al. (1996), Steer e Clark (1997), Steer et al.
(1998), Krefetz et al. (2002), Kumar et al. (2002),
Osman et al. (2004) e Osman et al. (2008). No caso
português, como exemplo da aplicação do BDI-II a
populações de adolescentes dos 15 aos 19 anos
refira-se o estudo de Coelho et al. (2002).
As investigações realizadas na área da depressão
adolescente utilizam diferentes populações, metodologias e instrumentos apresentando frequentemente
resultados discrepantes (ver Quadro I).
2.2. Amostra
No presente estudo o Inventário de Depressão de
Beck-II foi auto-administrado a 340 adolescentes. Os
participantes eram alunos provenientes de uma
28
Após solicitação dirigida ao Conselho Directivo dos
dois estabelecimentos de ensino, para autorização da
administração do BDI-II, procedeu-se à sua aplicação
a grupos de alunos do 3.o ciclo do Ensino Básico (turmas do 7.o, 8.o e 9.o ano), cujos professores cederam o
tempo necessário à explicação e preenchimento do
mesmo. Nas turmas, foi pedida a colaboração de todos
os alunos presentes na sala de aula. Leram-se as instruções, foram explicados os objectivos do estudo e
salientou-se o carácter voluntário da participação; a
não existência de respostas certas ou erradas; a precaução para tentar não omitir nenhuma resposta; e o facto
do tratamento dos dados ser anónimo e confidencial.
De seguida, o BDI-II, constituído por 21 itens, foi
auto-administrado pelo investigador, levando 10 a
15 minutos a preencher. O modo de resposta a cada
um dos itens tem a forma de Guttman, ou seja, são
apresentadas 4 a 6 frases e destas o sujeito terá de
escolher uma que melhor descreva a forma como se
tem sentido «durante as últimas duas semanas»,
incluindo o dia de preenchimento do inventário. Os
resultados em cada um dos itens vão de 0 (baixo) a
3 (alto), reflectindo, este valor, a gravidade do sintoma
a ser avaliado no item, podendo o resultado total ser de
0 (mínimo) a 63 (máximo).
De acordo com Beck et al. (1996), considera-se para
o BDI-II que as pontuações globais de 0 a 13 representam sintomatologia depressiva «mínima», as de
14 a 19 — «ligeira», de 20 a 28 — «moderada» e
mais de 29 representa sintomatologia depressiva
«grave» ou «severa».
Coelho et al. (2002) aplicou a BDI-II a 775 adolescentes portugueses e sugere o seguinte ponto de
corte: valores inferiores ou iguais a 13, sem sintoma-
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
Saúde mental
tologia depressiva; valores superiores a 13, com sintomatologia depressiva, o que coincide com o ponto
de corte de «13» referido por Beck et al. (1996), na
avaliação das suas amostras com o BDI-II.
2.4. Procedimento estatístico
Para a análise dos resultados e para testar se existiam
diferenças significativas entre as variáveis em estudo,
utilizaram-se testes paramétricos de diferença de
médias (o teste T de Student e a análise univariada de
variância — One-Way Anova). Sempre que foram
encontradas diferenças significativas entre as fontes
de variância para mais de dois grupos recorreu-se ao
teste Post-hoc de LSD (Fisher’s Least Significant
Differences) tendo em vista uma análise mais precisa
das diferenças. Foi ainda utilizada a análise factorial
para uma avaliação do número de factores presente
nos dados.
Utilizou-se como suporte informático de análise de
dados o Statistical Package for the Social Sciences,
versão 14.0 para Windows (SPSS). O nível de significância considerado foi p < 0,05.
3. Resultados
3.1. Prevalência de sintomatologia depressiva
A média (M) de pontuações totais no BDI-II da presente amostra foi de 11,44, com um desvio-padrão
(DP) de 9,50. As pontuações variaram entre 0 e 60.
O valor médio (11,44) indica-nos que a nossa amos-
Quadro I
Estudos de prevalência da depressão em populações não-clínicas adolescentis
Idade dos sujeitos
Tamanho
da amostra
Intrumento
utilizado
Resultados
Kaplan et al. (1980)
Dos 14 aos 18 anos
1180
BDI
Teri (1982)
Dos 14 aos 17 anos
1568
BDI
Baron e Perron (1986)
Dos 13 aos 17 anos
1291
BDI
Ehrenberg et al. (1990)
Dos 13 aos 19 anos
1366
BDI
Connelly et al. (1993)
Dos 13 aos 19 anos
2698
BDI
Baron e Campbell (1993) Dos 14 aos 16 anos
1153
BDI
Beck et al. (1996)
1120
BDI-II
1160
BDI-II
Steer et al. (1998)
Média de idades: 19,58
(DP = 1,84)
Média de idades: 18,76
(DP = 2,04)
Dos 12 aos 18 anos
1210
BDI-II
Krefetz et al. (2002)
Coelho et al. (2002)
Dos 12 aos 17 anos
Dos 15 aos 19 anos
1100
1775
BDI-II
BDI-II
Osman et al. (2004)
Dos 13 a 17 anos
1408
BDI-II
Osman et al. (2008)
Dos 14 aos 18 anos
1414
BDI-II
Média total = 6,23; 6% pontuaram acima de
16 no BDI.
Média total = 8,47; 32% com sintomatologia depressiva de moderada a severa;
género não significativo.
Média total = 10,30; a pontuação das raparigas foi significativamente maior.
Média total = 8,45; 20,5% com sintomatologia depressiva média; 10,9% pontuaram
17 ou mais.
Média total = 8,29; 14% com sintomatologia depressiva de moderada a severa; as
raparigas pontuaram significativamente
mais que os rapazes (9,58 vs. 6,93).
Média total = 9,39; 10,66 para as raparigas e
7,16 para os rapazes (p < 0,001).
Média total = 12,55; 21% com sintomatologia depressiva de moderada a severa.
Média total = 11,86; 15% com sintomatologia depressiva de moderada a severa.
Média total = 18,23; 20,63 para as raparigas
e 15,83 para os rapazes.
Média = 24,70.
Média total = 10,31; 11,48 para as raparigas
e 8,45 para os rapazes (p < 0,001).
Média total = 17,75; 20,49 para as raparigas
e 15,02 para os rapazes (p < 0,001)
Média total = 12,50
Autor do estudo
Steer e Clark (1997)
VOL. 26, N.o 2 — JULHO/DEZEMBRO 2008
29
Saúde mental
tra, no global, não se apresenta deprimida, segundo o
ponto de corte de «13» referido por Beck e colaboradores (1996).
Nos Quadros II e III apresenta-se a distribuição das
pontuações globais dos jovens, diferencialmente, por
Género e Idade.
No Quadro II pode-se verificar que 86% dos adolescentes participantes têm depressão mínima ou ligeira
e 14% dos 340 jovens encontram-se moderada ou
severamente deprimidos, o que equivale a 48 sujeitos
na amostra em estudo.
No Quadro III verifica-se que 11% dos adolescentes
do sexo masculino (n = 197) e 18% das raparigas
adolescentes (n = 143) pontuaram nos níveis de
depressão moderada a severa.
Na Figura 1 apresentamos a distribuição dos adolescentes que participaram neste estudo, segundo o
ponto de corte (cut-off point = 13). A percentagem
de adolescentes da nossa amostra com sintomatologia
depressiva é de 29% (n = 98), 13% no sexo masculino e 16% no sexo feminino.
Como se pode verificar no Quadro IV, as raparigas
obtiveram pontuações médias totais (M = 13,43;
DP = 10,92), significativamente superiores às dos
rapazes (M = 10,00; DP = 8,04), segundo o teste t de
Student realizado (t = 3,18; gl = 248; p < 0,002). As
pontuações médias totais do sexo feminino diferem,
em três pontos, das do sexo masculino. Todos os
resultados posteriores tiveram que ser sistematicamente ajustados para a variável independente, sexo.
Pela análise de variância (One-Way ANOVA) efectuada verificou-se que a distribuição da depressão
pelas várias idades se faz de forma estatisticamente
significativa, mas apenas no sexo feminino
[F(3,982) = 3; p < 0,009]. Como as fontes de variância dos resultados apresentaram valores significativos, recorremos ao teste Post-Hoc de LSD (Fisher’s
Least Significant Differences), para uma análise mais
precisa das diferenças. Os resultados são apresentados no Quadro V.
Para uma melhor visualização e compreensão da distribuição das pontuações médias totais na BDI-II, por
Quadro II
Percentagem de adolescentes por idade; com depressão mínima, ligeira, moderada e
severa
Idade
Depressão
13
Mínima
Ligeira
Moderada
Severa
75%
14%
18%
13%
Total
(103)
1(19)
1(12)
11(4)
(138)
14
65%
17%
17%
11%
Total
15
(79)
(20)
1(9)
(13)
73%
12%
16%
19%
(121)
(37)
1(6)
1(3)
1(5)
(51)
16
77% (23)
16%1 (5)
17% 1(2)
10% 1(0)
(30)
71%
15%
18%
16%
(242)
1(50)
1(26)
1(22)
(340)
Nota: n = 340. (Em parêntesis está indicado o número total de sujeitos).
Quadro III
Frequência e percentagem de adolescentes por género e idade; com depressão mínima,
ligeira, moderada e severa
Idade
Depressão
Total
13
14
15
16
Sexo masculino
Mínima a ligeira
Moderada a severa
67
17
67
10
24
14
17
11
175 (89%)
122 (11%)
Sexo feminino
Mínima a ligeira
Moderada a severa
55
19
32
12
19
14
11
11
117 (82%)
126 (18%)
Nota: n = 340.
30
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
Saúde mental
Figura 1
Distribuição da sintomatologia depressiva por sexo, segundo o cut-off point = 13
(n = 340)
160
152
140
Frequência
120
100
90
80
60
20
Sexo
53
40
45
Feminino
Masculino
Sem sintomatologia
Com sintomatologia
Depressão
Quadro IV
Médias totais no inventário de depressão de Beck-II: sexo e idade
Idade
Sexo
Total
13
14
15
16
Masculino
Feminino
p
19,501
11,141
10,221
10,831
17,841
10,002
10,461
13,171
10,371
7,781
9,921
0,392
10,001
13,431
10,002
Total
10,260
13,381
11,691
8,631
11,441
Nota: n = 340.
Quadro V
Análise de variância (One-Way ANOVA) em função da idade, por sexo
Idade
13
Sexo
Feminino
Masculino
14
M
DP
11,14
19,50
8,73
6,94
M
15
DP
M
16
DP
17,84 13,32 13,17 11,10
10,83 8,40 10,46 10,31
M
DP
9,92
7,78
6,50
6,66
F
gl
p
LSD
3,982
0,858
3
3
0,009
0,464
13 < 14; 14 > 16
–
Nota: n = 340.
VOL. 26, N.o 2 — JULHO/DEZEMBRO 2008
31
Saúde mental
sexo e idade, apresenta-se a figura seguinte (Figura
2). Verifica-se que as adolescentes pontuam sempre
de forma superior em relação aos rapazes em todas as
idades. Observa-se, também, a existência de uma
diferença de 7 pontos entre as pontuações médias
totais das raparigas (17,84) e dos rapazes (10,83), aos
14 anos.
3.2. Estudo das qualidades psicométricas do
Inventário de Depressão de Beck-II
As características psicométricas do BDI-II foram largamente investigadas e testadas, ao longo dos anos,
numa grande variedade de populações clínicas e não
clínicas de adolescentes (ver Quadro 1).
Fidelidade — Consistência Interna
Segundo Almeida e Freire «a fidelidade dos resultados numa prova diz-nos algo sobre o grau de confiança ou de exactidão que podemos ter na informação obtida». Uma das formas de a avaliar é através
da consistência interna ou da homogeneidade dos
itens. Para avaliar a consistência interna do BDI-II,
na presente amostra, recorreu-se ao coeficiente alpha
de Cronbach. O valor de 0,89 sugere uma boa consistência interna para os 21 itens do inventário, ou
seja, parecem avaliar consistentemente o constructo
de forma homogénea.
Validade factorial do BDI-II
Para se estudar a validade de constructo recorreu-se
à análise factorial dos itens. No sentido da identificação da estrutura factorial subjacente ao inventário,
procedeu-se, numa primeira fase, ao teste de
esfericidade de Bartlett e à análise da matriz de correlações, através do teste de Kaiser-Meyer-Olkin
(KMO).
O valor do teste de Bartlett para o BDI-II altamente
significativo (2224,453; p < 0,0001) e o valor de
KMO para o inventário de depressão (0,909) revelam
haver uma excelente adequação da amostra para a realização da análise factorial (Pestana & Gageiro, 1998).
A extracção dos factores foi submetida ao critério de
análise do scree plot de variâncias explicadas pelos
valores próprios de cada variável (Cattell, 1966),
igual ao procedimento efectuado por Beck e colaboradores (1996).
Uma análise factorial em componentes principais do
BDI-II após rotação Promax, aplicando a regra de
Kaiser (valores próprios iguais ou superiores a um) e
sem pré-definição do número de factores, revelou a
existência de quatro dimensões que explicam, no seu
conjunto, 50,5% da variância total dos resultados,
Figura 2
Distribuição das médias totais do BDI-II, por sexo e idade (n = 340).
19
17
15
13
11
9
7
13
Masculino
32
14
15
16
Feminino
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
Saúde mental
Os coeficientes estandardizados de regressão mais
salientes do primeiro factor foram os dos itens
«Pessimismo», «Fracassos Passados», «Sentimentos
de Culpa», «Sentimentos de Punição», «Auto-Depreciação», «Auto-Criticismo», «Choro», «Indecisão»,
«Sentimentos de Inutilidade». Este factor parece
representar uma dimensão Cognitivo-Afectiva,
como aliás, é descrito por Beck et al. (1996). Os
itens «Cansaço ou Fadiga» e «Perda de Interesse
Sexual» parecem não ter significado nesta dimensão, apesar de isolados representarem sintomas
importantes na expressão da sintomatologia depressiva.
O segundo factor, muito mais limitado na explicação
da variância da amostra é saturado pelos itens «Tristeza», «Perda de Prazer», «Pensamentos ou Desejos
Suicidas», «Perda de Interesse», «Perda de Energia», «Irritabilidade» e «Dificuldades de Concentração» parecem reflectir uma dimensão Afectiva, do
tipo anedónico.
para os 21 itens. Os quatro valores próprios maiores
que a unidade de cada factor extraído foi, respectivamente, 6,88, 1,40, 1,21, 1,10 e a análise do scree plot
indica que uma estrutura factorial de duas ou três
componentes poderá ser possível.
A determinação da estrutura factorial final foi realizada após comparação entre soluções de três e duas
dimensões pré-determinadas, com o objectivo de se
verificar qual seria a que iria permitir uma melhor
interpretação dos dados do inventário. Foi decidido
reter a estrutura factorial de três factores pois é a que
oferece maior coerência ao nível dos itens explicando, no global, 45,3% da variância total dos resultados (Factor 1 = 32,8%, Factor 2 = 6,7%, Factor
3 = 5,8%). No Quadro VI apresenta-se a matriz dos
coeficientes estandardizados de regressão que contribuem para as soluções de dois e três factores, após
rotação Promax. Os coeficientes estandardizados são
apresentados e distribuídos com destaque, no terceiro
factor.
Quadro VI
Estrutura factorial, após rotação Promax, do Inventário de Depressão de Beck-II
Número de factores
2 factores
Nome dos itens
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
Tristeza
Pessimismo
Fracassos passados
Perda de prazer
Sentimentos de culpa
Sentimentos de punição
Auto-depreciação
Auto-criticismo
Pensamentos ou desejos suicidas
Choro
Agitação
Perda de interesse
Indecisão
Sentimentos de inutilidade
Perda de energia
Alterações no padrão de sono
Irritabilidade
Alterações no apetite
Dificuldades de concentração
Cansaço ou fadiga
Perda de interesse sexual
Valor próprio
Variância (percentagem)
Variância acumulada (percentagem)
1
3 factores
2
10,693
10,669
10,729
10,508
10,464
10,649
10,756
10,520
10,604
10,559
1
3
10,606
10,779
10,708
10,547
10,645
10,744
10,618
10,577
10,563
10,556
10,603
10,557
10,744
10,656
10,695
10,522
10,723
10,496
10,738
10,579
10,707
10,598
10,703
10,532
10,579
10,607
10,388
16,881
32,811
32,811
2
10,630
10,569
10,564
10,562
10,406
11,401
16,711
39,511
16,881
32,811
32,811
11,401
16,711
39,511
11,211
15,811
45,31
Método de extracção: Análise de componentes principais.
Método de rotação: Promax com normalização de Kaiser. Inventário de depressão de Beck-II; 340 sujeitos.
VOL. 26, N.o 2 — JULHO/DEZEMBRO 2008
33
Saúde mental
Por último, o terceiro factor está representado pelos
itens «Agitação», «Alterações no Padrão de Sono» e
«Alterações no Apetite», o qual aparenta reflectir
uma dimensão somática, da expressão da sintomatologia depressiva.
4. Discussão
4.1. Discussão dos resultados relativos
à prevalência de sintomatologia depressiva
e às variáveis estudadas
Comparando com os estudos mencionados no Quadro I, existem semelhanças e diferenças a mencionar. Nesta amostra de adolescentes, a média da pontuação total no BDI-II foi de 11,44. Este valor está
muito próximo dos que foram obtidos em três dos
estudos referidos, em que os autores utilizaram o
BDI-II em amostras não clínicas (Beck et al., 1996;
Steer e Clark, 1997; Coelho et al., 2002). No
entanto, as amostras destes estudos apresentam
média de idades superiores à dos participantes do
presente trabalho.
De acordo com as pontuações globais referidas por
Beck et al. (1996), 242 (71%) adolescentes da presente amostra apresentam-se com depressão
mínima, 50 (15%) com depressão ligeira, 26 (8%)
moderadamente deprimidos e 22 (6%) com depressão severa.
Na amostra de 160 sujeitos de Steer e Clark (1997),
89 (56%) apresentaram-se com depressão mínima, 46
(29%) com depressão ligeira, 21 (13%) com depressão moderada e 4 (2%) severamente deprimidos.
No estudo efectuado com 120 sujeitos por Beck e
colegas (1996), 76 (64%) apresentavam depressão
mínima, 18 (15%) estavam com depressão ligeira,
16 (13%) com depressão moderada e 10 (8%) com
depressão severa.
Por último, são perceptíveis diferenças substanciais
na percentagem de sujeitos que obtiveram pontuações totais ao nível da depressão moderada e severa.
Enquanto que neste estudo 14% dos adolescentes
pontuaram nestes níveis de depressão, outros estudos
referem outros valores: a) 32% dos adolescentes com
sintomatologia depressiva de moderada a severa
(Teri, 1982); b) 21% de sujeitos com sintomatologia
depressiva de moderada a severa (Beck et al., 1996).
No entanto, o valor encontrado neste estudo é muito
semelhante a outros (Connelly et al., 1993; Steer e
Clark, 1997).
No presente estudo, os resultados obtidos no BDI-II,
pelas raparigas e pelos rapazes são semelhantes aos
que são apresentados por Coelho et al. (2002), na
medida em que as médias das pontuações totais da
34
prevalência sintomatológica depressiva, estatisticamente significativas, diferem em três pontos (13,43
para as raparigas e 10,00 para os rapazes, p < 0,002
vs. 11,48 para as raparigas e 8,45 para os rapazes,
p < 0,001, respectivamente).
Em relação às variáveis em estudo, os resultados
relativos ao Género mostram que a prevalência de
sintomatologia depressiva é significativamente
maior nas raparigas o que confirma a literatura e os
estudos existentes (e.g., Garrison e Jackson, 1990;
Barron e Perron, 1986; Connely et al., 1993; Baron
e Campbell, 1993; Coelho et al., 2002). Uma explicação possível é-nos dada por Nolen-Hoeksema e
Girgus (1994) quando fazem alusão ao maior
número de factores de risco para o aparecimento da
depressão que as raparigas parecem ter, ainda antes
da adolescência. Estes factores de risco (biológicos
e sociais) são maiores nas raparigas que nos rapazes, e aumentam na adolescência devido ao confronto com os novos desafios das tarefas
desenvolvimentais desta fase do ciclo vital, predispondo os adolescentes do sexo feminino para a
depressão.
Num estudo efectuado por Nolen-Hoeksema e
Girgus (1994) com rapazes e raparigas do 6.o ao
10.o ano de escolaridade, num total de 703 sujeitos,
verificou-se que das 14 situações ou áreas de preocupação dos jovens (e.g., relação com os pares e
família ou realização/rendimento escolar) só uma não
foi pontuada como sendo a mais preocupante para as
raparigas — o rendimento desportivo.
Os resultados obtidos na variável «Idade» mostram
que existe um «pico» bastante pronunciado de prevalência de sintomatologia depressiva aos 14 anos,
nas raparigas, ao contrário do referido em Connelly
et al. (1993) que indicaram os 16 anos como sendo
a idade em que as raparigas pontuam mais do que os
rapazes. No entanto, outros autores referem que por
volta dos 13/14 anos, as raparigas começam a mostrar maiores níveis de depressão do que os rapazes
(Nolen-Hoeksema e Girgus, 1994). Num estudo longitudinal efectuado por Petersen, Sarigiani e
Kennedy (1991) o mesmo foi constatado.
Outros estudos encontraram, frequentemente, maiores níveis de depressão nas raparigas antes dos
13 anos, mas foi aos 14 anos que essa diferença foi
referida de forma bastante consistente (Allgood-Merten, Lewinsohn e Hops, 1990; Kandel e Davies,
1986, Harrington, Rutter e Fombonne, 1996).
Estes dados necessitam de futura confirmação empírica, no entanto pode-se especular acerca deles.
Parece-nos que as raparigas adolescentes, aos
14 anos, experienciam um aumento de desafios, quer
físicos, quer sociais, como reacção a uma adaptação
às novas exigências escolares, relacionais e familia-
REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA
Saúde mental
res. Por esta altura, o estilo de interacção com o
grupo de pares é de cooperação e manutenção
enquanto que o estilo de interacção dos rapazes
baseia-se na competição e domínio. Finalmente, as
raparigas são menos agressivas, em particular, na
área comportamental e mais «pensadoras-ruminantes» do que os rapazes, quando confrontadas com
situações de stress (Nolen-Hoeksema e Girgus,
1994).
4.2. Discussão dos resultados relativos
às qualidades psicométricas do BDI-II
O resultado do valor de consistência interna (calculado com recurso ao alpha de Cronbach) para o
BDI-II, revelaram-se bons, superior a 0,80; no
entanto foram inferiores aos obtidos no estudo com a
versão original americana. Beck et al. (2004) obtiveram o valor de 0,93 para uma amostra de 120 sujeitos, com média de idades de 19,58 anos (DP = 1,84),
Steer et al. (1998) e Krefetz et al. (2002) obtiveram
o valor de 0,92, Kumar et al. (2002) apresentaram
uma estimativa de 0,94, Osman et al. (2004) de 0,93
e Osman et al. (2008) de 0,92. O valor de 0,89 obtido
neste estudo foi igual ao obtido num estudo nacional
(Coelho, 2002), para uma amostra de 775 sujeitos,
com média de idades de 16,92 anos (DP = 1,25).
Assim, podemos afirmar que a versão portuguesa do
BDI-II apresenta um conjunto de itens com um grau
de homogeneidade relativamente elevado, representando uma excelente adequabilidade para a sua utilização em adolescentes.
Os resultados da análise factorial permitem concluir
que a solução de três factores (representando dimensões cognitivo-afectivo-somáticas da depressão) é
aquela que, de forma mais parcimoniosa, nos parece
sintetizar a estrutura factorial subjacente ao Inventário de Depressão de Beck-II, nesta amostra. A estrutura factorial original referida por Beck et al. (1996)
não foi suportada por este trabalho de investigação.
Estes autores obtiveram dois factores — cognitivo-afectivo e somático. No entanto, em termos gerais,
parece ter muito em comum com a que foi encontrada por Coelho et al. (2002), Steer et al. (1998) e
Osman et al. (2008).
Refira-se que Beck et al. (1988) verificaram, em
13 estudos, que a estrutura factorial variou entre três
e sete factores, ao longo de 25 anos de análises
factoriais do BDI. Esta variação factorial parece estar
relacionada com as características socioeconómicas,
etárias e personalísticas de cada amostra, segundo os
mesmos autores, suportando a ideia de que o fenómeno da depressão adolescentil é de natureza complexa e multidimensional.
VOL. 26, N.o 2 — JULHO/DEZEMBRO 2008
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Abstract
EVALUATION OF THE PRESENCE AND SEVERITY OF
DEPRESSIVE SYMPTOMATOLOGY IN ADOLESCENTS
Depression in adolescence is one of the most common psychological disorders seen in adolescents and its detection is especially important because untreated depression exhibits significant functional impairments in individual, familiar, scholar and
social life.
The aim of this study was to evaluate the presence and severity
of depressive symptomatology and the psychometric properties
of the Beck Depression Inventory-II (BDI-II) in a nonclinical
sample of adolescents. The Portuguese version of BDI-II was
self-administered to 340 adolescents between 13 and 16 years
old. The mean BDI-II total score of the girls was more than 3
points higher than that of the boys (p > .002). The internal
consistency of the BDI-II was high (Cronbach coefficient
a = .89). An exploratory factor analysis was performed to
evaluate the factorial validity of the BDI-II in this sample.
Findings of this study generally provide strong support for the
psychometric properties of the BDI-II as a severity measure of
depression in nonclinical populations of adolescents.
Keywords — adolescents; Beck Depression Inventory-II; depression; prevalence.
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