Mídias Sociais, Saberes e Representações
Salvador - 13 e 14 de outubro de 2011
REFLEXÕES SOBRE O ALCANCE DO AGIR COMUNICATIVO DA SOCIEDADE
CIVIL EM REDES SOCIAIS: O CIBERATIVISMO EM QUESTÃO
Fred Izumi Utsunomiya1
Mariza de Fátima Reis2
Resumo: A ação comunicativa do sujeito, ator de processos políticos nas mídias sociais, pode
expressar seus pensamentos sobre a realidade das experiências vividas e construir significados
intersubjetivos influencia no processo de desenvolvimento de uma sociedade democrática? A
partir de texto anterior sobre a ação do Twitter no contexto pós-resultado de campanha
presidencial no Irã em 2009, analisa-se alguns aspectos do ciberativismo nas sociedades
islâmicas que passam por transformações políticas.
Palavras-chave: Ciberativismo, Mídias Sociais, Ação comunicativa.
Abstract: Is the subject’s communicative action the actor of political process in social media
that may expresses his thoughts about the reality of experiences and intersubjective meaning
making process influences the development of a democratic society? From a previous text
published by the authors about the action of Twitter in a post-result of the presidential
campaign in Iran in 2009, we analyze some aspects of cyber-activism in Islamic societies
undergoing political changes.
Keywords: Cyber-activism, Social Media, Communicative Action.
1. AS REDES SOCIAIS E A CONSOLIDAÇÃO DE UMA NOVA MÍDIA
No início da década de 70 por Jean-François Lyotard, percebeu as mudanças de
paradigma na ciência e na tecnologia, que moldaram a sociedade contemporânea numa forma
que ele a denominou sociedade pós-industrial (LYOTARD, 1998). Em 1985, Adam Schaff
reconheceu o papel dos computadores na configuração social e econômica da sociedade
chamando-na de sociedade informática (SCHAFF, 1995). Alvin Toffler batizou-a de
sociedade do conhecimento (TOFFLER, 1990), após tê-la chamado de sociedade da era da
informação (1980). Em 1995, Nicholas Negroponte identifica os primórdios de uma
sociedade digital (NEGROPONTE, 2001). O sociólogo espanhol Manuel Castells (2007)
popularizou a noção de que a sociedade do século XXI é uma sociedade em rede,
1
Mestre em ciências da comunicação, doutorando em Letras-linguística, professor pesquisador da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
2
Doutora em comunicação e semiótica, professora pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
identificando o papel que a rede internacional de computadores – internet – exerce na
configuração social, econômica e política do mundo hoje. As sociedades de diversos países,
apesar de suas diferenças políticas, econômicas e culturais, possuem algumas características
comuns como:
 partilham de uma realidade de globalização cultural e econômica;
 buscam prover (com maior ou menor controle) serviços de telefonia celular e acesso à
internet com tecnologia de ponta e
 têm uma população que procura se conectar intensivamente através da internet com suas
redes sociais através de dispositivos eletrônicos digitais.
Essa configuração de uma sociedade organizada em redes interligadas de computadores
(ligação física) pressupõe uma organização social, menos hierárquica, com centros (ou nós) de
interligação distribuídos horizontalmente, formando núcleos comunitários virtuais que podemos
chamar de redes sociais.
As redes sociais são uma manifestação social muito antiga e se referem a uma estrutura
social formada por pessoas (ou organizações), ligadas por um tipo de relação e que
compartilham de valores e objetivos comuns (figura 1). Uma rede é aberta, elástica e capilar.
Raquel Recuero transporta esse conceito para o ambiente da internet, reconhecendo os atores
(ou os “nós”) como pessoas ou representação delas (RECUERO, 2008, p.22) num sistema
interligado. Esses agrupamentos humanos podem possuir diversos atores (ou “nós”) de uma
comunidade, com seus diversos tipos de conexões ou vínculos que se relacionam (ou têm uma
dinâmica).
Figura 1 – Rede social tradicional: relações comunicacionais humanas interpessoais
A sociedade em rede, através da comunicação mediada pelo computador e das novas
Tecnologias de Informação e de Comunicação (novas TIC’s) como os computadores pessoais,
os smartphones e tablets, juntamente com os sites de relacionamento e de trocas de mensagens
como Orkut, Facebook, Flicker e Twitter possibilitou uma explosão de “redes sociais”
conectadas através da internet (figura 2) onde os “nós” de uma rede podem estar interligados a
dezenas, centenas, milhares e até milhões de outros nós, possibilitando uma comunicação em
rede real, quase como uma comunicação mass media, mas disponibilizada por uma pessoa
apenas.
Figura 2 – Rede social na internet: relações comunicacionais mediadas por novas TIC’s.
Perfis (“nós”) no Twitter ou no Facebook de certas celebridades ou pessoas influentes
possuem dezenas de milhares (ou milhões) de seguidores, proporcionando algo que já é muito
mais que uma simples rede social de relacionamento via Internet, tornando-se praticamente
uma mídia, um canal de comunicação. Portanto, faz sentido denominar as redes sociais
mediadas pela internet como “mídias sociais” (figura 3), que seriam uma forma de
comunicação de massa a partir de um “nó” na rede, ou seja, de um ator social, uma pessoa
comum.
Mídia social se refere a atividades, práticas e comportamentos entre as
comunidades de pessoas que se reúnem online para compartilhar
informações, conhecimentos e opiniões usando meios de conversação.
Meios de conversação são aplicativos baseados na web que permitem criar
e transmitir facilmente o conteúdo na forma de palavras, imagens, vídeos e
áudios. (SAFKO e BRAKE, 2010, p.5).
Figura 3 – Rede social na internet: Mídia Social com alcance de mídia de massa
2. A SOCIEDADE CIVIL E A ESFERA PÚBLICA
A “Sociedade Civil” é um ator social que emerge a partir da visão tripartite da
sociedade (Estado, Mercado e sociedade em geral) e representa o campo da interação social
entre o Mercado e o Estado, composta por cidadãos individuais ou relacionados a partir de sua
esfera íntima (família) ou pública (associações e movimentos sociais). O ator “Sociedade
Civil Organizada” é uma parte da sociedade civil que se organiza, em torno de uma luta por
maior inserção no cenário social e político, legitimada, principalmente por dois fatores: a) a
impossibilidade de resolução das grandes questões sociais globais, através apenas de ações
governamentais ou de mecanismos de mercado; b) pela atual situação de descrédito nos
sistemas de representação política.
O termo “Sociedade Civil” remete frequentemente à idéia de “luta” dos movimentos
sociais contra o autoritarismo de regimes totalitários especialmente na Europa Oriental e na
América Latina como descritos por Norberto Bobbio e Liszt Vieira (BOBBIO, 2007 e
VIEIRA, 2001). As “mediações” da Sociedade Civil entre o Mercado e o Estado se dão na
“esfera pública”, e pode ser compreendida como a esfera das pessoas privadas reunidas em um
público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada por alguma autoridade, mas
diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na
esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de
mercadorias e do trabalho social (HABERMAS, 1984, p.42). A reunião de um público, formado
por cidadãos, elaborando uma opinião pública comum, baseada em civilidade da racionalidade
do melhor argumento, fora da influência do poder político e econômico, tem sido amplamente
realizado, através do a) acesso às informações veiculadas pela imprensa livre e b) pela interação
de comunidades e redes sociais da Internet.
A própria “esfera pública” se apresenta como uma esfera: o âmbito do que é
setor público contrapõe-se ao privado. Muitas vezes ele aparece
simplesmente como a esfera da opinião pública que se contrapõe ao poder
público. Conforme o caso, incluem-se entre os órgãos estatais ou então os
mídias que, como a imprensa, servem para que o público se comunique
(HABERMAS, 1984, p.14).
A Imprensa, desvencilhada de interesses governamentais e econômicos, prezando pela
livre circulação de idéias e notícias, possibilitando o diálogo que potencializa o agir
comunicativo em prol da Sociedade Civil é um componente inestimável da esfera pública.
3. ELEIÇÕES IRANIANAS EM 2009, AS TIC´S E O AGIR COMUNICATIVO
As eleições do Irã em 2009 serviram como base de trabalho apresentado no Intercom
2010, utilizando-se dessa perspectiva do uso das redes sociais como instrumento num espaço
público possibilitado pela internet com fins de se exercer a ação comunicativa. O panorama
social e histórico desse país foi elaborado através das reportagens da revista Época de 22 de
junho de 2009 (EVELIN e MENDONÇA, 2009) e (PEREIRA, 2009) e resume-se no seguinte
relato, extraído do trabalho anterior:
A mídia no Irã é censurada e controlada pelo governo islâmico conservador. As
eleições de junho de 2009 foram o estopim para manifestações populares contra a reeleição do
presidente Ahmadinejad (populista, com apoio da grande maioria – pobre e rural – do Irã, mas
com pouco apreço por parte da emergente classe média iraniana, justamente a que tem acesso
às mídias sociais), pois a margem de superioridade fora muito maior do que a prevista e a
contagem dos votos se deu num prazo muito rápido. Com a desconfiança de fraude, milhares
de manifestantes saíram às ruas e enfrentaram as forças governamentais e simpatizantes do
presidente. Os conflitos resultaram em mortes e prisões. Os internautas iranianos, a despeito
da comunicação oficial da mídia controlada pelo governo, mobilizaram-se através de
mensagens postadas no Twitter, no Facebook e até vídeos no YouTube captados por câmaras
de celulares que demonstravam a brutalidade das forças governamentais. Em questão de
minutos, o mundo ficou sabendo da mobilização iraniana frente à repressão do governo em
protesto aos resultados das eleições. O governo tentou reagir tornando lentas a conexão, mas
não teve coragem suficiente para “derrubar” a conexão do país (o que poderia trazer
consequências comerciais e logísticas terríveis). O acesso à internet e aos serviços de
mensagens instantâneas do Twitter via telefonia celular foram determinantes para que uma
parcela significativa da Sociedade Civil iraniana, que se via alijada de seus direitos básicos de
liberdade de expressão e de manifestação de seu poder representativo pelo meio das urnas
pudessem expressar na Esfera Pública (a que não era controlada pela mídia subordinada ao
Estado) sua voz.
O resultado final desse acontecimento foi o endurecimento das medidas restritivas e
coercitivas do Estado e eliminação das vozes contrárias ao regime. As manifestações
espontâneas da sociedade iraniana foram sufocadas numa aparente vitória do regime
autoritário. No entanto, algumas repercussões e lições para o campo da comunicação podem
ser apreendidas desse episódio.
Concluímos em 2010 que a fenomenologia de modo experiencial sobre os
acontecimentos no Irã foi além do racionalismo sistêmico de pura descrição. A ação
comunicativa dos relatos dos fatos postados em rede em tempo real propiciaram à época
reflexões sobre a possibilidade de estarmos vivenciando a construção de uma “esfera pública
do século XXI”.
Dois anos após as eleições iranianas, problematizamos nossa conclusão anterior,
objetivando acompanhar a evolução do conceito comunicativo de validação das ações em rede
como possibilidade de modificações sociais. Quais as características sócio-comunicativas via
“nós”, Twitter, Facebook, Youtube, conceito já expandido das TICs , que permeiam o processo
de disseminação das mensagens compartilhadas?
4. A “PRIMAVERA ÁRABE”, CIBERATIVISMO E REFLEXÕES
A “Primavera Árabe” é o termo que a imprensa internacional deu aos protestos no
mundo árabe em 2010 e 2011 (ainda estão em desdobramento) que vêm ocorrendo através de
manifestações populares e confrontos com os governos totalitários estabelecidos na região nas
últimas décadas na região do Oriente Médio e no Norte da África desde dezembro de 2010 até
agora. Tem havido revoluções na Tunísia, no Egito, guerra civil na Líbia, protestos na
Argélia, no Bahrein, no Djibuti, no Iraque, na Jordânia, na Síria, em Omã, no Iêmen e em
diversos outros países. Os protestos caracterizam-se por técnicas de resistência civil em
campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios, bem como
pelo uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e YouTube, para organização interna e
comunicação da comunidade internacional a fim de sensibilizá-la para as precárias situações
social, econômica e política que esses países enfrentam sob os atuais governos. O início dessa
revolução foi provocado pelos protestos que ocorreram na Tunísia em 18 de Dezembro de
2010, após a auto-imolação de Mohamed Bouazizi, em uma forma protesto contra a
corrupção policial e maus tratos. Esse fato, amplamente divulgado pelas redes sociais da
Tunísia alcançou projeção na imprensa internacional, provocando a primeira das revoluções
na região, que ficou conhecida com Revolução de Jasmin e que culminou na queda do general
Zine El Abidine Bem Ali no dia 14 de janeiro, que estava no poder desde novembro de 1987.
A utilização das mídias sociais para registro tanto visual quanto verbal dos atos
políticos ocorridos pode ser considerada, portanto, como “atos de fala” sob padrões
austinianos (1990), segundo os quais as proposições que informam os fatos explicitam a
intencionalidade do agir comunicativo dos atores sociais envolvidos. Rigitano, no começo da
década (RIGITANO, 2003), citando diversos autores, definiu o termo “ciberativismo” como o
sendo o uso da internet por movimentos politicamente motivados com o objetivo de alcançar
suas tradicionais metas ou lutar contra injustiças que ocorrem na própria rede. Tal definição
foi elaborada antes do surgimento do Twitter (2006), do YouTube (fevereiro de 2005), do
Facebook (fevereiro de 2004) ou do Orkut (janeiro de 2004). Essas mídias sociais – com
destaque para o Twitter, que é otimizado para o uso a partir de celulares – com certeza
aumentaram significativamente a influência dos “movimentos politicamente motivados” em
dois aspectos: a) exploração da democratização de acesso à internet: não é preciso ter um site
para divulgar seus ideais, muito menos dominar a tecnologia para fazê-lo e b) velocidade de
atualização dos “posts” ou mensagens. Se entendermos a realidade tecnológica de 2003,
muito menos pessoas tinham acesso à internet e a “criação de conteúdo” para ser postado era
mais complicado. A criação e publicação de uma página simples na internet poderia demorar
alguns minutos para especialistas, mas para leigos, seria um processo que demandaria até
algumas horas. Hoje, com o Twitter, em questão de segundos é possível postar uma
mensagem que poderá ser lida por milhões de pessoas. A postagem de fotos e vídeos no
YouTube hoje segue a mesma lógica: em alguns segundos é possível postar um vídeo de um
acontecimento que aconteceu há questão de minutos. O acesso à rede social, a capilaridade
(alcance global e local) dessa rede e a velocidade com que se é possível trocar mensagens
nessas mídias tornam-nas muito eficientes e atraentes para o ciberativismo.
O fácil acesso ao uso das mídias sociais na atualidade é o fato relevante nessa nova
onda de levantes populares, que se organizam aparentemente sem uma liderança formal. Essa
modalidade de revolução política mediada pelas mídias sociais tem provocado interessantes
debates não apenas no meio político e comunicacional, mas também no meio acadêmico.
Manuel Castells, declarou, em uma entrevista de fevereiro de 2011:
... a transformação das tecnologias de comunicação cria novas possibilidades
para a auto-organização e a auto-mobilização da sociedade, superando as
barreiras da censura e repressão impostas pelo Estado. Claro que não
depende apenas da tecnologia. A internet é uma condição necessária, mas
não suficiente. As raízes da rebelião estão na exploração, opressão e
humilhação. Entretanto, a possibilidade de rebelar-se sem ser esmagado de
imediato dependeu da densidade e rapidez da mobilização e isto relaciona se
com a capacidade criada pelas tecnologias do que chamei de “autocomunicação de massas” [...] As insurreições populares no mundo árabe são
um ponto de inflexão na história social e política da humanidade. E talvez a
mais importante das muitas transformações que a internet induziu e facilitou,
em todos os âmbitos da vida, sociedade, economia e cultura. Estamos apenas
começando, porque o movimento se acelera, embora a internet seja uma
tecnologia antiga, implantada pela primeira vez em 1969. (ROVIRA, 2011).
Por outro lado, o jornalista e escritor britânico Malcolm Gladwell, colunista do The
New Yorker comentou, num artigo publicado no periódico em 4 de outubro de 2010,
denominado: “A revolução não será twittada” (traduzido por Paulo Migliacci e publicado em
português no caderno Ilustríssima da Folha de S.Paulo, 12/12/2010):
Já no caso do Irã, as pessoas que usaram o Twitter para comentar as
manifestações viviam quase todas no Ocidente. “É hora de esclarecer o papel
do Twitter nos acontecimentos do Irã”, escreveu Golnaz Esfandiari meses
atrás, na revista Foreign Policy. “Em resumo: no Irã, não houve revolução
via Twitter.”O elenco de blogueiros proeminentes, como Andrew Sullivan,
que defendeu o papel da rede social no Irã, acrescentou Esfandiari, não
entendeu direito a situação. “Jornalistas ocidentais que não conseguiam – ou
nem mesmo tentavam – se comunicar com gente no Irã simplesmente
percorriam a lista de tweets em inglês, contendo a tag #iranelection" [no
serviço de microblogs Twitter, as “tags” são termos precedidos do símbolo
#, utilizados para reunir todas as mensagens sobre um mesmo assunto, como
#ilustrissima.], escreveu ela. “Enquanto isso, ninguém parece ter se
perguntado por que pessoas que supostamente tentavam coordenar os
protestos no Irã não estariam se comunicando em farsi, mas em outro
idioma”. Parte dessa grandiloquência é previsível. Inovadores tendem ao
solipsismo. Volta e meia se empenham em enquadrar em seus novos
modelos os fatos e experiências mais díspares. Como escreveu o historiador
Robert Darnton, “as maravilhas da tecnologia de comunicação no presente
produziram uma falsa consciência sobre o passado e até mesmo a percepção
de que a comunicação não tem história, ou nada teve de importante a
considerar antes dos dias da televisão e da internet”. (GLADWELL, 2010)
No artigo, Gladwell defende que o ativismo nas mídias sociais como o Facebook e o
Twitter tem origem nos “vínculos fracos” entre seus participantes, que não correm riscos reais
como os militantes tradicionais – estes, unidos por “vínculos fortes” – e que se envolveriam
em ações onde haveria uma hierarquia de comando e de alto risco, tais como aquelas s
organizadas durante a campanha pelos direitos civis nos EUA dos anos 60 (que é utilizada
como exemplo em seu artigo). O verdadeiro ativismo – aquele que seria capaz de destruir leis
injustas ou derrubar governos ditatoriais – requereria um grande número de pessoas unidas
por fortes laços de amizade (os “vínculos fortes”). Isso garantiria que o movimento
permaneça firme ainda que sofra perseguições ou oposição. A rede social construída em torno
Twitter seria o oposto disso: seria uma rede gigantesca de pessoas que nem se conhecem, que
mantêm contato por algum interesse mútuo pouco significativo (os “vínculos fracos”). As
pessoas dessa rede social poderiam assinar abaixo assinados ou pressionar “curtir” para
alguma causa, mas não se envolveriam muito além disso. Recuero (2009, p.41) também faz
uma distinção em laços (ou vínculos) “fortes” e “fracos” nas redes sociais mediadas pela
internet, os quais influenciam qualitativamente as relações dos atores sociais.
Apesar da empolgação dos defensores dos ciberativimo e do ceticismo dos “cibercéticos”, é possível depreender que o uso das mídias sociais como ferramenta para
mobilizações políticas – não como instrumento isolado, mas complementar – já é uma
tendência. Num artigo publicado na Veja Digital, Jadyr Pavão Júnior e Rafael Sbarai,
denominado “O Twitter só não faz revolução. Mas ajuda” fazem um pequeno histórico do
recente envolvimento do ciberativismo em revoltas e revoluções de cunho político ao redor do
globo (PAVÃO JR e SBARAI, 2011), reproduzido a seguir:
 Filipinas (2001) - Milhares de pessoas trocam mensagens de texto no celular (SMS)
para coordenar protestos que culminam no impeachment do presidente Joseph Estrada.
 Espanha (2004) - Mensagens de texto acusando o premiê José María Aznar de mentir
sobre o atentado ao metrô de Madri influenciam a eleição e impõem derrota ao
primeiro-ministro nas urnas.
 Bielorrúsia (2006) - A tentativa de revolução começa por e-mail, mas não vai longe: o
protesto não têm força para derrubar o ditador Aleksandr Lucashenko, que em seguida
tenta controlar a rede.
 Irã (2009) - Ativistas usam celulares e redes sociais para coordenar protestos contra
fraudes nas eleições. Em resposta, o governo bloqueia o acesso ao Twitter e ao
Facebook.
 Moldávia (2009) - Ações na web reúnem mais de 10.000 manifestantes anti-governo,
que responde com perfis falsos no Facebook para atrapalhar os manifestantes.
 Tailândia (2010) - O movimento Red Shirt, que se opõe ao governo militar que
comanda o país, usa redes sociais para coordenar suas ações. A ação é esmagada e
dezenas de pessoas morrem.
 Tunísia (2011) - O ditador Zine El Abidine Ali cai após convulsão popular. As redes
sociais são usadas como meio de comunicação entre os manifestantes.
 Egito (2011) - Motivados pelos acontecimentos da Tunísia, os egípcios saem às ruas
contra o ditador Hosni Mubarak, que tenta bloquear o Twitter, ferramenta de
coordenação do movimento. Mubarak renuncia em fevereiro.
É possível encontrar uma evolução dos meios, do alcance e das consequências do
ciberativismo no uso das ferramentas do ciberespaço disponíveis. Desde a troca de SMS via
telefones celulares em 2001, nas Filipinas, passando pela mobilização a partir de e-mails em
2006, na Bielorrússia, até chegar às mobilizações via Twitter com apoio do YouTube, na
Primavera Árabe, nota-se uma evolução e apropriação mais otimizada das tecnologias
disponíveis. Se as mensagens de SMS e e-mails fazem as vezes das cartas e pichações nas
revoluções e manifestações populares de antigamente, o Twiiter, o Facebook e o YouTube
viraram canais de comunicação individual, coletiva e mídia. Aqui é necessário destacar a
importância da cobertura da mídia tradicional – a imprensa livre e independente – para a
sensibilização da comunidade internacional. Caso não houvesse esse apoio da comunidade
internacional, provavelmente esses movimentos teriam ficado restritos às suas microrregiões e
correriam o risco de terem sido sufocados.
Para Austin (1990), o ato ilocutório de emissão de mensagens alcança o sucesso
intencionado quando há condições que favoreçam o consenso entre os atores envolvidos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS RELAÇÕES SÓCIOCOMUNICACIONAIS
MUDARAM
Desta forma fazer um “post” no Twitter, ou “subir” um vídeo no YouTube são
expressões políticas dessa condição de sujeito que comunica e que se relaciona com outros
interlocutores.
O ciberativismo tem encontrado nas novas TIC’s dispositivos poderosos para o
desenvolvimento de seus objetivos. A comunicação de fatos e informações em si já é uma
eficiente arma para a mobilização da sociedade, mas outras ferramentas disponibilizadas pelas
mídias sociais (interatividade em tempo real, comunicação em massa em escala exponencial,
divulgação de imagens e vídeos “ao vivo”) agregam componentes comunicacionais adicionais
(urgência, dramaticidade) e dinamizam as causas e adesões. É verdade que a questão dos
vínculos “fortes” e “fracos”, da falta de hierarquia nas redes sociais virtuais e da exposição
aos riscos estão presentes nas mídias sociais. No entanto, tomando como exemplo a
Primavera Árabe, a exposição mundial das manifestações desenvolvidas no Irã e na Tunísia
através das mídias sociais inicialmente e a subsequente divulgação na mídia internacional fez
com que as questões de “políticas internas” dos países em questão fossem levadas à uma
“esfera pública planetária”, onde os divesos atores que compõem a Sociedade Civil da
comunidade internacional foram sensibilizados e começaram a fazer pressões nas mais
diversas esferas (governos se pronunciaram, medidas econômicas foram levantadas). De fato,
conforme descreveu Dupas (2005, p.26-27) há um “palco global”, onde os atores sociais
degladiam-se num nível midiático. As mídias sociais – notadamente Twitter, Facebook e
YouTube – são ferramentas do ciberespaço disponíveis aos cidadãos, no qual o agir
comunicativo se concretiza. Portanto, a questão para o cibertativismo que se formula ao final
desta reflexão não é se “a próxima revolução será twittada ou não” – ela com certeza será –,
mas em que medida as mídias sociais serão utilizadas no processo revolucionário. Qual será o
alcance deste agir comunicativo? O mundo mudou e as mídias sociais são reflexo – e poderão
de alguma forma ser protagonistas dessa mudança?
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