XLIII CONGRESSO DA SOBER
“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Banco da Terra e Crédito Fundiário: entre o passado e o futuro
Lidiane Camargo
Eng. Agr , MSc em Agroecossistemas (PPAGR/UFSC)
Delegacia Federal do Desenvolvimento Agrário/SC
Endereço: Rua Jerônimo Coelho, 185 Sala 1101 CEP 88030-010
E-mail: [email protected]
a
Eros Marion Mussoi
Eng. Agrº, MSc em Extensão Rural, PhD em Agroecologia e Desenvolvimento
Sustentável. Técnico EPAGRI/SC. Professor da UFSC. Técnico do DATER –
Departamento de Extensão Rural da SAF – Secretaria da Agricultura Familiar/MDA
E-mail: [email protected]
Ademir Antonio Cazella
Eng. Agrº, Professor do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas
(PPAGR/UFSC)
Professor da UFSC
Rodovia Admar Gonzaga, CxP 476. CEP 88040-900
E-mail: [email protected]
Reforma Agrária e Políticas de Redução da Pobreza
Forma de Apresentação Forma
1
Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural
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“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Banco da Terra e Crédito Fundiário: entre o passado e o futuro
Resumo
O Banco da Terra teve seu funcionamento iniciado em 1998 e apresentava como objetivo
principal fornecer créditos para agricultores adquirirem suas terras. No início de 2003 teve
suas atividades suspensas em detrimento à aplicação de outro instrumento semelhante o
Crédito Fundiário. Será demonstrado que o maior entrave da aplicação do Banco da Terra
refere-se às condições de pagamento dos agricultores, em que os valores cobrados nas
prestações exacerbariam a capacidade de pagamento de um agricultor recém estabelecido
numa propriedade e que o Crédito Fundiário parece ter amenizado essa situação ao
oferecer condições mais favoráveis de empréstimo. O presente artigo pretende contribuir
para discussão do Programa de Crédito Fundiário do governo federal apresentando alguns
dos resultados da aplicação de seu antecessor, o Banco da Terra, no estado de Santa
Catarina.
PALAVRAS-CHAVE: Crédito Fundiário, Banco da Terra, Reforma Agrária
2
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“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
Banco da Terra e Crédito Fundiário: entre o passado e o futuro
1. Introdução
No Brasil a questão fundiária está associada à dificuldade de acesso à terra por uma
grande quantidade de famílias de agricultores que não a possuem ou que a possuem em
pequena extensão, dada a elevada concentração da propriedade da terra.
Assim como a solução para acabar com a fome é comer, a solução para o fim da
concentração fundiária é a distribuição de terras. Mas as dificuldades em se aplicar esta
solução vão muito além do saber fazer. A desapropriação por interesse social, por exemplo,
muito embora continue sendo a forma mais justa de se lidar com o latifúndio, na maioria
das vezes apresenta um percurso demorado e oneroso aos cofres públicos, sem contar que
ela só pode ser aplicada em propriedades com mais de 15 módulos fiscais. Dessa forma
outros mecanismos foram propostos ainda no Estatuto da Terra, em 1964, para tentar
solucionar esse impasse, dentre eles a compra de terras através de crédito fundiário.
Esse mecanismo de aquisição de terras ganhou grande aceitação pelo governo
Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) especialmente com a implantação
do Banco da Terra em 1998. Até o fim de seu mandato foram destinados cerca de um
bilhão de reais para a implantação desse programa.
O Banco da Terra teve suas atividades suspensas no início de 2003, quando Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2006) tomou posse como presidente da República. No entanto,
um programa semelhante, agora intitulado Crédito Fundiário, ganhou notoriedade.
Esse artigo tem por objetivo fazer uma relação entre esses dois programas, donde
serão apresentados resultados obtidos pela implantação do Banco da Terra sob forma de
facilitar a discussão sobre o Crédito Fundiário e sua aplicação.
2. O Banco da Terra
Tal qual o objetivo do Programa Nacional de Crédito Fundiário, o Banco da Terra
tinha por mérito financiar o acesso à terra e aos investimentos em infra-estrutura básica a
trabalhadores rurais sem-terra, jovens rurais, minifundiários, arrendatários, meeiros e
posseiros.
O programa era gerido pelo Conselho Curador, instância máxima no funcionamento
do Banco da Terra, formado por sete Ministros de Estado, pelo Presidente do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, pelo Presidente do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e por dois representantes dos
potenciais beneficiários 1 , a serem convidados pelo Presidente do Conselho. A gestão
financeira ficava a cargo do BNDES. O programa era operacionalizado por Agências do
1
Em 2002 estas vagas eram ocupadas pelo presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Antônio
Ernesto de Salvo e pelo presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva (BRASIL, 2002). Chama a
atenção que estas vagas, ao invés de terem sido preenchidas por entidades que pudessem, de fato, representar
os possíveis beneficiários como, por exemplo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CONTAG, tenham sido, “coincidentemente”, disponibilizadas a entidades que apresentavam afinidade com o
governo e nenhuma representatividade junto aos trabalhadores rurais..
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Banco da Terra estruturadas pelos estados ou associações de municípios em todas as
regiões do País. A formação das entidades que compunham as Agências Estaduais e os
Núcleos Municipais ficava a cargo dos órgãos governamentais correspondentes.
Poderiam ser beneficiados os trabalhadores rurais não proprietários (com, no
mínimo, 5 anos de experiência na atividade rural), bem como proprietários cuja área não
alcançasse a dimensão da propriedade familiar (como definida no Estatuto da Terra). Os
proponentes deveriam possuir 80% da renda bruta familiar provinda das atividades
agropecuárias e não possuírem restrições cadastrais junto ao agente financeiro.
Ficavam impedidos de participar do programa os candidatos que tivessem
participado de alguma ocupação ilegal de terra, bem como os que já tivessem sido
contemplados por um projeto de assentamento rural. Também não poderiam receber
recursos funcionários públicos e trabalhadores rurais que dispusessem de uma renda
familiar bruta superior a quinze mil reais anuais.
Após receber o financiamento, o beneficiário teria até 20 anos para saldar sua
dívida, incluídos três anos de carência, com juros que variavam de 6 a 10% ao ano. Os
agricultores que pagassem em dia suas prestações teriam o direito a rebates (descontos que
incidem sobre os juros), sendo que seriam dados 50% de rebate aos financiamentos em
regiões tidas como mais pobres (como o Nordeste, por exemplo) e 30% nas demais
regiões.
Por meio deste crédito foram distribuídos, em seus quatro anos de aplicação, cerca
de 955 milhões de reais para quase 55 mil famílias em todo o Brasil. Desse total, a maior
parte foi destinada à região Sul do Brasil, que acabou ficando com 46% dos recursos totais.
E dos três estados do sul, Santa Catarina recebeu mais do que os outros dois estados juntos,
o que dá uma noção do que este programa representou neste estado. Por essa razão serão
apresentados na seqüência alguns dos resultados da aplicação do Banco da Terra em Santa
Catarina 2 .
2.1. Resultados Alcançados
2.1.1. Quem foram os beneficiados
Analisando uma amostragem de 390 projetos aprovados em Santa Catarina, foi
constatado que os beneficiários eram em sua grande maioria homens, uma vez que somente
quatro mulheres foram registradas. Quanto ao estado civil, 79% dos beneficiários eram
casados e 73% tinham um ou mais filhos. Em relação à faixa etária, a amostra está
composta por 75% de pessoas entre 17 e 40 anos, sendo que, do total, 35% dos
beneficiários encontram-se na faixa de 17 a 30 anos, mostrando, portanto, uma expressiva
concentração nas faixas mais jovens da população. Quanto ao grau de escolaridade,
percebeu-se que 70% tinham uma formação de 1a a 4a série, 25% de 5a a 8a série, 6% com
ensino médio e 1% com curso superior.
A análise da amostra demonstrou também que, quanto ao regime de trabalho
anterior destes beneficiados, a maioria tratava-se de arrendatários (60%), seguido por 21%
de minifundiários, dos quais 80% dos imóveis com áreas entre 2 e 10 ha, e 16% que se
2
Esses resultados fazem parte da pesquisa de mestrado da autora em que foram analisadas 390 das 3.091
Propostas de Financiamento aprovadas pelo Comitê Estadual do Banco da Terra em Santa Catarina no
período compreendido entre os anos de 1999 e 2002. Uma cópia do estudo pode ser encontrada em
http://150.162.90.250/teses/P
AGRO100.pdf .
http://150.162.90.250/teses/PAGRO100.pdf
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declararam jovens rurais, em sua maioria, filhos de agricultores que ainda moravam com
os pais. Uma das conclusões a que se pode chegar a partir desses resultados é que, ao
contrário da situação que foi encontrada na aplicação do Cédula da Terra 3 em que grande
parte dos beneficiados tinha no trabalho assalariado a principal fonte de renda, com o
Banco da Terra, em Santa Catarina, os beneficiados já possuíam uma certa experiência na
gestão de uma unidade agrícola familiar, fato que, em tese, facilitaria sua inserção na
atividade produtiva. No entanto, essa vivência com a atividade agrícola não
necessariamente indica que usufruam de uma situação financeira que lhes garanta
seguridade para quitar o empréstimo. Para se chegar a tal conclusão é necessário antes
observar a condição financeira dos beneficiados.
Quanto ao patrimônio, somente 9% dos mutuários possuíam casa sem, no entanto,
serem proprietários do terreno. Outros 8%, contudo, possuíam casa e terreno, ao passo que
6% possuíam somente o terreno. Um número muito alto, o equivalente a 78% dos
beneficiários, não possuía nem casa nem terreno. Esses dados, associados ao fato de 66%
deles não possuir meio de transporte algum, e 57% não possuírem sequer um animal,
demonstram que, embora esses beneficiados apresentassem poucas garantias para obtenção
do empréstimo, ainda assim o conseguiram. Isso pode ser explicado pelo próprio
regulamento do Banco da Terra, que rege que a garantia seja a hipoteca ou a alienação
fiduciária do próprio imóvel financiado, no caso de interrupção de pagamento.
Quanto às rendas declaradas pelos beneficiários na proposta de financiamento,
cerca de 77% dos agricultores não ultrapassam a renda mensal superior a 400 reais o
equivalente a 1,6 salários mínimos 4 . Embora esta faixa de rendimento coincida com os
valores censitários do IBGE (1995-96), que indicam que a renda média alcançada por 55%
dos produtores rurais catarinenses era inferior a dois salários mínimos, cabe destacar que
estas foram as rendas declaradas pelos agricultores que gostariam de obter o empréstimo
do Banco da Terra. Pode-se estar diante de uma situação onde não necessariamente estes
valores sejam os verdadeiros, já que eles podem ter sido superestimados, na ânsia de
obterem a aprovação da proposta de financiamento.
Como 60% dos beneficiários eram arrendatários, não surpreende o fato de os
mesmos não disponibilizarem de muito patrimônio. Esperava-se, contudo, que seus
rendimentos mensais fossem mais elevados, a ponto de garantir condições para assumir
dívidas com o Banco da Terra. Como na proposta de financiamento é feita uma estimativa
de quanto estes agricultores irão ganhar no quarto ano após o empréstimo, prazo em que
finda o período de carência, é previsto que seus rendimentos aumentariam a partir do
momento em que começassem a produzir. No entanto, como será visto na seqüência, para
começar a produzir, 97% dos beneficiados empenhar-se-iam em investir dinheiro próprio
ou recorreriam a outros empréstimos, comprometendo ainda mais seus orçamentos.
2.1.2. Capacidade de pagamento
No geral, as quantias liberadas pelo Banco da Terra situaram-se próximas às
solicitadas pelos agricultores, já que 64% dos beneficiários receberam de 80 a 95% do total
solicitado. Contudo, não necessariamente os valores solicitados pelos agricultores
3
Programa lançado em 1996 pelo governo Fernando Henrique como o projeto piloto do Banco da Terra. Foi
aplicado em cinco estados do Nordeste, atendendo um total de 15 mil famílias e demandando o equivalente a
US$ 150 milhões em recursos.
4 Será considerado, tanto nesse cálculo como nos demais, o valor vigente na época de 240 reais para o salário
mínimo.
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corresponderam ao montante que eles iriam gastar. Isso decorre do fato de que o teto
máximo de empréstimo permitido pelo Banco da Terra é de 40 mil reais e, muitas vezes,
essa quantia não supre às exigências financeiras do mutuário. A Tabela 1 apresenta um
panorama das situações encontradas nas 390 propostas de financiamento examinadas.
Tabela 1: Características dos financiamentos concedidos aos mutuários do Banco da Terra
em Santa Catarina em 2003
Situação
VS = VA
VS > VA
Número
45
%
35%
2. VA = VR
VT = VS
16
12%
18
7%
Recebeu o que pediu;
3. VA > VR
VT > VS
14
11%
25
9%
Recebeu para pagar a terra, mas irá
gastar mais do que solicitou;
4. VA < VR
VT > VS
19
15%
76
29%
Recursos obtidos não pagam nem a
terra;
5. VA < VR
VT = VS
8
6%
60
23%
Faltará dinheiro para terra, mas não
terá outras dívidas;
6. VA > VR
VT = VS
27
21%
68
26%
Recebeu o que pediu.
Total
129
100%
261
100%
1. VA = VR
VT > VS
Número
14
Interpretação
%
6%
Tudo o que recebeu foi para o
pagamento da terra;
De forma que: VS= valor solicitado pelo beneficiário; VA= valor aprovado/liberado pelo Banco da Terra;
VT= valor total que o beneficiário gastará (sem contar os gastos com a produção); VR= valor recebido
pelo dono da terra
Fonte: Dados da pesquisa de campo (CAMARGO, 2003)
Na segunda coluna tem-se o total de projetos que foi aprovado com os valores que
foram solicitados pelos agricultores (VS = VA), o que representa uma boa condição.
Encontra-se nessa situação 129 propostas, ou seja, 33% do total examinado. Só que não
necessariamente os valores solicitados sejam os valores que os agricultores irão gastar para
viabilizarem suas propriedades (VS ≠ VT), que são os casos encontrados nas situações 1, 3
e 4, onde se tem que VT > VS. Dessa forma, das 129 propostas em que VS = VA, apenas 43
casos (33%) receberam o total que irão gastar, que são as situações números 2 e 6.
A terceira coluna aponta os agricultores que receberam valores inferiores aos
solicitados (VS > VA) que representam a maioria dos casos. Nessa situação encontram-se
67% dos agricultores em relação às 390 propostas examinadas.
Os piores resultados são os encontrados nas situações 4 e 5, nas quais 163
agricultores ficaram devendo, inclusive, aos vendedores das terras. Essa constatação
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remete a um questionamento sobre a efetividade do Banco da Terra, afinal, um instrumento
criado para possibilitar que agricultores comprem suas terras não conseguiu atender
plenamente a essa condição para 42% dos agricultores beneficiados.
Para agravar a situação, além desses 193 mutuários terem recebido valores
inferiores aos que irão gastar (VS < VT) vale dizer que esses valores totais não incluem
todos os gastos presentes na proposta de financiamento. Isso porque, de acordo com o
regulamento do Banco da Terra, os recursos liberados servem para pagar a terra e
benfeitorias, as despesas com cartório, medição, a elaboração do projeto, o feitio da placa
(para ser colocada em frente à propriedade identificando o agricultor como beneficiário do
Banco da Terra) e a implementação de infra-estrutura básica. Como se percebe, os recursos
para produção têm que ser obtidos por outros meios, ou seja, mais empréstimos terão que
ser efetuados.
O que se observou na pesquisa é que apenas 3% dos beneficiados não demandaram
quaisquer empréstimos ou qualquer outro tipo de investimento. Viu-se também que a
expressiva maioria (90%) recorreu a empréstimos 5 superiores à faixa dos três mil reais,
sendo que 30% acima de dez mil reais, o que pode, realmente, comprometer a capacidade
de pagamento desses agricultores, caso não haja uma melhora significativa em suas rendas.
Sobre esse aspecto, foi verificado nos projetos que as rendas estimadas para o
quarto ano, podem ter sido superestimadas, pois apenas 13% dos projetos previam rendas
mensais inferiores a 800 reais após o terceiro ano. É importante ressaltar que essas rendas
foram calculadas pelos técnicos que elaboraram as propostas de financiamentos. Na
maioria dos casos, 51,5% deles, foi verificado que os agricultores apresentariam rendas
mensais situadas entre 800 e 1600 reais, cerca de 3,3 a 6,6 salários mínimos. Esses
rendimentos podem ser contestados com pesquisas que retratam a realidade vivida pelos
agricultores catarinenses. Como grande parte dos projetos analisados provinha da região
Oeste de Santa Catarina, em torno de 45% deles, cita-se o exemplo do estudo encaminhado
por SILVESTRO et al (2001) que aponta que apenas 12% dos agricultores dessa região
possuem rendas superiores a três salários mínimos mensais. Quanto aos demais
agricultores, 29% apresentavam rendas entre um e três salários mínimos e 42% menos de
um salário mínimo 6 . Percebe-se, dessa forma, que o cálculo das rendas futuras dos
beneficiados pelo Banco da Terra não está condizente com as rendas dos agricultores que
já estão estabelecidos e produzindo há anos.
Mas, independente de quanto o agricultor beneficiado estaria ganhando a partir do
quarto ano de instalação, ao se prever o total que um agricultor deverá pagar ao Banco da
Terra, percebe-se que ele poderá encontrar dificuldades em efetivar o pagamento da dívida,
mesmo que ele venha a possuir uma renda mensal de três salários mínimos. Um exemplo:
ao se fazer uma simulação na qual um agricultor fosse beneficiado pelo Banco da Terra
com um empréstimo no valor de 30 mil reais e supondo que o pagamento das prestações
seja realizado em dia, pois os rebates só são conferidos respeitando a essa condição, este
agricultor pagaria o total de R$ 55.514, 83 ao final dos 20 anos. Para se ter uma idéia de
quanto representa esse valor em relação a outros programas de pagamento de terras rurais,
pega-se o exemplo dos projetos de assentamento do INCRA, em que esses mesmos 30 mil
reais, com o tempo de pagamento também de 20 anos e três anos de carência, se tornariam
5
Quanto à natureza dos empréstimos, foi constatado que 20% dos agricultores utilizariam somente recursos
próprios e os outros 80% recorreriam, além dos recursos próprios, ao Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar - PRONAF. Dentro desses 80%, constatou-se ainda, que 18% utilizar-se-iam de
recursos provenientes de empresas fumageiras.
6 Os outros percentuais, 1% e 16%, estariam vinculados a agricultores pertencentes ao estrato “patronal” e
“não-agrícola”, respectivamente. A pesquisa, no entanto, não entrou em detalhes sobre o que representam os
significados desses termos.
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R$ 37.434,00. Isso não contando que o assentado pudesse ter filhos, com idade de sete a
catorze anos, freqüentando a escola, pois, se houver essa condição, o assentado ganha 50%
de desconto em suas prestações anuais, o que faria com que esse valor fosse reduzido à
metade 7 . Outra diferença é que no caso do INCRA as prestações são anuais e não
aumentam no decorrer dos anos, visto que o índice de correção (IGP-DI) utilizado é fixo,
correspondente ao mês em que foi tomado o empréstimo. Já no caso do Banco da Terra as
prestações mensais, já no primeiro ano de pagamento da dívida, girariam em torno de 174
reais e iriam aumentando, de forma que no último ano pagar-se-ia o total de 416 reais ao
mês.
Há ainda outro fator a ser considerado nessa simulação que são os empréstimos
contraídos para investimento. Supondo que o agricultor da simulação tenha tido acesso ao
crédito de investimento do PRONAF, obtendo a quantia de 10 mil reais, somam-se cerca
de 63 reais ao mês, por pelo menos 10 anos que é o tempo máximo para o pagamento da
dívida 8 . Desta forma, no quarto ano o agricultor já teria que pagar 237 reais ao mês, desde
que esteja em dia com suas prestações, tanto as do Banco da Terra como as do PRONAF.
Caso ele atrase no pagamento, suas parcelas mensais serão de 337 reais, já que a prestação
mensal do Banco da Terra passaria a ser de 200 reais e a do PRONAF de 137 reais. Se o
agricultor conseguir saldar suas dívidas mês a mês, sem atraso, é possível prever que ele já
sentirá alguma dificuldade em pagar os 237 reais por mês. Considerando que os 51,5% dos
projetos que apresentavam que as rendas dos agricultores estariam entre 800 e 1.600 reais
por mês estejam corretos, seus orçamentos estariam comprometidos entre 30% e 15%,
respectivamente, com o pagamento das parcelas, o que, até de certa forma, não seria um
preço muito alto a pagar pelo acesso à terra. Mas se o valor utilizado for uma renda de dois
salários mínimos, que ainda assim não condiz com a média apresentada pela maioria dos
agricultores no estudo de SILVESTRO et al (op cit) percebe-se que cerca da metade do
orçamento mensal dos agricultores estaria comprometido com o pagamento dos
empréstimos.
3. Crédito Fundiário
O novo programa de Crédito Fundiário traz muitas semelhanças com o Banco da
Terra, dentre elas: o prazo do financiamento, que também é de 20 anos, com três anos de
carência, o limite de crédito de 40 mil reais, a propriedade continua sendo garantia, o
público a quem se destina (exceto que não especifica que os participantes de ocupação
ilegal estejam excluídos do programa), entre outras. Mas o que mais chama atenção são as
diferenças entre eles, a começar pela estrutura.
Diferentemente do Banco da Terra, o Crédito Fundiário sustenta-se nos Conselhos
de Desenvolvimento Rural Sustentável em todos os níveis da Federação, o que elimina a
necessidade de criar outras instâncias, que por sua formação já garante uma maior
7
Calculado conforme INCRA (2001). Utilizando valor corrigido pelo IGP-DI taxa de 1,53.
Para este caso conta-se com as condições do PRONAF Grupo “A”, que atende tanto beneficiários do
INCRA como do Banco da Terra. No exemplo, foram utilizadas as melhores condições oferecidas ao
agricultor pelo programa: prazo de pagamento de dez anos (que é o máximo concedido), 3 anos de
carência,1,15% de juros ao ano e 46% de rebate sobre o valor principal.
8
8
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participação da sociedade 9 . Além disso, a CONTAG é parceira constante na gestão e na
execução do programa.
Também apresenta três linhas de crédito específicas, não dantes discriminadas pelo
Banco da Terra: Combate à Pobreza Rural (para trabalhadores rurais sem terra), Nossa
Primeira Terra (voltada para jovens rurais de 18 a 24 anos) e Consolidação da Agricultura
Familiar (destinada aos pequenos produtores). Com esse direcionamento, acredita-se que o
acesso torna-se mais fácil.
No entanto a diferença mais significativa fica a cargo das condições de
financiamento. Enquanto que no Banco da Terra o agricultor arcava com todas as despesas,
no Crédito Fundiário os recursos para implantação da infra-estrutura e dos projetos
produtivos (habitação, energia, rede de água, perfuração de poços, assistência técnica,
financiamento para implantação inicial da atividade rural a ser explorada, bem como a
manutenção da família durante os primeiros seis meses do projeto, entre outros) não são
reembolsáveis.
As taxas de juros cobradas também foram reduzidas variando de 3 a 6,5% a.a.
Apenas com essa mudança um agricultor que obtivesse o empréstimo de R$ 30.000,00
pagaria em 20 anos o equivalente a R$ 46.427, 74, ou seja, cerca de R$ 9.087,00 a menos
do que pagaria com o Banco da Terra (R$ 55.514, 83). Esse valor fica ainda mais reduzido
com os bônus de adimplência conferidos aos que efetuarem os pagamentos até os
respectivos vencimentos. Também na proposta do Banco da Terra havia esse benefício,
concedido de acordo com a região do País, porém incidia apenas sobre os encargos
financeiros (juros). No caso do Crédito Fundiário, incide também no principal de cada
parcela, barateando ainda mais o valor das parcelas. Há ainda o bônus adicional de
adimplência que varia de 5 a 10% concedido sobre os encargos financeiros e o principal de
cada parcela referente ao valor da aquisição do imóvel 10 .
Outra ação promovida pela SRA e inerente à aplicação do Crédito Fundiário, é o
Programa Cadastro de Terras e Regularização Fundiária, que consiste no levantamento dos
imóveis e no georreferenciamento, sistema de medição com aparelhos GPS, via satélite,
para identificar os limites das propriedades. Além de proporcionar segurança jurídica da
posse do imóvel aos novos proprietários, essa “radiografia” possibilitará um diagnóstico
completo dos municípios pesquisados, sem que os agricultores precisem arcar com esses
custos.
4. Considerações
Assim como foi afirmado em CAMARGO (2003), os problemas encontrados com a
implementação do Banco da Terra não diziam respeito à concepção da idéia de conceber
9
Criados pela Constituição de 1988, é previsto que os Conselhos possuam uma composição paritária, de
forma que 50% de seus membros sejam representantes do poder público e os outros 50% sejam compostos
por deliberativo de alguns conselhos municipais lhes confere um significativo espaço nos processos de gestão
dos recursos públicos. Para Franco (1995) o surgimento dos conselhos institui duas novas questões: “a) a do
papel político dos conselhos como novos instrumentos (de elaboração, decisão, implementação ou execução,
monitoramento ou acompanhamento, fiscalização e/ou controle e avaliação) da política social; b) a do papel
dos conselhos na reforma da política em geral, quer dizer, na democratização da política como condição
para a democratização da sociedade e na conquista da cidadania política como condição para a
universalização da cidadania”.(FRANCO, op cit, p. 114)
10
Desde que essa se efetive por valor inferior ao valor de referência estabelecido para cada caso, comunicado
ao agente financeiro pela Unidade Técnica Estadual ou Regional. Também a soma dos bônus não poderá
exceder o teto de R$ 1.000,00 por parcela anual.
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mecanismos baseados na administração de créditos fundiários, mas em como eles foram
aplicados.
Um dos grandes entraves nessa proposta foi, certamente, a proposta de
financiamento, os valores cobrados nas prestações ficavam muito aquém da capacidade de
pagamento de um agricultor recém estabelecido numa propriedade. O Crédito Fundiário
parece que amenizou essa situação ao oferecer além dos bônus a possibilidade de que os
investimentos básicos para estruturação inicial das unidades produtivas serem concedidos,
praticamente na sua totalidade, a fundo perdido. Esse programa demonstra assim uma
maior preocupação com a instalação dos agricultores, período extremamente delicado haja
vista que precisam da produção para geração de renda.
Alguns aspectos, no entanto, ainda poderiam ser aperfeiçoados com o Crédito
Fundiário. Um deles seria no que se refere a esse mecanismo ser utilizado também como
promotor de reordenamento fundiário. Um grande passo já foi dado nessa direção, posto
que o mesmo está submetido ao Comitê Permanente do Fundo de Terras e do
Reordenamento Agrário, que por sua vez utiliza informações do Sistema de Informações
Gerenciais que realiza um monitoramento das transações de terras. Algo que poderia ser
incrementado seria garantir que o Crédito Fundiário tivesse direito de preempção das
terras. Assim todas as propriedades rurais que fossem colocadas à venda deveriam ser
antes notificadas na SDT. 11
Mais uma vez se deseja enfatizar que é importante a busca de alternativas para dar
acesso à terra àqueles que a almejam, mas é fundamental que além da terra, outras
necessidades também continuem sendo supridas de forma a evitar que os “com terra” de
hoje sejam os “sem terra” de amanhã.
5. Referências Bibliográficas
BUCHOU, H.; et al. Partager la terre.L’histoire des SAFER. Biarritz: Atlantica, 1999.
CAMARGO, L. O Banco da Terra em Santa Catarina: da crítica às possibilidades.
2003. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) – Centro de Ciências Agrárias,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
FRANCO, A. Participação social e participação política: democracia e cidadania – o papel
dos conselhos na reforma política – um programa de investigação. In Conselhos
municipais e políticas sociais. Orgs. Sobra, Neves & Carvalho. Rio de Janeiro: IBAM,
1995.
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Para ilustrar algumas das consequências decorrentes da aquisição deste direito, cita-se o exemplo das
Sociedades de Organização Fundiária e dos Estabelecimentos Rurais – SAFER (Sociétés d'Aménagement
Foncier et d'Etablissement Rural) atuantes na França. BUCHOU (1999) analisa que das condições atendidas,
destacam-se: 1) O dinheiro passa a não ser mais o fator predominante na ocupação de áreas à venda: o
fator que acaba prevalecendo é a preocupação com quem irá ocupar àquelas áreas; 2) Formação de um
estoque de terras: este estoque, que pode durar até cinco anos, permite planejar e analisar qual sua melhor
destinação, buscando uma utilização racional das terras. Assim, por exemplo, se um agricultor tinha
experiência em trabalhar com uvas, procurar-se-á áreas em que seu cultivo seja recomendado. Vale lembrar
que as terras em estoque, não ficam inutilizadas, elas são, geralmente, arrendadas a vizinhos ou a
interessados, que assinam um contrato temporário. 3) Diminuição da especulação mobiliária: sendo que
todas as ofertas requerem uma revisão de preços mediante um estudo do mercado local, evitando a cobrança
de preços abusivos. 4) Concessão à regularização fundiária: em que as terras são vendidas exclusivamente
a quem fará uso direto delas.
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Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural
XLIII CONGRESSO DA SOBER
“Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial”
INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Balanço da reforma
agrária
e
da
agricultura
familiar
2001.
2001.
Disponível
em:<http://www.incra.gov.br/_htm/serveinf/_htm/balanco/balanco1.htm>. Acesso em: 09
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SILVESTRO, M. L.; MELLO, M. A. de; DORIGON, C. A agricultura familiar do Oeste
Catarinense: repensando novas possibilidades. Agropecuária Catarinense, Florianópolis,
v. 14, n. 2, p. 41-44, jul. 2001..
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Ribeirão Preto, 24 a 27 de Julho de 2005
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural
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Banco da Terra e Crdito Fundirio: entre o passado e o futuro