EVOLUÇÃO
DE
CONCEITOS
QUÍMICOS
COM
A
RECONTEXTUALIZAÇÃO ATRAVÉS DE SITUAÇÕES DE ESTUDO
MALDANER, Otavio Aloisio – UNIJUÍ – [email protected]
COSTA BEBER, Laís Basso – UNIJUÍ – [email protected]
Eixo: Currículo e Saberes / n. 20
Agência financiadora: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do
Sul
Introdução
Discute-se novas possibilidades curriculares relativas à significação do
conhecimento de Ciências/Química no Ensino Médio. Para isso, problematiza-se,
primeiramente, a questão do conhecimento científico versus conhecimento escolar. Com
isso entra forte a questão da necessária recontextualização dos conhecimentos que
ocorre em uma organização curricular e na escolha dos próprios conhecimentos
científicos selecionados para um contexto escolar específico. O foco de atenção é o
desenvolvimento de um currículo organizado com base em sucessivas Situações de
Estudo (SE) introduzidas com a finalidade de permitir a significação conceitual a partir
da vivência dos estudantes e sua evolução no decorrer dos três anos do Ensino Médio.
Analisa-se, por fim, alguns episódios em aula que mostram potencialidades e limitações
metodológicas e curriculares relativas à evolução conceitual junto aos estudantes.
Construção de conhecimento como processo contínuo de recontextualizações
A Educação Básica proporcionada aos estudantes brasileiros vem mostrando
níveis de desempenho muito aquém do desejado pelas administrações governamentais,
professores e a sociedade em geral. Mesmo após o término da escolarização básica, a
maioria das pessoas posiciona-se diante dos diversos fenômenos vivenciais sem a
utilização de conhecimentos escolares referentes às Ciências da Natureza e não
relaciona os fenômenos tecno-científico com o aprendizado escolar. Isso pode estar
acontecendo porque durante a escolarização os conceitos escolares não foram interrelacionados entre si e com o contexto vivenciado pelos discentes. Com isso não se
criou condições para que possam fazê-lo no contexto social que vivem, muito menos
condições de usufruir dos conhecimentos escolares na tomada de decisões em suas
vidas.
Nessa prática educativa os saberes escolares são apenas preparatórios para
provas de seleção ou mercado de trabalho, enquanto os saberes do senso comum têm
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relevância nas decisões cotidianas. Essa situação decorre da não aprendizagem real dos
conceitos escolares. No momento em que ocorre a produção de sentidos e significados
do sistema conceitual que constitui o conhecimento científico escolar, os indivíduos são
capazes de usufruir desses conhecimentos em diversas situações.
Considera-se que a significação conceitual realizada pelos estudantes é
enriquecida pela recontextualização dos conceitos científicos e que, a partir disso, é
possível contribuir para a formação de cidadãos que passam a ver o mundo ao seu redor
com um olhar mais aguçado, tomando decisões de maneira mais consciente.
O processo em que o conhecimento científico torna-se disponível
pedagogicamente envolve diversos profissionais e instituições. Durante esse trajeto o
conceito científico evolui na medida em que é recontextualizado pelo cientista e,
posteriormente, por revistas, por outros cientistas, por livros didáticos, Ministérios e
Secretarias de Educação e, principalmente, por inúmeros professores até atingir a
construção do conhecimento escolar, no qual o conceito ainda evolui na produção de
sentidos e significados pelos estudantes.
Os conceitos científicos, mesmo que produzidos em determinado contexto, não
permanecem nele, ao contrário, são descontextualizados e adquirem status científico
pela validade universal nas condições definidas. Passam a fazer parte do contexto
científico ou de um sistema de conceitos. Com ele pode-se entender novos contextos
sob o ponto de vista da Ciência. Quando ensinados na escola, os conceitos são retirados
do contexto científico e recontextualizados em novas situações, não sem antes terem
sido retirados de seus contextos originais, no caso, das publicações científicas.
Conforme Lopes, 2007, antes mesmo dessa descontextualização, já ocorre uma
transformação no conceito, a recontextualização feita pelo cientista ao socializar seu
trabalho. Ocorrem modificações nesta fase devido ao cientista utilizar uma linguagem
diferenciada do contexto da produção para interessar e convencer a comunidade
científica.
Além dos conhecimentos específicos de sua disciplina, os professores buscam
suporte pedagógico em publicações especializadas e documentos oficiais como as
Orientações Curriculares, Parâmetros Curriculares Nacionais, Diretrizes Públicas, entre
outros. Mas a interpretação desses documentos é singular a cada profissional, bem como
as condições de cada ambiente escolar. Essas diferentes significações provêm do
contexto sócio-histórico em que cada um se insere. A partir de diversas
recontextualizações dos conceitos científicos e das orientações oficiais as escolas
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assumem diferentes posições, “(...) algumas delas ampliando a vertente racional da
ciência e a experimentação, outras contribuindo para uma visão mais esquemática e
classificatória” (Lopes, p. 197, 2007).
Ou seja, tanto os conhecimentos específicos, quanto os conhecimentos
referentes à prática pedagógica estão sujeitos a alterações em seus conceitos de
referência devido às contínuas recontextualizações. Essa evolução dos significados não
torna o conceito/conteúdo/assunto errôneo, muito pelo contrário, ela é necessária para
que ocorra a sua compreensão e a possibilidade de construção do conhecimento escolar.
Só a partir da evolução dos significados dos conceitos científicos se chega aos conceitos
escolares, que irão construir o conhecimento escolar singular a cada indivíduo.
Salienta-se, porém, que a recontextualização aliada à excessiva simplificação
pode resultar em erro. Afinal, a ciência Química não é simples, exige um pensamento
complexo e abstrações racionais. Os professores devem ter cuidado para que, ao
realizarem as necessárias recontextualizações, não simplifiquem excessivamente os
conceitos, conduzindo ao erro. Isso tende a ocorrer quando os docentes conduzem o
pensamento dos estudantes demasiadamente ao que é sensível aos olhos, metaforizando
os conceitos, sem realizar a necessária reflexão, afastando-se do abstrato (Lopes, 2007).
Constituem-se racionalidades diferentes para compreender uma mesma situação, com o
pensamento químico, mediante linguagens e pensamentos constitutivos desse
conhecimento, ou entendê-lo pelos sentidos, sem utilizar as ferramentas próprias do
conhecimento científico, prevalecendo o senso comum (Maldaner et al, 2007).
Em momento algum se está querendo relacionar o erro ao conhecimento
cotidiano, muito menos afirmar que ele seja prejudicial ao ensino e à aprendizagem. Na
perspectiva Bachelardiana o erro e a sua retificação são necessários na construção de
conhecimentos. Até porque em se tratando de Ciências Naturais não se sabe até que
ponto se está lidando com o verdadeiro, o conhecimento científico evolui rapidamente e
é marcado pela sua provisoriedade e constante questionamento. Defende-se mesmo que
só é conhecimento científico aquele que pode ser questionado!
O conhecimento cotidiano e o conhecimento escolar representam saberes
distintos, assim como o conhecimento científico; todos eles apresentam linguagens e
racionalidades específicas, não significando que um se sobressai em detrimento de
outros, mas que são diferentes formas de compreender uma mesma situação. Pode-se
pensar essa relação entre saberes na perspectiva do pluralismo cultural. “Um pluralismo
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que pressupõe questionamentos de um saber a outro, negociações de sentidos,
significados e conflitos entre finalidades distintas” (Lopes, p. 202, 2007).
Portanto, o conhecimento escolar vai muito além da simples mediação do
conhecimento científico, ambos apresentam especificidades, afinal, são construídos a
partir de interesses e contextos distintos. “O conhecimento escolar é produzido
socialmente para finalidades específicas da escolarização, expressando um conjunto de
interesses e de relações de poder, em dado momento histórico” (Lopes, p. 196, 2007). A
escola realiza a socialização do conhecimento científico, mas ao fazê-lo constrói um
novo conhecimento: o escolar.
De acordo com Lopes (2007), pensar o conhecimento escolar apenas como a
disponibilização pedagógica do conhecimento científico, sendo que nesse processo não
se constitua uma forma distinta de saber, desvaloriza a instituição escolar. Utiliza-se,
então, constante comparação entre os conhecimentos, como se só o científico tivesse
validade. É uma supervalorização do conhecimento científico. A escola tem a
capacidade e a função de produzir conhecimentos. Os professores têm autonomia
suficiente para trabalhar de acordo com suas concepções e interesses, desencadeados
pelo contexto sócio-cultural vivenciado; o que proporciona diferentes leituras e
recontextulizações, singularizando o conhecimento escolar de cada instituição. De
qualquer maneira, este é um conhecimento de maior generalidade e que permite,
conforme Vigotski, a tomada de consciência dos conhecimentos anteriores à escola e
externos a ela. Isso proporciona o desenvolvimento mental dos escolares, algo que se
busca com o conhecimento escolar.
A forma com que, muitas vezes, os conceitos científicos são trabalhados nas
escolas dificulta a construção do conhecimento escolar ou até mesmo contribui na
formação de uma idéia deturpada do que realmente constitui o saber científico. Dessa
forma, o estudante não consegue perceber o conhecimento como uma constante
construção e reconstrução e sim um objeto que é “transmitido” do professor para ele ou
ainda que possa ser comprado com boas escolas e livros, sem que ele se esforce na
construção dos seus conhecimentos.
Percebe-se ainda a importância do erro na produção de conhecimentos, sendo
que a partir de sua retificação o educador orienta o pensamento dos educandos, ou seja,
ele passa a controlar os sentidos produzidos a partir dos conceitos. Dessa forma, tem-se
a possibilidade de delimitar os conceitos científicos escolares que se quer desenvolver
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diante de uma situação real, condição necessária para a recontextualização de conceitos
e conseqüente construção de conhecimentos escolares.
Situações de Estudo como processo de recontextualização na construção do
conhecimento escolar
Um grupo interdepartamental de pesquisa sobre Educação em Ciências age
conjuntamente com professores de escolas na construção e reconstrução de uma
organização curricular fundamentada em sucessivas SE, proporcionando espaço
privilegiado para a recontextualização de conceitos científicos. Em um currículo
fundamentado em SE uma situação real é estudada por um coletivo de pessoas
constituído por diferentes grupos de sujeitos com assimetrias variadas e adequadas para
o desenvolvimento de todos. Cada Situação de Estudo produzida é projetada para que
possa ser desenvolvida nas escolas com duração de dois a três meses, conforme a
organização do calendário escolar em bimestres ou trimestres.
As SE, ricas conceitualmente, rompem com a apresentação linear dos
conteúdos, desenvolvendo compreensões intercomplementares e transdisciplinares; elas
tratam aspectos de domínio vivencial dos educandos, da escola e de sua comunidade
imediata como conteúdo do aprendizado científico e tecnológico promovido pelo ensino
escolar (Maldaner e Zanon, 2001).
A produção de SE é realizada de forma coletiva envolvendo professores
pesquisadores, professores da escola e acadêmicos das licenciaturas da área. Acredita-se
na importância dessa ação conjunta, pois:
quando os três grupos de sujeitos interagem sistematicamente e juntos
refletem sobre o ensino praticado, tanto na universidade quanto nas escolas, e
elaboram/criam novas possibilidades de organização curricular, é possível
vislumbrar melhorias no ensino praticado (Hames, 2004, p. 146-147).
As SE caracterizam-se por privilegiar a recontextualização de conceitos
científicos escolares, processo que causa modificações no significado conceitual de
referência, possibilitando a necessária evolução de significados. No entanto, como
discutido anteriormente, os sentidos e significados dos conceitos científicos não sofrem
alterações apenas no ambiente escolar; desde sua origem até a escola eles já passaram
por diversas mudanças.
Além disso, durante as aulas em que se objetiva o entendimento de situações de
alta vivência, os estudantes, que são intensamente incentivados a se expressar, trazem
consigo diversas informações e indagações pertinentes à situação sob estudo, com
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saberes que, de alguma forma os constituíram no contexto tecno-social. Cabe ao
professor discutir esses saberes controlando os sentidos e significados que estão sendo
produzidos. As explicações de cunho mais científico são introduzidas na medida da
necessidade para um novo entendimento da situação, sem negar ou desvalorizar outros
saberes.
Os processos de construção, reflexão, reconstrução e análise de resultados
dessa nova possibilidade de organização curricular, no que se refere à significação do
conhecimento escolar, requerem espaços e tempos para que professores da escola se
reúnam com licenciandos e professores formadores das licenciaturas. Isso pode e deve
fazer parte da destinação de tempos dos diversos grupos de sujeitos envolvidos: é o
tempo de pesquisa e formação de que todos necessitam Quando isso acontece,
resultados de investigações vêm mostrando que há aceitação, permanência e ampliação
desse tipo de organização curricular nas escolas e que rupturas ao instituído na
seqüência dos conhecimentos escolares são viáveis.
Metodologia da pesquisa
A presente investigação fundamenta-se na análise do material empírico
produzido a partir do acompanhamento de reuniões de produção das SE com vistas a
trabalhar os componentes curriculares de Biologia, Física e Química como área de
conhecimento,
não
mais
como
disciplinas
independentes.
Para
isso
foram
acompanhadas aulas em que as SE foram desenvolvidas em escola. Utiliza-se a
videogravação como técnica básica de registro e posterior transcrição das interações
discursivas produzidas nas aulas. A análise das interações pode ter diversos focos, mas
no presente trabalho teve-se como foco a evolução do significado dos conceitos de
energia a partir da recontextualização ocorrida nas aulas de Química da SE:
“Interconversões de energia em processos biofisicoquímicos”. Esta SE foi desenvolvida
no segundo ano do Ensino Médio em escola parceira. Analisou-se, ainda, as
características metodológicas e curriculares que possibilitam essa evolução conceitual.
Os episódios apresentados referem-se a aulas em que a professora desenvolve
atividades experimentais que possibilitam evidenciar a energia que acompanha algumas
transformações na matéria; neste texto analisa-se a realização e a discussão de duas
atividades. Uma delas foi o aquecimento do sulfato de cobre pentahidratado e seu
posterior contato com água, ocorrendo nova hidratação e dissolução. A outra aula
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envolveu a construção de um calorímetro e sua utilização na medida aproximada de
calor de combustão do etanol e do amendoim.
Resultados
A análise reflexiva realizada a partir das interações discursivas ocorridas durante
as atividades experimentais e suas sistematizações permite verificar algumas
potencialidades que o ensino contextualizado e sobre situações da vivência dos
estudantes proporciona a partir de um currículo organizado em SE. Os turnos de fala são
numerados desde a primeira aula em diante, os estudantes não são identificados, sendo
que “A” representa aluno e “P” professor.
Nos turnos de fala a professora e os alunos discutem a atividade experimental do
aquecimento de sulfato de cobre e negociam significados com base em alguma
racionalidade.
É possível verificar a intensa interação entre os estudantes e a
professora. Esta, que não impõe a racionalidade científica, mas controla os sentidos dos
estudantes para que eles reflitam e possam chegar à significação conceitual que se quer
desenvolver. No episódio, a professora quis discutir a cor azul do hidrato e da solução, e
a ausência dessa cor na forma anidra.
43) P. Quem é o responsável pela cor azul? É a água?
44) A1. Não.
45) A2. Não sei.
46) P. Quem é o responsável pela cor azul no sulfato de cobre? Quê que tem de diferente aqui oh? Isso
aqui (apontando para a fórmula química escrita no quadro) representa que é um hidrato; em outras
palavras, eu posso representar que ele está de alguma forma aquoso. Não chega a ser uma solução aquosa,
mas tem cinco moléculas de água em seu redor... Que que tem de diferente aqui que vai dar a cor azul e
aqui que vai ser branco (aponta a fórmula que representa o sulfato de cobre anidro).
Obs: alunos discutem o assunto, mas é incompreensível.
47) A3. Porque um é aquoso e o outro é sólido.
48) A2. Não, não é.
49) A4. Ela acabou de dizer que de uma forma é a água.
50) A5. É de alguma forma, mas eu acho que é porque tem a água.
51) P. Com a água... Que tem a água?
52) A5. É.
53) P. Ele não deixa de ser aquoso porque tem cinco, um hidrato. Não deixa de ser uma solução que
tenha água. Uma substância que de alguma forma está interagindo com a água aí, bom...
54) A6. O hidrogênio.
55) P. O hidrogênio? Mas só pensar no CuSO4 A6, o quê que seria? Tem hidrogênio?
56) A6. Não.
57) P. Não.
Obs: aluna fala algo incompreensível.
58) P. Azul.
59) A5. Porque, por exemplo, assim a gente colocou água...
60) P. E daí?
61) A7. E depois com o tempo ele voltou a ser azul.
62) P. Isso, já pescaram!
63) A5. Ela voltou a ser azul.
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As SE são produzidas de tal forma que estudantes e professor tenham em mente
o mesmo objeto referente. Deve ficar claro a que se refere o conhecimento que é
introduzido, proporcionando os primeiros entendimentos pela significação conceitual,
que acontece em processos interativos. Nesse episódio, as interações da professora com
os estudantes e estes entre si ficam bastante evidentes. É assumido de que é a interação
com o outro que permite a significação de palavras e conceitos, possibilitando o duplo
movimento da significação, conforme propõe Vigotski: o conceito científico adquire
concretude, permite novo entendimento sobre algo no mundo real e a compreensão do
cotidiano passa a ser mais generalizado, atingindo novos níveis mais elevados de
abstração, um pensamento mais de acordo com o pensamento da Ciência que se deseja
desenvolver (Maldaner e Zanon, 2001, p.56-57). É relevante salientar que o que se quer
é partir de situações reais para constituir o pensamento científico escolar, entendendo-as
com um pensamento mais generalizante, um pensamento mais próprio do conhecimento
científico, da cultura científica na qual os adolescentes e jovens estão inseridos e que
precisa ser significada e constantemente recriada.
No decorrer das aulas, quando a preocupação é com a produção dos sentidos e
significados produzidos pelos escolares, o professor incentiva os estudantes a se
expressarem, as questões levantadas modificam o que foi planejado inicialmente e
levam à proposição de mudanças para aulas posteriores. A SE permite essa
reorganização, diferente de aulas tradicionais em que a preocupação é na “transferência”
ou “transmissão” de um determinado conjunto de conteúdos e conceitos para os alunos.
Porém, não se deixa de trabalhar os conceitos básicos; é possível utilizar os conceitos
nas diferentes situações propostas pelos estudantes. O foco é a significação do conceito
nas interações discursivas, inclusive de autoridade, quando o professor enuncia o
significado que deve ser atingido. A capacidade de fazer isso depende bastante da
preparação do professor e de sua própria compreensão da ação pedagógica. Muitas
vezes, com o intuito de solicitar a participação dos estudantes, a professora toma atitude
própria de uma abordagem de “redescoberta” do significado científico de um fenômeno.
Isso é, evidentemente, uma distorção pedagógica que não é aceita. Há uma explicação
para o aparecimento da cor azul nos processos interativos das moléculas da água com os
íons cobre, que a professora acaba não apontando, nem em seu significado mais inicial.
Deve-se notar, também, que a professora trata espécies químicas com expressões
como: “quem é responsável pela cor azul?”. Isso é muito freqüente nas aulas de
química. Entidades químicas adquirem formas antropomórficas, o que pode ser
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considerado um obstáculo epistemológico. Em livros didáticos também aparecem
expressões com essas formas, quando se afirma, por exemplo, que o “átomo de cloro
quer ganhar um elétron” ou que o “átomo de sódio precisa perder um elétron”.
Por outro lado, a professora retoma conteúdos e, especialmente, conceitos que já
foram estudados anteriormente. Esta é outra mudança pedagógica incentivada no
desenvolvimento de sucessivas SE. Isso possibilita a evolução e a ampliação dos
significados conceituais com os sentidos produzidos em outros contextos:
66) P. Lembrem quando a gente trabalhou soluções né? A presença de água nos compostos iônicos faz
com que? Que os íons se separem. Então em meio aquoso eu vou ter a separação do cobre e do íon
sulfato. Então aqui ele está separado porque ao redor dele tem tudo água, as moléculas de água. Então eu
tenho a dissociação, é este íon aqui que vai dar a cor azul é o íon cobre com carga mais, mais. É este íon
que vai ser responsável. Ao passo que aqui ele está... Como está esse íon, da mesma forma separado ou
como está diferente? Junto, ele está preso certo? Então aqui ele vai dar característica de cor branca.
Nesse caso são retomadas e recontextualizadas algumas características dos
compostos iônicos em solução aquosa. Dessa forma, os estudantes percebem que os
conceitos científicos não explicam apenas situações determinadas, mas que podem ser
utilizados para explicar outras situações. Essa retomada de conceitos científicos
escolares acontece em vários momentos:
71) P. Ta, então, vejam só, falando nos processos endotérmicos e exotérmicos, que a gente falou na
última aula. Esse seria um processo endotérmico ou exotérmico? Do sulfato de cobre, desse sistema aqui
(refere-se ao fato do sulfato de cobre pentahidratado perder moléculas de água mediante o aquecimento).
Não da lamparina a álcool (utilizada como fonte de calor), que daí vocês podem... Tem dois sistemas (de
transformação química). Esse processo...
72) Alunos. Absorve calor, é endotérmico.
Neste caso, os estudantes demonstram que sua capacidade vai além de repetir a
definição do conceito de endotérmico e exotérmico, já significaram em algum grau
esses conceitos, pois conseguem recontextualizá-los em uma situação real. Superar a
metodologia baseada na reprodução, que caracteriza o ensino tradicional, representa um
avanço significativo na produção curricular.
A professora recontextualiza o conceito e, novamente, controla os sentidos
produzidos pelos estudantes, permitindo a transação de significados e que eles tirem
suas conclusões:
107) P. Tá claro? Bom, então são exemplos de processos exotérmicos e processos endotérmicos. E no diaa-dia não vai ser diferente. Se eu pensar na combustão do álcool na lamparina, que nós utilizamos, que
processo vocês acham que seria?
108) A7. Os dois.
109) P. Os dois?
110) A5. Não.
111) P. Porque você acha que são os dois?
112) A7. Porque tá absorvendo e liberando.
113) P. Não, a queima do álcool só, na lamparina ali tem álcool.
114) A7. Liberação de energia.
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115) P. Tá, seria o quê?
116) A7. Uma liberação.
Após a realização e significação de conceitos referentes à energia envolvida no
aquecimento do sulfato de cobre pentahidratado e posterior rehidratação, a professora
inter-relaciona a próxima atividade (construção de um calorímetro) com o contexto dos
estudantes, relacionando o poder calorífico de um combustível a algumas situações do
cotidiano dos estudantes:
138) P. Ta, bom, então na próxima atividade nós vamos construir um calorímetro. Com isso, procurar ver
como o combustível... De que forma é calculado o poder calorífico desse combustível. Por que eu escolho
álcool e não escolho metanol, por que eu escolho gasolina e não escolho álcool pro carro, por exemplo.
Ou pra outras situações por que eu não utilizo lenha; ou para a lareira em casa, por que eu não vou
queimar gasolina?
Tendo contextualizado o assunto que vai ser estudado, inicia-se a realização da
atividade experimental, que consistiu na construção simplificada de um calorímetro, na
qual os estudantes utilizaram duas embalagens metálicas de diferentes tamanhos (uma
dentro da outra) e uma lamparina. Assim, com materiais simples, foi possível
quantificar um valor para a energia liberada na combustão do álcool e de uma semente
de amendoim. A partir dos dados que foram obtidos durante essa atividade calculou-se a
variação de energia, ou seja, a energia liberada pelas combustões do álcool e do
amendoim. A medida da energia foi feita com na energia absorvida pela água. Essa
atividade contextualiza a quantificação de energia liberada em reações químicas, fato
que contribui para a significação de importantes conceitos que geralmente são
trabalhados de forma bastante abstrata. Na forma usual, a termoquímica é introduzida
com a definição de conceitos como entalpia, energia interna, lei da conservação de
energia, variação de entalpia, equilíbrio térmico e outros. A apresentação e discussão de
situações práticas, superando a visão de química experimental clássica, permitiram a
discussão e turnos de interações discursivas, em tudo semelhantes ao episódio
apresentado antes. Além disso, percebe-se a preocupação com situações do cotidiano e
relações transdisciplinares, como o uso do combustível álcool nos carros, valor
energético de alimentos, metabolismos e outras.
303) P. Bom, que o álcool é um combustível, que libera calor, que é utilizado no motor de carros (é algo
que sabemos), isso é do nosso cotidiano. Agora vamos pensar em um alimento, tá? Nós vamos fazer a
mesma coisa com o amendoim. Vamos ver as calorias para um amendoim. Pra pensar assim, no nosso
metabolismo, quando entram os alimentos, o que acontece? Qual é a função dos alimentos (...)?
Ao discutir os resultados das medidas, a professora relaciona a energia química
com fenômenos do cotidiano dos estudantes e, ainda, conceitos de diferentes
componentes disciplinares – Química e Biologia. Após, ela explica que a mesma
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atividade pode ser feita com outros alimentos, como bacon, pão e outros, que também
são calóricos. Com medidas assim, conduzidas de forma muito mais controlada e
envolvendo modelos matemáticos, pode-se determinar o valor calórico dos alimentos e
produzir as informações sobre o valor energético que aparece nos rótulos das
embalagens de alimentos. Assim, novamente, produz interações discursivas de
significação, recontextualizando os conceitos na dieta alimentar.
As duas combustões são comparadas para que os estudantes percebam o mesmo
conceito científico em situações diferentes e produzam sentidos válidos, evoluindo no
significado: alimentos e combustível. Em que sentido o alimento é, também,
combustível para os organismos que necessitam dele?
339) P. (...) Então, o nosso combustível, agora, é o amendoim. Antes o que era o combustível? O álcool.
Outras relações tornaram-se possíveis, como pensar sobre a dieta de um
alimento único como o amendoim. O que significa isso em termos de quantidade.
Quantificar faz parte da ciência escolar e o uso de instrumental matemático deve ser
visto como algo natural e desejável pelo estudante. A professora caminha nessa direção,
apresentando situações que estimulam a busca de solução:
363) P. (...) Agora pensem o seguinte: o ser humano necessita, em média, o ser humano necessita, em
média, pra realizar todo o metabolismo, em torno de 2500 kcal por dia. Essa é a nossa dieta.
365) P. Imaginem vocês, ingerir só, então, amendoim, quanto que necessitaria por dia pra atender às
necessidades calóricas.
Na medida em que os estudantes compreendem as Ciências da Natureza e suas
Tecnologias de forma ampla, isso os capacita a compreenderem o mundo tecno-social
por outro olhar que não só do cotidiano. Isso é possível se os conceitos científicos são
introduzidos na medida da necessidade para produzir entendimentos das situações
apresentadas. Essa atitude supera a forma linear e fragmentada com que são
apresentados os conteúdos científicos no contexto escolar. As fronteiras disciplinares
também são rompidas com naturalidade, ainda mais se os professores de diversos
componentes trabalham uma mesma SE, como é a proposta de estudo por área de
conhecimento e que a organização curricular por SE adota. No próximo recorte,
conceitos físicos são utilizados para entender uma situação real sob outro ângulo que
não o do senso comum. Retifica-se, nesse caso, a explicação do senso comum:
476) P. Bom, a energia que flui de um corpo mais quente para um corpo mais frio, que é chamada de
calor. Então aquela história: fecha a janela pro frio não entrar. Fecha a janela pro calor...
477) Alunos. Não sair.
478) P. Não sair. Usamos o agasalho pra aquecer? Não. Nós usamos agasalho pra impedir que o calor do
nosso corpo saia, então tu tá impedindo a transferência! Então o calor é definido como transferência de
energia térmica entre corpos de temperaturas diferentes. Por fim então calor é uma forma de energia que
se transfere de um sistema a outro, quando estes sistemas estão em diferentes temperaturas.
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A partir da reflexão sobre essa situação vivencial, amplia-se a discussão
referente às trocas gasosas e conceitualiza-se calor. Os próprios estudantes afirmam que
o senso comum não explica a situação em estudo. O ensino contextualizado faz com que
os conceitos tenham significado na vida dos estudantes.
Discussão e considerações
A organização curricular fundamentada em sucessivas SE demonstrou
apresentar características metodológicas e curriculares que possibilitam a evolução dos
conceitos
científicos
escolares,
o
que
pode
ser
atribuído
às
constantes
recontextualizações realizadas durante seu desenvolvimento e como conseqüência, às
oportunidades interativas criadas.
O ensino contextualizado, aliado à negociação de significados e controle de
sentidos que explicam situações reais, sem precisar impor a racionalidade científica,
possibilita a significação conceitual que se quer desenvolver. Dessa forma, o
conhecimento científico escolar vai sendo construído, atingindo níveis cada vez mais
elevados em direção à abstração. A organização curricular com base em sucessivas SE
cria oportunidade para que os mesmos conceitos retornem ao contexto, oportunizando
para que novos sentidos sejam produzidos. Dessa forma os conceitos evoluem na mente
dos estudantes e passam a estar presentes sempre que necessitem criar um entendimento
para uma nova situação. Essa possibilidade está em estudo na mesma escola junto a
estudantes que já vivenciaram SE durante os três anos do Ensino Médio.
Diante de situações reais interações assimétricas entre os sujeitos são
intensificadas, condições que também permitem a construção do conhecimento
científico escolar. Expressando-se, os estudantes contribuem na construção e
reconstrução do currículo escolar, pois para satisfazer seus questionamentos a SE sofre
alterações na seqüência de conteúdos, excluindo ou adicionando alguns deles. Dessa
forma, amplia-se a autonomia de professores e estudantes inserindo-os no processo de
construção curricular.
As SE levam em consideração a importância da construção do conhecimento
científico escolar, para tanto, buscam propiciar aos estudantes um ambiente que
incentiva a recontextualização dos conceitos, para que esses possam compreender o
mundo em sua volta com o olhar das Ciências em todas as suas dimensões.
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Outra característica importante das SE é possibilitar a evolução e a ampliação
dos significados conceituais cuja significação inicial aconteceu em uma SE anterior, ao
retomar conteúdos que já foram estudados anteriormente (Autor et al, 2006). Além
disso, o estudo de um fato em comum entre os componentes disciplinares permite a
realização de inter-relações entre conceitos escolares envolvidos nas Ciências da
Natureza suas Tecnologias, extrapolando o campo disciplinar. Isso está de acordo com o
que se defende sobre a necessidade de formar o pensamento complexo sobre o real, isto
é, em suas múltiplas dimensões.
Quanto à evolução do significado dos conceitos de energia, os estudantes
demonstram que sua capacidade vai além de repetir definições, pois já conseguem
recontextualizá-los em situações reais, evidenciando sua aprendizagem.
Além disso, o processo coletivo de produção de SE contribui para a formação
inicial e continuada de professores e, ainda, com a produção de material didático. Sendo
assim, ficam evidentes algumas potencialidades dessa organização curricular da
formação de graduandos, professores de escola e da universidade, e, ainda, estudantes
de Educação Básica. Afinal, no momento em que as SE contextualizam os conceitos
científicos, possibilita-se a sua recontextualização na vida dos estudantes, portanto, este
ensino permite aos estudantes significarem conceitos e utilizarem seus conhecimentos
científicos escolares em diversas situações vivenciais, assim, formam-se cidadãos
capazes de contribuir na transformação racional da sociedade em que estão inseridos.
Referências
HAMES, Clarinês. Evolução dos espaços interativos de formação de professores de
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