Exmo. Senhor Presidente da Assembleia Municipal,
Senhoras e Senhores Vereadores,
Senhores Presidentes de Junta de Freguesia,
Senhoras e Senhores convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Quando na manhã do dia 25 de abril de 1974 a estrela flamejante rompia a madrugada escura a oriente
de Lisboa, trazia consigo um importante ensinamento para o Povo Português: independentemente da
sua duração ou da ausência de luz, não há noite que sempre dure, não há trevas que não tenham fim.
Como um simples castelo de cartas, a mais antiga ditadura da Europa ruía ante a oposição de um
pequeno contingente militar, encabeçado por jovens, os quais, sem o poder ou as honrarias dos
Generais, sobre a esperança de todo um Povo carregavam o peso de uma Nação agrilhoada.
Aquela triste e leda madrugada transformou-se como que por milagre num novo dia e num amanhã que
então cantava. O pesaroso futuro certo que parecia fazer de Portugal um lugar sem futuro logo terminou
e, sem mais, se fez luz. Uma luz que, de tão forte, iluminou toda a terceira vaga de democratização do
mundo, revelando uma vez mais o destino universal do pequeno retângulo onde a terra acaba e o mar
começa.
Na verdade, aquela jovem Democracia estava apenas em estado embrionário, como a pedra bruta que
aguarda que o escultor lime as suas arestas, limpe os seus excessos, e mostre todo o esplendor da
pedra polida.
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Do Estado Novo, não sem os excessos dos períodos revolucionários, os Pais Fundadores da
Democracia portuguesa souberam construir um regime moderno, assente nas liberdades individuais e no
respeito pela dignidade da pessoa humana. De exceção no mundo ocidental, Portugal passou a
constituir um exemplo de transição democrática pacífica.
O regime que então se fundou em Portugal não foi assente no egoísmo de uns sobre a fraqueza dos
outros; nasceu uma Democracia com base no humanismo e na defesa de princípios fundamentais da
decência política: direitos, liberdades e garantias asseguradas pelas instituições; igualdade de
oportunidades e justiça social. Não era muito o que a Constituição portuguesa pedia, mas era o
essencial.
Apesar de hoje ser pouco notório, até porque a ditadura das finanças ocupou todo o espaço político e
mediático, a dignificação que a democracia trouxe aos cidadãos portugueses foi evidente: foi Abril que
fez nascer o Estado de Direito num País onde abundavam os presos políticos; foi Abril que conferiu
respeito pelas liberdades fundamentais; foi com Abril que passou a existir um sistema nacional de saúde
onde até então saúde era um bem escasso; foi Abril que alargou a educação num País onde o
analfabetismo estava longe de constituir exceção. Foi Abril que possibilitou todas estas transformações
sociais; tudo isto foram conquistas do Portugal democrático, tudo isto resultou de Abril.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Tal como acontecia a 23 de Abril de 1974, o nosso País parece hoje viver uma longa noite escura. Uma
vez mais o Povo português depara-se perante um Adamastor. Não que seja uma longa ditadura o que
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coletivamente enfrentamos; não que tenhamos regredido ao ponto de ver postas em causa as nossas
liberdades individuais; mas, a realidade é que os condicionamentos de hoje parecem impedir-nos de
decidir sobre o nosso futuro, como se de algum modo tivéssemos abdicado da nossa Soberania ou da
Sagrada Esperança de ter direito a um amanhã.
Na verdade, a Soberania, como a liberdade, tem uma dimensão económica intrínseca: não é possível a
um Estado ser livre sem ter assegurada a sua liberdade económica – e Portugal, devido a falhas
sucessivas de governação, colocou-se a si próprio numa situação na qual não tem liberdade económica,
na qual precisámos que nos salvassem da falência.
Como pessoas de bem pagamos as nossas dívidas. Pagar a quem se deve é condição sine qua none
para recuperar a nossa dignidade, em paralelo com a nossa liberdade; mas podemos e devemos
questionar o caminho escolhido para esse caminho. E é essa a questão central da nossa vida coletiva
atual: saber se não matamos o paciente com o tratamento.
Dissemos atrás que não vivemos uma ditadura política, mas vivemos certamente numa ditadura das
finanças – não apenas em Portugal, mas, pelo menos, em toda a Europa. O modelo seguido para
combater a crise da dívida nem precisava de ter obtido as provas científicas de ser matematicamente
falacioso, o guião que nos foi imposto para a crise era e é politicamente errado e socialmente injusto.
Certamente que para honrarmos os nossos compromissos será necessária alguma dose de austeridade,
porém, se a austeridade é o quadro com o qual temos de viver durante algum tempo, convém não
resumir as nossas políticas públicas à austeridade, sob pena de perdermos muitas das conquistas que
há pouco enunciámos. Em paralelo com a austeridade podem e devem existir políticas de crescimento
económico; delas nasce a esperança, delas nasce a aceitação que os sacrifícios valem a pena.
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Lamentavelmente, não foi este o caminho seguido. A ditadura das finanças impôs-se e impôs aos
portugueses uma vida de restrições e um futuro de dificuldades; pior, sem perspetiva de melhora senão
o famoso retorno aos mercados, como se este não fosse instrumental mas um fim em si mesmo.
Não são raras as notícias que anunciam as taxas de suicídio que derivam do desespero dos que à sua
frente não vêm mais do que o abismo; ou o regresso da fome a um País da Europa ocidental, imagem e
ideia que pensávamos afastada do nosso quotidiano comum; ou as imagens dos idosos que, de entre os
medicamentos receitados, são obrigados a escolher os que podem pagar; ou, ainda, as taxas de
desistência do ensino superior por parte dos filhos dos que não têm mais meios para suportar as
propinas.
A continuarmos por este caminho estaremos perante a “situação explosiva” de que falava o Senhor
Presidente da República há alguns anos: estaremos perante o poder dos que não têm poder e dos que
nada mais têm a perder!
Fala-se hoje, um pouco em surdina, de uma nova revolução, de um novo 25 de Abril, vindo talvez dos
que erradamente se pensa estarem conformados. São exatamente os conformados que, quando se
levantam, trazem consigo a ira dos justos contra a prepotência das injustiças que contra si têm sido
levadas a cabo ao longo dos anos. Como parece ser agora moda dizer, a austeridade tem limites e,
como a história nos já devia ter ensinado, um povo sofrido sabe sempre o momento de gritar que antes
morrer de pé que viver ajoelhado.
Alimentação, Saúde ou Educação não são privilégios, são direitos básicos aos quais qualquer pessoa
deve poder aceder; bem como sabemos que a sagrada esperança, o motor da expetativa de um futuro,
não pode certamente chegar da insensibilidade de tecnocratas ou mestres-escola sem adesão à
realidade.
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O recuo que temos vindo a conhecer não é apenas económico ou financeiro, o recuo que Portugal
atravessa é civilizacional; não apenas pelo facto de, por razões de insuficiência económico-financeira do
Estado, não se poder continuar a oferecer determinadas condições de dignidade às pessoas mas, e
sobretudo, porque para muitos atores políticos com preponderância inusitada, não é reconhecida a
legitimidade destes direitos; para muitos dos novos políticos, estas conquistas sociais e civilizacionais
são simples privilégios.
Nessa linha de pensamento, quase todos os males nascem da Constituição da República Portuguesa.
Ora pecado original, ora letra morta esgotada pelo tempo, a Constituição em Portugal é desculpa para
quase tudo. Era importante que as novas gerações de políticos tivessem presente que a nossa
Constituição não nasceu da vontade de uma pequena minoria. A nossa magna carta resultou de um
processo complexo de negociação entre forças e tendências políticas que se combatiam duramente.
Portugal teve a sorte de, na fundação do seu regime democrático, ter tido grandes políticos e grandes
quadros. Apenas os grandes homens são capazes de negociar, de ceder no assessório, de compreender
os pontos de vista alheios e de gerar consensos.
Não é que hoje não haja gente com a qualidade de outrora no nosso País, bem pelo contrário. Portugal
continua a ter muitos e bons quadros, que hoje estão afastados da vida pública; muito pela forma como
se faz política em Portugal, sem gravitas, sem seriedade e com aparelhos partidários captados por
políticos sem dimensão ou expressão.
Quantas e quantas vezes assistimos nos mais variados fóruns a políticos na oposição a fazerem ataques
ao caráter de quem está no poder, para mais tarde serem traídos pelas suas palavras e mostrarem que
quando julgavam o caráter alheio viviam um estranho jogo de espelhos, no qual apenas julgavam os
outros pela sua própria bitola.
O resultado do atual estado de coisas é a total ausência do cursus honorum na vida pública portuguesa;
do anonimato e da inexistência política constroem-se mitos de competência; santos de pés de barro cuja
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passagem do tempo se encarrega de demonstrar o vazio que consigo transportam. Nunca como hoje a
forma como se escolheu o pessoal político foi tão fútil, superficial e errada.
A causa pública precisa e merece ser novamente capaz de seduzir os melhores; precisamos de fazer
regressar as elites portuguesas à Política.
Francisco Sá Carneiro, Mário Soares, Diogo Freitas do Amaral, Francisco Pinto Balsemão, António
Magalhães Mota, Salgado Zenha, Adelino Amaro da Costa e, também, Álvaro Cunhal. A Democracia
Portuguesa foi fundada por grandes homens, políticos maiores que, em diversos momentos, foram
capazes de ceder no que era assessório para garantir o essencial. São pessoas com esta dimensão
humana e política que precisamos trazer de volta à nossa vida coletiva.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
O nosso problema central, o que conduziu o País ao estado atual, não reside na nossa Constituição; no
limite, poderá estar no seu não cumprimento.
Vejamos: há algum outro Estado da Europa ocidental que não tenha realizado a sua descentralização?
Há alguma democracia desenvolvida no nosso espaço de integração regional que não tenha regiões
administrativas? Obviamente que aí somos exceção. Não que a Constituição não as previsse
expressamente, o que, e bem, fez. Ad contrarium, quando o País mais necessitava de descentralizar, de
aproximar o Estado e as suas decisões da realidade concreta, temos hoje um Estado bem mais
centralista do que algum dia havíamos previsto.
Tivesse sido cumprida a Constituição e certamente o País não se encontrava na situação de fragilidade
e debilidade atual.
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Quem melhor sabe das necessidades do Povo do que os órgãos de poder local ou regional? O Estado
remoto foi capaz de fazer da figura abstrata que nos une em algo que é distante e exterior aos cidadãos.
Não seria bem mais sensato aproximar as decisões dos cidadãos, deixando ao Terreiro do Paço a
promoção das estratégias de desenvolvimento, a preparação de políticas públicas nacionais e as
políticas de Soberania?
Estas propostas nem sequer são exatamente inovadoras, os outros Estados fazem-no há décadas, elas
resultam do bom-senso. Bom-senso que, a existir, impediria a aprovação de legislação totalmente
desconexa da realidade, como a Proposta de Lei para aprovação de uma nova Lei das Finanças Locais,
que porá em causa a autonomia do Poder Local, sufocando-o ainda mais, e fazendo, sub-repticiamente,
uma revisão do enquadramento jurídico-legal do Poder Local, conforme saído da Constituição.
Estamos perante a pior forma de centralismo, a encapotada. Sob um manto de legitimidade, e de
decreto-lei em decreto-lei, vai-se adulterando o regime, revendo alguns dos seus pilares fundamentais,
sem ouvir ninguém e sem procurar consensualizar decisões. O resultado são as reformas pífias que
vimos tendo, que duram o tempo de uma legislatura, a do Governo que as colocou em vigência.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Apesar das dificuldades com que nos debatemos e do discurso vigente, há razões para acreditarmos no
futuro; estamos em Democracia e em Democracia há sempre alternativas. Desde logo porque a primeira
alternativa é o Governo começar efetivamente a governar o País.
Confesso que quando vi, pela primeira vez, a composição do atual Governo acreditei que era curto, mas
a verdade é que face à centralização em torno das Finanças e perante a inoperância de pastas que
deveriam estar empenhadas em promover crescimento e desenvolvimento, podemos mesmo aceitar que
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até está por lá muita gente, sem se saber a fazer o quê e provavelmente sem saber o que poderão fazer
para ajudar Portugal.
Temos dito por diversas vezes que a austeridade não é uma política pública, é o contexto em que temos
de viver, mas isso não pode levar a que se demore meia legislatura a apresentar soluções para retirar a
economia portuguesa da estagnação da última década.
Que melhor exemplo da inoperância governativa do que aqueles que temos perto de casa. Hoje, devido
a sucessivos pareceres da administração central, necessários para aprovar projetos de investimento, o
Município de Oeiras tem em carteira cerca de 1000 milhões de euros investimento privado parado; muito
dele estrangeiro, tendo o Município decidido atempadamente tudo o que lhe dizia respeito e estando o
Estado Central, nas suas múltiplas dimensões, a adiar decisões que são de importância superlativa para
Oeiras e para o País.
Afinal Portugal precisa ou não de investimento? Precisa ou não de gerar receita? Precisa ou não de criar
emprego? É que, apenas um destes projetos, o da lusalite / cimentos holandeses, junto à praia da CruzQuebrada, colheu já 27 diferentes pareceres, aguardando há alguns anos o 28º! Não é muito, são
apenas 300 milhões de euros, parte dos quais de investimento estrangeiro direto, 49 milhões de receita
de IVA e a criação de cerca de 3000 postos de trabalho.
Este é apenas um dos exemplos da inoperância das decisões do Estado Central em Portugal.
Certamente que não será apenas em Oeiras que as decisões se atrasam; certamente que um pouco por
todo o País multiplicam-se casos como estes. Não foi o Poder Local que fez parar o País, não foi o
Poder Local que cavalgou a onda da dívida; e não foi por nós que se descobriu, quando a maré do
crédito barato baixou, quem afinal nadava nu!
Lamentavelmente, este é o resultado de um País viciado em finanças e pouco atento à sua economia;
mas é também o resultado da deificação do mercado, da crença de que este funciona por si próprio.
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Apenas um pózinho de iniciativa e um abismo marcaria a distância entre o País que hoje somos e o País
que podemos ser!
Quem mais sofre com esta inoperância é um Povo que merece ser governado com outra dinâmica, com
outras políticas públicas. Recusamos falar de partidos, de estabilidade ou de instabilidade politica ou
sequer de eleições, não é essa a nossa preocupação; a nossa preocupação está com a realidade
concreta, com o Povo que sofre pela ausência de políticas públicas; com o Povo que sufoca com as
políticas de confisco dos últimos anos; com o Povo que desespera com a falta de esperança e com uma
economia em estado de anemia. Um outro Portugal é possível!
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Sei que hoje falei muito pouco de Oeiras, o 25 de Abril é um acontecimento de importância nacional e,
resultado dessa dimensão intrínseca, apela a que se centre o discurso e o pensamento na causa maior
que é o País.
Dizemos, recorrentemente, que não somos ilha; que ainda que sejamos um dos Municípios nacionais em
melhor condição para enfrentar esta crise, não lhe somos imunes. Foi necessário alterar a política de
investimentos e aumentar consideravelmente as políticas de apoio social.
A gestão criteriosa e o planeamento de longo prazo, que é a matriz do desenvolvimento das últimas
décadas, permitiu-nos ajustar o modelo e demonstrar que até em austeridade é possível ter bons
resultados.
As contas do ano de 2012 foram encerradas com um resultado líquido positivo superior a 12 milhões de
euros, sendo a relação entre a dívida de curto prazo e o nosso resultado inferior a 2,5%. Paralelamente,
importa também referir que a nossa dívida de médio / longo prazo é de 33 milhões e 700 mil euros,
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contraída para erradicar o flagelo que matava a vida da nossa comunidade. Isto é, do investimento inicial
de 210 milhões de euros falta apenas saldar 16%, representando a nossa divida de médio/longo prazo
apenas cerca de 22,5% do nosso orçamento. Ainda sobre esta dívida referir também que, nos últimos 3
anos, de aguda crise nacional, o Município pagou mais de 10 milhões de euros da mesma. Oeiras é a
prova viva de que outro País é possível!
Esta saúde financeira das contas do Município não se conseguiu estrangulando a sua atividade, bem
pelo contrário. Ainda que tenhamos reduzido a política de investimento público, não deixámos de realizar
as obras que consideramos essenciais para a vida da nossa comunidade, como são exemplo as novas
escolas, complexos desportivos, equipamento social e a 2ª Fase-b do Parque dos Poetas.
E, se bem que tenhamos reduzido o investimento, alargámos consideravelmente os apoios sociais, como
são exemplos o Fundo de Emergência Municipal, o alargamento do espectro de incidência da tarifa
social da água ou a política de refeições escolares.
Noutra dimensão, o Município substitui-se muitas vezes ao amparo que vai faltando da parte do Estado
Central, como na nossa política de medicamento, sem a qual milhares de cidadãos não teriam acesso
aos mais elementares cuidados de saúde.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Para terminar, quero apenas deixar a minha nota de agradecimento a todos os colaboradores do
Município, servidores públicos dedicados; é a eles que se deve grande parte do sucesso de Oeiras.
Uma palavra ainda para os autarcas hoje homenageados, exemplo de abnegação e dedicação à causa
pública. O caminho que juntos trilhámos, de construção de uma comunidade justa e solidária, foi feito de
suor, trabalho e dedicação.
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Muito graças ao dia que libertou o País, Oeiras é hoje exemplo nacional de desenvolvimento e de gestão
da coisa pública; somos prova viva que outro Portugal é possível. Que há sempre alternativa em
Democracia!
Viva o 25 de Abril!
Viva Oeiras!
Viva Portugal!
Muito obrigado.
(Discurso proferido pelo Ex.mo Senhor Vice-presidente da CM Oeiras, Dr. Paulo Vistas)
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Discurso 25 de Abril - Câmara Municipal de Oeiras