DIA DO COMBATENTE 2012
Mosteiro de Santa Maria da Vitória - Sala do Capítulo
Alm. Nuno Vieira Matias Batalha, 14 de Abril de 2012
Viemos hoje a esta Sala do Capítulo do Mosteiro de Santa Maria da Victoria em
acto de recolhida reflexão por razões várias, que merecem ser ponderadas,
também em motivo do tempo e do local em que se realiza.
Estamos aqui, sobretudo, em romagem a este simbólico altar da nossa Pátria
para homenagear todos os que, ao longo dos quase nove séculos da história de
Portugal, combateram por ele e, aos que, caindo no campo da honra, levantaram
o seu nome sempre bem alto.
O nosso pensamento mais directo vai para os Soldados Desconhecidos,
simbolicamente representados pelas cinzas de dois combatentes que jazem sob
estas simples lousas, um morto na Flandres, em 9 de Abril de 1918, e outro
caído, por essa altura, numa fronteira africana de um território então português.
Só esta diversidade das origens dos combates, europeia e africana, é suficiente
para indiciar a abrangência da homenagem permanente que se presta nesta Sala
do Capítulo, e em que o 9 de Abril, Dia do Combatente, constitui apenas um
marco. Trata-se de uma referência a um sacrifício brutal dos nossos soldados e
não a celebração de uma vitória porque, na verdade, a Batalha de La Lys, vista
isoladamente, até se traduziu numa derrota militar, onde perdemos cerca de
7.500 homens, entre mortos, feridos e desaparecidos. Foi uma pesada dç>r a
dessas baixas que, em sublime acto de amor, deram as suas vidas pela Pátria, na
linha do que tantos dos nossos
antepassados tinham feito antes e como muitos outros milhares o viriam a fazer,
depois, até aos nossos dias.
Há, assim, nesta nossa romagem um sentido tão amplo quanto os tão diversos
tempos e lugares em que portugueses deram a vida por Portugal. De Guimarães
a Ourique, da Batalha Real, travada aqui a uns passos, em São Jorge, às Batalhas
da Restauração, ou então das Linhas de Torres às linhas do mundo inteiro, nas
terras de quatro continentes e nos mares de três oceanos, foram quase nove os
séculos e os mais variados os lugares em que, para engrandecer a Pátria
portuguesa, lutámos e muitos morreram por ela.
Todos esses portugueses, soldados, marinheiros e aviadores, são aqui
homenageados permanentemente, mas hoje com especial ênfase pela força desta
iniciativa da Liga dos Combatentes.
Trata-se, pois, de expressar um sentimento de gratidão muito próprio do nosso
Povo, muito português, mas também com raízes na civilização ocidental, de que
somos parte, de base cultural grega, romana e cristã. De facto, já os Gregos, pelo
menos há 2500 anos, em Atenas, homenageavam publicamente os seus heróis. A
oração de Péricles de elogio aos mortos e ao poder democrático, tão viva e
pormenorizadamente relatada por Tucídides, dá disso testemunho, assim como
as celebrações católicas em memória dos falecidos, desde há 2000 anos, são
disso exemplo.
Procuramos, assim, honrar os nossos heróis e mártires, uns conhecidos com
nomes que a nossa memória colectiva imortalizou e, outros, desconhecidos de
quem sabemos apenas que tombaram nos campos e mares de batalha, por nós,
para que tenhamos direito a ter uma pátria honrada e respeitada, a Pátria
portuguesa.
Contudo, o sacrifício de todos eles para não ser em vão impõe-nos uma
obrigação firme, um compromisso solene, a assumir perante a sua memória e
que é o de continuarmos a lutar por Portugal e pela sua identidade e
independência.
É que, na verdade, talvez nunca tenha sido tão importante afirmar e manter a
nossa identidade, a nossa cultura, a nossa maneira de ser, como o é agora em
que a integração numa grande comunidade internacional, como a União
Europeia, nos pode reduzir à simples qualidade de pequeno número sem
expressão, sem relevância. Acresce ainda, que a independência que o poder
económico nos retirou é vital que seja recuperada, através de uma vontade firme
e de uma capacidade de sacrifício e de amor à Pátria que o exemplo dos nossos
homenageados nos pode ajudar a conseguir.
Tal como em 1 de Dezembro de 1640, temos de ser outra vez nós mesmos, o
povo que não aceita jugos, o povo que foi capaz de não se perder nos mares do
mundo, o povo que quer outra vez demonstrar que tem direito a continuar a ter
a Pátria honrada que construiu em quase nove séculos de história. Precisamos
de fazer outro primeiro de Dezembro, também com a mesma força da vontade,
da determinação, como naquele de 1640, mas agora usando outras armas, as
armas do trabalho, da inteligência e da honestidade.
Muito do nosso Povo já não conheceu o que foi o sacrifício dos nossos soldados,
marinheiros e aviadores que combateram em África e na índia, mas alguns terão
ainda na mente e no corpo as marcas dessas lutas. Os corações de algumas mães
recordarão os gritos que não ouviram, a milhares de quilómetros, dos filhos
agonizantes e os combatentes vivos também não esquecem, noite e dia, os
brados de dor dos companheiros de corpos esfrangalhados, chamando pelos
entes queridos que não voltariam a ver. É duro recordar publicamente aquilo
que alguns de nós vivemos, mas é importante fazê-lo para que todos procuremos
ser dignos desse passado, construindo um futuro melhor, mais nobre e
independente para Portugal, Pátria de tantos heróis e de tantos Soldados e
Marinheiros Desconhecidos, mas nobres e valentes.
Esta evocação assume aqui especial significado, por ter lugar no chão glorioso da
Batalha, junto ao Campo de São Jorge, onde ainda ecoa a voz de um Povo que
quis continuar independente e que, em 1383/1385,lutou contra o mais forte, na
defesa do que era seu havia já 240 anos. Lutou e venceu. Não éramos muitos,
éramos até poucos, mas estávamos unidos e com vontade férrea e, por isso,
fomos os suficientes.
Depois, a seguir, apertados entre as fortes espadas toledanas e a parede do mar,
os Portugueses tiveram a inteligência, o saber e o arrojo para derrubar a parede,
seguindo mar fora com a vontade de serem grandes. Foi uma vontade
conseguida de serem até os maiores desse tempo, realizando uma gesta que
mudou o mundo.
Sinal emblemático da inteligência, dessa determinação e dessa união dos
portugueses, foi o da construção desta abóbada que protege o túmulo dos nossos
Soldados, como aqui referiu José Hermano Saraiva. A abóbada é formada por
pedras, as quais, isoladamente, cairiam sujeitas à lei da gravidade. Bem unidas
não caíram. A abóbada não caiu, a abóbada não cairá, como disse o seu
construtor, um subordinado de Nuno Alvares Pereira.
E se, tal como as pedras da abóbada, nós hoje soubermos estar unidos
protegendo os nossos valores e o nosso Chão Sagrado, com uma visão inteligente
de futuro, a Pátria continuará imorredoura pelos tempos fora e os vindouros
olharão para nós com a consideração e o respeito semelhantes aos que temos
pelos nossos antepassados.
Homenageemos, pois, neste momento único, todos os que sofreram, lutaram e
caíram ao serviço de Portugal e, em silêncio, curvemo-nos sentida e
respeitosamente perante a memória daqueles que um dia, quando ajoelharam e
caíram, o fizeram apenas perante o Altar da Pátria.
Sejamos dignos deles, Heróis do Mar, nobre Povo, Nação valente e imortal.
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Discurso da AE convidada, Almirante Vieira Matias