Carlos Drummond de Andrade A ROSA DO POVO ´ DA OBRA ANALISE IVAN TEIXEIRA SÍNTESE BIOBIBLIOGRÁFICA Vida Carlos Drummond de Andrade nasceu em 1902, na pequena cidade mineira de Itabira, que, na ficção de sua poesia, o poeta soube transformar numa espécie de mito, associando-o sempre à tópica da lembrança dolorosa. Conforme o mesmo argumento poético, as jazidas de ferro da cidade teriam fornecido ao poeta seu jeito austero e brioso de ser. Descendia de fazendeiros e mineradores da região de Itabira. Estudou em Belo Horizonte, tendo se formado em farmácia. Depois de estabelecer contatos com o Modernismo paulista, fundou, em 1925, A Revista, primeiro periódico de vanguarda em Minas Gerais. Participavam de seu grupo literário: João Alphonsus, Emílio Moura, Martins de Almeida, Pedro Nava e Abgar Renault. Trabalhou também na grande imprensa de Belo Horizonte, representada pelo Diário de Minas e Minas Gerais. Em 1934, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde exerceu funções burocráticas no serviço público até 1962. Paralelamente, manteve seções de crônicas em diversos jornais do país. Foi também tradutor e ensaísta. Morreu no Rio de Janeiro, em 1987. Drummond sempre se comportou de modo discreto, avesso à publicidade, notabilizando-se como pai de família tradicional. Todavia, após a morte, veio a público sua faceta íntima de amante dedicado, pois manteve um longo e intenso amor paralelo à vida familiar, que, segundo o discurso biográfico logo estabelecido, lhe teria inspirado diversos poemas eróticos, bem mais explícitos do que os que normalmente publicava em seus livros, como é o caso de O Amor Natural, editado em 1992. Drummond tinha 28 anos quando, em 1930, editou Alguma Poesia, seu primeiro livro. Os poemas que o compõe vinham sendo divulgados desde 1923, quer fosse em periódicos mineiros como o Diário de Minas, A Revista e Verde; quer fosse em veículos mais cosmopolitas do Rio de Janeiro, como O Jornal, Festa; ou em órgãos dirigidos pelos modernistas de São Paulo, como Estética, Terra Roxa e Outras Terras, Revista de Antropofagia. Obra: Reunião, Nova Reunião A obra poética de Drummond editada em vida constitui-se, basicamente, por dezenove livros, que se agrupam em dois volumes, com o título de Nova Reunião. Esses volumes foram organizados para homenagear o octogésimo aniversário do poeta, em 1982, mas acabaram saindo no ano seguinte, quatro anos antes de sua morte. Antes disso, porém, os dez primeiros livros dessa série foram organizados e editados pelo autor em 1969, no volume Reunião, que, segundo a unanimidade da crítica, são os melhores livros de Drummond: Alguma Poesia, 1930 Brejo das Almas, 1934 Sentimento do Mundo, 1940 José, 1942 SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 120 • ANGLO VESTIBULARES A Poesia dos Anos 1930 A Rosa do Povo, 1945 Novos Poemas, 1948 Claro Enigma, 1951 Fazendeiro do Ar, 1954 A Vida Passada a Limpo, 1959 Lição de Coisas, 1962 Entre os livros acrescidos ao volume Nova Reunião, encontra-se uma trilogia memorialística, composta por Boitempo & A Falta que Ama (1969), Menino Antigo: Boitempo II (1973) e Esquecer para Lembrar: Boitempo III (1979), livros que ficcionalizam o passado mineiro (rural e urbano) da personagem lírica que o poeta institui como autor de suas obras. Principais Temas de Reunião Em 1962, ao completar 60 anos e depois de publicar Lição de Coisas, o poeta organizou uma seleção de seus poemas, a que deu o título impessoal de Antologia Poética. Na pequena nota introdutória ao volume, explicou que sua escolha obedeceu a critérios informativos, razão pela qual agrupou os poemas em torno de nove núcleos temáticos, os quais formaram seções no volume, com títulos específicos. Os poemas de Antologia Poética foram extraídos dos dez livros que, mais tarde, seriam coligidos em Reunião. Os temas e as respectivas seções do volume são os seguintes: 1. o indivíduo (“um eu todo retorcido”) 2. a terra natal (“uma província: esta”) 3. a família (“a família que me dei”) 4. amigos (“cantar de amigos”) 5. o choque social (“na praça de convites”) 6. o conhecimento amoroso (“amar-amaro”) 7. a própria poesia (“poesia contemplada”) 8. exercícios lúdicos (“uma, duas argolinhas”) 9. uma visão, ou tentativa de, da existência (“tentativa de exploração e de interpretação do estar-no-mundo”) Não é difícil perceber que todos esses temas estão estreitamente interligados: o indivíduo, entendido como personagem poética, surge de uma família numa terra qualquer. Cresce. Faz amigos e freqüenta a praça, onde amplia suas relações e conhece a política e o amor. Então, descobre a poesia, na qual tanto se adestra que chega a brincar com as palavras. Já formado, adquire opinião sobre as coisas, o mundo e a existência. Como se vê, os oito últimos temas da Antologia Poética não passam de variação ou projeções do primeiro — o indivíduo. Assim, Reunião deve ser lido como uma espécie de unipoema, no qual se condensa uma das mais extraordinárias experiências artísticas da literatura brasileira. SISTEMA ANGLO DE ENSINO Conforme uma divisão clássica da poesia brasileira do século XX, genericamente chamada modernista, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira formariam o núcleo de uma primeira fase (1922-30), preocupada com a criação de uma linguagem, de um temário e de uma suposta sensibilidade que fosse adequada à expressão do homem no século que se iniciava. Nessa fase, domina o propósito de atualização do conceito de arte no Brasil, o que conduz o olhar do artista local para as grandes formulações das vanguardas européias, tomadas como instrumento para a solução do impasse deixado pelo esgotamento das fórmulas do século XIX. Esse primeiro momento será marcado por um paradoxo, ainda que aparente: ao mesmo tempo em que se buscam sugestões de matrizes européias (Futurismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo), há o projeto de se produzir uma síntese artística do país, com todas as diversidades de sua língua, de seu povo, de suas regiões e de sua história. Em rigor, as vanguardas européias deveriam funcionar como um conceito para a revisão do país e para a construção de uma arte que se ajustasse aos novos tempos. Por causa desse clima de renovação de estruturas, a poesia do período apresenta um certo gosto tecnicista, que, não raro, produz o efeito de artificialismo e pesquisa formal. Conforme a mesma divisão, os anos 1930 marcam o surgimento de poetas que consolidariam a tarefa da geração anterior, dando à poesia praticada no Brasil uma certa estabilidade formal e temática, normalmente tomada como mais típica do século XX. Já não há tanta aversão ao século XIX nem à tradição clássica do Ocidente. O verso livre, o verso sem rima e a ausência de pontuação convencional — grandes conquistas da primeira fase — convivem pacificamente com versos, formas, ritmos, motivos e temas tradicionais. A poesia se torna mais conceitual, investigando grandes questões sociais e existenciais. A visão marxista da história propicia um posicionamento crítico dos valores francamente capitalista. Da mesma forma, o Existencialismo e a Psicanálise oferecem uma variada gama de tópicas e técnicas, que conferem diversidade temática e densidade semântica aos novos poetas: a guerra, a política, o operário, o burguês, o amor, a família, o passado, o presente, o individual, o coletivo, o universal e o local serão temas comuns na poesia da segunda geração modernista. Esses motivos cristalizam-se de maneira admirável sobretudo em A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade, mas podem ser surpreendidos também em Murilo Mendes, Vinícius de Morais, Cecília Meireles e em Jorge de Lima, que compõem o perfil da segunda fase do Modernismo Brasileiro. • 121 • ANGLO VESTIBULARES A ROSA DO POVO (1945) Poesia da Crise e do Impasse A Rosa do Povo contém 55 poemas, tendo sido a mais longa obra até então composta por Carlos Drummond de Andrade. Trata-se de seu quinto livro. Antes dele, o poeta publicara: Alguma Poesia (1930), Brejo das Almas (1934), Sentimento do Mundo (1940) e José (1942). A Rosa do Povo representa a consolidação qualitativa e formal do Modernismo, sendo também a maior realização artística do poeta até o momento. Nele, Drummond adota tanto o verso livre quanto o verso tradicional (redondilho e decassílabo), dando preferência a poemas longos de estrofação e versos irregulares. Como em outros livros do autor, a repetição (redundância, tautologia, reiteração), a enumeração e a gradação destacam-se entre os processos estilísticos do livro. Contribuem para o efeito de rapidez e modernidade dos poemas. Quando a enumeração constitui-se de elementos logicamente desconexos, leva o nome de enumeração caótica, o que também ocorre com freqüência na obra. A Rosa do Povo é um livro dominado pela idéia de crise: crise do indivíduo, crise da poesia, crise da sociedade, crise dos mitos e crise dos sonhos. Demonstrando extrema lucidez diante do impasse da vida e da arte, o poeta sempre recusará solução fácil para problema difícil, como evidenciou no famoso poema “José”, do livro homônimo (1942). Em A Rosa do Povo persiste a tópica do impasse, revestida de ceticismo irônico, sem nenhum desespero, mas também sem grandes esperanças, exceto na hipótese provisória da poesia, instrumento com que procura superar os erros do mundo. Em “Rola Mundo”, de A Rosa do Povo, essa idéia importante acha-se sintetiza em três versos inenfáticos, porém precisos em sua força semântica: Como vencer o oceano se é livre a navegação mas proibido fazer barcos? Ceticismo Irônico Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. Assim, a ironia explica-se por insinuar o contrário do que afirma. Em certo sentido, o poema põe em xeque o próprio conceito de ironia, pois é mais ou menos óbvia a idéia de que o absurdo da vida não dispensa certa dose de inconformismo. E o texto apresenta um discurso inconformado com aparência de resignação. Em “A Flor e a Náusea”, comentado adiante, a voz lírica pergunta: posso, sem armas, revoltar-me? Euforia Épica Apesar da ironia e do ceticismo, A Rosa do Povo ostenta certa esperança na solidariedade da poesia e na crítica às instituições opressoras. Assim, se o livro é, por um lado, cético e irônico, nem por isso deixa de apresentar uma discreta euforia épica, em que o poeta realiza a promessa de uma poesia adequada ao canto da vida presente, tal como programou em Sentimento do Mundo (1940) e somente agora realiza: denúncia do burguês desumano; simpatia pelo trabalhador destemido; atenção ao desenrolar da segunda grande guerra; lamento pelo genocídio do conflito; esperança na reconstrução democrática do mundo; crença na utopia comunista; alusão à opressão da Ditadura Vargas. Ao lado desse aspecto propriamente social e coletivo, há intensa investigação lírica do indivíduo e sua relação com a passagem do tempo, com a família e com o amor. A referida euforia épica (discreta) encontra-se em diversos poemas sobre a Segunda Guerra, que sempre incorporam a participação russa, como a indicar que a utopia marxista integra a mínima dose de otimismo necessário para a lucidez da análise do tempo presente. Para exemplificar a tópica da reconstrução do mundo por via democrática, veja-se o poema “Telegrama de Moscou”: Exemplo clássico de riso desencantado, que tem muito a ver com o pensamento ficcional de Machado de Assis, de quem Drummond se coloca como o mais perfeito herdeiro na arte brasileira, é o poema “Consolo na Praia”, adotado como suporte de exercício no final do presente estudo. Nesse breve texto de versos regulares, enumeram-se as mais atrozes desvantagens do indivíduo desvalido, como se fossem amenos acidentes de crise momentânea. No final, a voz irônica sugere que a personagem se entregue ao sono, como forma de ensaiar a morte. Pela lógica do leitor, a morte seria a verdadeira solução para a personagem do poema, mas, caso a voz lírica a recomendasse, demonstraria alguma crença na vida, porque a estaria considerando digna de confronto. O pensamento irônico evita atitudes francas. Por isso, recomenda o sono, evitando nomear o desconsolo, que figura como consolo no título: SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 122 • Pedra por pedra reconstruiremos a cidade. Casa e mais casa se cobrirá o chão. Rua e mais rua o trânsito ressurgirá. Começaremos pela estação da estrada de ferro e pela usina de energia elétrica. Outros homens, em outras casas, continuarão a mesma certeza. Sobraram apenas algumas árvores com cicatrizes, como soldados. A neve baixou, cobrindo as feridas. O vento varreu a dura lembrança. Mas o assombro, a fábula gravam no ar o fantasma da antiga cidade que penetrará o corpo da nova. Aqui se chamava e se chamará sempre Stalingrado. — Stalingrado: o tempo responde. ANGLO VESTIBULARES Stalingrado era importante cidade russa à beira do Volga. Além de sua força simbólica (compunha-se do nome de Stalin), a cidade exercia posição estratégica na União Soviética, por causa de seu depósito de armas, do transporte de alimentos e de petróleo. A cidade foi invadida por Hitler em agosto de 1942, tendo resistido até fevereiro de 1943, quando os nazistas foram derrotados. Esse cerco passou para a história como uma das mais importantes batalhas da Segunda Guerra. A partir daí, o exército alemão começou a perder o privilégio de grandes iniciativas. Ao figurar a cena da reconstrução da cidade pelas supostas forças democráticas, o poema de Drummond institui sua resistência em símbolo da liberdade contra a opressão. Há outro poema em A Rosa do Povo sobre essa batalha, “Carta a Stalingrado”. Nele, a voz lírica alerta que a poesia fugiu dos livros para os jornais. Insinua também que o cerco da cidade russa imita a epopéia homérica, com a vantagem de caber em telegramas. O exemplo de Stalingrado terá tido o poder de unir pessoas dos quatro cantos do mundo, em torno do ideal comunista, então entendido como opção esclarecida do ponto de vista ideológico. Construção da Intimidade Apesar da força dos poemas sociais de A Rosa do Povo, talvez a maior informação estética do livro venha da investigação lírica do indivíduo, organizada de tal forma que não se distancia muito dos poemas que ficcionalizam a objetividade do mundo exterior, como em “Carta a Stalingrado”. Esse será, por certo, o caso de “A Flor e a Náusea”, obra-prima de perquirição do desajuste da pessoa com o mundo objetivo. Outros haverá que, singularizando um pouco mais a noção do “eu todo retorcido”, tematizam a idéia do indivíduo diante da família, do amor, da memória, do tempo e da morte. “Onde há pouco falávamos” e “Os Últimos Dias” exemplificam essa vertente temática do livro. No primeiro desses poemas, um velho piano simboliza o elo indissolúvel entre o passado e o presente, encarnando a tópica, muito reiterada em A Rosa do Povo, de que os mortos controlam os vivos. A essa tópica associa-se o tema de que o indivíduo é sempre menor do que a família, noção básica nos poemas de construção da intimidade em Drummond: Ai piano enguiçado, Jesus! Sua gente está morta, seu prazer sepultado, seu destino cumprido, e uma tecla põe-se a bater, cruel, em hora espessa de sono. É um rato? O vento? Descemos a escada, olhamos apavorados a forma escura, e cessa seu lamento. Mas esquecemos. O dia perdoa. Nossa vontade é amar, o piano cabe Em nosso amor. Pobre piano, o tempo aqui passou, dedos se acumularam no verniz roído. Floresta de dedos, montes de música e valsas e murmúrios E sandálias de outro mundo em chãos nublados. Respeitemos seus fantasmas, paz aos velhos. Amor aos velhos. Canta, piano, embora rouco: ele estronda. A poeira profusa salta, e aranhas, seres de asa e pus, ignóbeis, circulam por entre a matéria sarcástica, irredutível. Assim nosso carinho encontra nele o fel, e se resigna. Uma parede marca a rua e a casa. É toda proteção, docilidade, afago. Uma parede se encosta em nós, ao vacilante ajuda, ao tonto, ao cego. Do outro lado é a noite, o medo imemorial, os inspetores da penitenciária, os caçadores, os vulpinos. Mas a casa é um amor. Que paz nos móveis. Uma cadeira se renova ao meu desejo. A lã, o tapete, o liso. As coisas plácidas e confiantes. A casa vive. Confio em cada tábua. Ora, sucede que um íncubo perturba nossa modesta, profunda confidência. É um antigo piano, foi de alguma avó, morta em outro século. E ele toca e ele chora e ele canta sozinho, mas recusa raivoso filtrar o mínimo acorde, se o fere mão de moça presente. Desenho de Beatriz Sherman SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 123 • ANGLO VESTIBULARES Esse texto representa um momento forte da poesia sobre a família em A Rosa do Povo. A família entendida como frágil motivo de (in)segurança do indivíduo. Sem os perigos da vida exterior (inspetores, caçadores, vulpinos [espertalhões como raposa]), a casa, todavia, apresenta outros riscos, talvez piores que os de fora, pois aí reside o invisível demônio da memória (íncubo), que inviabiliza qualquer estabilidade emocional (confidência). Por ironia, sabendo-a frágil (modesta), o texto classifica a confidência do indivíduo em família de profunda. Em outro momento do poema, o piano é comparado ao corvo do poema homônimo de Edgar Allan Poe, símbolo da interferência inquietante do passado sobre o presente. Em “Resíduo”, o mais conhecido poema sobre os “laços de família” em A Rosa do Povo, a voz lírica dirá: oh abre os vidros de loção/e abafa/o insuportável mau cheiro da memória. Inquietudes do Indivíduo, Instabilidade Social Fica, assim, admitido que os dois principais núcleos temáticos de A Rosa do Povo são: a) as inquietudes do indivíduo; e b) a instabilidade social. Ao primeiro corresponde a inclinação lírica do livro; ao segundo, a vertente épica. Todavia, não se pode esquecer que os motivos se mesclam com freqüência, mesmo porque a matéria social, fundindo-se com a da pessoa, também será submetida a tratamento lírico. Além da metáfora e da mistura de estilos (o baixo com o elevado; o irônico com o emotivo; o sério com o paródico), devem-se observar os efeitos sonoros dos poemas de A Rosa do Povo, livro que tanto tira proveito da orquestração panorâmica de grandes painéis (“Nosso Tempo”, “Morte no Avião”) quanto explora a música silente da intimidade de pequenas seqüências que recompõem os espaços sombrios da memória. Em ambos os casos, deve-se notar a arte do enjambement, isto é, a maneira com que o poeta termina um verso e inicia o seguinte, deixando em suspense a complementação semântica dos mesmos. A arte de ligadura entre um verso e outro atinge grande relevo no livro. Observe-se a primeira estrofe de “Onde há pouco falávamos”, transcrito parcialmente na página anterior: É um antigo piano, foi de alguma avó, morta em outro século. Em casos como esses, a leitura correta deve produzir ou evitar pausas, conforme se queira acentuar a conformação melódica ou a estrutura semântica do texto. Nesse exemplo específico, é necessário observar que a interrupção semântica imposta pelos finais dos versos pretende sugerir a fragmentação psicológica da memória afetiva, dividida entre o passado e o presente. O velho instrumento será o elo precário entre as duas abstrações, transpostas ao poema como imagens da vida, e não como a própria vida em si. Mais adiante, no SISTEMA ANGLO DE ENSINO presente ensaio, será discutido o princípio de que a vida não cabe na poesia, senão por meio de imagens ou noções conceituais que a representam. As imagens, idéias, noções ou conceitos que possibilitam a inclusão da vida à arte pode se chamar linguagem. Organização do Volume Evidentemente, a poesia figurada em A Rosa do Povo encarna temas, premissas, pressupostos e questões que Drummond concebe como adequados ao debate cultural de seu tempo. O volume é organizado da seguinte maneira: no começo, há dois poemas sobre poesia, isto é, duas poéticas ou manifestos poéticos, nos quais se esboça um conceito de poesia, com idéias sobre técnicas compositivas, temas e finalidade do poema. Trata-se, portanto, de textos metalingüísticos, cuja função é apresentar e discutir a concepção de poesia adotada no volume. Em outros termos, ao poeta compete investigar também a linguagem do próprio livro, e não apenas questões ligadas ao indivíduo ou à sociedade. A linguagem seria o ponto de união entre aquelas duas categorias temáticas. Tais poemas, dos mais famosos do volume, são: “Consideração do Poema” e “A Procura da Poesia”. O terceiro poema do volume é “A Flor e a Náusea”. Este é semelhante aos dois anteriores, pois funciona como uma espécie de anúncio temático da obra: o indivíduo e sua relação conflituosa com o mundo. Em perspectiva existencialista, o poema propõe o tema do sujeito revoltado até a náusea, tentando sempre racionalizar sua insatisfação: “posso sem armas revoltar-me?”. Por propor uma diretriz temática que será retomada em diversos poemas, pode-se dizer que “A Flor e a Náusea” é também de uma espécie de poética. Depois desses três poemas programáticos, segue a matéria propriamente dita, que tanto pode ser de caráter social quanto pessoal. O tom poderá ser de discreta euforia ou de ceticismo irônico. O tema oscilará entre o impasse insolúvel ou a proposta de precárias soluções. Poesia: Imagem ,Viagem: Linguagem Se o livro começa por considerações acerca do conceito de poesia, não será incorreto afirmar que termina por longa reflexão lírica sobre o cinema. É o que se percebe em “Canto ao homem do Povo Charlie Chaplin”. Aqui se desvenda o grande mistério colocado nos dois primeiros poemas do livro, que será discutido mais adiante no presente ensaio: sobre o que deve falar a poesia, se ela não consegue incorporar os sentimentos, a natureza nem os homens em sociedade? Tal como no cinema, a poesia trata de imagens dos sentimentos, imagens da natureza e imagens dos homens em sociedade. Em outros termos, a poesia, tal como o cinema, trabalha com a linguagem, entendida como representação cultural do mundo. Assim, ao produzir imagens, o cinema poderá ser uma espécie • 124 • ANGLO VESTIBULARES de alegoria da literatura, que, ao dizer homem, exclui qualquer homem particular e empírico para incorporar um determinado conceito de homem em vigor num tempo historicamente determinado. Entretanto, esse homem da poesia produz a impressão de um homem singularizado. Eis a mágica da arte, que, trabalhando com categorias culturais, produz a impressão de natureza. Nesse sentido, a poesia, tal como o cinema, será uma máquina de produção de efeitos, pois articula conceitos e noções culturais, a que se pode dar o amplo nome de linguagem. Assim, em “Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin”, tem-se a impressão da vida em seus múltiplos aspectos cotidianos, porque o texto transpõe para a linguagem verbal as variadas situações vividas por Carlitos e instituídas em signos da arte cinematográfica. Tem-se aí a noção, discutida nas duas poéticas de abertura do volume, de que a vida, antes de entrar para a arte, tem de se transformar em signo artístico, isto é, em símbolo, em tema, em tópica, em assunto, em arquétipo situacional, em estrutura narrativa e em figura de retórica. Somente assim se realiza a grande viagem da natureza para a cultura e desta para a arte. Tanto em “Consideração do Poema” quanto em “Procura da Poesia”, a criação poética é metaforizada na idéia de viagem: essa viagem é mortal, e começá-la; nem me reveles teus sentimentos,/que se prevalecem do equívoco e tentam a grande viagem. “Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin” apresenta outra noção importante para o conceito de poesia de A Rosa do Povo, que é a idéia de que, no mundo contemporâneo, o heroísmo não fica bem sem ironia. O penúltimo poema do livro também discute o conceito de arte, de poesia e de cultura. Trata-se de “Mário de Andrade Desce aos Infernos”, escrito por ocasião da morte do amigo e, em certos sentidos, mestre do poeta Carlos Drummond de Andrade. Nesse poema, há uma passagem sugestiva da flor como metáfora de poesia, que recorre de diversas maneiras em todo o volume. Aqui, ela pode ser metáfora do amigo que acaba de morrer: A rosa do povo despetala-se, Ou ainda conserva o pudor da alva? É um anúncio, um chamado, uma esperança embora frágil, pranto infantil no berço? Por esse fragmento, percebe-se a idéia de que, apesar da ironia, a poesia possui uma missão: anuncia, convoca, dá esperança. No final do terceiro verso, o canto poético é comparado, em tom interrogativo, com o choro de criança. Trata-se de uma voz inoperante em face dos negócios concretos do mundo, mas é também inevitável e absoluta. Em “Consideração do Poema” o eu lírico confessa que arriscou toda a vida na literatura. Nesse sentido, o SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 125 • ANGLO VESTIBULARES ceticismo irônico seria apenas um modo de construção da ficção poética, que pretende ser cristal e vencer o tempo. Essa noção encontra-se também nas poéticas de abertura de A Rosa do Povo. Dar tudo pela presença dos longínquos, sentir que há ecos, poucos, mas cristal, não rocha apenas, peixes circulando sob o navio que leva esta mensagem, e aves de bico longo conferindo sua derrota, e dois ou três faróis, últimos! esperança do mar negro. Consideração do Poema Em “Consideração do Poema”, há uma espécie de declaração do princípio de que a poesia, resultando de uma atitude intelectual, decorre das opções artísticas do poeta e, por isso mesmo, funde-se com a existência, marcada pela própria experiência poética passada (uma pedra no meio do caminho) e por leituras de poetas contemporâneos (Vinícius de Morais, Murilo Mendes, Pablo Neruda, Guillaume Apollinaire, Vladimir Maiakovski): Não rimarei a palavra sono com a incorrespodente palavra outono. Rimarei com a palavra carne ou qualquer outra, que todas me convêm. [...] Uma pedra no meio do caminho ou apenas um rastro, não importa. Estes poetas são meus. De todo o orgulho, de toda a precisão se incorporaram ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinícius sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo. Que Neruda me dê sua gravata chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski. São todos meus irmãos, não são jornais nem deslizar de lancha entre camélias: é toda minha vida que joguei. Além dessas noções, o poema informa sobre um dos principais temas do livro: o povo, isto é, as questões sociais — nada transcendentes e nem um pouco sentimentais, como deixam ver esses versos da parte final do texto: Poeta do finito e da matéria, cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas, boca tão seca, mas ardor tão casto. [...] Tal uma lâmina, o povo, meu poema, te atravessa. Enfim, o vocábulo povo encontra-se no próprio título do livro. Conforme se viu anteriormente, o vocábulo rosa será metáfora de poesia e ressurge em diversos poemas do livro. Esse texto de abertura ensina também que, embora sempre lógicos, os poemas do volume possuem algumas imagens obscuras, que destoam da racionalidade da média dos enunciados. Tanto nesse texto como nos demais de A Rosa do Povo, tais imagens devem ser entendidas como incorporação da poética surrealista. Além de indicar o diálogo com essa corrente da vanguarda européia, funcionam como meio de adensamento estético da frase. Observem-se os seguintes versos: SISTEMA ANGLO DE ENSINO Anteriormente, o texto vinha caracterizando a própria voz lírica, apresentada como observadora objetiva e impiedosa dos fatos dignos de se incorporarem ao canto. Subitamente, surgem esses versos obscuros, cuja função é caracterizar os caminhos desconhecidos e imprevistos da viagem da voz lírica por entre a linguagem e os assuntos de que pode tratar. O ensaio viu antes e retoma aqui a idéia de que a poesia se apresenta sob o signo da viagem, do trânsito imprevisto da natureza para a linguagem. Nesse fragmento, o canto poético é figurado como um navio que leva uma mensagem, carregado de imagens fragmentárias, que sugerem a multiplicidade de tópicas de que pode falar o poeta. Apensar da noite, que simboliza a imprevisibilidade da aventura da criação, ele possui dois ou três faróis que orientam a confecção poética, impedindo que o poema se perca no mar negro da jornada rumo à consecução da arte acabada. Procura da Poesia “Procura da Poesia” é semelhante ao poema comentado anteriormente. Aqui, como acontece com quase os poemas-manifestos, há uma parte que nega (não faças) e outra que afirma (penetra). Na primeira, o poeta expõe o que não se deve esperar da poesia; na segunda, apresenta suas reivindicações. O poeta recusa a poesia fundada na relação direta com o fato, supostamente apoiada no sentimentalismo das relações amorosas ou na subjetividade de circunstâncias pessoais: Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, Não aquece nem ilumina. As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. Não faças poesia com o corpo, Esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. [...] O que pensas e sentes ainda não é poesia. Na parte afirmativa, defende-se a idéia de poesia como fato lingüístico, como fenômeno de linguagem, que não a aparta da vida dos fenômenos, apenas pressupõe a mediação imagética coisa e signo: • 126 • Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. ANGLO VESTIBULARES Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. [...] Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: trouxeste a chave? Repara: Ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras. Ainda úmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo. Embora muito comentado pela fortuna crítica de Drummond, esse poema não se encontra suficientemente esclarecido. A dificuldade maior de seu entendimento consiste em que o poeta nega o valor dos acontecimentos (pessoais ou coletivos) como matéria de poesia num livro radicalmente voltado para a multiplicidade dos fatos pessoais e coletivos. Em substituição aos acontecimentos, esse texto recomenda o mergulho no reino das palavras, onde residem os poemas que esperam ser escritos. Se os fatos não contam, como entender poemas como “A Morte do Leiteiro” (o caso de um trabalhador que morre por ser confundido com um ladrão) ou “O Caso do Vestido” (a estória de um homem que solicita a mediação de sua esposa na conquista de outra mulher)? Se os incidentes pessoais também não servem à poesia, como interpretar poemas em que a voz lírica simula a presença do próprio pai (“Rua da Madrugada”, “No País dos Andrades”)? Alguma coisa requer explicação, pois parece haver uma contradição entre a poética de A Rosa do Povo e seus poemas concretamente considerados. Todavia, tal contradição é aparente e se desfaz com a compreensão efetiva do poema, discutido anteriormente e retomado a seguir. Normalmente, os críticos alegam que, com as negativas e as afirmações de “Procura da Poesia”, o poeta pretende ressaltar o valor da linguagem no processo poético. Isso é verdade, mas não é tudo. Ao dizer que os acontecimentos e os incidentes pessoais não devem entrar na poesia, o poeta pretende, de fato, defender a idéia de que poesia só se faz com temas, tópicas ou assuntos escolhidos, e não com os fatos em si. Como se viu anteriormente, o que entra na poesia são idéias ou representação dos fatos que se cristalizam nas palavras, na linguagem. Tanto os sentimentos pessoais quanto a vida em sociedade entram no poema, mas não como matéria bruta, senão como temas, idéias, imagens ou conceitos associados à realidade das coisas. É nesse sentido que se deve entender a noção de linguagem, que, no poema, aparece na perífrase reino das palavras. Por essa razão é que os poemas pré-existem a si próprios, isto é, são realidades virtuais que integram as hipóteses previstas pelo código da poesia de cada tempo, no caso, a recente tradição da poesia contemporânea. Assim, desfaz-se a aparente contradição entre a proposta de “Procura da Poesia” e a matéria so- SISTEMA ANGLO DE ENSINO cial e individual dos poemas de A Rosa do Povo, porque aí há muitos acontecimentos e muitos incidentes pessoais no livro, mas não como instancias singulares dos fenômenos, senão como conceitos gerais ou noções ideais, as quais ficcionalizam (instituem em ficção) as particularidades da vida concreta. Como toda arte, a poesia de Drummond resulta de operações intelectuais do juízo, da razão e cultura. Em outros termos, a natureza e os homens em sociedade, explicitamente negados como matéria do canto, tornam-se matéria do mesmo canto depois de se converterem em linguagem, isto é, quando transpostos para a condição de imagens ou conceitos culturais de natureza e de sociedade. Por essa perspectiva, um texto para ser, de fato, um poema deverá parecer com os poemas que integram a noção de poesia de um dado momento. No décimo livro da República, Platão explica que, ao construir uma cadeira, o artesão nada mais faz do que imitar a idéia de cadeira. Se o objeto resultante de seu trabalho não parecer com uma cadeira e não exercer a função que se espera de uma cadeira, não poderá ser considerado como cadeira. Será outra coisa. Assim, os textos de A Rosa do Povo serão tomados como poéticos desde que se aproximem do conceito de boa poesia adotado pelo autor e por seus leitores. É nesse sentido que os poemas moram no reino das palavras, isto é, residem no espaço convencional da linguagem, do código cultural da comunicação artística. O domínio competente desse código (trouxeste a chave?) produzirá o efeito de espontaneidade, de revolta, de singularidade ou indignação, dependendo do caso específico de cada texto. A Flor e a Náusea O terceiro poema de A Rosa do Povo, “A Flor e a Náusea”, é também uma espécie de poética, pois contém a síntese da visão política e existencial do volume, que consiste na crítica, por meio de metáforas e símbolos, da reificação a que está condenado o homem na sociedade capitalista. Surge aí, pela primeira vez, o vocábulo flor, como metáfora de poesia, que oferece uma mínima esperança para os tempos de crise: • 127 • Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias espreitam-me. Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me? Olhos sujos no relógio da torre: Não o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre Fundem-se no mesmo impasse. [...] Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. ANGLO VESTIBULARES Este é tempo de divisas, Tempo de gente cortada. De mãos viajando sem braços, Obscenos gestos avulsos. Uma flor ainda desbotada Ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. Sento-me no chão da capital do país às cinco horas [da tarde E lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolu[mam-se, Pequenos pontos brancos movem-se no mar, ga[linhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o [nojo e o ódio. No primeiro fragmento, em versos de extrema modernidade, a voz lírica incorpora noções típicas do intelectual de convicções marxistas (preso à minha classe e a algumas roupas) e do existencialismo (o tempo não chegou de completa justiça). Em ambos os casos, a revolta impõe-se como tema do poema que se inicia: devo seguir até o enjôo/posso sem armas revoltar-me. Na seqüência, o texto enumera imagens que traduzem a indisposição do indivíduo correto contra o mundo errado. À beira do desespero, este se apega à poesia como instrumento de confronto: uma flor nasceu na rua!/Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. O título do poema alude ao romance A Náusea, do filósofo existencialista Jean Paul Sartre, que fornece certa linha de argumento temático de A Rosa do Povo. Como hipótese de solução para a crise do conflito entre o indivíduo e a sociedade, resta à voz lírica a adesão ao mito da rebeldia das hipóteses alternativas, tal como se vê no final desse texto importante, em que se retoma de maneira convincente a antipatia contra a mais-valia capitalista, anunciada em “A Flor e a Náusea”: O poeta declina de toda a responsabilidade na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras [armas promete ajudar a a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme. Além da modernidade da adesão marxista, A Rosa do Povo possui dois poemas de aberta propaganda da utopia comunista, então considerada como hipótese histórica que seduziu grande parte de artistas conscientemente radicais: “Mas Viveremos” e “Com o Russo em Berlim”. No primeiro destes, o comunismo é figurado, primeiro, como uma estrela cintilante; depois, como uma espécie de navio da esperança vermelha: Pouco importa que dedos se desliguem e não se escrevam cartas nem se façam sinais da praia ao rubro couraçado. Ele chegará, ele viaja o mundo. E ganhará enfim todos os portos, avião sem bombas entre Natal e China, petróleo, flores, crianças estudando, beijo de moça, trigo e sol nascendo. Ele caminhará nas avenidas, entrará nas casas, abolirá os mortos, ele viaja sempre, esse navio, essa rosa, esse canto, essa palavras. autoraricatura Nosso Tempo Na linha da poesia social, destaca-se, ainda, o poema “Nosso Tempo”, que apresenta um amplo painel da fragmentação psicológica, política e social da época, em que a guerra e a desconfiança dividiam as pessoas: Este é tempo de partido, Tempo de homens partidos. [...] SISTEMA ANGLO DE ENSINO Os versos idealizam a era comunista como uma espécie de idade de ouro moderna, em que haverá paz e fartura para todos. A seqüência trigo e sol nascendo associa esse poema moderno à tópica da sociedade sem classes dos antigos pastores ideais, o que pode ser interpretado como possível ironia do autor à própria convicção política. Conforme se viu anteriormente, grandes artistas e intelectuais dos anos 1940 partilharam da convicção comunista. Jorge Amado é o caso mais célebre no Brasil. Em seu romance Seara Vermelha, de 1946, há passagens de aberta alegoria ideológica, tal como se vê nessas estrofes de A Rosa do Povo. Outro índice do tempo presente no livro de Drummond é, viu-se antes, a alusão à Segunda Grande Guerra, tal como se observa nos poemas “Carta a Stalingrado”, “Telegrama de Moscou”, “Visão 1944” e “Notícias”, entre outros. • 128 • ANGLO VESTIBULARES Tema Amoroso, Estilo Mesclado O tema amoroso é muito forte em A Rosa do Povo. “Caso do Vestido”, um dos mais populares poemas do livro, é estória de amor em forma de diálogo. Trata-se de um sentimento absurdo, em que uma esposa implora que uma mulher fatal durma com seu marido, para lhe satisfazer a vontade: Eu não amo teu marido, me falou ela se rindo. Merquior. Ótimo exemplo de mistura de estilos em A Rosa do Povo encontra-se no poema “Anúncio da Rosa”. Aí, imagina-se a notícia da venda irônica de algo que não se pode vender, razão pela qual a linguagem oscila entre afirmações e negaceios, coloquialismos e expressões eruditas. O objeto de venda é uma flor, mas que também pode ser a arte ou a poesia, postas em situação de negócio: Imenso trabalho nos custa a flor. Por menos de oito contos vendê-la? Nunca. Primavera não há mais doce, rosa tão meiga onde abrirá? Não, cavalheiros, sede permeáveis. [...] Por preço tão vil mas peça, como direi, aurilavrada, não, é cruel existir em tempo assim filaucioso. Injusto padecer exílio, pequenas cólicas cotidianas, oferecer-vos alta mercancia estelar e sofrer vossa [irrisão. Mas posso ficar com ele se a senhora fizer gosto, só pra lhe satisfazer, não por mim, não quero homem. Olhei para vosso pai, os olhos dele pediam. Olhei para a dona ruim, os olhos dela gozavam. Aí, como em quase todo poema do gênero, o amor será sempre amaro, isto é, amargo. Sem nenhum conceito explícito, a narrativa do poema esconde um conceito sobre o indivíduo e sobre a família, tal como se deixam vislumbrar em certos arquétipos do imaginário popular: o homem define-se pelo exclusivismo da vontade; a mulher, pela submissão a seu ponto na hierarquia familiar. Não obstante, a unidade de caráter reside nesta, e não naquele. “O Mito” é um longo texto sobre o conceito de amor, voltado para o tema da idealização da mulher, que entra para a arte sem sair da vida cotidiana do século XX. Nesse poema, pode-se observar um traço importante de A Rosa do Povo, que é a transferência de um assunto tradicionalmente elevado, o conceito de contemplação amorosa, para o ambiente prosaico da sociedade moderna, o que necessariamente implica a mistura de diferentes espécies de vocábulos e a interpenetração de elementos de esferas semânticas distintas: Menos eu... que de orgulhoso me basto pensando nela. Pensando com unha, plasma, fúria, gilete, desânimo. Como se trata de texto experimental, convém recorrer ao dicionário e examinar o astucioso emprego de alguns vocábulos: Aurilavrado: trabalhado em ouro; filaucioso: egoísta, presunçoso; mercancia: mercadoria; irrisão: zombaria, escárnio. Se se admitir que o texto fala do valor da arte na sociedade capitalista, ter-se-á de concluir que propõe a ironia como postura ideal para a produção de poesia nos tempos modernos. Daí o tom sarcástico diante da situação que estabelece baixo preço para o que pode valer muito. Termina com a idéia de que a burguesia apodrece. Seria possível também imaginar que o texto ridiculariza o poeta antiquado querendo sustentar o emprego de linguagem velha em tempos modernos. Simples na aparência, esse talvez seja um dos textos mais equívocos de A Rosa do Povo, perdendo, nesse sentido, para “Áporo”, outra experiência enigmática com a linguagem. Na dimensão do estilo mesclado enquadra-se, também, o poema “Nova Canção do Exílio”, paródia do célebre poema de Gonçalves Dias, caracterizada pela radicalidade do estilo telegráfico, herdado do primeiro modernismo: Amor tão disparatado. Desbaratado é que é... Nunca a sentei no meu colo nem vi pela fechadura. Ainda um grito de vida e voltar para onde é tudo belo e fantástico: a palmeira, o sabiá, o longe. Mas eu sei quanto me custa manter esse gelo digno, essa indiferença gaia e não gritar: Vem, Fulana! A essa espécie de montagem, de origem cubista e surrealista, dá-se o nome de estilo mesclado, estudado em Drummond pelo crítico José Guilherme SISTEMA ANGLO DE ENSINO Sem nenhuma utopia nacionalista, o espaço mítico de Drummond caracteriza-se, antes, pela idealização de um ponto abstrato em que o indivíduo pudesse encontrar o vazio da própria solidão e sentir-se bem aí. • 129 • ANGLO VESTIBULARES antes um questionamento temático, um esforço dialético do espírito ou se traduzem como desejo de participar de um debate instaurado pela mais remota tradição da lírica ocidental. Reflexões sobre a passagem do tempo, a intromissão do passado no presente, o início da velhice e outras carências do indivíduo formam o núcleo temático dos decassílabos de “Versos à Boca da Noite”: Sinto que o tempo sobre mim abate sua mão pesada. Rugas, dentes, calva... Uma aceitação maior de tudo, e o medo de novas descobertas. [...] Família de Drummond. O poeta acha-se à esquerda, de braços cruzados. Mas vem o tempo e a idéia de passado visitar-te na curva de um jardim. Vem a recordação, e te penetra dentro de um cinema, subitamente. Retrato de Família Além de se manifestar no tema amoroso, o genro lírico consubstancia-se em diversos poemas sobre a família, entendida como os antecedentes da formação do indivíduo. “Retrato de Família” contém uma descrição metafórica de uma antiga fotografia, em que o passado é interpretado como antecipação do presente, que se torna misterioso pelas projeções ancestrais. Também tematizam a família os poemas “Rua da Madrugada” e “No País dos Andrades”. A persistência da memória é o núcleo temático de “Resíduo”, em que o tema da memória se funde com a idéia de que o presente é a somatória de experiências passadas e, por isso, dolorosas: Pois de tudo fica um pouco. Fica um pouco de teu queixo No queixo de tua filha. [...] E de tudo fica um pouco. Oh abre os vidros de loção E abafa O insuportável mau cheiro da memória. Se o poema tematiza a permanência do humano, não se pode extrair dele nenhuma idéia de transcendência. O pensamento geral de A Rosa do Povo é dominado, antes, pela idéia do circunstancial, do material e do histórico. Os traços que compõem o indivíduo decorrem da história ou da genética. Podem se associar tanto à insistência de um traço de caráter quanto à permanência de um rato ou de um botão. E as memórias escorrem do pescoço, do paletó, da guerra, do arco-íris; enroscam-se no sono e te perseguem, à busca de pupila que as reflita. E depois das memórias vem o tempo trazer novo sortimento de memórias, até que, fatigado, te recuses e não saibas se a vida é ou foi. O verso final do fragmento é particularmente significativo para a compreensão do repertório temático de A Rosa do Povo. Aí se condensa a tópica da intromissão do passado no presente, cristalizando a idéia de que o momento atual nada mais é do que a confluência de experiências preteridas, idéia forte nos poemas de ponderação existencial do volume. Em “Morte no Avião” o impasse da completa dissolução ganha corpo no monólogo de um homem que recompõe o último dia de sua vida, que termina com um desastre aéreo. Aspecto instigante do poema é o ponto de vista da elocução. Quem fala? De onde fala? Qual sua relação com o que fala? Objetivo e quase indiferente, o relato tanto pode ser atribuído a alguém que já morreu quanto a alguém que sabe da morte próxima sem que haja condição lógica para isso. Há paradoxo em ambos os casos. Em qualquer das hipóteses, o absurdo incrustado no cotidiano da cidade grande confere densidade ficcional ao texto, cujo início é tão incisivo quanto o final: Tempo, Corrosão, Morte Em Drummond, a pessoa carregará sempre um “eu todo retorcido”. Terá dificuldades com o seu “fatal lado esquerdo”. Será problematizante. A inquietação do pensamento poético de A Rosa do Povo associa-se a certas tópicas da tradição da poesia européia, como a passagem do tempo, a inevitabilidade da morte e a ameaça do medo. Talvez fosse melhor não entender a poesia reflexiva de Drummond como decorrência de sua experiência verdadeira com a vida, porque em 1945 o poeta tinha apenas quarenta e três anos. Suas inquietudes serão SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 130 • Acordo para a morte. Barbeio-me, visto-me, calço-me. É meu último dia: um dia Cortado de nenhum pressentimento. Tudo funciona como sempre. Saio para a rua. Vou morrer. [...] golpe vibrado no ar, lâmina de vento no pescoço, [raio choque estrondo fulguração rolamos pulverizados caio verticalmente e me transformo em notícias. ANGLO VESTIBULARES Como em todos os poemas de A Rosa do Povo, aqui o homem não acaba em transcendência. Depois da morte, a personagem não se transforma em alma, mas em notícia. Vira matéria de jornal. Há um poema que, pelo assunto, se aproxima de “Morte no Avião”. Trata-se de “Os Últimos Dias”, espécie de arte de morrer ou preparação para a morte. Nela, a voz lírica imagina como seria a percepção do mundo se fosse possível prever o exato instante do fim. Entre os preparativos para o encontro solene, propõe-se uma orgulhosa resignação, sem medo ou remorso: E que a hora esperada não seja vil, manchada [de medo, submissão ou cálculo. Bem sei, um elemento de dor rói sua base. Será rígida, sinistra, deserta, mas não a quero negando as outras horas nem [as palavras ditas antes com voz firme, os pensamentos maduramente pensados, os atos que atrás de si deixaram situações. Que o riso sem boca não a aterrorize, e a sombra da cama calcária não a encha de súplicas, dedos torcidos, lívido suor de remorso. Ainda aqui, o extremo da experiência humana não desperta nenhum dos mitos salvacionistas da teologia cristã. A dureza de algumas imagens condiz com o realismo do pensamento geral do texto, tal como se vê em riso sem boca (morte) e cama calcária (cova). Mas, se o medo não deve macular a extrema experiência do homem, nem por isso deixa de o acompanhar nas pequenas coisas do dia-a-dia. Esse é o tema do poema “O Medo”, que fala da condição pouco heróica da pessoa em seu funcionamento diário, perdida entre as pequenas coisas da vida: Mário de Andrade e Charlie Chaplin A amargura dos poemas sobre o tempo, a velhice e a família se dissolve um pouco na homenagem aos grandes artistas, tal como se observa em “Mário de Andrade Desce aos Infernos” e “Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin”. Em ambos os textos, os homenageados funcionam como metonímia de arte, de solidariedade e de comunicação humana, síntese da idéia de poesia em A Rosa do Povo. LEITURA E EXERCÍCIOS Texto para a questão 1 Vomitar esse tédio sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem. 1. O texto pertence a “A Flor e a Náusea”. Assinale a alternativa correta: a) integra o núcleo temático do existencialismo: revolta contra a desigualdade social no país. b) integra o núcleo temático do amar-amaro: expressão da angústia decorrente da solidão coletiva. c) integra o núcleo temático do impasse social: revolta contra o isolamento do indivíduo. d) integra o núcleo temático do impasse existencial: revolta contra uma inércia sem explicação. e) integra o núcleo temático da crise do indivíduo: irritação contra os valores capitalistas. Faremos casas de medo, duros tijolos de medo, medrosos caules, repuxos, ruas só de medo e calma. E com asas de prudência, com resplendores covardes, atingiremos o cimo de nossa cauta subida. O medo, com suas física, tanto produz: carcereiros, edifícios, escritores, este poema; outras vidas. Partindo de metáforas concretas, o poema formula uma noção abstrata. Trata-se da alegoria da tópica de que o motor da história não será jamais a coragem, mas sim o temor, a pequenez. SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 131 • Texto para a questão 2 Carrego comigo Há dezenas de anos Há centenas de anos O pequeno embrulho. [...] Já não me recordo Onde o encontrei. Se foi um presente Ou se foi furtado. [...] Não ouso entreabri-lo. Que coisa contém, ou se algo contém, nunca saberei. [...] Não sei que seja. Eu não a escolhi. Jamais a fitei. Mas levo uma coisa. Não estou vazio, não estou sozinho, pois anda comigo algo indescritível. ANGLO VESTIBULARES mas ainda é tempo de viver e contar. Certas histórias não se perderam. Conheço bem esta casa, pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se, a sala grande conduz a quartos terríveis, como o do enterro que não foi feito, do corpo esquecido na mesa, conduz à copa de frutas ácidas, ao claro jardim central, à água que goteja e segreda o incesto, a bênção, a partida, conduz às celas fechadas, que contêm: Papéis? Crimes? Moedas? 2. O fragmento pertence a “Carrego Comigo”. Observe as afirmações e assinale a alternativa correta: I. Texto alegórico, de dimensão mais filosófica do que social. II. A “coisa” misteriosa pode ser a identidade do eu lírico. III. Trata-se de alegoria do pecado original. a) Todas estão corretas. b) Todas estão erradas. c) Somente III está correta. d) Somente I e II estão corretas. e) Somente I e III estão corretas. Texto para a questão 3 O rosto no travesseiro, escuto o tempo fluindo no mais completo silêncio. Como remédio entornado em camisa de doente; como dedo na penugem de braço de namorada; como vento no cabelo, fluindo: fiquei mais moço. Já não tenho cicatriz. 4. O poema pertence ao núcleo de poesia social de A Rosa do Povo. Responda: a) Pode ser considerado como exemplo da chamada poesia do impasse ou da crise. Por que? b) Na primeira unidade, afirma-se que as leis não dão conta de uma organização social justa. Qual o argumento do poeta contra o domínio da lei? Texto para a questão 5 Consolo na Praia Vamos, não chores... A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. 3. O texto pertence a “Desfile”. Assinale a alternativa correta: a) Dominado por processo reiterativo e por comparação lógica entre juventude e cicatriz. b) Marcado por processo reiterativo e pela comparação entre elementos logicamente desconexos: remédio, dedo, vento, juventude (enumeração caótica). c) Dominado por nítida inclinação tautológica, com metonímia: o vocábulo cicatriz emprega-se como metáfora de juventude. d) Dominado por processo metafórico, com reiteração gradativa de elementos logicamente relacionados: remédio, dedo, vento, juventude, cicatriz (enumeração caótica). e) Com versos metrificados e gradação do elemento menor para o maior: travesseiro, tempo, doente, cicatriz. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possui casa, navio, terra. mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour? Texto para a questão 4 Nosso Tempo Este é tempo de partido, tempo de homens partidos. A injustiça não se resolve. À Sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra [...] E continuamos. É tempo de muletas. Tempo de mortos faladores e velhas paralíticas, nostálgicas de bailado, Tudo somado, devias precipitar-te, de vez, nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho. SISTEMA ANGLO DE ENSINO 5. O título insinua o contrário do que o texto sugere. Responda: a) Em que consiste a contradição entre o título e o sentido geral do poema? b) O poema é irônico. Por que? • 132 • ANGLO VESTIBULARES b) A última palavra do primeiro verso e a primeira do segundo evidenciam um procedimento típico do estilo de A Rosa do Povo, que pode ser observado tanto no início de “Morte do Leiteiro” quanto em “Consolo na Praia”. De que procedimento se trata? Qual sua função na poesia moderna? Texto para a questão 6 Morte do Leiteiro Há pouco leite no país, é preciso entregá-lo cedo. Há muita sede no país, é preciso entregá-lo cedo. Há no país uma legenda, Que ladrão se mata com tiro. [...] Mas este acordou em pânico (ladrões infestam o bairro), não quis saber de mais nada. O revólver da gaveta Saltou para sua mão. Ladrão? Se pega com tiro. Os tiros na madrugada liquidaram meu leiteiro. Se era noivo, se era virgem, se era alegre, se era bom, Não sei, é tarde para saber. Texto para a questão 8 Episódio Manhã cedo passa à minha porta um boi. De onde vem ele se não há fazendas? Vem cheirando o tempo entre noite e rosa. Pára à minha porta sua lenta máquina. Alheio à polícia Anterior ao tráfego ó boi, me conquistas para outro, teu reino. 6. A comparação entre a primeira estrofe e o final da segunda revela um paralelo e uma oposição significativos. Responda: a) Em que consiste tal oposição? b) Há uma imagem em particular que se afasta da regularidade lógica do poema. De que imagem se trata? Qual sua função na significação geral do texto? Texto para a questão 7 Áporo Um inseto cava cava sem alarme perfurando a terra sem achar escape. Seguro teus chifres: eis-me transportado sonho e compromisso ao País Profundo. 8. O poema apresenta pequena narrativa alegórica. Responda: a) Ao irromper do nada em meio à cidade, o que simboliza o boi? b) A expressão “País Profundo” está grafada com iniciais maiúsculas. Qual o sentido dessa expressão na economia geral do poema? Texto para a questão 9 Mário de Andrade Desce aos Infernos A rosa do povo despetala-se, ou ainda conserva o pudor da alva? É um anúncio, um chamado, uma esperança embora frágil, pranto infantil no berço? Talvez apenas um ai de resta, quem sabe. Mas há um ouvido mais fino que escuta, um peito de artista que incha. e uma rosa se abre, um segredo comunica-se, o poeta anunciou, o poeta, nas trevas, anunciou. Que fazer, exausto, em país bloqueado, enlace de noite raiz e minério? Eis que o labirinto (oh razão, mistério) presto se desata: em verde, sozinha, antieuclidiana, uma orquídea forma-se. 7. A imagem da flor ou da rosa é recorrente em A Rosa do Povo. Responda: a) O poema encena uma situação de impasse, que se insinua pela imagem do país bloqueado, entre outras. Qual o sentido do surgimento da orquídea no final? SISTEMA ANGLO DE ENSINO 9. A rosa é símbolo importante em A Rosa do Povo. Responda: a) Ao anunciar a rosa do povo como símbolo de poesia, como o poeta a caracteriza? b) Pela lógica do texto, todos os leitores se comportam de maneira uniforme diante da rosa do povo? Há diferenças em sua recepção? Se houver diferença, qual seria ela? • 133 • ANGLO VESTIBULARES RESPOSTAS 1. D 2. D 3. B 4. a) Porque o enunciado apresenta problemas, questões e críticas para as quais não vislumbra soluções. O poema insinua que a solução consiste na unidade, mas demonstra que o mundo é fragmentado e sem sentido. b) As leis não garantem alimentação (carne), moradia (fogo) nem conforto (sapato). Além disso, as leis divorciaram-se demais da natureza, pois não conseguem regular o nascimento dos lírios. 5. a) O título anuncia consolo; e o poema tematiza o total desespero. A recomendação final do sono como forma de solução evidencia que não há saída para o impasse da personagem, despida de todo amparo moral e físico. b) A primeira ironia consiste em anunciar consolo e apresentar desespero. Depois, ela se prolonga por todo o poema, cujo tom é ameno no anúncio da carência total. A diferença entre tom e matéria resulta em ironia. 6. a) Na primeira estrofe, predomina a impessoalidade de uma voz objetiva, que não individualiza as noções. No final da segunda estrofe, o texto esforça-se por personalizar as noções, individualizando o caso singular de um leiteiro específico. b) Trata-se da seguinte passagem: “O revólver da gaveta/saltou para sua mão”. Trata-se de uma prosopoéia ou personificação, cuja função realça a ação mecânica do burguês ao tirar a vida de um trabalhador. SISTEMA ANGLO DE ENSINO 7. a) O surgimento da orquídea pode simbolizar o nascimento de uma solução para a crise figurada ao longo do texto. Como, no livro, a imagem da flor simboliza a poesia, pode-se admitir que ela seja uma solução para os impasses da vida social. b) Trata-se da repetição, processo muito freqüente em A Rosa do Povo. A repetição pode assumir várias formas na poesia moderna. Quase sempre sugere a mesmice e a rapidez com que se reproduzem as coisas do cotidiano. 8. a) O boi simboliza a natureza, que surge inexplicavelmente para reconquistar seu lugar no espaço civilizado da cidade. b) A expressão indica o espaço abstrato das forças inconscientes do indivíduo, que se identificam com as formas simples da natureza. 9. a) Identificada como “rosa do povo”, a poesia é apresentada como uma força espontânea e sem muita eficácia, embora represente a dimensão pura de algumas manifestações culturais. Associa-se à idéia de fragilidade, de pranto e de infância. Mas na consciência de suas limitações consiste sua verdadeira força. b) A “rosa do povo” não é percebida de maneira uniforme. Aqueles que a percebem devidamente são seres mais sensíveis, dotados de talento artístico. Embora seja “do povo”, a poesia não é assimilada por todos. • 134 • ANGLO VESTIBULARES