1
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação
Tais Bushatsky MATHIAS
PANORAMA SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO
DE BIBLIOTECONOMIA NO BRASIL: A EXPERIÊNCIA
DA FABCI/FESPSP
São Paulo
2013
2
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação
Tais Bushatsky MATHIAS
PANORAMA SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO
DE BIBLIOTECONOMIA NO BRASIL: A EXPERIÊNCIA
DA FABCI/FESPSP
Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade de
Biblioteconomia e Ciência da Informação da
Fundação Escola de Sociologia e Política de São
Paulo para obtenção do título de bacharel em
Biblioteconomia.
Orientadora: Profa. Dra. Valéria Martin Valls
São Paulo
2013
3
Mathias, Taís Bushatsky, 1988Panorama sobre práticas pedagógicas no ensino de Biblioteconomia no
Brasil: a experiência da FaBCI/FESPSP / Taís Bushatsky Mathias. – 2013.
101 f. : il., 30 cm.
Orientadora: Profª. Dra. Valéria Martin Valls
Coordenadora: Prof. Dra. Maria Ignês Carlos Magno
Trabalho de conclusão de curso (bacharelado) - Faculdade
de Biblioteconomia e Ciência da Informação- FESPSP- Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo.
Inclui anexo e bibliografia.
1.Ensino de Biblioteconomia. 2. Ensino com pesquisa. 3. Práticas
pedagógicas. I. Valls, Valéria Martin II. Título.
4
Autor: Taís Bushatsky MATHIAS
Panorama sobre práticas pedagógicas no ensino de Biblioteconomia no Brasil:
a experiência da FaBCI/FESPSP
Conceito:
Banca Exminadora:
Professor(a)
Assinatura
______________________________________________
Professor(a)
Assinatura
_______________________________________________
Professor(a)
Assinatura
________________________________________________
Data da Aprovação: ______/______/______
5
Aos familiares, docentes e bibliotecários que contribuíram para minha
formação e, que mesmo sem intenções de fazê-lo em alguns momentos,
demonstraram a importância da escuta ao outro, da constante curiosidade e
realização de pesquisas, das mediações e da escolha de palavras geradoras
para a transformação de algo ou alguém. Aos meus amores: Lua, Rajard,
Salém, Tom, Satrapi e Nico.
6
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho deu-se, principalmente, pela participação de
docentes e discentes que incentivaram e acompanharam minha trajetória. Buscando
diferenciar este texto do que foi elaborado para a dedicatória, agradeço àqueles que
estiveram diretamente envolvidos na realização desta pesquisa.
Agradeço à minha professora e orientadora Valéria Martin Valls pela
paciência e prontidão para esclarecer minhas dúvidas e motivar meu desejo de
pesquisar. Agradeço também ao professor Ivan Russeff pelas provocações, poesias
declamadas e pelo caríssimo Manoel. A ambos, agradeço por ter realizado uma
pesquisa honesta ao vivenciar com eles a relação horizontal entre professor e aluno,
tão defendida neste trabalho.
Agradeço a todo o corpo docente da FaBCI/FESPSP, com destaque à
professora que influenciou a escolha da temática desenvolvida nesta pesquisa: Profª
e Msª Adriana Souza.
Agradeço a todos os colegas de classe que auxiliaram, durante três anos, a
realização dos trabalhos, motivando minha formação e ensinando conteúdos que
não estavam no currículo.
Agradeço aos educadores admiráveis com os quais tenho o prazer de
trabalhar e que motivam o meu ingresso no campo da Educação: Aline Silva, Camila
Flora, Filipe Falcone, Letícia Scrivano, Marília Carvalho, Paula Yurie, Rafael Ribeiro
e Yukie Matuzawa.
Agradeço ao Flávio Cescato, agregado nas horas vagas, principalmente para
assistir Doctor Who e Sherlock Holmes.
Por fim, agradeço à minha mãe, Miriam Bushatsky, que admira a filha e às
vezes esquece que também é admirada, pois é uma figura de grande influência para
a minha escolha por atuar e estudar o campo da Educação. À minha tia Ângela
Bushatsky, pelo exemplo de pesquisadora e por ser a revisora oficial deste trabalho.
7
Nenhum discurso é inerentemente libertador ou opressivo. A condição
libertadora de qualquer discurso teórico é uma questão de investigação
histórica, não de proclamação teórica (Jana Sawicki, 1988, p. 166 apud
GORE, 1994, p. 9).
8
RESUMO
Este estudo propõe verificar se os Trabalhos Temáticos e Integrados (TTI), prática
pedagógica concebida no planejamento pedagógico da FaBCI/FESPSP de 2011,
podem ser considerados instrumentos pedagógicos que possuem características do
ensino com pesquisa. Para alcançar esse objetivo, além de levantamento
bibliográfico pertinente para a compreensão dos conceitos da Educação e do ensino
de Biblioteconomia no Brasil, foram realizadas entrevistas com docentes e discentes
que vivenciaram tais práticas, para refletir sobre a relevância dos TTIs. Os
resultados obtidos com a realização do levantamento bibliográfico e das informações
colhidas nas entrevistas, evidenciam a importância dada ao TTI pelos atores
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. As considerações finais revelam
que os Trabalhos Temáticos e Integrados apresentam características do ensino com
pesquisa, mas ainda estão se desenvolvendo para que atinjam todos os elementos
que caracterizam tal prática. Este estudo considera também a relevância do ensino
com pesquisa a construção de uma prática consciente e consolidação de uma visão
processual da formação “do” e “pelo” discente bem como do docente.
Palavras-chave: Trabalhos Temáticos e Integrados; Ensino de Biblioteconomia;
Paradigmas Educacionais; Ensino com pesquisa; Graduação em Biblioteconomia.
9
ABSTRACT
This study aims to verify whether the Thematic and Integrated Research, designed
pedagogical practice in educational planning FaBCI / FESPSP 2011, can be
considered as teaching instruments that have characteristics of teaching with
research. To achieve this goal, as well as relevant to understanding the concepts of
education and teaching Librarian Science in Brazil bibliographical survey, interviews
with teachers and students who have experienced such practices, to reflect on the
relevance of the work were conducted. The results obtained in carrying out the
literature review and the information gathered in the interviews show the importance
given to the work by the actors involved in the teaching-learning process. The final
considerations reveal that the Theme and Integrated Research exhibit characteristics
of teaching with research, but are still developing so that they reach all the elements
that characterize the practice. It also considers the relevance of education to
research to build a conscious practice and consolidation of a process view of the
formation " of " and " by " student and the teacher.
Palavras-chave: Thematic and Intagrate Research; Librarian Science teaching;
educational paradigms; teaching with research; Librarian Science college.
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 7.1: Trabalho Temático e Integrado 1º e 2º semestre – Eixo humanista,
acadêmico e cultural ................................................................................................. 62
Tabela
7.2
–
Trabalho
Temático
e
Integrado
3º
semestre
–
Eixo técnico e tecnológico ......................................................................................... 63
Tabela 7.3: Trabalho Temático e Integrado 3º semestre – Eixo organizacional e
gerencial .................................................................................................................... 63
Tabela 7.4: Trabalho Temático e Integrado 4º semestre – Eixo humanista,
acadêmico e cultural ................................................................................................. 63
Tabela 7.5: Total de entrevistas e questionários aplicados aos docentes e discentes
que realizaram os Trabalhos Temáticos e Integrados contemplados nos três eixos
curriculares ................................................................................................................ 64
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Especificação de autores utilizados em cada temática...........................19
Quadro 2 – Temas e comentários dos docentes avaliando os trabalhos temáticos e
integrados...................................................................................................................71
Quadro 3 – Dificuldades dos discentes......................................................................73
Quadro 4 - Temas e comentário dos discentes avaliando os trabalhos temáticos e
integrados...................................................................................................................78
Quadro 5 – Resumo dos comentários dos discentes.................................................84
Quadro 6 – Sugestões dos discentes para a melhoria dos trabalhos temáticos e
integrados...................................................................................................................87
Quadro 7 – Áreas de desenvolvimento estimulados pela pesquisa inserida na
concepção de aprendizagem do ensino com pesquisa.............................................90
12
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FESPSP
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
FaBCI
Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação
AVA
Ambiente Virtual de Aprendizagem
BN
Biblioteca Nacional
LDB
Lei de Diretrizes e Bases
IES
Instituição de Ensino Superior
PIBIC
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PIVIC
Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica
UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 14
2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 18
2.1 Objetivo geral ........................................................................................................................... 18
2.2 Objetivos específicos ............................................................................................................. 18
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 19
4 PANORAMA HISTÓRICO SOBRE O ENSINO DE BIBLIOTECONOMIA NO
BRASIL ..................................................................................................................... 21
4.1 A trajetória institucional da formação profissional e acadêmica do bibliotecário no
Brasil ................................................................................................................................................. 22
4.2 Novas bases para a formação do profissional bibliotecário .............................................. 27
5 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, CURRÍCULO E PARADIGMAS EDUCACIONAIS:
RELAÇÕES E REFLEXÕES .................................................................................... 31
5.1 O ensino e a aprendizagem com pesquisa: uma leitura sobre os Trabalhos Temáticos
e Integrados na FaBCI................................................................................................................... 43
6 ENSINO COM PESQUISA FORA DA SALA DE AULA ........................................ 51
6.1 Programa de incentivo à pesquisa científica na FaBCI/FESPSP .................................... 52
6.2 Ambiente Virtual de Aprendizagem ...................................................................................... 55
7 TEMÁTICA E INTEGRAÇÃO DE DISCIPLINAS: CONVERGÊNCIAS ENTRE OS
OLHARES DOS DOCENTES E DISCENTES DA FABCI/FESPSP ......................... 60
7.1 Análise dos comentários realizados pelos docentes da FaBCI/FESPSP ....................... 64
7.2 Análise dos comentários realizados pelos discentes da FaBCI/FESPSP ...................... 75
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 92
APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA AOS
DISCENTES .............................................................................................................. 99
APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA AOS
DISCENTES ............................................................................................................ 102
ANEXO A – PARÂMETROS DE CORREÇÃO DOS TRABALHOS TEMÁTICOS E
INTEGRADOS DE LITERATURA........................................................................... 103
14
1 INTRODUÇÃO
Por meio de um breve panorama histórico do ensino de Biblioteconomia no
Brasil, esta monografia analisa o ensino com pesquisa como prática pedagógica no
curso de graduação de Biblioteconomia e Ciência da Informação da Fundação
Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Para tanto, é considerada a base do
ensino com pesquisa, o paradigma pedagógico emergente ou da complexidade,
analisando de maneira breve o paradigma tradicional ou newtoniano-cartesiano
utilizado por inúmeras gerações ao longo dos anos, que ainda influenciam as
práticas sociais e, portanto, a educação. Além do entendimento sobre sua trajetória
e influência na prática pedagógica, serão considerados também seus reflexos na
ação docente e discente, dando ênfase à segunda. Dessa forma, realizou-se a
reflexão sobre ambos os atores e sobre a construção de uma prática pedagógica
pertinente ao novo paradigma.
Os Trabalhos Temáticos e Integrados desenvolvidos na Faculdade de
Biblioteconomia e Ciência da Informação são concebidos neste estudo como
práticas pedagógicas, ou seja, um conjunto de ações que formatam um instrumento
de ensino-aprendizagem planejadas pelo docente e realizadas em conjunto com os
discentes, a partir dos conteúdos das disciplinas. O objetivo de tais práticas é o
desenvolvimento de competências relacionadas à pesquisa e produção científica,
pelos discentes, além de permitirem compreender conceitos fundamentais dos
conteúdos previstos pelas disciplinas integradas.
No primeiro e no segundo semestres do curso de Biblioteconomia e Ciência
da Informação é proposto que os alunos realizem os Trabalhos Temáticos de obras
da literatura brasileira, em que o produto final deva consistir em um ensaio sobre
algum tema extraído da obra, destacando o texto literário como elemento de análise,
pois é a base para a discussão que será elaborada pelo aluno. O desenvolvimento
do trabalho é acompanhado por todos os docentes que lecionam para as turmas do
primeiro ano, e, portanto, são responsáveis por realizar o acompanhamento e
elaboração dos trabalhos. Para isso, auxiliam os alunos a: compreender as obras
literárias realizando discussões em sala sobre o autor, o contexto histórico, social,
cultural, político e econômico da produção literária; entender e fazer uso da
metodologia científica; iniciar a investigação e a pesquisa em fontes de informação
variadas; superar dificuldades com a escrita e a leitura. O processo de correção dos
trabalhos também é integrado e discutido entre os docentes.
15
Nos semestres subsequentes, os Trabalhos Temáticos são substituídos pelos
Trabalhos Integrados em algumas disciplinas nas quais os conteúdos são
direcionados às áreas de Biblioteconomia e Ciência da Informação.
Na presente pesquisa optou-se por utilizar o termo Trabalho Temático e
Integrado para denominar quaisquer trabalhos da FaBCI, seja o estudo desenvolvido
no primeiro ano com as obras de literatura brasileira, seja o estudo desenvolvido em
outras disciplinas integradas para aprofundar as temáticas relacionadas à gestão,
aos conhecimentos técnicos e tecnológicos, ou à área de humanidades que
compõem o currículo do curso de Biblioteconomia e Ciência da Informação da
FESPSP. Portanto, foi eliminada a diferença entre as nomenclaturas Trabalho
Temático – que identifica os trabalhos de literatura – e Trabalho Integrado – que
identifica os trabalhos especializados sobre os eixos curriculares citados acima.
Para a compreensão da trajetória dessa pesquisa, o trabalho congregou saberes
historiográficos e teóricos das áreas de Biblioteconomia e Educação. Além de
realizar as investigações por meio de entrevistas aos docentes e discentes da
FaBCI/FESPSP. Para isso, esta monografia foi constituída por quatro capítulos.
O
primeiro
apresenta
um
panorama
histórico
sobre
o
ensino
de
Biblioteconomia no Brasil objetivando compreender o desenvolvimento do ensino
desde as primeiras escolas que trouxeram os fundamentos da Biblioteconomia e as
influências estrangeiras sobre a formação profissional no Brasil. Ainda no primeiro
capítulo são apresentadas algumas mudanças no ensino de graduação com a Lei de
Diretrizes e Bases e novas tendências na formação do profissional ocasionadas
pelas transformações do mercado de trabalho, do avanço das tecnologias de
informação e comunicação, além da reflexão sobre a própria área científica da
Biblioteconomia e da Ciência da Informação.
Já no segundo capítulo são apresentadas as reflexões sobre a convergência
entre os paradigmas educacionais, as teorias do currículo e as práticas
pedagógicas. Buscou-se realizar nesse capítulo a reflexão panorâmica sobre como a
literatura compreende as mudanças na educação, objetivando traçar um paralelo
entre o ensino da Biblioteconomia e novas tendências na educação superior. A
ênfase foi dada ao Projeto Pedagógico da FaBCI buscando as relações com as
ideias de Donald Schön sobre a formação de um profissional que reflete na ação.
No terceiro capítulo foram reunidas as informações obtidas nas entrevistas
com os docentes e discentes, aprofundando o entendimento sobre os Trabalhos
Temáticos e Integrados, identificando os elementos em comum e distintos da
16
abordagem do ensino com pesquisa. Além disso, esse capítulo apresenta a
compreensão dos atores envolvidos, tornando perceptível sua visão sobre o
processo de ensino-aprendizagem.
Finalmente, no quarto capítulo estão reunidas as considerações sobre as
convergências entre a literatura pesquisada e as práticas pedagógicas realizadas na
FaBCI/FESPSP, por meio dos comentários dos docentes e discentes e dos teóricos
referenciados na pesquisa, buscando demonstrar o reflexo da teoria na pesquisa
prática e da prática na teoria.
Para ilustrar o esquema metodológico dessa pesquisa é apresentado um
mapa conceitual no qual estão dispostos os capítulos pré-textuais, aqueles que
compõem o desenvolvimento da pesquisa até as considerações finais.
17
18
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
Apresentar um panorama histórico sobre o ensino superior em Biblioteconomia a
partir da revisão de literatura para refletir sobre a formação do bacharel em
Biblioteconomia e Ciência da Informação na FaBCI/FESPSP e as práticas
pedagógicas contempladas no Projeto Pedagógico da instituição, averiguando
possíveis características do modelo de ensino emergente, com enfoque no ensino
com pesquisa.
2.2 Objetivos específicos

Relacionar o projeto pedagógico do curso e os depoimentos dos discentes e
docentes em relação aos trabalhos temáticos e integrados da FaBCI, a partir das
modificações curriculares de 2011.

Verificar em que medida os trabalhos temáticos e integrados ilustram as práticas
pedagógicas de um modelo de ensino emergente, especificamente o ensino com
pesquisa.
19
3 METODOLOGIA
Para a elaboração deste estudo, inicialmente foi realizado o levantamento de
produções científicas e a posterior elaboração de fichamentos para organizar as
informações sobre ensino superior, paradigmas educacionais e o panorama histórico
sobre o ensino de Biblioteconomia no Brasil. Abaixo, estão identificados os autores
utilizados em cada um dos assuntos tratados nesta pesquisa.
Quadro 1 – Especificação de autores utilizados em cada temática
ASSUNTO
Panorama histórico do ensino de Biblioteconomia
Lei de Diretrizes e Bases e novas perspectivas no
ensino de Biblioteconomia
Práticas pedagógicas,
educacionais
currículo
e
Ensino com pesquisa fora da sala de aula
Temática e integração de disciplinas
paradigmas
AUTOR UTILIZADO
CASTRO, César
SOUZA, Francisco das Chagas
RODRIGUES, Mara Eliane Fonseca
GUIMARÃES, José Augusto Chaves
BEHRENS, Marilda Aparecida
RODRIGUES, Mara Eliane Fonseca
CUNHA, Maria Isabel da
MORAES, Maria Cândida
KUHN, Thomas Samuel
SILVA, Tomaz Tadeu da
SCHÖN, Donald
GORE, Jennifer M.
GRINSPUN, Mirian Paula Sabrosa Zippin
RODRIGUES, Mara Eliane Fonseca
MASETTO, Marcos Tarciso
BEHRENS, Marilda Aparecida
PRIGOL, Edna Liz
RODRIGUES, Wellington Ferreira
SOARES, Sandra Regina
ANDRADE-PEREIRA, Fabiana
SANCHES, Ana Luiza Araez Requena
NAGLE, Jorge
CASALECCHI, José Ênio
SCHÖN, Donald
MASETTO, Marcos Tarciso
BEHRENS, Marilda Aparecida
1
A segunda etapa da pesquisa foi realizada por meio da elaboração de um
roteiro de entrevista semi-estruturada para coletar informações dos docentes e
discentes da FaBCI envolvidos com os Trabalhos Temáticos e Integrados,
realizando a investigação qualitativa com a coleta dos comentários de cada
entrevistado. Segundo Minayo (1994), a investigação qualitativa pode ser
compreendida
como aquela capaz de incorporar a questão do significado e da
intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas
sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua
transformação, como construções humanas significativas. (MINAYO, 1994,
p. 10)
20
Contextualizando a metodologia utilizada com os objetivos da pesquisa, é
possível compreender a opção pela abordagem qualitativa, formada por métodos
que permitem o entendimento do contexto social e suas relações, que impactam
sobre as análises dos sujeitos da pesquisa, propondo novas interpretações do objeto
de estudo.
A entrevista semi-estruturada pode ser compreendida, segundo Boni e
Quaresma (2005, p. 75), como a combinação de “perguntas abertas e fechadas,
onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto”. Dessa
forma, o pesquisador deve ter o domínio sobre os objetivos que deseja atingir com
as entrevistas, podendo aprofundar algumas questões mais do que outras.
Já a seleção dos docentes considerou para a escolha da amostra os
professores que possuem disciplinas que utilizam os Trabalhos Temáticos
Integrados. Foram selecionados docentes de cada eixo formativo da organização
curricular: humanista, acadêmico e cultural; técnico e tecnológico; organizacional e
gerencial.
Compreende-se, portanto, duas partes distintas desse estudo: A) Revisão de
literatura – organizada em dois capítulos. O primeiro apresenta um panorama
histórico sobre o ensino de Biblioteconomia no Brasil objetivando compreender o
desenvolvimento do ensino desde as primeiras escolas que trouxeram os
fundamentos da Biblioteconomia e as influências estrangeiras sobre a formação
profissional no Brasil. Além disso, analisa as novas perspectivas para o ensino de
Biblioteconomia. O segundo capítulo apresenta a teoria sobre os paradigmas
educacionais em convergência com a teoria do currículo e o conceito de ensino com
pesquisa. B) Trabalho empírico – organizado em dois capítulos. O primeiro
apresenta a análise dos comentários dos docentes sobre os Trabalhos Temáticos e
Integrados; análise dos comentários dos discentes sobre os Trabalhos Temáticos e
Integrados e, por fim, a análise geral sobre os comentários dos discentes
comparando-os à teoria. O segundo capítulo trás as considerações finais nas quais
os objetivos do trabalho são retomados e é realizada uma reflexão final sobre a
prática pedagógica no contexto da FaBCI/FESPSP.
21
4 PANORAMA HISTÓRICO SOBRE O ENSINO DE BIBLIOTECONOMIA NO
BRASIL
A configuração da escola de Biblioteconomia no Brasil permite analisar a
institucionalização da formação dos profissionais com o surgimento de escolas de
Ensino Superior, e os fatores internos – missão das escolas e estrutura curricular
dos cursos –, que permitem compreender a natureza da formação do profissional.
O conhecimento da história da formação bibliotecária considera tanto o ciclo
acadêmico – currículo mínimo, práticas pedagógicas, formação e produção do
conhecimento – quanto a prática profissional – relações de trabalho, participação e
representação de uma categoria profissional competente para oferecer serviço
qualificado no mercado de trabalho. Segundo Souza (2001), é importante
compreender a interdependência entre as duas esferas,
pois se a biblioteca depende do pensar e agir da/o bibliotecária/o, a/o qual
depende da forja da escola bibliotecária, então o fundamento que dá a
noção e a conduta daquele organismo em crescimento está na escola de
biblioteconomia que interpreta e explica o seu contexto, e ancora a sua
atuação, e não em outro lugar (SOUZA, 2001, p.132).
O contrário também é sugerido na fala de Souza (2001) ao considerar a
formação e a atuação do profissional como um processo em desenvolvimento, em
que a primeira “funciona como base estrutural da categoria profissional bibliotecária
e que este sistema não é estático” (SOUZA, 2011, p. 123). Ou seja, o movimento é
contínuo e recíproco, em que a educação embasa a profissão, e a profissão fornece
elementos para a elaboração de um pensamento crítico sobre o profissional e sua
contribuição social, propondo a reinvenção de sua atuação e de sua formação.
Portanto, a proposta do presente estudo, ao retomar o percurso histórico da
educação bibliotecária no Brasil, é realizar, a partir da revisão da literatura produzida
no século XXI, uma análise sobre as continuidades e rupturas no atual ensino de
graduação em Biblioteconomia, compreendendo a institucionalização da área e os
fatores que interferiram, ao longo da história, delineando o perfil do bacharel, sua
formação e as áreas de sua atuação.
A ênfase desse panorama será dada à chamada Biblioteconomia Nova,
instaurada a partir da década de 1930, para promover a discussão sobre o ensino de
Biblioteconomia, à luz da produção teórica de autores que são referência a este
estudo, como Francisco das Chagas Souza, Mara Eliane Fonseca Rodrigues e Vera
22
Lúcia A. Breglia. São pesquisadores cujas formações, como profissionais da
informação, proporcionaram a cada um, elementos empíricos e, posteriormente,
teóricos para questionar o modelo de ensino, considerando aspectos como: as
mudanças sociais e o posicionamento da escola e da categoria profissional; as
competências do bacharel e seu preparo para contribuir socialmente produzindo
saberes ao longo do processo histórico e político da institucionalização da profissão.
A compreensão da trajetória dos cursos de Biblioteconomia traz a dimensão
histórica da área, possibilitando a reflexão sobre quais características herdadas das
principais linhas de estudo ainda estão presentes nos cursos brasileiros: a francesa
e a estadunidense. A primeira, foi trazida para o Brasil no início do século XX,
acarretando algumas dificuldades que ocorreram devido a essa importação do
modelo de ensino europeu. A segunda influência, vinda pouco depois, foi norteamericana. Tendo em vista que essas influências foram importadas ao Brasil,
problematiza-se a questão das particularidades relacionadas à função social do
profissional em território nacional para atender às próprias necessidade culturais,
políticas e econômicas que distinguem o Brasil dos territórios europeu e norteamericano. Dessa forma, o item subsequente propõe reflexões para a compreensão
sobre esse quadro gerador da Biblioteconomia caracterizado por não ter sido
planejado e implantado a partir da realidade brasileira.
4.1 A trajetória institucional da formação profissional e acadêmica do
bibliotecário no Brasil
O processo de formação acadêmica e profissional bibliotecária no Brasil
ocorreu nos centros urbanos do Rio de Janeiro e São Paulo, onde as instituições
pioneiras foram influenciadas por diferentes cenários culturais, sendo que
A primeira experiência iniciou-se em 1915 [na Biblioteca Nacional] e refletia
a ainda predominante influência francesa que existia no Brasil, notadamente
sobre as elites intelectuais. A segunda experiência iniciou-se lentamente no
final dos anos vinte e consolidou-se como modelo aceito no final dos anos
40 com a reestruturação do Curso da Biblioteca Nacional que se adaptou ao
novo modelo (SOUZA, 2003, p. 20).
23
Além de ser caracterizado por sua influência europeia, segundo Castro (1998,
p. 37) “o Curso de Biblioteconomia, criado na BN1, tinha como objetivo sanar as
dificuldades existentes na biblioteca há gerações, quanto à qualificação de pessoal”.
Esse objetivo tornava o curso específico para atender a uma demanda da própria
instituição que precisava admitir funcionários e, ao mesmo tempo, inaugurava a
profissionalização e a trajetória do ensino de Biblioteconomia no Brasil.
A alavanca para a formação bibliotecária no Rio de Janeiro, no período de
1911 a 1922, foi fundamentada no Decreto no 8.835 de 11 de junho de 1911 que
“tratou da estruturação da BN [...] [das] atribuições do sub-bibliotecário [em que] não
há diferenças significativas entre as suas funções e do bibliotecário [...]” (CASTRO,
1998, p. 35-36).
Ocorre, então, a expansão da missão do curso de Biblioteconomia em
atender não apenas à carência de profissionais competentes para atuar nos setores
da Biblioteca Nacional, mas também a capacitação de funcionários para trabalharem
em outras bibliotecas públicas.
Enquanto a natureza do ensino no Rio de Janeiro foi do atendimento ao setor
público, em São Paulo o pioneirismo emergiu do setor privado com a biblioteca
escolar George Alexander, do Mackenzie College, fortemente influenciado pela linha
norte-americana que, segundo Castro (1998, p. 47), deveu-se ao “modelo
pragmático de ensino de biblioteconomia e organização de biblioteca, [...] [vir] em
consonância com a modernidade de ensino adotada pelo Mackenzie”.
Após dez anos do Curso Elementar de Biblioteconomia do Mackenzie
College, suas atividades são encerradas em 1936, mas a formação de profissionais
bibliotecários tem continuidade com Rubens Borba de Moraes, que transfere o
modelo paulista para o Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São
Paulo. Tal setor público fora, segundo Castro (1998, p. 52), “o ponto culminante
alcançado pelos mentores da Semana de Arte Moderna de 22, como Mário de
Andrade, Tácito de Almeida, Sérgio Milliet, Alcântara Machado, Paulo Duarte [...]”,
responsáveis pela criação da Divisão de Bibliotecas na Secretaria de Cultura, sendo
Borba de Moraes seu diretor.
“A Biblioteca Nacional do Brasil, considerada pela UNESCO uma das dez maiores bibliotecas
nacionais do mundo, é também a maior biblioteca da América Latina. [...] A FBN possui ainda um
Escritório de Direitos Autorais para registro e averbação de direitos de autor e também é a Agência
Nacional do ISBN (International Standard Book Number). Como tal, ela coordena e incentiva o uso do
sistema internacional de numeração de livros e atribui códigos às editoras e às publicações nacionais
para efeito de divulgação e comercialização. É, através do cumprimento da lei do Depósito Legal, a
Biblioteca Nacional, ao receber um exemplar do que se publica no Brasil, vai-se tornando a guardiã
da memória gráfica brasileira” (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, 2013)
1
24
A linha norte-americana de ensino permeia o curso paulista, desde sua
instauração pelo Mackenzie, nos anos de 1920, continuou no Departamento de
Cultura da Prefeitura de São Paulo, na década de 30 e, posteriormente, no curso da
Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo nos anos de 1940. Em sua
pesquisa, Castro (1998, p. 78) destaca as diferenças entre o ensino do Rio de
Janeiro e de São Paulo, em que “o primeiro [era] fortemente influenciado pela [...]
École de Chartes, conservadora e enciclopedista e, o segundo, pela Columbia
University, essencialmente técnica”. Rodrigues (2008), a propósito destaca que
não podemos esquecer também da influência [sobre o ensino paulista] da
Graduate Library School of University of Chicago, conhecida como a Escola
de Chicago, considerada o centro intelectual da biblioteconomia dos
Estados Unidos entre os anos 30 e 60 e que se destacou por focar seus
estudos na questão da função social da biblioteca e do bibliotecário
(RODRIGUES, 2008, p. 70).
As pretensões modernizadoras de São Paulo foram difundidas pelo Brasil. As
necessidades modernizadoras vistas pela elite paulistana foram incentivadoras,
segundo Souza (2003), da importação do modelo de ensino da Biblioteconomia
Nova2, mas o processo segundo o qual foi implantado não considerou as diferenças
dos contextos social, econômico e político distintos entre Brasil e Estados Unidos da
América. A importação de tal modelo foi analisada por Souza (2003) da seguinte
forma:
Se, por um lado, era aceita pelos modernizadores sua configuração técnica,
como forma de preparar especialistas para organizar as coleções
documentais, por outro lado, aqui no Brasil, ele não receberia o suporte
acadêmico com que fora concebido e com o qual era realizado nos Estados
Unidos. Naquele país, como condição estabelecida pela ALA 3, desde a
década de vinte, o Curso somente seria credenciado, se realizado em nível
de pós-graduação [...]. Nessa condição, o curso era realizado em um ou
dois anos com matérias somente de conteúdo profissional (técnicas), findo o
qual o candidato recebia uma titulação profissional de Master of Library
Science (SOUZA, 2003, p. 91).
Além da inadequação, apontada por Souza (2003), do modelo importado pelo
Brasil no contexto da modernização da sociedade brasileira, a implantação de um
2
Biblioteconomia Nova: termo retirado na tese de Francisco das Chagas Souza. O autor utiliza esse
termo para se referir ao modelo de ensino e de atuação do profissional qualificado como tecnicista,
importado dos Estados Unidos e adotados no Brasil em substituição ao modelo de ensino francês.
3
American Library Association foi fundada em 1876. Sua missão é exercer a liderança para o
desenvolvimento, promoção e melhoria das bibliotecas, serviços de informação e dos profissionais
bibliotecários, com o intuito de realizar avanços do aprendizado garantindo a todos o acesso à
informação. (Disponível em http://www.ala.org/aboutala/. Acesso em 28 set. 2013).
25
ensino diferente do proposto pela Biblioteca Nacional, e em outras regiões do Brasil,
gerou a necessidade da criação de um Currículo Mínimo dos cursos de
Biblioteconomia brasileiros. Castro (1998), comenta que na década de 1960 “Esse
currículo objetivava, entre outras questões, atender às necessidades do ‘mercado
biblioteconômico ascendente’, ao aumento da produção científica brasileira que
requeria organização e controle”, justificando, dessa forma, a inserção das
disciplinas técnicas da Biblioteconomia, “como Catalogação, Classificação e
Bibliografia”. Ainda assim, Castro (1998) destaca que a preocupação com a
formação do profissional para além da técnica era considerada, refletindo na
incorporação de “algumas disciplinas culturais”. (CASTRO, 1998, p. 201).
Os cursos sofreram diversas influências, como foi apresentado anteriormente,
mas ainda não contemplavam o bacharelado, ou seja, não eram regulamentados
como curso superior, pois não havia uma lei que institucionalizasse o
reconhecimento do bibliotecário como profissional liberal.
A busca pelo reconhecimento da categoria viabilizou alguns marcos que
ocorreram entre as décadas de 1950 e 1960. O primeiro foi o próprio
reconhecimento do profissional pelo Ministério do Trabalho (Portaria nº 162, de
07/10/1958), que desencadeou a reflexão sobre os parâmetros da formação desse
profissional, acelerando o estabelecimento do Currículo Mínimo para os cursos de
Biblioteconomia, elaborado pelo Conselho Federal de Educação. E, por fim, outro
importante marco que deu sequência e forma ao desenvolvimento da profissão na
sociedade brasileira, foi a sanção da Lei 4.084, de 30 de junho de 1962,
esclarecendo sobre as atribuições do bibliotecário, regulamentando seu exercício.
(SOUZA, 2003, p. 87).
A regulamentação do exercício profissional em Biblioteconomia motivou o
desenvolvimento da profissão, incentivando a criação de novos cursos e entidades
pesquisadoras, por todo o território nacional. A ciência que inova a área, aliada ao
tecnicismo, altera profundamente o perfil do profissional da segunda metade do
século XX. Segundo Castro (1998),
As mudanças processadas no campo da ciência e da tecnologia e a
incorporação dos princípios da Documentação4 na Biblioteconomia
4
Segundo Castro (1998), o surgimento da Documentação como uma disciplina que rompe com a
Biblioteconomia, ocorre, “efetivamente, na Europa, Bélgica, nos fins do século XIX, quando Paul Otlet
e Henry La Fontaine, em 1895, criam o Instituto Internacional de Bibliografia”. Essa nova disciplina
“proporcionou que os documentalistas buscassem meios para atender aos especialistas através de
outras estratégias de indexação, resumos informativos e indicativos, de que a tradicional
Biblioteconomia não dava conta” (CASTRO, 1998, p. 139-140).
26
brasileira passaram a exigir um/a bibliotecário/a mais dinâmico/a e
participativo/a e, principalmente, especializado/a, isto é, que conhecesse as
principais fontes do campo em que atuava, suas terminologias e o modo
como o mesmo estruturava-se, enquanto espaço de construção de saber
(CASTRO, 1998, p. 107).
Assim, outro perfil profissional emergiu para atender às necessidades,
principalmente, dos campos científicos que recebiam altos investimentos para
desenvolver
novas
tecnologias5,
em
que
os
conhecimentos
técnicos
da
Biblioteconomia se tornaram valiosos para a organização da informação. Mas, ao
mesmo tempo, é preciso considerar que essas novas demandas exigiram do
profissional habilidades no domínio de novas linguagens como as terminologias de
diversas áreas do conhecimento e de outros idiomas.
Porém, Castro (1998) aponta outro olhar sobre as “tendências” emergentes a
partir da década de 1960 e que, atualmente, são semelhantes à adoção do que ele
chama de “modismos paradigmáticos de outras ciências sociais [...], em que
consideram a Biblioteconomia como ciência pós-moderna e a sociedade brasileira
como sociedade da informação”. Castro (1998) designa como ignorantes os que
acreditam nas tais tendências; afinal, o Brasil apresenta outra realidade – social,
educacional, econômica e informacional – que impossibilita a existência de uma
sociedade da informação nos moldes norte-americanos, concluindo que “a
Biblioteconomia atingiu a estabilidade como campo sem, contudo, refletir em torno
das necessidades e perspectivas de informação do público e das bibliotecas de um
país extremamente desigual” (CASTRO, 1998, p. 108-109).
A partir dessas reflexões, evidencia-se que a convergência entre as
pesquisas de Castro (1998), Souza (2003) e Rodrigues (2008) ocorre pelo intuito de
compreender a origem da problemática sobre a formação do profissional
bibliotecário: a ausência de um eixo teórico e técnico forjado para atender à
realidade brasileira, formando profissionais críticos e sensíveis aos diferentes
campos de atuação que o Brasil possui, causa lacunas na atuação profissional.
Dessa forma, infere-se que o distanciamento entre a formação do bibliotecário e a
realidade brasileira adveio do desequilíbrio ou falta de integração entre as disciplinas
técnicas e humanistas, interferindo no posicionamento político e repertório cultural
5
As áreas do conhecimento científico que se destacaram no período pós-guerra foram,
principalmente, as Exatas e Biológicas, devido aos estudos e contribuições realizados por essas
áreas do conhecimento para o desenvolvimento do potencial bélico e dos meios de comunicação
demonstrados durante a Guerra Fria.
27
do egresso para refletir sobre a diversidade social, econômica, educacional do
Brasil.
Mas tal lacuna na formação do profissional não foi negligenciada, pois o que
passou a ser exigido dos profissionais da informação – abrangendo todas as áreas
que trabalham com a metainformação: bibliotecários, documentalistas, arquivistas,
museólogos, etc. – foi a mudança de uma postura do hábil técnico, que assessorava
os “verdadeiros” cientistas, para o do cientista dos fluxos da informação,
fundamentada a partir do surgimento dos cursos de pós-graduação em Ciência da
Informação. Outras mudanças na formação do bibliotecário ocorreram devido à
insegurança do profissional com as novas tecnologias da informação e da
comunicação e a produção acelerada de conteúdos nos ambientes digitais e virtuais.
A valorização dos profissionais que conseguiam organizar, disseminar e mediar tais
conteúdos provocou a realização de novos estudos e, consequentemente, uma
necessidade de repensar e ampliar as atribuições dos bibliotecários. Portanto, no
final do século XX, novos desafios surgiram para a classe bibliotecária, motivando
transformações fundamentais em sua imagem e em sua formação. Dessa forma, no
capítulo a seguir, são expostas as alterações na formação dos bacharéis em
Biblioteconomia e o impacto das mudanças para a imagem do profissional,
demonstrando alguns avanços no sistema educacional brasileiro.
4.2 Novas bases para a formação do profissional bibliotecário
As mudanças ocorridas na formação bibliotecária ocorreram, principalmente,
por dois fatores: a pós-graduação stricto sensu, nos anos de 1980, denominada
Ciência da Informação6 que, diferente da Biblioteconomia, distancia-se da
sistematização da prática, e fundamenta a epistemologia do estudo dos fluxos
informacionais, preocupada em produzir um corpo de conhecimento que a sustente
enquanto ciência (SOUZA, 2002, p. 2).
O outro fator gerador de mudanças foi a sanção da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) (BRASIL, 1996), nos anos de 1990, para a alteração da estrutura curricular,
vista como pouco flexível com o Currículo Mínimo. Tal reestruturação permite um
6
A Ciência da Informação, segundo Oliveira (2005) é a grande área na qual estão abrigadas as
disciplinas de caráter mais técnico como a Arquivologia e a Biblioteconomia (OLIVEIRA, 2005, p. 17).
A Ciência da Informação designa o campo mais amplo, de propósitos investigativos e analíticos
interdisciplinares por natureza, que tem por objetivo o estudo dos fenômenos ligados à produção,
organização, difusão e utilização da informação em todos os campos do saber (CNPq. AVALIAÇÃO E
PERSPECTIVA, 1983, p. 52).
28
direcionamento político do curso definido pela própria instituição de ensino, que
norteia o currículo de maneira mais abrangente, considerando inovações e
adaptações de acordo com as necessidades percebidas e defendidas pela IES,
formando bacharéis coerentes com a sua política pedagógica (RODRIGUES, 2008,
p. 76).
A LDB é formada por recomendações gerais, considerando todas as
profissões classificadas como Ciências Sociais Aplicadas, e por recomendações
específicas à formação biblioteconômica. São destacados e analisados cinco dos
sete tópicos da LDB, com base no estudo de Guimarães (2002), que enfatiza as
recomendações do Ministério da Educação, pois demonstram a profunda alteração
da concepção sobre a formação dos bacharéis e, portanto, exigem reflexão e
deliberação:
a)
o reconhecimento do cunho humanista da área como subsídio ao
desenvolvimento cultural;
b)
a necessidade de geração de conhecimento – teórico e aplicado – por
meio da criação e manutenção de espaços e iniciativas de investigação
sistematizada;
c)
o dever da universidade de socializar o conhecimento nela produzido;
d)
a formação de diferentes perfis (ou ênfases) profissionais a partir das
vocações (acadêmicas, contextuais) da IES; e
e)
a conscientização de que a imagem da profissão, mormente em
tempos tão mutantes, deve ser objeto de reflexão e atuação das IES e dos
organismos de classe de modo que se tenha garantida uma das vertentes
do direito institucional à informação: o direito à informação profissional
(GUIMARÃES, 2002, p. 62).
As diretrizes apresentadas propiciam um novo enfoque à formação do
profissional, e consequentemente uma nova postura metodológica e prática para o
ensino de Biblioteconomia, rompendo com o modelo tecnicista que estigmatizou a
profissão durante o século XX.
O rompimento com a estrutura curricular ancorada em grades disciplinares
configura um desconforto que multiplica os estudos sobre o processo de formação
do profissional. Como consequência, surgem novos olhares sobre a relação entre
docente e discente e, sobre as metodologias e práticas de ensino que terão que
atender ao novo perfil do bacharel. Evidenciam-se, sobre os cinco aspectos
destacados por Guimarães (2002), a fundamentação da profissão humanista, pois
sua atividade fim é compreendida no âmbito sociocultural; a importância do
estreitamento da relação entre a universidade e a sociedade, que catalisa o
desenvolvimento de pesquisas como elo entre a dimensão social e acadêmica; a
capacidade do profissional para refletir de maneira contínua sobre as relações entre
29
“os tempos mutantes” e a formação e atuação profissionais. A alteração do currículo,
portanto, deve se voltar para a ideia de formar profissionais-cidadãos, bem
informados e profundamente motivados, capazes de pensar criticamente e de
analisar os problemas da sociedade, bem como de procurar soluções para esses
problemas e de aceitar responsabilidades sociais (RODRIGUES, 2008, p. 78). A
questão atinge a concepção do modelo de bacharel e de pesquisador, pois não há
mais um distanciamento tão evidente entre ambos: a pesquisa e o comprometimento
com a produção do conhecimento deve ocorrer em qualquer instância, pois a
responsabilidade social é de importância nacional, desconstruindo a “concepção que
vê a graduação como instância de consumo de conhecimento e a pós-graduação
como produtora de conhecimento” (RODRIGUES, 2008, p. 91).
Ao analisar o atual contexto educacional, após a reflexão sobre a história do
ensino de Biblioteconomia no Brasil, é possível perceber que a construção do ensino
que permite desenvolver olhares críticos e autonomia pelo bacharel é muito recente
no percurso histórico da profissão no Brasil. No entanto, muitas iniciativas têm
ocorrido objetivando o compartilhamento de experiências que ocorrem em sala de
aula e buscam a abordagem do ensino com pesquisa. Para Rodrigues, esse modelo
de ensino “pode contribuir para formar o sujeito com autonomia, com criatividade,
com criticidade e espírito investigativo” (BEHRENS, 2003, p.55 e 56).
O enfoque do ensino com pesquisa precisa ser compreendido historicamente,
com profunda reflexão sobre os paradigmas científicos que influenciam radicalmente
na organização dos conteúdos nos currículos e na visão de mundo que o bacharel
desenvolverá durante os anos de sua formação. O estudo sobre paradigmas
científicos são relevantes para a compreensão sobre as políticas e os critérios que
determinam a função das IES, bem como, identificam o que querem defender ou
proporcionar ao bacharel com determinada composição curricular. Também ilumina
questões que estão nas entrelinhas do ensino superior, proporcionando um
autoconhecimento do profissional, potencializando reflexões no momento de
atuação do mesmo, seja como estagiário, bacharel ou bibliotecário.
A partir da compreensão das ideias mais gerais sobre a natureza da visão
sobre a educação que determinada instituição possui – ou seja, a compreensão de
paradigmas educacionais e teorias que identificam os discursos que permeiam os
currículos – conseguimos contextualizar e compreender as práticas pedagógicas
que refletem e estão intimamente relacionadas às questões mais amplas da
educação e do pensamento científico. Tal análise permite o aprofundamento de
30
questões como: quais são os autores e ideias referencias escolhidos para discutir e
refletir em sala de aula? De que maneira e qual a importância em apresentar
perspectivas históricas, filosóficas,
sociológicas
e
organizacionais sobre o
conhecimento produzido pelos profissionais da Ciência da Informação? Qual a
contribuição social dos discentes e docentes da instituição? Como formar
profissionais cidadãos? Por que a autonomia e a pesquisa devem ser incentivadas?
A busca por responder tais questões leva-nos à investigação do trabalho
docente, mas também a reflexão sobre as mesmas por discentes se torna
importante para o aprimoramento e renovação das formas de aprender e ensinar.
Dessa forma, o capítulo que sucede tais questionamentos busca aprofundar a
discussão sobre as práticas dos docentes e sua relação com os discentes,
considerando as teorias pedagógicas sobre currículo e sobre os paradigmas
educacionais, objetivando identificar possíveis convergências.
31
5 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, CURRÍCULO E PARADIGMAS EDUCACIONAIS:
RELAÇÕES E REFLEXÕES
A discussão realizada neste capítulo se faz com o intuito de evidenciar de que
forma as práticas pedagógicas podem melhorar a compreensão do profissional
bibliotecário sobre si mesmo e sobre a sua importância para a sociedade. Tal
reflexão deve acontecer de maneira ética e disposta a realizar mudanças em sua
própria visão de mundo, assim como argumentando em defesa de suas ideias e
produções intelectuais.
Para tanto, o esclarecimento sobre o discurso utilizado para iniciar a
exploração teórica sobre os paradigmas educacionais é realizado com o intuito de
afastar certa visão ingênua e perigosa, identificada por Gore (2000), ao analisar os
conceitos foucaultianos – regimes de verdade, poder-saber e poder disciplinar – na
educação, pois afirma que “o processo pedagógico corporifica relações de poder
entre professores e aprendizes com respeito a questões do ‘saber’: qual saber é
válido? Qual saber é produzido? O saber de quem?” (GORE, 2000, p. 14). A partir
do pressuposto, de que no processo pedagógico há relações de poder implicadas
nas questões de saber, a defesa que será feita sobre o paradigma emergente não
exime os educadores da condição de exercer poderes sobre um saber, mas a
questão é a sua consciência dessa manipulação e do espaço, proporcionado em
sala de aula, para que os saberes possam ser manipulados e compreendidos pelos
próprios educandos.
A compreensão aprofundada da pedagogia não será realizada nesta
pesquisa, dada a dimensão do tema e a opção por explorar de maneira mais densa
as práticas pedagógicas no ensino de Biblioteconomia, prospectando a saída do
bacharel após suas experiências no âmbito acadêmico. No entanto, é importante
assinalar o posicionamento político deste estudo, mesmo que não seja explorado de
maneira exaustiva, para que algumas afirmações a seguir não sejam interpretadas
como as únicas ou melhores soluções para a educação bibliotecária. Portanto, o
trajeto da pesquisa foi realizado com o intuito de possibilitar o debate, junto ao corpo
discente, sobre os rumos de sua própria formação e percepção das necessidades da
sociedade brasileira, descentralizando as discussões realizadas, normalmente, pelos
educadores e pesquisadores da área.
A construção deste estudo é realizada pelo viés do aluno da graduação, como
uma tentativa de tornar mais horizontal não somente as práticas pedagógicas, objeto
32
de estudo da pesquisa, mas também a própria metodologia e inferências que a
autora, bacharel em vistas de concluir o curso, consegue elaborar e formular como
questões-problema do ambiente educacional formal de profissionais bibliotecários.
Para essa análise, a tentativa se dá na construção de uma visão convergente entre
um breve panorama dos paradigmas científico e educacional, apontamentos não
aprofundados das teorias do currículo e, a análise das práticas pedagógicas na
Biblioteconomia. Para isso, serão necessários a construção e o entendimento de
cada um destes conceitos.
Primeiramente, ressalta-se que as práticas pedagógicas são analisadas de
maneira recorrente na literatura, sob a perspectiva do desenvolvimento do
pensamento científico, sustentado por paradigmas que determinam a escolha sobre
o que se aprende. Eles se modificam ao longo da história, sendo “a universidade, a
principal instituição de produção e distribuição da ciência, que tem sido, ao mesmo
tempo, [...] lugar de reprodução dos modos de fazer ciência, nem sempre
explicitados entre aqueles que dela se ocupam”. Porém, a percepção congênita,
naturalizada desse modo de fazer ciência, torna velado o discurso e a relação entre
pensamento científico e educação, ocasionando consequências indesejadas no
comportamento dos profissionais que se formam (CUNHA, 1998, p. 200). Por isso,
este capítulo busca iluminar alguns pontos dessa relação compreendendo o
entrecruzamento entre os paradigmas científicos, as teorias do currículo e as
práticas pedagógicas.
A compreensão do conceito de paradigma será brevemente apresentada, pois
é muito mais abrangente e atinge outras dimensões sociais que vão além da
educação. Mesmo com a complexidade do assunto, a discussão sobre os
paradigmas científicos e educacionais fundamenta o pensamento social e instiga
uma visão menos inocente sobre a escolha de disciplinas, de autores, de textos, e
de modos de ensinar e aprender realizados no ambiente universitário. Por isso,
A compreensão de que a concepção de conhecimento preside a definição
de prática pedagógica realizada na universidade foi muito importante para
ultrapassar a análise simplista realizada apenas sobre as regras didáticas.
Compreender que o ensinar e o aprender estão alicerçados numa
concepção de mundo e de ciência facilita uma visão mais global e
elucidativa, especialmente numa época em que a supremacia da ciência
tem sido amplamente reconhecida (CUNHA, 1996, p.33).
A questão epistemológica citada por Cunha (1996), se refere à análise sobre
a intencionalidade do pensamento e da ciência gerados em determinado contexto
33
econômico, social e histórico e sua influência na dimensão educacional. Para
compreender as relações entre paradigma científico e paradigma pedagógico ou
educacional, foi preciso analisar o pensamento formador da modernidade e o que
está em questão atualmente na sociedade. Serão esses os dois períodos da história
que abarcam os paradigmas analisados nesta pesquisa, buscando entender o
modelo educacional que temos, atualmente, na graduação. Justifica-se, portanto, o
resgate histórico realizado anteriormente, sobre o ensino de Biblioteconomia no
Brasil, pois é utilizado neste capítulo como facilitador na reflexão de tais conceitos
dentro da área, mais especificamente, no Projeto Pedagógico da FaBCI. Assim
como no pensamento de Grinspun (1994), em que busca compreender
A íntima vinculação da educação com o contexto social e cultural [que] levanos a rever os seus paradigmas atuais, na medida em que ela tem que
estar consoante com os anseios desta sociedade [...] Não se trata aqui de
mostrar “as crises” desta sociedade e identificar, na educação os novos
rumos que ela deve trilhar para acompanhar esta sociedade; ao contrário,
devemos buscar, na educação os meios para que o homem compreenda a
sua sociedade, dela participe conscientemente com seus conhecimentos e
valores e, também, que ele seja capaz de interferir nesta sociedade, de
forma a colaborar positiva e significativamente para as transformações que
se façam necessárias [...] (GRINSPUN, 1994, p. 214-215).
O olhar paradigmático sobre a educação traz um aspecto positivo para a
análise das estruturas e comportamentos, pois possibilita compreender o contexto
histórico e político de determinada época e a interferência na formação do indivíduo
dentro das instituições de educação formal. Por isso, é possível trabalhar com
conjecturas que não tornem o ensino doutrinário ou unilateral, e que não considerem
quais são as práticas pedagógicas ou o paradigmas educacionais mais libertários e
salvadores de oprimidos em sistemas opressores. Portanto, “não se deve imaginar
um mundo do discurso dividido entre o discurso admitido e o discurso excluído, ou
entre o discurso dominante e o dominado; mas, ao contrário, como uma
multiplicidade de elementos discursivos que podem entrar em estratégias diferentes
[...]” (FOUCAULT, 1985a, p. 95-96 apud GORE, 2000, p. 14-15).
Da mesma forma, o ensino de Biblioteconomia deve se desfazer dos estigmas
de um ensino que ora foi tecnicista, ora humanista, para romper, no atual momento
histórico, com a formação dicotômica. Assim, é importante reconhecer as instituições
de ensino superior em Biblioteconomia como articuladoras de um ensino que integre
ambas, afinal para dar conta de uma realidade heterogênea é necessário
desenvolver competências que englobem todas as esferas da profissão; da mesma
34
forma o alunado deve ser percebido como responsável por realizar sua formação em
busca da atuação que permeie esse relacionamento entre as técnicas e as
humanidades, reconhecendo o território híbrido em que irá atuar, desde a sua
formação até o mercado de trabalho.
Portanto, para compreender o conceito de paradigma foi necessário retomar a
origem da palavra “[que] em grego, significa exemplo ou, melhor ainda, modelo ou
padrão. Na Filosofia platônica, era o mundo das ideias [sic], protótipo do mundo
sensível em que vivemos. Paradigma é um modelo abstrato nesta dimensão”
(GRINSPUN, 1994, p.223). A autora traz uma concepção ampla do termo
paradigma, mas o significado de paradigma como modelo facilita o entendimento
para compreendê-lo no território da Ciência que, segundo Kuhn (2001), em sua obra
A estrutura das revoluções científicas, explica o conceito “como as realizações
científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem
problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma
ciência” (KUHN, 2001, p. 13). O autor também afirma, em outro momento da obra
citada, que o abandono dos paradigmas, ao refletir sobre a ciência, é de certa forma
deixar de praticar a ciência, pois “ao adquirir um paradigma, [uma comunidade
científica] adquire igualmente um critério de escolha que, enquanto o paradigma for
aceito, podemos considerar como dotados de uma solução possível” (KUHN, 2001,
p. 60).
Assim, os paradigmas podem ser entendidos a partir de duas ideias
formadoras do conceito: a ideia de modelo ou exemplo; e a importância disso para a
comunidade científica, pois o paradigma possibilita a definição do conjunto de
critérios para solucionar e problematizar questões, permitindo o desenvolvimento de
um pensamento estruturado em que o que é válido e inválido possa ser distinguido.
Dessa forma, o entendimento de que a convenção definida pela comunidade
científica facilita a compreensão de um acontecimento, pois, sem isso, a percepção
do desenvolvimento ou das mudanças de modelos e padrões estabelecidos em uma
época não poderão ser identificados. Mas os modelos e exemplos que constituem os
paradigmas científicos são feitos do quê? Para que são elaborados modelos e
exemplos?
Em busca de respostas a essas questões, o pensamento de Capra (1998),
torna o paradigma menos abstrato ao defini-lo como: “a totalidade de pensamentos,
percepções e valores que formam uma determinada visão da realidade, uma visão
que é a base do modo como uma sociedade se organiza” (CAPRA, 1988, p. 17 apud
35
RODRIGUES, 2010, p. 31). Já o filósofo Edgar Morin, compreende o conceito de
paradigma como um conjunto de ideias que formam a base das investigações do
olhar que construímos para observar fenômenos, estabelecer relações e formular
novas teses (MORIN, 2000, p.24-26 apud RODRIGUES, 2010, p. 32). Rodrigues
(2010) analisa a perspectiva de Morin sobre o poder do paradigma como o
responsável por instaurar “relações dominadoras que determinam o curso de todas
as teorias e de todos os discursos por ele controlados”, reforçando a potência
estruturalista do paradigma na sociedade, pois norteia nossas ações, instituições,
visão de mundo e linguagem (RODRIGUES, 2010, p. 32).
Em resumo, podemos compreender o paradigma científico como um modelo
ou padrão formado por pensamentos, percepções e valores, advindos das
comunidades científicas, que possibilitam enxergar a realidade por determinado
prisma, e ao mesmo tempo, define o modo como a sociedade se organizará, em que
teorias, discursos, linguagem, instituições e práticas sociais serão reconhecidos por
esse modelo convencionado em determinado momento histórico, social e político.
Faz-se necessária a compreensão sobre o conceito de paradigma, pois é
fundamental ao desenvolvimento da compreensão sobre a relação entre os
paradigmas científicos e as instituições de ensino; afinal, a geração, ou melhor, a
reconstrução do conhecimento que ocorre na sociedade, possui uma íntima relação
com as instituições de educação formal, considerando o ensino fundamental, médio
e superior, que possuem em sua base o pensamento científico. Tal relação é
evidenciada no estudo de Moraes (1996), quando aponta a mútua interferência entre
ciência e visão de mundo dos indivíduos, afirmando que,
Ao mesmo tempo em que a educação é influenciada pelo paradigma da
ciência, aquela também o determina. O modelo da ciência que explica a
nossa relação com a natureza, com a própria vida, esclarece, também, a
maneira como apreendemos e compreendemos o mundo, mostrando que o
indivíduo ensina e constrói o conhecimento, a partir de como compreende a
realização desses processos (MORAES, 1996, p. 58).
O impacto de tal percepção nos estudiosos da pedagogia, professores e
outros atores envolvidos com a educação formal, possibilitou a identificação das
estruturas escolares – projeto pedagógico, currículo, prática pedagógica, visão do
colegiado sobre ensino e aprendizagem – sustentadas por modelos científicos que já
não eram mais compatíveis com as questões emergentes da sociedade.
Identifica-se, segundo Moraes (1996), que o modelo científico tradicional é o
mais influente nas instituições de ensino formal e possui sua origem em correntes do
36
pensamento que influenciaram a Revolução Científica, o Iluminismo e a Revolução
Industrial, destacados como os principais marcos da modernidade7. O conhecimento
no paradigma tradicional baseia-se na objetividade, e é “obtido pela experimentação
e na observação controlada, buscando o critério de verdade na experimentação
(sensação) e na lógica matemática (razão), o que deu origem a duas correntes
filosóficas importantes: o racionalismo8 e o empirismo9 (MORAES, 1996, p. 59).
O processo de construção e penetração de tal paradigma em uma sociedade
fundamentada na religião católica, tornou-se um marco para o reconhecimento de
uma nova era, a era moderna e, pode ser compreendido pelo pensamento de
Kincheloe ao enunciar que a
[...] racionalidade foi deificada e, em torno do panteão científico, o credo da
modernidade foi desenvolvido: o mundo natural é racional (egocêntrico) e
existe somente um sentido único para ele. Todo o fenômeno natural pode
ser pintado dentro de uma moldura desta racionalidade monolítica, não
importando se estamos estudando a pólvora, engenhos, sonhos ou mesmo
aprendendo (KINCHELOE, 1997, p.13 apud CUNHA, 1998, p. 199).
O processo de ensino e aprendizagem coerente com essa concepção de
ciência e produção de conhecimento, “existia fora do sujeito, dependendo do
conhecimento exterior, captado pelos órgãos [sic] dos sentidos; [...] [e, para o
aprendizado,] dividir era necessário, e o pensamento caminhava do mais simples
para o mais complexo” (MORAES, 1996, p. 59). Evidencia-se uma visão positivista
sobre a ciência. O pensamento científico sistematiza uma didática para a
transferência desses conteúdos também de maneira positivista, resultando no
prevalecimento de um sistema paternalista, hierárquico, autoritário,
dogmático e a presença de uma escola que exige memorização, repetição,
cópia, que dá ênfase ao conteúdo, ao resultado, ao produto,
recompensando o conformismo, a "boa conduta", punindo os "erros" e as
tentativas de liberdade de expressão. [Portanto,] é uma escola que continua
dividindo o conhecimento em assuntos, especialidades, subespecialidades,
centrada no professor e na transmissão do conteúdo que, em nome da
7
Os principais marcos da modernidade foram realizados com base nas ideias de três grandes pensadores:
Newton, Descartes e Bacon. Segundo, Rodrigues (2010) “Newton complementa o pensamento de Descartes,
dando realidade à visão do mundo como máquina perfeita. O empirismo de Bacon (indução) e o racionalismo de
Descartes (dedução) firmaram uma oposição que Newton viria a solucionar com uma nova elaboração do
conceito de ordem cósmica” (RODRIGUES, 2010).
“A razão, para o empirista, não é um dado primeiro e absoluto: ela própria é oriunda da experiência, tanto
exterior (sensações) como interior (reflexão)[...]”. O desenvolvimento do empirismo somado à lógica, é o que
permite enunciar que “ somente a experiência – em especial a experimentação científica – nos permite conhecer
o mundo” (COMTE-SPONVILLE, 2003, p. 191-192).
8
O racionalismo exprime primeiro certa confiança na razão: é pensar que ela pode e deve compreender tudo […]
[considerando-se] que o real é, de fato, racional e que o irracional não existe (COMTE-SPONVILLE, 2003, p.
500).
9
37
transmissão do conhecimento, continua vendo o indivíduo como uma tábula
rasa, produzindo seres subservientes, obedientes, castrados em sua
capacidade criativa, destituídos de outras formas de expressão e
solidariedade (MORAES, 1996, p. 59).
A centralização do processo de aprendizagem no conhecimento que está fora
do indivíduo, ou seja, na figura do professor e no conteúdo que será transmitido, é o
ponto central da crítica que se faz ao paradigma pedagógico tradicional.
Somado ao paradigma científico, é necessário enfatizar os estudos sobre as
teorias do currículo para compreender o quadro educacional em seu contexto, ou
melhor, conforme apontado por Silva (2007), os discursos que o currículo pode
evidenciar, como por exemplo, a defesa da visão positivista, conforme visto o
paradigma tradicional. Nesse caso, a teoria tradicional do currículo foi iniciada por
Bobbit10, em sua obra The curriculum, em que seu modelo “estava claramente
voltado para a economia. Sua palavra-chave era ‘eficiência’. [...] Bobbitt [acreditava]
que a educação deveria funcionar de acordo com os princípios da administração
científica propostos por Taylor11” (SILVA, 2007, p. 23).
Dessa forma, a discussão sobre o que deveria ser ensinado, de que forma e
qual o modelo de indivíduo formado no currículo tradicional, era evidente para
Bobbitt, “não havia por que discutir abstratamente as finalidades últimas da
educação: elas estavam dadas pela vida ocupacional adulta” (SILVA, 2007, p. 23).
Para concluir a compreensão sobre o paradigma científico tradicional em
consonância com a teoria tradicional do currículo, evidencia-se em ambas o reflexo
da Revolução Industrial e a compreensão do sujeito como esvaziado de um
conhecimento que deve ser transmitido para ser reproduzido em sua profissão,
atendendo as expectativas do mercado de trabalho para o benefício da economia.
Durante o século XX, outras descobertas foram feitas que alteraram a
maneira do homem se relacionar com o mundo, com a ciência e consequentemente,
com a educação. O marco dessa nova visão que rompe com o pensamento
moderno são os estudos de Albert Einstein, que em 1905 “com uma simples
equação, descobriu que massa é energia, que energia possui massa e que não
10
John Franklin Bobbit é o autor da obra The Curriculum publicada em 1918. Esse livro tem sido reconhecido por
vários estudiosos como o princípio das pesquisas sobre o currículo estruturado. Bobbitt compreendeu que não
era suficiente apenas desenvolver um novo currículo, mas era preciso também aprender mais sobre como os
novos currículos poderiam ser melhor elaborados (SOUTHEASTERN LOUISIANNA UNIVERSITY, 2013).
11
Frederick Winslow Taylor é conhecido como pai da administração científica. Isso se deve ao livro de sua
autoria, Os principios da Administração Científica. Os valores fundamentais de Taylor foram criados devido à sua
experiencia no ambiente fabril da siderurgia. Seus principios são: a racionalidade; a melhoria da qualidade; baixo
custo; altos salários; alta produtividade; administração do trabalho cooperativo; eaboração de metas e objetivos
claros. Ele foi o primeiro a apresentar um estudo sistemático das interações sobre o ambiente de trabalho,
ferramentas, métodos e habilidades humanas, entre outros (UNIVERSITY OF SAINT FRANCIS, 2013).
38
existe distinção verdadeira entre matéria e energia [...], trazendo a ideia [sic] da
existência de um dinamismo intrínseco a todas as partículas subatômicas”
(MORAES, 1996, p. 60). Dessa forma, os termos “movimento”, “fluxo de energia” e
“processo de mudança” penetraram no campo da ciência, se contrapondo à
verdade, ao controle de fenômenos por meio da racionalidade e objetividade, à
observação verdadeira por meio dos cinco sentidos.
O paradigma científico einsteiniano evidencia “a necessidade de olhar o
mundo como um todo indiviso, no qual todas as partes do universo se fundem,
incluindo o observador e seus instrumentos que estão permanentemente unidos”.
Portanto, nega a “fragmentação e o separatismo que o modelo mecanicista pregava.
É o pensamento do homem que fragmenta a sua realidade” (MORAES, 1996, p. 61).
A consideração sobre o indivíduo como elemento que interfere e sofre
interferência do fenômeno que observa, é uma das principais influências da Teoria
Quântica e da Relatividade sobre a educação, reintegrando “o sujeito no processo
de observação científica” (MORAES, 1996, p. 61). Outra contribuição do novo
paradigma científico para a educação é a percepção e desenvolvimento de um
pensamento complexo, em que “o todo é a coisa fundamental e todas as
propriedades fluem de suas relações. Esta visão nos leva a compreender o mundo
físico como uma rede de relações e não mais como uma entidade fragmentada”
(MORAES, 1996, p. 61).
A percepção sobre o conhecimento que deve ser “transmitido”, bem como as
relações de ensino e aprendizagem tornam-se mais fluidos, e a discussão sobre os
discursos e as intencionalidades que o mesmo possui estão diretamente
relacionados à maneira com a qual o homem compreende o mundo, considerando
seu próprio processo de mudança. Se a visão sobre o mundo se altera a partir do
próprio indivíduo, “é preciso compreender que [...] o pensamento [também] deve ser
entendido como uma atividade que está em processo; da mesma forma, o
conhecimento que é produzido, comunicado, transformado e aplicado no
pensamento” (MORAES, 1996, p. 61).
Novas investigações sobre como ocorre a construção do conhecimento pelo
sujeito cognoscente são centrais no paradigma educacional emergente, que
considera a interferência de cada experiência do indivíduo e da sua subjetividade
para o seu desenvolvimento e contribuição na sociedade em que vive, pois
estamos vivendo a época da modernidade (ou da pós modernidade para
outros) e devemos refletir sobre os paradigmas construídos ao longo da
39
história da nossa cultura e da nossa civilização e verificar até que ponto eles
atendem, hoje, ao que se discute como um processo educacional. Com
isto, ao propor novos paradigmas, não estamos abandonando a história da
educação, seus fatos e suas tendências. Estamos querendo buscar,
dialeticamente, a compreensão desses fatos e tendências a partir dos novos
modelos políticos, sociais, econômicos e culturais que se impõem na nossa
realidade (GRINSPUN, 1994, p. 226).
As descobertas sobre as implicações do novo paradigma na transformação da
educação, ainda encontram resistência das influências do paradigma tradicional,
pois são transformações radicais ao sistema educacional e aos atores envolvidos,
exigindo preparação para compreender que não é mais suficiente ser especialista, é
necessário compreender outras áreas e linhas de pensamento complementares,
multidisciplinares, e que não podemos concebê-las de maneira estática. Haverá
sempre um novo ponto de vista, uma concepção, um discurso que poderá inovar as
afirmativas construídas. A tendência mais evidente é apontada por Grinspun (1994)
que observa que “o saber cada vez mais está se amalgamando com outros saberes,
numa formação de uma grande teia de conhecimentos; a sensibilidade do homem,
seus valores e sentimentos são colocados a prova” (GRINSPUN, 1994, p. 226). Mas
essa percepção não é específica do momento atual, mas sim, de qualquer momento
em que a sociedade percebe que o paradigma já não está mais atendendo às
necessidades sociais, gerando contradições e anacronismos que começaram a ser
contestados. Isso pode ser entendido como o momento revolucionário da ciência
segundo a visão de Kuhn, pois conforme analisa Grinspun (1994),
a proposta que não pretende ser revolucionária, enquanto “joga por terra”
toda a trajetória vivenciada, assume, entretanto a característica
revolucionária, do pensamento kuhniano, quando rompe com o estabelecido
e busca a problematização da realidade, querendo obter novas respostas a
velhas perguntas, criando situações e fatos que possibilitem ao indivíduo ter
mais e melhores condições para (re)criar a sua própria participação na
sociedade (GRINSPUN, 1994, p. 227).
Em períodos como esse, busca-se encontrar novos padrões e modelos que
permitam o entendimento sobre a sociedade pelos recursos que ela mesma oferece,
mas se esses estão estruturados por paradigmas que não compreendem mais tal
organização social da modernidade em que se vive, algo sempre faltará.
Pensando
nessa
estrutura
capaz
de
atender
às
necessidades
contemporâneas, Moraes (1996) apresenta as características do novo paradigma
educacional a partir de cinco aspectos que reforçam o caráter fluido e dialógico da
construção do conhecimento e da concepção de indivíduo na sociedade atual:
40
a. Compreende o indivíduo como algo indiviso, construindo o
conhecimento usando as sensações, as emoções, a razão e a intuição.
b. Reconhece a dualidade cérebro-espírito, razão-emoção, a integração de
todo o ser, sua reintegração na sociedade e no mundo da natureza.
c. Entende a construção do conhecimento, a partir da cooperação dos dois
hemisférios cerebrais, unidos, que apesar da singularidade de cada
parte, são funcionalmente complementares.
d. Permite uma visão mais ampla do mundo e da vida, o que requer a
colaboração da educação no sentido de propiciar uma dialética mais
equilibrada entre ambos, condição fundamental para sobrevivência da
humanidade no sentido de gerar soluções mais criativas aos problemas
que a afligem.
e. Compreende a relação dialética existente entre sujeito-objeto e
processo de construção do conhecimento (adaptado de MORAES,
1996, p. 63).
A sensação de pisar em um território caótico ao considerarmos os tópicos
citados acima aplicados aos sistemas educacionais é recorrente, pois a
compreensão sobre os fenômenos como causa e efeito também são subvertidos
pela concepção de auto-organização, em que não há uma visão fechada da origem
e da consequência dos fenômenos, mas o que vai determinar o entendimento e a
coordenação dos fatos será a própria interação do indivíduo com o ambiente
(MORAES, 1996, p. 63).
Então, é possível identificar um paradoxo entre o que é proposto pelo
paradigma educacional emergente e a estrutura curricular que além de possuir uma
concepção fragmentária do conhecimento, dividindo-o em disciplinas, defende a
noção de modelar o indivíduo, ao possuir uma imagem, um padrão pré-estabelecido
do sujeito que será formado pelo sistema educacional. Conforme defende Silva
(2007),
o currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as
teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O
currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem percurso. O
currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja
nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é
documento de identidade (SILVA, 2007, p. 158).
Apesar do cenário contraditório e, aparentemente, sem saída em que o
sistema educacional está construído, as questões que podem ser repensadas para
suavizar a transição paradigmática instaurada no século XXI, não é, somente, refletir
sobre a pertinência do que se aprende, mas também sobre o modo como se
aprende e o porquê se aprende um dado conhecimento e não outro (SILVA, 2007, p.
16).
41
Nesse sentido, a quem cabe realizar reflexões, discussões e produções, além
dos docentes, – responsáveis pela elaboração e orientação das práticas
pedagógicas – sobre os apontamentos acima? Segundo Schön (2000), são os
próprios discentes que devem questionar e aguçar o olhar para perceber como se dá
o seu processo individual de aprendizagem, realizando, dessa forma, a autoorganização, pois “quando o profissional [em formação] reflete-na-ação, em um caso
que ele percebe como único, prestando atenção ao fenômeno e fazendo vir à tona
sua compreensão intuitiva dele, sua experimentação é, ao mesmo tempo,
exploratória, teste de ações e teste de hipóteses [...]” (SCHÖN, 2000, p. 65). Dessa
forma, “o profissional [em formação] faz com que sua hipótese aconteça, violando
assim os cânones do experimento controlado, tão caros à racionalidade técnica que
clama por ‘objetividade’ e ‘distância’” (SCHÖN, 2000, p. 66).
A concepção do aprendizado ilustrada no estudo de Schön (2000), busca a
interligação entre um conhecimento tácito e explícito, em que o primeiro relaciona-se
com a trajetória, a do aprendizado intuitivo – ou aprender a aprender – e, o segundo,
com conhecimento exploratório que é a capacidade de realizar leituras e novas
conexões com repertório de outrem formulando suas hipóteses.
Retomando os objetivos do presente estudo, ambos os tipos de processos de
aprendizagem são amparados no projeto pedagógico da FaBCI, ao adotar um
conjunto de disciplinas, organizadas no eixo humanista, acadêmico e cultural, que
pode ser percebido como facilitador para a elaboração de um conhecimento tácito
pelo aluno, [fornecendo] “suporte para o desenvolvimento do curso”; por sua vez, a
elaboração do conhecimento explícito é contemplado no eixo técnico e tecnológico e
no eixo organizacional e gerencial, pois “fornecem as bases para o desenvolvimento
profissional” (FaBCI, 2011, p. 22).
O que o Projeto Pedagógico propõe ao discente com a criação do eixo
humanista se torna o grande diferencial para o curso, pois também interfere no
impacto e no grau de elaboração do conhecimento que será realizado nos outros
eixos. Além da preocupação em combinar as disciplinas humanistas em todos os
semestres da formação dos discentes, as competências objetivadas nesse
segmento curricular são fundamentais para as disciplinas dos outros eixos. A
explicação dos reflexos que são desejados ao dar ênfase aos conhecimento
humanista, acadêmico e cultural explicitam a convergência do pensamento de
Schön (2000) com o proposto pela FaBCI, pois o aluno é convidado
42
a gerir seu próprio aprendizado, a partir do senso investigativo e criativo, na
busca por soluções a problemas ou lacunas de conhecimento. É preciso
desenvolver no estudante a autonomia necessária às suas realizações
como profissional e cidadão, promovendo uma inserção positiva no meio
acadêmico e sua auto-confiança, tornando-o seguro e apto a tomar
decisões de forma racional e ponderada (FaBCI, 2011, p. 22-23).
A averiguação mais efetiva de como as propostas do ensino na FaBCI se
concretizam ocorre ao se observar a sala de aula e se perceber de que maneira as
práticas pedagógicas são pensadas e realizadas pelos professores para que
permitam esse espaço de construção do conhecimento enfatizado pelo modelo de
ensino emergente e pelo Projeto Pedagógico da FaBCI.
No projeto pedagógico, há a preocupação com o esclarecimento da prática
pedagógica defendida pela FaBCI, em que “o ponto de partida para a obtenção de
conhecimento escolar é o conhecimento que o estudante já traz, e o papel do
docente é atuar como mediador entre o aluno e o conhecimento, estimulando o
educando a pensar ativa, autônoma e criticamente”. Da mesma forma, a postura
recomendada para o docente é que “precisa [...] se perguntar sobre o que os seus
alunos estão aprendendo, em que ponto não conseguem avançar, como entendem a
orientação que recebem e, usar as respostas recebidas a essas perguntas para
avaliar e guiar sua próxima aula, seu método de ensino” (FaBCI, 2011, p. 45).
Para investigar de maneira mais efetiva a situação em sala de aula e saber do
indivíduo, que é o foco desta pesquisa, como ele percebe a construção de seu
conhecimento e da sua capacidade de contribuir para a melhoria do seu
aprendizado, foi escolhida uma atividade, dentro da prática pedagógica que, por sua
característica e nível de exigência seja, talvez, a situação em que o discente mais se
aproxime da ideia de reflexão-na-ação: os Trabalhos Temáticos e Integrados.
A intenção ao selecionar tal prática é perceber se há aproximações com o
modelo de ensino emergente e, mais especificamente, com o ensino com pesquisa,
que possui elementos que o ambiente acadêmico propicia, mas talvez não o valorize
como um método eficiente para o aprendizado. Para haver tal compreensão sobre
sua eficácia na construção de um conhecimento capaz de transformar a forma de o
indivíduo perceber e agir na sociedade, é preciso aperfeiçoar maneiras de avaliar,
acompanhar e orientar o discente, compreendendo as novas necessidades que
surgirão ao longo do processo. Assim, as reflexões no capítulo subsequente
apresentam as características do ensino com pesquisa, auxiliando na verificação
dos Trabalhos Temáticos e Integrados como prática pedagógica pertencente a essa
metodologia de ensino.
43
5.1 O ensino e a aprendizagem com pesquisa: uma leitura sobre os Trabalhos
Temáticos e Integrados na FaBCI
O ensino com pesquisa pode ser compreendido como uma estratégia
pedagógica para qualificar o ensino na graduação, favorecendo o aprendizado de
habilidades para o domínio de alguns conteúdos, ou melhor, “métodos pelos quais
[os discentes] possam compreender fenômenos, relações e movimentos de
diferentes realidades” (RODRIGUES, 2002).
No entanto, apesar de ser concebida como estratégia ou prática pedagógica,
a pesquisa não seria algo artificial trazido para dentro da sala de aula como um
objeto estranho aos docentes e discentes, mas sim, reconhecida como uma prática
que já acontece no âmbito acadêmico. Para Masetto (2011), a pesquisa não seria
um elemento estranho à sala de aula, pois ela “faz parte integrante da vida
profissional nos dias de hoje. [...] E, por isso mesmo, aprender fazendo pesquisa
tornou-se uma demanda nas aulas universitárias, substituindo o modelo tradicional
de transmissão e recepção de informações” (MASETTO, 2011, p. 599).
Além do aspecto socioeconômico, alertado por Masetto (2011) ao pensar no
profissional atuando no mercado de trabalho, o ensino com pesquisa facilita o
exercício da reflexão e da produção ao longo do processo da pesquisa, em que a
prática é teorizada. Tal característica permite ao discente realizar sua ação, seja no
âmbito acadêmico, profissional ou pessoal, vislumbrando os discursos que
permeiam as relações sociais, seja no exercício da política e da cidadania.
O princípio da ideia de Schön está implícito no ensinar com pesquisa – a
reflexão-na-ação –, e será compreendido neste estudo como um dos elementos
principais desse processo na perspectiva da aprendizagem. Mas, antes de entender
o processo do aprender, é importante entender as ações do docente como
propositor/articulador de tal estratégia no espaço da sala de aula.
Uma aula construída pelo viés do ensino com pesquisa, prevê uma
capacidade do docente em atuar de maneira muito mais complexa do que no ensino
tradicional, pois ele não se coloca mais como a única fonte de informação ou como o
principal hermeneuta de textos e ideias dos autores utilizados ao longo do curso,
mas, sim, abre a possibilidade para que novas interpretações surjam e novas fontes
de consulta sejam trazidas e debatidas em aula, como bases possíveis para a
construção do conhecimento. Dessa forma, ele participará de maneira a “colaborar
para que o aluno aprenda a buscar informações, detectar as fontes atuais destas
44
informações, dominar o caminho para acessá-las, aprender a selecioná-las,
compará-las, criticá-las, integrá-las a seu mundo intelectual” (MASETTO, 2011, p.
600).
A condução para o exercício dessa trilha metodológica realizada pelo discente
junto ao docente é a descoberta do aprender a aprender, atingindo dois grandes
objetivos da pesquisa: de que maneira realizo o caminho da aprendizagem, e o que
produzo a partir desse caminho. Sendo que, a principal ênfase é dada à primeira
etapa, em que o discente constrói a base para a produção final de sua pesquisa.
Portanto, é possível analisar os Trabalhos Temáticos e Integrados como
proposta que proporciona esse espaço para a realização do aprender, identificado
na proposta inicial feita aos alunos: escolha de uma temática que deve ser
desenvolvida, considerando o caminho para essa produção que deve ser
desvendado, possibilitando a descoberta das formas pessoais de aprendizagem. O
processo de elaboração, desde a investigação do tema à produção textual, são
direcionados, pois o ambiente acadêmico exige um formato de apresentação, bem
como o rigor metodológico, além de possuir como meta abranger os conteúdos
propostos no currículo para a consolidação das bases do exercício profissional.
Apesar dos direcionamentos aos quais as práticas pedagógicas devem estar
submetidas, o ensino com pesquisa possui uma característica que enriquece o
processo criador do percurso de aprendizagem, pois, à medida em que o discente
realiza as ações determinando o tempo necessário para a pesquisa, as fontes que
serão utilizadas para a construção do trabalho final, as estratégias de leitura e
compreensão textual, e seu estilo próprio de escrita, a subjetividade do aprender é
considerada e o processo dialógico com o docente é estabelecido, pois não será ele
que determinará o que será posto no trabalho: há somente linhas norteadoras para
que o discente compreenda o espaço em que está desenvolvendo o trabalho – a
academia – e como compreender os processos de fazer ciência e discutir teorias
que contribuam para a formação do bacharel bibliotecário e enriqueçam a própria
classe profissional com novas perspectivas que nascem da pesquisa.
Segundo o quadro desenvolvido por Berehns (1999), o docente proponente
do ensino com pesquisa possui um perfil identificado da seguinte forma:
1. Caracteriza-se como profissional autônomo, renovador, crítico e
transformador;
2. Produz conhecimento com autonomia;
3. Teoriza a prática;
4. Atualiza-se permanentemente;
45
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
Opta pela avaliação como processo;
Preocupa-se em ser inovador;
Vivencia e instiga o aprender a aprender;
Exerce o papel de figura crítica da sociedade;
Provoca a parceria com o aluno no processo pedagógico;
Atua como autoridade e não com autoritarismo;
Exerce a liderança na busca da transformação da sociedade;
Faz uso da lógica e da argumentação, da crítica e da autocrítica;
Orienta o aluno a expressar-se de maneira fundamentada,
exercitando o questionamento e a formulação própria;
Estimula o acesso ao conhecimento disponível e valoriza o saber
acumulado pelo aluno;
Conhece e utiliza os instrumentos eletrônicos [e digitais];
Atua como parceiro mais experiente no processo;
Torna-se elemento mediador no processo de produção do
conhecimento;
Amplia caminhos para a emancipação dele mesmo e dos alunos;
Reflete e critica sua experiência para dela extrair conhecimentos;
Desenvolve relação horizontal com o aluno;
Estimula criação produtiva em equipe e individualmente;
Participa e atua da rede de informação (BEHRENS, 1999, p. 392393).
Dos aspectos citados por Behrens (1999), foram destacados apenas três,
objetivando a reflexão sobre o impacto da ação do docente sobre o processo de
aprendizagem. O primeiro aspecto é com relação à avaliação do ensino com
pesquisa que, segundo a autora, dá ênfase ao processo e não, somente, à
produção final. Ou seja, é possível inferir que o acompanhamento do professor deve
ocorrer de maneira próxima, para que ele construa critérios de avaliação de acordo
com o desenvolvimento paulatino dos alunos. Outra possibilidade é o docente
realizar a sua avaliação sobre o processo de aprendizado, e solicitar aos alunos o
olhar avaliativo sobre a própria atividade e construção a partir de auto-avaliações.
Tal recurso permite análise sobre visões divergentes e convergentes entre os atores
sobre a experiência da pesquisa, pois ambos possuem leituras sobre a realidade do
processo de aprendizagem.
Outra questão significativa é se a intenção da prática pedagógica condiz
com os critérios e formas de avaliação, pois dependendo do olhar do docente, ele
pode atribuir pesos distintos a diferentes etapas da pesquisa, que devem ser
conhecidos pelos discentes. Portanto, se o professor avalia com mais profundidade
o resultado final da produção – a apresentação formal da atividade, a coesão e
coerência textuais, etc. –, ou se avalia aspectos distintos em vários momentos do
processo de pesquisa – os métodos de busca e seleção de fontes de informação ou
a leitura e compreensão dos textos selecionados antes da escrita do trabalho final –
é preciso que seja compreensível para o discente, durante as propostas em sala de
46
aula, esse enfoque, para que a avaliação seja justa e processual, assim como o que
é desenvolvido pelo aluno.
Outro aspecto destacado, com relação ao ensino com pesquisa, é a posição
do docente como mediador no processo de construção do conhecimento, em
que o professor, conforme analisado anteriormente, não possuirá o peso da
responsabilidade pelo sucesso do aprendizado dos alunos, pois será estabelecida
uma interação do discente, ao “acordar com o professor a construção de um
processo de aprendizagem no qual ele terá parte ativa e de sujeito, ou seja, de
agente principal juntamente com o professor”. Para isso, o docente criará ambientes
e espaços democráticos em sala de aula para a expressão e a discussão de ideias,
demonstrando “o respeito ao aluno para o diálogo, para a disponibilidade em ajudar
o aluno a superar as dificuldades e aprender, para assumir uma atitude de mediação
pedagógica” (MASETTO, 2011, p. 616).
O ensino com pesquisa propicia o estabelecimento de uma construção
conjunta da sala de aula, porém não é tarefa simples quando tal proposta é feita,
pois, apesar de identificar o professor como agente principal na proposição dos
primeiros combinados, facilitando o entendimento do novo formato de sala de aula, a
resistência por parte do discentes é recorrente, afinal, ocorre um deslocamento do
papel tradicional do docente como articulador principal das ideias, dificultando o
compartilhamento das responsabilidades pelo ensino. Por isso, Masetto (2011)
argumenta que
tal inovação de relações entre professor e alunos demandará iniciativa do
professor nos primeiros dias de aula, desde a reorganização do espaço
físico da sala até a combinação sobre um programa de trabalho na
disciplina, em que seus diversos aspectos envolvendo os objetivos a serem
aprendidos, os temas a serem estudados, os autores a serem trabalhados,
a metodologia a ser empregada nas aulas e o processo de avaliação a ser
realizado sejam discutidos e acordados (MASETTO, 2011, p. 616).
A preocupação de um ensino com a ênfase nos processos de aprendizagem,
mais que na aquisição de um conhecimento para ser reproduzido, é respaldado pela
A Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação da
UNESCO (1998), que ilumina questões que se relacionam intimamente com o que é
proposto por este estudo. A compreensão sobre a relação docente-discente e como
entender a figura do docente como mediador de processos de aprendizagem é
reconhecida, considerando que
47
os responsáveis pelas decisões nos âmbitos nacional e institucional devem
colocar os estudantes e as necessidades dos mesmos no centro das
preocupações, devendo considerá-los como os parceiros e protagonistas
essenciais responsáveis pela renovação da educação superior. Isto deve
incluir o envolvimento de estudantes em questões que afetem o nível do
ensino, o processo de avaliação, a renovação de métodos pedagógicos e
programas curriculares no marco institucional vigente, na elaboração de
políticas e na gestão institucional. Na medida em que os estudantes tenham
direito a organizar-se e a ter representantes, deve ser garantida a sua
participação nestas questões (UNESCO, 2008).
Portanto, as colaborações não se restringem à sala de aula e aos temas das
disciplinas abordadas ao longo do semestre; a colaboração e parceria entre
docentes e discentes pode ser estendida a toda a instituição, para debates sobre a
própria condução dos trabalhos e a execução de novas propostas e direcionamentos
das práticas pedagógicas e disciplinas, mediante a averiguação do que seria
proveitoso para o processo de aprendizagem, a partir das duas perspectivas, a do
professor e a do aluno.
Nesse contexto, a proposta feita nos Trabalhos Temáticos e Integrados para
que haja esse espaço de interação entre docentes e discentes são orientações
individuais em que cada professor programa aulas para o atendimento dos alunos e
permitem abertura para o diálogo e orientações fora da sala de aula, ou via ambiente
virtual. A ideia é que o próprio aluno, no desenvolvimento da pesquisa, identifique
suas dificuldades e busque o auxílio do professor e dos colegas para a facilitação
das etapas. Essas possibilidades permitem ao docente identificar dificuldades
recorrentes e reorganizar suas aulas para explicar mais detalhadamente sobre o
trabalho, dar sugestões de pesquisa, incentivando o discente a exercer uma relação
de autonomia e responsabilidade perante a pesquisa. A disciplina e a organização
de recursos como o tempo para o estudo, para a produção escrita, além de exercitar
a percepção sobre as dificuldades e facilidades que possui no percurso de
aprendizagem, tornam-se práticas comuns ao discente ao longo dos semestres, até
o final do curso.
Há um aspecto que não foi destacado na identificação do perfil do docente no
quadro elaborado por Behrens (1999), no contexto do ensino com pesquisa, mas
que é considerada por Masetto (2011) como característica de tal prática pedagógica:
a interdisciplinaridade12 para a construção do conhecimento. Segundo o autor
12
“No início dos anos 70, a interdisciplinaridade chega ao Brasil como uma nova proposta para a Educação
Básica, esta proposta foi introduzida na Lei de Diretrizes e Bases – LDB – nº 5.692/71 (Brasil, 1996). Desde
então, sua presença no cenário educacional brasileiro tem se intensificado com indicações de seu uso tanto na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei nº 9.394/96 e também nos Parâmentros Curriculares
Nacionais (PCNs) do Ensino Fundamental e Médio (Brasil, 2000) (PRIGOL, 2013, p. 99).
48
(2011), “a interdisciplinaridade permite-nos esperar a produção de um conhecimento
científico novo a partir de duas ou mais diferentes áreas de conhecimento que se
integram para tal [...]” (MASETTO, 2011, p. 602-603). Dessa forma, podemos
compreender a potência de uma atuação científica interdisciplinar quando
contemplada nas práticas articuladas pelo docente, pois altera o formato pedagógico
da dinâmica universitária; afinal, o que era considerado como um campo disciplinar
ou multidisciplinar, agora pode ser interdisciplinar criando novos conceitos e
paradigmas a partir da fusão de duas ou mais disciplinas.
A percepção de Masetto (2011) sobre como a sala de aula seria organizada
pelo docente para que atendesse a estrutura de uma aprendizagem com pesquisa
interdisciplinar seria, primeiramente, o reconhecimento de que
O papel do professor é fundamental: há que se incentivar a comunicação e
cooperação entre os professores de disciplinas diferentes para
conversarem, se conhecerem, conhecerem o que ensinam e trabalham em
suas aulas, discutirem aspectos que seriam mais bem aprendidos nas suas
respectivas áreas se trabalhassem conjuntamente. Sem dúvida, muito se
facilitaria esta atividade se o próprio currículo fosse organizado com esta
preocupação interdisciplinar, privilegiando a integração das disciplinas seja
daquelas que se ministram no mesmo semestre, seja daquelas que se
ministram em semestres subsequentes (MASETTO, 2011, p. 604).
As propostas feitas por Masetto (2011) podem ser identificadas no
planejamento dos Trabalho Temáticos e Integrados, pois as pesquisas são
orientadas no primeiro ano da graduação por todos os professores do semestre,
tendo em vista a obra de literatura em comum e as possíveis abordagens que cada
professor fará para contribuir com o processo de aprendizagem dos alunos. Nos
semestres posteriores, a interdisciplinaridade é inerente ao processo da pesquisa,
pois é proposto aos alunos que desenvolvam temáticas, com a intersecção de
disciplinas diferentes, e produzam um trabalho final, em que isso seja visível e
compreendido por eles. Por exemplo, as disciplinas de Linguagens PréCoordenadas, Indexação e Resumos e Representação Descritiva Automatizada, que
realizam um único trabalho. Tal pesquisa exige que o aluno desenvolva um
pensamento fundamentado e que seja capaz de perceber a integração entre as três
disciplinas técnicas, reconstruindo os aspectos históricos que permitem enxergá-las
como disciplinas interdependentes. Além disso, por possuírem um aspecto
pragmático do tratamento da informação, parte do trabalho é reservado para a
construção de um manual de processamento técnico, em que as três disciplinas
devem ser concebidas como etapas constituintes do processo de representação de
49
um documento; cada uma com suas especificidades, mas que objetivam o mesmo
fim: a recuperação precisa da informação, de maneira automatizada e física.
A partir dessa integração, é possível perceber a inseparabilidade entre ensino
e aprendizagem, assim como as influências que as práticas pedagógicas – elemento
do planejamento de ensino – têm sobre o ambiente de aprendizado e a capacidade
inerente do próprio discente em aprender, que interfere nos modos de interação
entre o mesmo e o docente, bem como os critérios de avaliação e ênfase nos
conteúdos que são percebidos pelo professor, como dificuldades de um determinado
corpo de alunos. Assim,
Se considerarmos que na prática pedagógica de sala de aula as ações do
professor são influenciadas por aquilo que acontece no ambiente de
aprendizagem, isto é nas interações entre os indivíduos, entre estes e os
objetos e também o meio, e que dessas interações a docência é
influenciada, sobre interferências, incorporando conceitos, sentimentos,
atividades e procedimentos que emergem deste processo de inter-relações,
retroações de cooperação temos o entendimento do que é denominado
princípio ecológico da ação13 (PRIGOL, 2013, p. 88).
O princípio ecológico da ação, ideia desenvolvida por Morin (2008), enfatiza a
não linearidade da interação no ambiente de ensino-aprendizagem, deslocando
discentes e docentes que acreditam haver um método certo para ensinar e
aprender, pois o que Morin propõe é exatamente essa busca contínua, permeada
pela reflexão, produção, avaliação que permite a construção da educação como
realidade, sem estar pautada em modelos, “influindo sobre a prática pedagógica
levando o docente a compreender que cada experiência de produção do
conhecimento e de aprendizagem é única e intransferível, já que o tempo não
retroage sobre a matéria e o presente sobre o passado” (PRIGOL, 2013, p. 91-92).
As reflexões de Prigol (2013) reafirmam o impacto do paradigma educacional
emergente, em que o indivíduo cognoscente é reconhecido como sujeito único e
ativo de seu processo de aprendizagem e deve ser reconhecido pelo docente e pela
instituição de ensino desta forma. Para tanto, buscou-se com esta pesquisa, ampliar
o espaço de interação entre docentes e discentes, enfatizando as reflexões que o
“O desenvolvimento da aptidão para contextualizar tende a produzir a emergência de um
pensamento ‘ecologizante’ no sentido em que situa todo acontecimento, informação ou conhecimento
em relação de inseparabilidade com seu meio ambiente-cultural, social, econômico, político e, é claro
natural. Não só se leva a situar um acontecimento em seu contexto em um ‘quadro’ ou ‘perspectiva’.
Trata-se de procurar sempre as relações e inter-retro-ações entre cada fenômeno e seu contexto, as
relações de reciprocidade todo/partes: como uma modificação do todo repercute sobre as partes.
Trata-se, ao mesmo tempo, de reconhecer, por exemplo, a unidade humana em meio às diversidades
individuais e culturais, as diversidades individuais e culturais em meio à unidade humana” (MORIN,
2008, p. 24).
13
50
segundo grupo realizou acerca dos processos de aprendizagem, identificando e
avaliando suas dificuldades sobre a proposta dos Trabalho Temáticos e Integrados.
A investigação realizada buscou reconhecer nos comentários coletados de
docentes e discentes em que medida os anseios e a valorização sobre práticas
pedagógicas ocorrem e, como podem ser realizadas as aproximações do ensino
com pesquisa, contribuindo para a melhoria desse quadro complexo da educação
bibliotecária brasileira, que apresenta, ao longo da história educacional da área no
país, insuficiência para atender às próprias necessidades sociais e de informação do
Brasil.
As práticas pedagógicas planejadas no ambiente universitário, portanto, não
se restringem à sala de aula, pois podem também estar refletidas em outras esferas
da instituição que promovam o espaço de pesquisa e produção do aluno. Para isso,
alguns recursos digitais relacionados às disciplinas, mas que também permitem um
campo de discussão e construção de saberes em um momento posterior à sala de
aula – ambiente virtual de aprendizagem -, bem como bolsas de iniciação científicas,
também contribuem para o desenvolvimento de uma postura participativa do
discente como pesquisador.
A partir do cenário apresentado, objetiva-se conhecer as especificidades das
propostas dos Trabalhos Temáticos e Integrados e outras práticas pedagógicas da
FESPSP, no âmbito da extensão da pesquisa, extra sala de aula; o próximo capítulo
tratará respectivamente de três dimensões: as ações de fomento à pesquisa
científica na FaBCI/FESPSP, baseado em uma pesquisa desenvolvida por um exaluno da instituição em 2011; o ambiente virtual de aprendizagem (AVA),
instrumento também utilizado na FaBCI, e que será analisado a partir da pesquisa
realizada por duas ex-alunas da graduação da FaBCI, bem como a reflexão sobre a
proposta desse ambiente no projeto pedagógico; e, por fim, a exposição e análise
sobre os comentários dos docentes com relação aos trabalhos e as expectativas
sobre a produção dos alunos.
51
6 ENSINO COM PESQUISA FORA DA SALA DE AULA
O conjunto das práticas pedagógicas analisadas neste capítulo, apesar de
serem articuladas em espaços distintos ao longo da graduação da FaBCI/FESPSP,
possuem um núcleo comum discutido anteriormente neste estudo: a produção de
pesquisas e a reconstrução de conhecimentos realizados por discentes, objetivando
o desenvolvimento de uma postura autônoma e crítica não somente sobre o objeto
de estudo das pesquisas, mas também sobre o próprio processo de aprendizagem.
Neste capítulo, foi retomada a noção, exposta anteriormente, da reflexão-naação, pois é necessário tal comportamento para que haja a apropriação de novas
ferramentas, mediações e interações por discentes e docentes para que sejam
reconhecidas como desencadeadoras de processos de ensino e aprendizagem.
Neste capítulo, ainda foi dada ênfase à importância da instituição, e não somente à
atuação do docente, ao amparar o alunado no seu desenvolvimento profissional e
acadêmico, possibilitando outras formas de aprender.
A ampliação do ensino para fora da sala de aula possui outra potencialidade,
desenvolver a competência informacional desvinculada do ambiente tradicional de
ensino. Assim, a defesa que se faz é a favor do aprendizado independente do
ambiente em que ocorre, pois a potência do aprender deve ser percebida como
inerente aos indivíduos e seus modos de interação. Dessa forma, é reconhecida a
importância de algumas ações institucionais como desencadeadoras de um
comportamento aberto ao aprender em qualquer situação em que o indivíduo esteja.
Tal compromisso torna-se um diferencial qualitativo das IES, no atual período de
transição dos paradigmas educacionais, demonstrando o acompanhamento das
novas tendências já apontadas pela LDB.
Neste capítulo, também, é retomada a ideia exposta anteriormente sobre o
estreitamento da relação entre a universidade e a sociedade, em que destacaremos
os esforços da FESPSP para facilitar o entendimento sobre a relação entre os
processos de ensino e de aprendizagem e o compromisso ético com a sociedade.
Nesse percurso, valorizam-se as posturas autônomas por parte do educando,
também se assinala que a responsabilidade pelo desenvolvimento cognitivo e
contribuição social – que não se restringe ao mercado de trabalho ou à universidade
– está diretamente relacionada às escolhas e comportamentos dos próprios
indivíduos ao contribuírem com pesquisas, estudos, práticas e inovações, ou seja,
52
insumos da trilha pessoal que adquirem outra dimensão em diferentes esferas da
sociedade – profissional, acadêmica, política e social.
Em vista disso, o capítulo foi dividido em dois eixos expositivos, sendo o
primeiro, as práticas de fomento à pesquisa realizadas na FaBCI/FESPSP, cuja
fonte de consulta é o trabalho de conclusão de curso de um ex-aluno do curso de
Biblioteconomia e Ciência da Informação, realizado em 2011. O segundo eixo é uma
breve análise sobre o ambiente virtual de aprendizagem, incorporado no curso
desde 2011, cuja base teórica utilizada foi outro trabalho de conclusão de curso de
ex-alunas da graduação da FaBCI, apresentado em 2009 sobre ensino a distância.
A opção pela utilização de dois trabalhos de graduação para a discussão
teórica deste capítulo ocorreu, primeiramente, pela qualidade dos trabalhos, e
também pelo reconhecimento de pesquisas realizadas na graduação, reafirmando a
presença da competência informacional na primeira etapa formal da carreira
profissional.
6.1 Programa de incentivo à pesquisa científica na FaBCI/FESPSP
Em 2011, foi realizada uma pesquisa sobre as ações de fomento à pesquisa
da FaBCI/FESPSP iniciadas em 2008. Tais ações são coordenadas pelo Núcleo de
Pesquisas em Ciências Sociais da FESPSP14, setor responsável pelo Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), e pelo Seminário de
Pesquisa15. A partir da investigação realizada por Rodrigues (2011), buscou-se
analisar quais aspectos de tais programas de fomento se aproximam do ensino com
pesquisa.
Para compreender como ocorre o sistema de ingresso aos programas de
incentivo à pesquisa na FESPSP, algumas informações foram selecionadas do edital
2013-2014 para uma breve descrição dos procedimentos e das considerações
contidos na política dos programas, disponibilizadas no site da instituição.
Primeiramente, somente o aluno regularmente matriculado da FESPSP pode
se inscrever em uma das duas modalidades de financiamento institucional de bolsas
de iniciação científica para o desenvolvimento de pesquisas: a primeira opção é uma
O Núcleo de Pesquisa em Ciências Sociais da FESPSP foi “criado no ano de 2002, o Núcleo de
Pesquisas em Ciências Sociais, inicialmente, prestava auxílio ao Departamento de Projetos no
desenvolvimento de suas pesquisas, e principalmente, com o objetivo de desenvolver projetos de
pesquisas científicas institucionais” (RODRIGUES, 2011, p.23).
15 Até 2011 o nome do evento era Seminário de Iniciação Científica (SIC).
14
53
modalidade custeada pela própria FESPSP; a segunda é custeada pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além das duas
modalidades de pesquisas financiadas, há o Programa Institucional Voluntário de
Iniciação Científica (PIVIC) em que o aluno pesquisador deverá cumprir as mesmas
exigências dos alunos participantes das modalidades com bolsa, mas ser receber o
custeamento para a realização da pesquisa.
Os pré-projetos dos discentes de iniciação científica são enviados ao Núcleo
de Pesquisa e analisados por uma comissão técnica avaliadora, formada por
docentes dos três cursos da FESPSP, com exceção dos professores orientadores
das pesquisas enviadas para a avaliação.
A vigência das bolsas é de 12 meses, devendo o resultado final ser
apresentado na forma de artigo científico, entregue ao Núcleo de Pesquisa, mais a
apresentação oral do trabalho no Seminário de Pesquisa da FESPSP.
As pesquisas são elaboradas por discentes orientados por mestres docentes
da instituição, cujo objetivo é o ingresso do alunado no campo da pesquisa científica
de sua área, facilitando sua compreensão do universo complexo da pesquisa
acadêmica: linhas de pesquisa, eventos de apresentação, entrega de relatórios
parciais durante o desenvolvimento da pesquisa, exigência do Currículo Lattes, entre
outros. Para isso, a instituição deve possuir um quadro qualificado de docentes, que
compreendam a importância do desenvolvimento institucional de pesquisas como
caminho para oficializar o desenvolvimento técnico e científico das linhas de
pesquisa validadas na instituição.
Segundo o estudo realizado por Rodrigues (2011), há, assim como se
observou no ensino com pesquisa, dificuldades para instalar uma “cultura de
pesquisa” quando não há uma reflexão conjunta e responsabilidades compartilhadas
entre docentes e discentes sobre a produção científica; afinal, tais demandas devem
ser explicitadas pelos mesmos à instituição para que os programas fomentadores de
pesquisas sejam consolidados, e que a qualificação e formação continuada dos
docentes seja prioritária na instituição.
Os cursos de nível superior que incentivam a produção científica na
graduação, segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior (ANDES-SN) (2003), fortalecem
O princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão [...]
[refletindo] um conceito de qualidade do trabalho acadêmico que favorece a
aproximação entre universidade e sociedade, a auto-reflexão crítica, a
54
emancipação teórica e prática dos estudantes e o significado social do
trabalho acadêmico (ANDES-SN, 2003, p. 30).
Portanto, a ação de um programa bem estruturado de pesquisa nas IES
proporciona um impacto notável na formação acadêmica dos alunos, subvertendo a
concepção da educação como mercadoria, pois o aluno inserido no ambiente de
produção técnico-científica como pesquisador, realizará não somente a sua
formação como bacharel em determinada área do conhecimento, mas atuará como
intelectual responsável por uma produção acadêmica autoral, contribuindo para sua
área e refletindo voluntariamente sobre questões vinculadas a sua identidade como
profissional e sujeito participante da comunidade científica.
Os alunos contemplados com o apoio institucional para a realização de
pesquisas desenvolverão, portanto, ao longo de um ano, a iniciação científica,
compreendida como
[...] um instrumento que permite introduzir os estudantes de graduação,
potencialmente mais promissores, na pesquisa cientifica. É a possibilidade
de colocar o aluno desde cedo em contato direto com a atividade científica e
engajá-lo na pesquisa. Nesta perspectiva, a iniciação científica caracterizase como instrumento de apoio teórico e metodológico à realização de um
projeto de pesquisa e constitui um canal adequado de auxílio para a
formação de uma nova mentalidade no aluno. Em síntese, a iniciação
científica pode ser definida como instrumento de formação
(UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2010).
Dessa forma, a iniciação científica, reconhecida como um instrumento de
formação complementar e fundamental à realizada em sala de aula, pode ser
compreendida como outro elemento do ensino com pesquisa que facilita o
desenvolvimento do discente, pois “pesquisar, [...] se configura como um processo
de
construção
do objeto,
apoiando-se em
premissas epistêmicas e
em
procedimentos metodológicos e técnicos, pertinentes à realidade do objeto em
estudo”
(SOARES,
2013,
p.
231).
Considera-se
também
que
todos
os
procedimentos que o aluno deve realizar para ser contemplado com a bolsa – a
elaboração do pré-projeto, a procura de um docente que possa orientá-lo, a
submissão da pesquisa inicial à comissão avaliadora, etc. – são percursos que
exigem autonomia e disciplina para satisfazer as inquietações que motivaram o
desejo da pesquisa.
Segundo Rodrigues (2011, p. 45), os três anos analisados no estudo, de 2008
a 2011, demonstram que houve uma participação regular dos alunos da
FaBCI/FESPSP, sendo que “dois projetos [dos seis aprovados em três anos]
55
envolvidos no programa conseguiram visibilidade externa”, o primeiro como
publicação em um periódico de alcance internacional e o segundo como
“apresentação oral em um evento nacional de iniciação científica”.
Conclui-se, portanto, que as ações de fomento à pesquisa nas Instituições de
Ensino Superior concretizam a extensão da sala de aula, e permitem ao discente
desenvolver investigações sobre conteúdos que ele mesmo terá que relacionar com
a área de conhecimento ou linha de pesquisa pela qual optou. Ele estará isento de
avaliações numéricas que ocorrem na sala de aula, mas cumprirá os acordos com a
instituição que concedeu a bolsa e com o docente orientador.
No tópico subsequente, será abordado outro ambiente que pode se tornar
uma extensão da sala de aula: os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA).
Assim como a iniciação científica, pode ser um espaço motivador para a construção
do conhecimento por possibilitar a realização de pesquisas e interações que
favorecem a troca de saberes entre docentes e discentes.
6.2 Ambiente Virtual de Aprendizagem
As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) agregadas à educação
possibilitam novos espaços e ferramentas para facilitar os processos de ensino e de
aprendizagem, como os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), que permitem
interações entre os participantes, mediante os recursos disponíveis na internet
(correio, fórum, bate-papo, conferência, banco de recursos, etc.) (ANDRADEPEREIRA; SANCHES, 2009, p. 105).
A reestruturação do Planejamento Pedagógico de 2011 incorporou tal recurso
como “um espaço para complementação teórica e prática das disciplinas,
promovendo e impulsionando a competência informacional do aluno para as novas
tecnologias da informação e comunicação” (FESPSP, 2011, p. 16). A utilização do
ambiente virtual16, permitiu a redução da carga horária presencial do curso, e
ampliou as possibilidades de atuação entre docente e discentes de maneira
integrada às novas tecnologias que também fazem parte do conjunto de ferramentas
que o profissional da informação deve conhecer e saber utilizar.
16
Entende-se por AVA - Ambiente Virtual de Aprendizagem o portal de Educação a Distância,
desenvolvido na plataforma MOODLE, disponível para acesso do corpo docente e discente, no qual
se dá a interação virtual das diversas disciplinas e cursos disponibilizados pela FESPSP.
56
A adoção de um ambiente como este para o ensino não pode ser
compreendido como a transposição da sala de aula para o ambiente digital, pois a
mediação ocorre por meio das TICs, o que significa a integração de múltiplas mídias
e a utilização dos recursos de maneira individual e autônoma por aqueles que
participam do grupo. Ou seja, “as atividades se desenvolvem no tempo, ritmo de
trabalho e espaço em que cada participante se localiza, de acordo com uma
intencionalidade explícita e um “planejamento prévio [...], sendo revisto e
reelaborado continuamente” (ANDRADE-PEREIRA; SANCHES, 2009, p. 105).
As pesquisadoras Andrade-Pereira e Sanches (2009, p. 107) recuperam o
estudo feito por Lago (2002, p.86) e comentam sobre os aspectos positivos da
utilização dos AVA. Nesta pesquisa, foram destacados somente alguns deles, os
quais a pesquisadora considerou como mais relevantes. A primeira característica
destacada sobre os Ambientes Virtuais de Aprendizagem é a contribuição para um
aprendizado colaborativo entre os participantes do grupo, que pode ser reconhecido
quando os conteúdos inseridos pelos alunos e pelo professor são de acesso aberto
aos matriculados naquele curso. Dessa forma, pode haver uma reflexão
compartilhada sobre determinada temática, a partir dos comentários feitos pelos
participantes. Esse tipo de interação é semelhante ao que ocorre em um debate, em
que pode haver comentários divergentes, complementares, ou que geram insights
para outros temas pertinentes às discussões. A vantagem é o registro desse debate
e seu prolongamento, possibilitando novas intervenções, ao longo do período em
que a atividade estará disponível para ser realizada. Assim, os comentários também
podem ser relidos, da primeira à última intervenção ou “postagem” para
compreender o percurso da discussão.
É necessário ressaltar que a colaboração como interação característica do
processo de aprendizagem, assim como no ensino presencial, depende da proposta
realizada pelo docente, que é o responsável por orientar as formas de utilização do
espaço.
O segundo aspecto positivo é a atribuição de valor ao trabalho em equipe
(ANDRADE-PEREIRA; SANCHES, 2009, p.107), que pode ser concebido após a
realização das ações comentadas no parágrafo anterior, pois as TICs expandem as
possibilidades de interatividade. Porém, as mesmas não ocorrerão se os integrantes
do grupo não participarem. Assim, torna-se evidente que o desenvolvimento de uma
ideia só ocorre se todos participam.
57
Outro fator positivo da mediação por meio das TICs é a possibilidade de
interagir com outros membros que não participam das aulas presenciais como, por
exemplo, os discentes que cursam a mesma disciplina presencial em períodos
distintos. No ambiente virtual eles poderão se encontrar para discutir nos fóruns,
trocando pontos de vista. Portanto, o AVA potencializa o encontro entre pessoas
diferentes que não se conhecem no ambiente presencial, aumentando as
possibilidades de enriquecimento das discussões.
O AVA também proporciona a extensão das conversas entre docentesdiscentes e discentes-discentes, formalizando um canal de comunicação imediato,
facilitando o esclarecimento de dúvidas que demandariam um período posterior ou
os intervalos das aulas.
A comunicação mais utilizada nos ambientes virtuais é feita por meio da
linguagem escrita, diferente da sala de aula, em que os debates ocorrem de modo
oral. A possibilidade da escrita para defender uma ideia ou compartilhar um
conhecimento, também se torna um exercício de reflexão e organização do
pensamento sobre a temática, o que permite inserir, simultaneamente, breves
pesquisas enriquecendo o registro com citações e ligações ou links para outros
recursos multimídia, ilustrando de outras maneiras os comentários apresentados.
Outra
possibilidade
enriquecedora
possibilitada
pelo
AVA
é
a
descentralização da aula ou das interações vinculadas à imagem do professor, que
pode ter uma interferência inicial, propondo e instruindo sobre alguma atividade, mas
deixando que os próprios alunos se manifestem e discutam entre si.
Para que todas as potencialidades da utilização de um ambiente como esse
sejam aproveitadas, alguns objetivos poderiam ser elaborados por docentes e
discentes para se apropriarem do ambiente, interagindo com maior autonomia, pois
saberão o que deve ser feito e o que é esperado. O conjunto de objetivos do
ambiente virtual de aprendizagem pode apresentar como objetivos alguns itens
apresentados abaixo, conforme o regulamento da FaBCI/FESPSP:
•
Propiciar ao aluno um espaço para complementação teórica e
prática das disciplinas, promovendo e impulsionando a competência
informacional para trabalhar as novas tecnologias da informação e
comunicação;
•
Promover o conhecimento e exercício de atividades em
ambiente virtual, bem como a produção e publicação de conteúdos que
utilizam novas mídias;
•
Estimular a interação, colaboração e troca de experiências
por meio de ferramentas de comunicação síncronas ou assíncronas
disponíveis;
58
•
Permitir a construção de habilidades e competências
tecnológicas valorizadas no mercado de trabalho do bibliotecário (FESPSP,
2013, p. 2).
Esse registro pode ocorrer pela elaboração de um regulamento interno da
instituição que elaborará tais diretrizes para seu uso, evidenciando os esforços para
a formalização de acordos entre discentes e docentes, e identificação do ensino com
pesquisa.
Ao relacionar o ensino com pesquisa e os Ambientes Virtuais de
Aprendizagem é possível delinear algumas semelhanças com o ensino com
pesquisa, considerando a autonomia dos discentes como elemento fundamental
para que o ambiente funcione. Além disso, a produção escrita e o tempo para a
pesquisa viabilizado pela ampliação do tempo para os momentos de interação direta
quando conectados (online) são fatores que influenciam a participação do discente
de forma distinta da sala de aula, ampliando tais vínculos para a formação de
comunidades virtuais de aprendizagem colaborativa17.
Para concluir, o AVA pode ser concebido como instrumento constituinte de
um método de ensino-aprendizagem baseado no modelo de ensino com pesquisa,
pois evidencia a autonomia e a gestão individual e compartilhada do conhecimento.
A gestão individual ocorre pela auto-organização do indivíduo com relação ao tempo
e ao conteúdo que seleciona para publicar no AVA. A gestão compartilhada ocorre
quando, dependendo da atividade, há o desenvolvimento de um conhecimento
através da interação entre os participantes. Portanto, sem haver um planejamento
prévio da comunidade envolvida sobre as atividades desenvolvidas no AVA, ou sem
possuir uma postura inovadora frente ao processo de ensino e de aprendizagem
mediado pelas TICs, os resultados podem comprometer o enriquecimento
educacional dos envolvidos.
O comportamento inovador acontece quando há o rompimento do paradigma
de que a educação se restringe aos ambientes presenciais. Por isso, é necessário
incorporar um modelo misto de ensino, apresentando as qualidades e limitações de
ambos os ambientes. Reforçando que é preciso desenvolver habilidades nos dois
territórios, presencial e virtual, sem esquecer que a competência informacional
sempre envolverá o fator humano, capaz de criar soluções e facilitações para o
“Comunidades compostas por pessoas que estão em diversas partes do mundo e interagem todas
com todas, sem que, necessariamente, estejam juntas ou conectadas na mesma hora e no mesmo
lugar” (ANDRADE-PERIERA; SANCHES, 2009, p. 107).
17
59
aprendizado e o ensino em qualquer ambiente que permita realizar interação com o
outro.
Buscou-se, neste capítulo, ressaltar a importância da relação entre a
interação de um grupo e a maneira como é mediada em determinado espaço,
refletindo sobre seu impacto nas maneiras de aprender. Por isso, compreender
como os docentes percebem suas propostas e de que maneira orientam a
participação dos discentes é fundamental. Assim, retomando o espaço da sala de
aula e os Trabalhos Temáticos e Integrados, serão expostos no próximo capítulo os
comentários dos docentes sobre as propostas do ensino com pesquisa
compreendendo o percurso desse método de ensino na FaBCI/FESPSP.
60
7 TEMÁTICA E INTEGRAÇÃO DE DISCIPLINAS: CONVERGÊNCIAS ENTRE OS
OLHARES DOS DOCENTES E DISCENTES DA FABCI/FESPSP
A investigação sobre os Trabalhos Temáticos e Integrados procura verificar
se estão, de fato, relacionados ao ensino com pesquisa – abordagem que evidencia
a transformação do ensino-aprendizagem tradicional – e em que medida estimulam
o discente a desenvolver um pensamento complexo e ampliar sua visão de mundo
integralizadora. Dessa forma, a compreensão sobre a efetividade de tal ideia,
principalmente pela visão do discente, é a proposta desta pesquisa por meio das
entrevistas18 com os discentes e alguns docentes que vivenciaram sua realização.
Os Trabalhos Temáticos e Integrados da FaBCI foram sistematizados como
uma prática pedagógica regular no curso, a partir de 2011, com a reestruturação do
projeto pedagógico. Em cada semestre, desde o primeiro, é solicitado que os alunos
realizem os trabalhos, objetivando a integração entre as disciplinas e o
desenvolvimento de competências relacionadas à realização de uma pesquisa
científica.
No primeiro ano do curso, a proposta dos Trabalhos Temáticos e Integrados é
aproximar o aluno da produção do conhecimento científico por meio da leitura de
uma obra literária brasileira – escolhida previamente pelos professores do primeiro
ano – e, a partir da narrativa, os alunos devem selecionar uma temática relacionada
à obra. A produção final é um ensaio, contendo as reflexões e análises sobre a obra,
a partir do enfoque desenvolvido pelo discente. A avaliação do ensaio é realizada de
maneira consensual entre os professores. O que se deseja não é um
aprofundamento literário, mas perceber como o discente organiza suas ideias e, ao
mesmo tempo, ampliar seu repertório cultural e linguístico, utilizando o prazer do
texto literário e sua sensibilidade estética.19
Já os Trabalhos Temáticos Integrados que são realizados nos outros dois
anos do curso, se voltam para as questões da Biblioteconomia sendo o principal
objetivo integrar as disciplinas, desafiando o discente a perceber os objetos de
estudo de maneira integrada, rompendo a departamentalização das disciplinas.
Ambos trabalhos, embora possuam temáticas diferentes, possuem a mesma
natureza: provocar o aluno a perceber que o conhecimento é construído a partir da
18
Alguns docentes não puderam realizar as entrevistas, mas responderam aos questionários
encaminhados por e-mail.
19 Ver os parâmetros para a correção dos Trabalhos Temáticos e Integrados de literatura no Anexo A.
61
pesquisa e do tecido complexo que se faz na interligação de diferentes disciplinas do
conhecimento humano.
Para que tal investida, ao realizar os Trabalhos Temáticos Integrados,
obtenha sucesso, algo desafiador é solicitado tanto aos discentes quanto aos
docentes: que enxerguem o processo de ensino-aprendizagem sem fórmulas e
conhecimentos prontos e estáticos que devem ser absorvidos, mas sim, como
construções individuais que possibilitem novas e diferentes visões sobre um mesmo
objeto. O grande objetivo é o de coletar a visão sobre esse processo de ensino e
construção do conhecimento tentando perceber os seguintes aspectos: 1. O
reconhecimento sobre como e quais foram os principais desafios superados; 2.
Como foi a orientação dos docentes sobre o trabalhos 3. A percepção da relevância
de uma proposta como essa para o aprendizado mais efetivo (reflexão-na-ação) 4.
Coletar sugestões e documentar as avaliações sobre a efetividade da integração
entre as disciplinas e o aprendizado com a pesquisa.
A seleção dos discentes considerou dois critérios para a definição da amostra:
1. discentes que elaboraram trabalhos bem avaliados pelos docentes; 2. discentes
que ingressaram a partir de 2011 – ano em que houve a reformulação do Projeto
Pedagógico da FaBCI, que prevê, de maneira estruturada a realização de, no
mínimo, um Trabalho Temático Integrado por semestre.
Dessa forma, para a visualização entre a seleção de entrevistados e quais as
disciplinas envolvidas em cada Trabalho Temático Integrado, foram elaboradas as
tabelas a seguir com a relação de disciplinas e o número de docentes e discentes
que comentaram sobre o mesmo.
62
Tabela 7.1: Trabalho Temático e Integrado 1º e 2º semestre – Eixo humanista, acadêmico e
cultural
SÉRIE
DISCIPLINAS
INTEGRADAS
DOCENTES
ENTREVISTADOS
DISCENTES
ENTREVISTADOS
3
4
1. Análise textual
2. Fundamentos da
Tecnologia da
Informação e da
Comunicação
3. Fundamentos da
Biblioteconomia e
da Ciência da
Informação
1º SEMESTRE
4. Introdução à
Psicologia das
Relações
Humanas
5. Introdução ao
Conhecimento
Científico e à Ética
6. Introdução aos
Serviços de
Informação
7. História da
Produção dos
Registros do
Conhecimento
8. Inglês Instrumental
9. Introdução à
Administração
2º SEMESTRE
10. Introdução à
Sociologia
11. Lógica Aplicada
12. Normalização
Documentária
13. Produção Textual
14. Representação
Descritiva
Fonte: Elaborada pela autora.
63
Tabela 7.2 – Trabalho Temático e Integrado 3º semestre – Eixo técnico e tecnológico
DISCIPLINAS INTEGRADAS
Fontes de Informação e
Pesquisa
Gestão de Serviço de
Informação I
DOCENTES
ENTREVISTADOS
DISCENTES
ENTREVISTADOS
2
4
Fonte: Elaborada pela autora.
Tabela 7.3: Trabalho Temático e Integrado 3º semestre – Eixo organizacional e gerencial
0-1
DISCIPLINAS INTEGRADAS
DOCENTES
ENTREVISTADOS
DISCENTES
ENTREVISTADOS
1
4
1. Indexação e Resumos
2. Linguagens
Documentárias PréCoordenadas
3. Representação
Descritiva Automatizada
Fonte: elaborada pela autora.
Tabela 7.4: Trabalho Temático e Integrado 4º semestre – Eixo humanista, acadêmico e cultural
DISCIPLINAS INTEGRADAS
Estatística Aplicada
TCC Desenvolvimento I
Fonte: elaborada pela autora
DOCENTES
ENTREVISTADOS
DISCENTES
ENTREVISTADOS
1
2
64
Tabela 7.5: Total de entrevistas e questionários aplicados aos docentes e discentes que realizaram
os Trabalhos Temáticos e Integrados contemplados nos três eixos curriculares
0-2
DOCENTES
ENTREVISTADOS
DISCENTES
ENTREVISTADOS
7
1420
Fonte: Elaborada pela autora
Assim, a partir dos objetivos desta pesquisa e do levantamento histórico e
teórico realizados, o roteiro das entrevistas foi elaborado e aplicado durante o mês
de setembro de 2013, aos docentes e discentes da FaBCI/FESPSP, previamente
selecionados segundo os critérios descritos anteriormente. Os resultados são
apresentados e analisados a seguir.
7.1 Análise dos comentários realizados pelos docentes da FaBCI/FESPSP
Buscou-se na análise dos comentários dos docentes realizar um panorama
sobre os principais aspectos do ensino com pesquisa de maneira exploratória, por
isso, a pesquisadora optou por diferenciar, somente, os relatos sobre os Trabalhos
Temáticos Integrados de literatura com relação aos trabalhos que envolvem as
disciplinas do eixo técnico, de gestão e humanista, que estão diretamente
relacionadas aos conteúdos da área de Biblioteconomia. Optou-se por excluir do
comentário o título da disciplina quando o entrevistado o pronunciou, pois o intuito
da análise das falas dos professores é compreender aspectos da proposta dos
Trabalhos Temáticos e Integrados que não são, nesta pesquisa, relacionados às
particularidades das disciplinas, mas sim às características do ensino com pesquisa.
Para este capítulo de análise dos comentários dos docentes, foram
selecionadas algumas perguntas que se elegeu como definidoras sobre a percepção
dos professores com relação à prática pedagógica em questão e às suas
expectativas referentes ao processo de aprendizagem dos discentes. As perguntas
selecionadas foram:
20
Alguns discentes realizaram os Trabalhos Temáticos e Integrados em grupo, por isso algumas
respostas foram analisadas como uma, pois no momento da entrevista eles concordavam entre si ou,
apenas, acrescentavam com alguma outra observação complementar ao que já havia sido dito.
65
1) Explique a proposta do Trabalho Temático e Integrado.
2) Qual a filosofia pedagógica em que a proposta está ancorada?
3) Acredita que este trabalho pode ser considerado uma prática pedagógica
que está incluso no conceito de ensino com pesquisa?
4) Quais competências, habilidades e atitudes são estimuladas no discente?
Quais experiências gostaria de favorecer aos discentes?
Sendo que, as perguntas 1 e 2 são analisadas conjuntamente por serem,
respectivamente, consideradas como o objetivo e a justificativa para a elaboração
dos Trabalhos Temáticos e Integrados.
Portanto, inicialmente, perguntou-se qual é a proposta do Trabalho Temático
Integrado buscando averiguar como o docente compreende o projeto. Nesse sentido
todos os professores enfatizaram a questão da interdisciplinaridade e do contato
com a linguagem científica, como uma introdução ao ambiente acadêmico:
O trabalho temático [integrado de literatura] tem como princípio formativo a
compreensão da cultura brasileira, a partir de uma obra literária, ou teatral.
Constitui-se de um texto dissertativo, apresentado pelos alunos ao final do
1º e 2º semestres, em forma de um pequeno ensaio (duas a cinco laudas
digitadas, incluindo bibliografia), motivado por um ou mais temas implícitos
à obra. O que norteia conceitualmente o Trabalho Temático [e Integrado de
literatura] é a interdisciplinaridade; afinal, trata-se de uma tese a ser
defendida pelo aluno, com a orientação de todos os professores de cada
semestre. A par disso, o Trabalho Temático [e Integrado de literatura] tem
como propósito mais ampliado, a educação estética dos alunos, já que
todas as reflexões e proposições serão provocadas pela fruição e
compreensão de uma obra de arte da literatura ou da dramaturgia nacionais
(DOCENTE 1)
Os trabalhos temáticos [integrado de literatura] são coordenados e foram
implantados [...] com o intuito de prover ao aluno do primeiro ano um
arcabouço cultural que muitos não tinham por conta da baixa qualidade do
Ensino Médio. A gente percebeu que recebíamos alunos com o repertório
de Língua Portuguesa e cultural muito ruins, e isso acabava causando um
certo descompasso [...] Pela primeira vez ele é introduzido com esse intuito
de introduzir uma obra de ficção da literatura brasileira, condizendo com a
nossa missão em relação ao desenvolvimento do Brasil, de pensar o Brasil,
para realizar a leitura e análise dessas obras. A importância do projeto é a
facilitação do contato entre os alunos e as obras e linguagens até então
desconhecidas, adaptando-se ao repertório acadêmico e universitário.
Facilita, também uma transição mais suave ao ambiente acadêmico
(DOCENTE 2).
Acredito que a proposta esteja ancorada nos princípios filosóficos da própria
instituição e no estímulo ao desenvolvimento do aluno, com foco no
aprender a aprender, na construção de saberes que demandam a
preparação de um corpo discente estruturado e consciente de suas
66
responsabilidades como profissional, cidadão e ser humano. No novo
projeto pedagógico, a coordenação do curso da FaBCI conjugada aos
objetivos da Diretoria Acadêmica, nos propôs viabilizar esse trabalho
[temático e] integrado. Os objetivos focaram na articulação entre as
disciplinas do mesmo semestre, na aquisição de uma visão sistêmica dos
conteúdos programáticos abordados, numa perspectiva interdisciplinar entre
docentes, disciplinas e seus conteúdos contemplados. Para a metodologia,
nossa ideia era unir a teoria com a prática, aproximando-as do
entendimento e compreensão do aluno (DOCENTE 3).
[...] além de consolidar conceitos teóricos sobre o tema, o aluno tem a
oportunidade de exercitar seus conhecimentos de normalização, fontes de
informação e uso das normas ABNT em geral (citação, formatação de
trabalhos, etc). O que se propõe é que o aluno entenda que o conhecimento
não é compartimentado, ou seja, o que ele aprende em uma disciplina é
perfeitamente aplicável à realidade de outra disciplina. É uma tentativa de
tornar seu aprendizado integrado e processual (DOCENTE 4).
Destaca-se, do comentário dos docentes entrevistados 1, 2 e 3, a
preocupação em congregar os princípios da missão da própria instituição de ensino
com as necessidades de desenvolvimento dos alunos ingressantes. Em seu Projeto
Pedagógico, a FESPSP apresenta como
Uma das grandes tarefas, já nas primeiras séries do ensino superior, deve
consistir em estimular a passagem do senso comum para o
pensamento/conhecimento científico – até por causa da nova linguagem
técnica a ser incorporada. Trata-se, por assim dizer, de civilizar/educar o
senso comum. Enfim de introduzir a argumentação regrada; de entender
que o conhecimento é conjecturável; de trabalhar com metodologia autocorretiva; de desenvolver a objetividade; de aguçar o espírito crítico
(NAGLE; CASALECCHI apud FESPSP, 2013, p. 4).
Desta forma, é possível reconhecer a coerência entre a proposta pedagógica
da FESPSP e a proposta articulada pelos docentes com os Trabalho Temáticos e
Integrados para a formação profissional e acadêmica dos discentes, pois facilitam o
desenvolvimento de competências que demonstram a percepção sobre a
apropriação de outra esfera, que exige elaboração de um conhecimento distinto do
senso comum: a esfera do conhecimento científico, ou melhor, um conhecimento
conjecturável.
Destaca-se, dos comentários dos docentes 3 e 4, a presença da
interdisciplinaridade ou integração entre disciplinas alocadas em um mesmo
semestre, em que trabalham em conjunto, objetivando o desenvolvimento da
percepção do discente para o conhecimento que, apesar de estar dividido entre as
disciplinas por uma finalidade didática, fazem parte da construção de um
conhecimento complexo; aqui as convergências entre as disciplinas realizadas sob o
67
olhar do próprio discente, são a principal intenção, devidamente planejadas pelos
idealizadores desta prática: docentes e a diretoria acadêmica.
Além disso, outra convergência proposta é a desconstrução da dicotomia
mais perceptível pelos discentes e docentes no ensino superior: a separação entre
teoria e a prática. O comentário realizado pelo docente 3 explicita que um dos
objetivos ao propor o trabalho é a possibilidade de realizar um exercício de
intersecção entre a teoria e a prática, de maneira que o discente perceba a
indissociabilidade entre ambas esferas, pois uma necessita da outra para que haja
fundamentação, para que seja demonstrada a reflexão-na-ação. Ou seja, possibilitar
ao aluno, utilizando recursos pedagógicos direcionados, aprender que a partir das
dificuldades da esfera prática é possível entender o porquê da origem das teorias,
ou, a partir do estudo da teoria, possibilitasse descobrir ou inferir uma prática capaz
de solucionar os problemas de ordem teórica.
As pesquisas que buscam tais pontos de convergência, conforme Schön
(2000), direcionam-se para a construção de pontes entre o mundo da universidade e
a prática, pois se aproximam de um
Lugar onde os profissionais [ou discentes] aprendem a refletir sobre suas
próprias teorias tácitas a respeito dos fenômenos da prática, na presença de
representantes [ou docentes] daquelas disciplinas cujas teorias formais são
compatíveis às teorias tácitas desses profissionais. Os dois tipos de teorias
deveriam ser trabalhados juntos, não apenas [...] para ajudar os acadêmicos
a explorarem a prática como material para a pesquisa básica, mas também
para encorajar os pesquisadores, na academia e na prática, a aprenderem
uns com os outros (SCHÖN, 2000, p. 234).
Assim, os discentes que realizam os Trabalhos Temáticos e Integrados, são
direcionados a refletir sobre sua própria prática e, ao mesmo tempo, devem revisitar
as teorias das disciplinas mais tradicionais, de modo a explicarem o próprio
conhecimento tácito de maneira investigativa, estudando sobre como construíram
determinada linha de raciocínio e encontrando similaridades com as teorias que
fundamentam o objeto de estudo das pesquisas.
Posterior à compreensão do objetivo e justificativa da prática pedagógica em
destaque neste estudo, perguntou-se aos docentes se acreditavam que os
Trabalhos Temáticos e Integrados poderiam ser concebidos como práticas que
articulam o ensino com pesquisa. Obteve-se as seguintes respostas:
Sim, eu falo para os alunos que todo o trabalho é um trabalho de pesquisa.
Em todo o trabalho solicitado, para entendê-lo, eu preciso identificar ou
selecionar o objeto, eu preciso colocar o texto em relação a outros textos,
68
eu preciso levantar uma bibliografia específica sobre o tema, ler e fichá-la. É
uma maneira do aluno perceber que para ele construir o conhecimento ele
não vai depender das informações que vai receber das aulas, mas vai fazer
tudo isso, mobilizando outros conhecimentos e construir o seu
conhecimento. Para desmistificar essa noção de que o conhecimento não é
aquilo que vou receber na aula, mas o processo ativo do aluno em que ele
fala, o professor fala, o aluno pesquisa, traz para a discussão com o
professor, debate, etc. Isso vai sendo a construção do conhecimento. E o
trabalho temático [e integrado de literatura] traz um pouco essa noção em
que num processo dialógico sobre a obra literária, o aluno e o professor
trazem a sua interpretação sobre o livro. O processo de construção do
conhecimento, sem pesquisa, não tem fundamento. (DOCENTE 1)
Sim, como é possível depreender das respostas dadas às questões
anteriores. Destaque-se a afirmação de que o Trabalho Temático [e
integrado de literatura] implica na leitura de uma obra de arte (literatura ou
teatro) que ensejará um ensaio, cuja elaboração será tanto mais fecunda
quanto mais os diferentes professores colaborarem com suas diferentes
visões e concepções sobre a mesma obra. Suas sugestões de leituras
subsidiárias e seus empenhos na “solução do problema” em que se constitui
a obra e, por extensão, o próprio ensaio, consubstanciam uma prática
pedagógica em que a pesquisa é indissociável do ensino. (DOCENTE 2)
Indiretamente sim, porque ao elaborar o texto o aluno tem que exercitar
seus conhecimentos de pesquisa: seleção de fontes, busca, triagem,
fichamentos, etc., de modo a consolidar um texto teórico e analítico sobre o
tema escolhido. (DOCENTE 4)
Claro, com certeza. O aluno chega na graduação com medo de fazer
pesquisa. Então há a crise do primeiro semestre em que o aluno não sabe
por onde começar e fica desesperado. O auxílio dos professores com a
orientação de cada etapa, vai tirando o medo da realização de uma
pesquisa e a desmistifica, pois o professor está lá para ajudar o aluno a
identificar que ele faz pesquisa e faz bem. Ao longo do processo, o aluno
vai entendendo o que é uma fonte de informação. Como que ele lê um
trabalho e faz um fichamento, como que ele analisa as principais ideias do
autor e conecta com as próprias ideias. De que forma ele elabora o texto em
uma sequência interessante. Isso tudo é pesquisa. (DOCENTE 5)
A reflexão realizada pelos docentes sobre a relação entre a proposta dos
Trabalhos Temáticos e Integrados e o ensino com pesquisa, em sua maioria,
enfatizou as atividades dos discentes com relação à seleção de fontes, a elaboração
de um texto que dialogue com ideias de outros autores, a elaboração de objetivos e
justificativas para fundamentar o trabalho.
Anteriormente, nesta pesquisa, foram discutidas as características do ensino
com pesquisa, bem como o aprender com pesquisa. Conclui-se sobre os
comentários, com exceção do comentário do docente 2, que os professores falaram
do aprender com pesquisa, e não do ensino com pesquisa, pois analisaram a
atuação do discente. Mas as respostas dadas pelos docentes, mesmo sem o foco
nas práticas que eles mesmos realizam, e sim nos discentes, demonstraram ênfases
da ação do docente executor do ensino com pesquisa nos seguintes aspectos:
69
1)
2)
3)
4)
Parceria com o aluno no processo pedagógico;
Comprometimento com o trabalho competente;
Uso da lógica e da argumentação;
Orientação ao aluno a expressar-se de maneira fundamentada,
exercitando o questionamento e a formulação própria; (Adaptado de
BEHRENS, 1999, p. 392-393).
O primeiro aspecto está relacionado com a preocupação do docente em estar
presente e auxiliar o aluno de maneira próxima. Esta ideia está evidenciada nos
comentários dos docentes 1, 2 e 5. Os outros três itens podem ser associados à
exigência e orientação de uma metodologia, principalmente a que está relacionado
ao ambiente acadêmico, como a utilização da norma culta da língua portuguesa, a
utilização da ABNT, e as recomendações de fontes bibliográficas feitas pelos
docentes que auxiliam na fundamentação do trabalho, realizando uma pesquisa
competente e que evidencia a importância da lógica e da argumentação. Esta
preocupação está presente nos comentários dos quatro professores.
Por fim, a última questão analisada se refere à percepção dos docentes sobre
o impacto dos Trabalhos Temáticos e Integrados para o desenvolvimento de
competências, habilidades e atitudes em que identificam cada uma delas. Os
comentários obtidos foram os seguintes:
Conviria sublinhar o que é relevante e esperável nesse projeto: a habilidade
com a leitura e interpretação de textos e, principalmente, o gosto pela
fruição de uma obra de arte. Também se espera que os conceitos
eventualmente trabalhados pelos professores para ampliar a compreensão
da obra demonstrem aos alunos (e os convençam) a importância da Teoria
para uma intervenção qualificada e eficaz na realidade (DOCENTE 2).
A ideia é aproximá-los de competências e habilidades integradas, nas quais
eles possam analisar e refletir sobre a sinergia de cada uma em um produto
final realizado que é o Manual de Tratamento e Organização da Informação
e, para além dele, ao perceberem como se aplicam essas disciplinas e
como estão estruturadas e organizadas no mercado de trabalho que farão
parte. Objetivam-se propiciar atitudes criativas, críticas, reflexivas, analíticas
que impulsionem o aluno a desenvolver e construir uma identidade
profissional ética, íntegra, responsável e comprometida.
Meu ideal de aprendizagem e que gostaria de propiciar aos meus alunos, é
um ensino natural, livre de receitas e manuais prontos, com desafios a
transpor e mudar, de uma maneira consciente e comprometida, não-diretiva.
[...] Acredito num aprendizado de acerto e erro percebido por si próprio, no
aprender a aprender, com consciência e responsabilidade (DOCENTE 3).
O que se pretende é que o aluno adquira competências para recortar um
objeto de pesquisa e buscar referencial teórico para analisá-lo, elaborando
um texto a partir do referencial dos autores escolhidos. O feedback dado
aos alunos após a entrega dos textos tem o objetivo de alertar e estimular o
olhar crítico do aluno em relação ao seu próprio texto e eventuais falhas
cometidas na consolidação da versão apresentada as professoras. A
70
competência que se pretende consolidar está relacionada a elaboração de
textos científicos e tudo o que está envolvido nesse processo: pesquisa, uso
de fontes, elaboração de um texto normalizado, além de maior
aprofundamento no tema [...] escolhido para o trabalho (DOCENTE 4).
Os comentários demonstram uma visão sobre o aprender fundamentado no
ensino com pesquisa, apontada, principalmente, no comentário do docente 3, que
enfatiza a importância do desenvolvimento do aprender a aprender, em que o
discente também construiria um olhar avaliativo sobre a sua forma singular de
(re)construir o conhecimento percebendo suas dificuldades e facilidades, sem que o
processo dependesse somente do olhar avaliativo do professor. No comentário do
docente 2, destaca-se a questão do senso estético que os Trabalhos Temáticos e
Integrados de literatura podem estimular no aluno, facilitando a percepção subjetiva
da pesquisa que não é somente construída pelo raciocínio lógico, mas também pelo
gosto do próprio discente em construir a pesquisa, partindo da sua formação como
indivíduo, ou seja, o motiva a olhar a si próprio buscando um tema a ser defendido
que seja coerente com a sua visão de mundo e posicionamento político e histórico.
A contribuição do comentário realizado pelo docente 4 refere-se à percepção
do aluno sobre o ambiente acadêmico, desenvolvendo competências para que
responda em um formato adequado ao que é solicitado. A maneira como o docente
articula isso, no caso realizando o feedback sobre a produção do aluno, para que ele
consiga se auto avaliar a partir de uma análise em conjunto, entre aluno e professor,
para que consiga produzir textos, ideias e contribuições no formato solicitado pelo
meio universitário.
Os comentários a seguir sobre a avaliação dos Trabalhos Temáticos e
Integrados foram organizados em um quadro dividido em quatro categorias
temáticas: qualidade no resultado dos trabalhos; integração entre as disciplinas;
metodologia utilizada pelo docente para a orientação; críticas e comentários sobre a
avaliação.
71
Quadro 2 – Temas e comentários dos docentes avaliando os trabalhos temáticos e
integrados
2
TEMAS
COMENTÁRIOS
“Pessoalmente, estou satisfeito: reputo a produção dos nossos alunos de boa
qualidade (com os inevitáveis “ótimos” e “fracos”, estes, percentualmente,
menos recorrentes a cada ano). Arrisco a opinião de que, nesses 5 anos, o
número de ótimos e bons Trabalhos Temáticos [e Integrados de Literatura] tem
aumentado ano a ano; haja vista à dificuldade de se escolher o grupo dos
trabalhos notáveis para serem publicados no site da instituição” (DOCENTE 2).
QUALIDADE NO
RESULTADO DOS
TRABALHOS
“Quando observamos a má qualidade de alguns trabalhos a pergunta que fica
no ar é: ‘Onde nós erramos?’” (DOCENTE 4)
“A publicação é um estímulo para o aluno fazer o trabalho e fazer bons
trabalhos, pois afinal os melhores trabalhos vão para o site. É, portanto o
reconhecimento do mérito pelo bom trabalho realizado. É um elemento de
valorização dos trabalhos dos alunos, pois a nota é uma avaliação prevista
desde o início. Mas a publicação, que também é uma avaliação, é um outro
reconhecimento do trabalho que declara que as pesquisas merecem ser vistas
por outras pessoas” (DOCENTE 1)
“Ainda há um debate entre alguns professores que não compreendem a
finalidade do Trabalho Temático Integrado de Literatura, mas aos poucos a
gente vais entrando em acordo, pois o aluno que realiza uma boa leitura e uma
boa escrita consegue também um bom desempenho em disciplinas mais
técnicas [...] É importante salientar que o trabalho temático não pertence a
nenhum eixo especificamente, ele é tudo. Ele dá ao aluno a possibilidade de
pensar as três grandes áreas [eixos de: humanidades, técnico e tecnológico e
de gestão]” (DOCENTE 1).
INTEGRAÇÃO
ENTRE AS
DISCIPLINAS
“A percepção disso [da integração entre as disciplinas] pelos alunos é motivada
também pela disponibilidade que cada disciplina demonstra ter com os
trabalhos temáticos” (DOCENTE 1)
“Sim, sinto que [os Trabalhos Temáticos e Integrados] estão sendo bem
conduzidos e era um sonho que virou realidade. Entretanto, há sempre o que
melhorar. Em relação à parte técnica [disciplinas do eixo técnico e tecnológico]
e, conversando com as colegas das disciplinas, penso que poderíamos ter uma
aula conjunta, ou seja, onde as três estivessem presentes para um debate, uma
aula simultânea, etc. Seria bem interessante!” (DOCENTE 3).
Continua
72
Quadro 2 – Temas e comentário dos docentes avaliando os trabalhos temáticos e
integrados
“Buscar pensar como a minha disciplina pode ser utilizada para a realização do
trabalho e criar algumas atividades dentro da disciplina que se conectem com o
trabalho. Na minha disciplina nós criamos um glossário de conceitos
sociológicos que podem ser identificados na obra.” (DOCENTE 1)
METODOLOGIA
UTILIZADA PELO
DOCENTE
PARA A
ORIENTAÇÃO
(como a
metodologia que
adotei contribuiu
ou não foi eficaz
para a realização
dos trabalhos?)
“As aulas dedicadas ao Trabalho Temático [e Integrado de Literatura] têm duas
preocupações básicas: a estrutura formal do trabalho e a discussão da obra
indicada; em vista disto, são reservadas quatro aulas semestrais (quatro dias
de aula) para tais atividades, com predominância para as discussões sobre a
obra. A par disso, são postados exercícios no Ambiente Virtual de
Aprendizagem (AVA), além de atendimentos pessoais fora do horário das
aulas”. (DOCENTE 2)
“Os alunos são atendidos em sala de aula e via e-mail. Alguns alunos enviam
minutas para análise e comentários ao longo do percurso, o que é
extremamente importante” (DOCENTE 4)
“Uma alteração seria evitar dar o ‘caminho das pedras’, ou seja, instigar os
alunos a buscarem o próprio aprendizado... refiro-me ao roteiro (guia) que
damos no início das aulas para a condução do trabalho integrado final. Do meu
ponto de vista, é uma construção que o aluno deve fazer e não o docente”
(DOCENTE 3)
CRÍTICAS E
COMENTÁRIOS
SOBRE A
AVALIAÇÃO
“A gente avalia demais os alunos, é prova, é trabalho temático, é trabalho
integrado. Tentar amenizar a quantidade de avaliações e, ao mesmo tempo,
tornar o trabalho temático importante é fundamental” (DOCENTE 1)
Fonte: elaborado pela autora.
Conclusão
O quadro acima auxilia na percepção sobre como cada docente percebe,
avalia e realiza o trabalho da maneira que julga proveitoso para o rendimento dos
alunos. Percebe-se, no primeiro tema exposto, sobre a percepção da qualidade dos
trabalhos, o reconhecimento dos esforços de docentes e discentes para a
construção da pesquisa como positivos, pois surgem bons trabalhos e, até mesmo o
compartilhamento das pesquisas com a divulgação das produções no site da
instituição.
Com relação à percepção da integração entre as disciplinas, ainda há pontos
a melhorar e estão sendo revistos e melhorados, desde as primeiras experiências
em 2011. É perceptível aos docentes a necessidade da criação de instrumentos que
facilitem a comunicação entre eles para não gerar enganos e mal entendidos,
facilitando o entendimento do discente sobre a proposta, os objetivos e a avaliação
do trabalho.
73
Quanto à metodologia utilizada pelo docente para a orientação, cada
professor adotou um conjunto de ações a partir de sua percepção sobre o alunado.
A multiplicidade de ações distintas permite ao discente perceber suas dificuldades e
facilidades de acordo com a condução das propostas para a realização do trabalho.
Isso torna-se importante para que o aluno tenha parâmetros para realizar a auto
avaliação e dar o feedback aos professores sobre quais foram as ações
pedagógicas que mais facilitaram a produção do trabalho.
A última análise a respeito do excesso de avaliações sobre os alunos e o
possível reflexo dessa sobrecarga na qualidade do trabalho demonstra uma
percepção cuidadosa e que busca o equilíbrio com as outras demandas feitas aos
alunos durante o semestre.
Ao compilar os comentários sobre a percepção dos docentes quanto ao
próprio trabalho, tentou-se criar algumas convergências com o quadro apresentado
na sequência, em que os professores destacam as principais dificuldades
demonstradas pelos alunos no processo de elaboração dos Trabalhos Temáticos e
Integrados. Dessa forma, os reflexos do QUADRO 2 foram explicitados nas
considerações posteriores ao QUADRO 3.
Quadro 3 – Dificuldades dos discentes
3
TEMAS
COMENTÁRIOS
“As principais dificuldades dos alunos são para: organizar as ideias; domínio da
norma culta: como escrever, onde colocar as vírgulas, conjugação de verbos.
Mas esse não é um problema do aluno e, sim, da qualidade do ensino anterior
à graduação” (DOCENTE 1).
ELABORAÇÃO
DO TEXTO
“Dificuldades em respeitar a estrutura dissertativa e ensaística do trabalho
(suas partes constitutivas: Introdução, Desenvolvimento e Conclusão; a seleção
de autores que ajudem a estruturar a argumentação; o diálogo com esses
autores)” (DOCENTE 2)
“Alguns trabalhos ficam muito abaixo do esperado, a sensação é que o aluno
não aproveitou bem o que chamamos de trilha metodológica, ou seja, os
conceitos fundamentais sobre elaboração de textos científicos (1º semestre –
Introdução ao Conhecimento e a Ética), uso das normas (2º semestre –
Normalização Documentária) e o próprio uso de fontes de informação (3º
semestre – Fontes de Informação e Pesquisa)” (DOCENTE 4).
Continua
74
Quadro 3 – Dificuldades dos discentes
“Os alunos veem o trabalho temático como “mais um trabalho” para realizar. No
primeiro semestre isso fica mais dissipado, pois ele é realizado na disciplina de
Introdução ao Conhecimento científico e à ética, então ele é visto como um
trabalho da disciplina em que a nota valerá para todas as outras. Mas, no
segundo semestre, isso muda, pois além das avaliações e outros trabalhos das
outras disciplinas o aluno tem mais o trabalho temático para realizar”
(DOCENTE 1).
COMPREENSÃO
DA PROPOSTA
DO TRABALHO
UTILIZAÇÃO DAS
FONTES DE
INFORMAÇÃO
“Os alunos percebem a importância, a necessidade e a pertinência. Entretanto,
no mundo estressante no qual vivemos tudo vira motivo para esmorecimento e
desmotivação. [...] Embora eu saiba que é de certa forma uma utopia, já que
não percebo nos alunos interesse por esse tipo de aprendizagem, de dentro pra
fora. Na verdade, a grande maioria dos seres humanos precisa dessas receitas
(ou seriam muletas?) e que seja mostrado o caminho que devem seguir, assim,
há as aulas expositivas e as respostas a todas as dúvidas. Poucos são os
interessados em buscar seu próprio universo de aprendizagem, enxergar além
do quadro branco. Ou seja, falta de entendimento sobre a filosofia de um
trabalho integrado e sua relação com o curso” (DOCENTE 3).
“Selecionar as fontes e utilizá-las no trabalho sem que eu me aproprie dela de
maneira que eu cometa um plágio” (DOCENTE 1)
“Aproveitamento indevido das citações” (DOCENTE 2)
“Mudanças nas orientações/regras durante o semestre por parte dos docentes;
Dificuldade em acompanhar e absorver as aulas técnicas e a quantidade de
conteúdo ministrado em cada uma delas” (DOCENTE 3)
DISCIPLINAS
“[...] o feedback pós-trabalho é gratificante e motivador, pois é perceptível a
integração e a sinergia das disciplinas e eles comentam e verificam com a
produção final do trabalho entregue, que o objetivo foi contemplado, até mesmo
os alunos mais resistentes” (DOCENTE 3)
ORGANIZAÇÃO
DOS ESTUDOS
“Falta de tempo para a realização do trabalho final é a maior delas [das
dificuldades]” (DOCENTE 3).
LEITURA E
INTERPRETAÇÃO
TEXTUAL
“Há muita dificuldade em lidar com uma obra de ficção: seu enredo, suas
personagens, seus conflitos, sua estrutura temática, sua realidade fictícia, seu
contexto histórico, seu viés político e ideológico. Bem como realizar a relação
entre o tema a ser desenvolvido e a obra de literatura” (DOCENTE 2).
“Dificuldade de escolher o tema, embora eu apresente uma lista de ideias, os
alunos começam a ter contato com os temas e acham tudo interessante,
sentem dificuldade em tomar uma decisão sobre que tema irão abordar”.
(DOCENTE 4)
Fonte: Elaborado pela autora.
Conclusão
75
O segundo e quinto itens do QUADRO 3, refletem o comentário feito do
QUADRO 2 com relação à sobrecarga de avaliações e outras demandas que os
alunos têm de realizar, ocasionando reclamações com relação à falta de tempo ou
desvalorização dos Trabalhos Temáticos e Integrados, que muitas vezes recebem
os maiores pesos na média final das disciplinas, pois são propostas mais complexas
a serem realizadas no semestre. Dessa forma, é preciso avaliar em que medida os
conteúdos podem ser amenizados ou de que maneira preparar melhor os alunos
para que essa dificuldade seja reduzida, possibilitando as sugestões dos alunos,
uma vez que também podem ser responsáveis por essa sobrecarga, caso os fatores
como a desorganização de recursos e como o tempo para estudo e elaboração dos
trabalhos, foram devido à ausência de disciplina pessoal e comprometimento dos
próprios discentes.
Considera-se fundamental a construção de uma investigação como esta
sobre
as
práticas
pedagógicas
centradas
no
ensino
com
pesquisa,
o
compartilhamento de responsabilidades e percepção crítica sobre o processo de
elaboração dos trabalhos pelos docentes e discentes, dada a importância que a
prática possui na FaBCI/FESPSP. Assim, encerra-se o capítulo com a fala dos
docentes para que a fala dos discentes, objeto de análise principal desta pesquisa,
seja compreendida de maneira construtiva, efetivando a visão sobre os Trabalhos
Temáticos e Integrados, como uma prática colaborativa.
7.2 Análise dos comentários realizados pelos discentes da FaBCI/FESPSP
A coleta das informações obtidas durante as entrevistas possibilitou a
estruturação dos comentários dos discentes em algumas categorias: comentários
gerais sobre o entendimento da proposta dos Trabalhos Temáticos e Integrados;
acompanhamento, orientação e avaliação realizada pelos docentes; percepção
sobre o desenvolvimento de competências para realizar pesquisas; avaliação geral
sobre o impacto do trabalho para a formação acadêmica e profissional. Foi seguido
o mesmo procedimento feito na análise dos comentários dos docentes, nos quais as
especificidades de cada disciplina foram omitidas.
Inicialmente, são expostos os comentários referentes ao entendimento da
proposta dos Trabalhos Temáticos Integrados, buscando uma aproximação com o
76
capítulo anterior, com os comentários dos docentes, sobre a intenção e
fundamentação de tal proposta.
Com relação à pergunta sobre a importância dos Trabalhos Temáticos
Integrados e sobre a compreensão da proposta inicial, as respostas dadas pelos
alunos foram:
“A proposta é muito pertinente. Porque: a faculdade, a universidade deve
fazer com que nós realizemos a construção do conhecimento [...] É muito
importante produzir pesquisas desde o primeiro semestre do curso, embora
os alunos fiquem em pânico. Mas é importante conhecermos os
procedimentos para a produção científica desde o início. Com esse trabalho
conseguimos compreender o passo a passo e aprender fazendo a
pesquisa” (DISCENTE 1).
“A obra de literatura foi apresentada como um território comum para que
todos pudessem se articular com o autor de maneira que produzem
sínteses ao selecionarem temáticas secundárias da obra. [...] De certa
forma, percebo esse tom de provocação dos trabalhos temáticos [e
integrados de literatura] que questionam ao bibliotecário: que tipo de
bibliotecário você será sem conhecer a literatura nacional?” (DISCENTE 2).
“[A importância], principalmente dos Trabalhos [Temáticos e] Integrados [do
eixo] técnico, é proporcionar ao aluno em que medida disciplinas separadas
se relacionam, pois no ambiente de trabalho elas são concomitantes, e não
podem ser analisadas de maneira separada. A compreensão sobre a
proposta se deu à medida [em] que foram sendo realizadas as pesquisas
bibliográficas e a produção textual” (DISCENTE 3).
“A importância é entender como uma disciplina agrega o conhecimento à
outra disciplina. Mas no trabalho [do eixo] de gestão não percebo essa
integração” (DISCENTE 4).
“Sim o trabalho é importante. Primeiro você aprende a organizar seu tempo.
Tem que acompanhar as matérias para saber por onde começar a fazer. Se
você compromete a qualidade de uma parte do trabalho, sobre determinada
disciplina, você compromete o trabalho todo. Então é importante que a nota
seja única e não por disciplina” (DISCENTE 5).
“A gente aprende muito mais com os trabalhos integrados. Mas às vezes é
muita informação ao mesmo tempo, pois é muita coisa para entregar. Mas,
ao mesmo tempo se não tivéssemos feito talvez teríamos mais dificuldade
para entender a conexão entre as matérias” (DISCENTE 6).
“Às vezes a liberdade dada pela proposta por poder escolher qualquer tema
parece tão grande quando o professor apresenta que você só se dá conta
sobre a coerência da proposta no término, na conclusão do trabalho”
(DISCENTE 7).
“Não acho importante, principalmente para os alunos que já possuem uma
formação. Não percebo como um diferencial com relação aos exercícios e
77
trabalhos que são solicitados em cada disciplina, individualmente”
(DISCENTE 8)
É possível perceber o reconhecimento da importância na realização dos
Trabalhos Temáticos e Integrados, somente o discente 8 destacou que a base para
aprender a realizar a pesquisa foi redundante para ele por ser sua segunda
graduação. O aspecto que garantiu o reconhecimento da importância em realizar os
trabalhos apontado pelos discentes 3, 4, 5 e 6, foi a
percepção da
interdisciplinaridade. Tal compreensão vem ao encontro da intenção pedagógica dos
docentes, apresentada no capítulo anterior, e do projeto pedagógico da FESPSP: a
integração entre as disciplinas.
Já os discentes 4 e 7 destacam um aspecto interessante ao dizer que a
compreensão sobre a proposta ocorreu, somente, ao longo do trabalho ou em sua
conclusão, demonstrando as diferenças do processo de aprendizagem para cada
indivíduo. Justifica-se, portanto, o acompanhamento de maneira próxima pelo
docente da realização das pesquisas para que consiga avaliar as produções finais,
considerando tais particularidades.
De maneira geral, percebe-se que as propostas dos trabalhos temáticos são
compreendidas satisfatoriamente pelos discentes. Outros aspectos apresentados
nos comentários acima – tais como a sobrecarga de informações e a percepção da
falta de integração entre as disciplinas – foram analisados nos quadros abaixo.
78
Quadro 4 - Temas e comentário dos discentes avaliando os trabalhos temáticos e
integrados
TEMA
COMENTÁRIOS
“É preciso ter um olhar mais integrado durante a avaliação, pois pareceu que
cada professor corrigiu a parte que lhe cabia” (DISCENTE 1).
“Havia disponibilização de horário nos finais das aulas ou no intervalo, mas isso
não foi feito por todos os professores envolvidos [...] A Falta de esclarecimento
quanto aos objetivos de cada disciplina com relação aos trabalhos atrapalha
muito” (DISCENTE 4).
ACOMPANHAMENTO
E ORIENTAÇÃO
PELOS DOCENTES
“Realizei a parte teórica de acordo com o que as professoras destacavam em
sala de aula e que deveria aparecer no trabalho. Mas as falas eram dispersas,
ao longo do semestre. O que o professor gostaria de perceber no trabalho,
muitas vezes, ele comentava a partir da dúvida de outro aluno em sala, mas
não ficava claro o que se esperava. Eu tirava dúvidas no intervalo ou no final
da aula com o professor. Mas somente um professor das três disciplinas
envolvidas, disponibilizou aulas para o esclarecimento das dúvidas”
(DOCENTE 3).
Senti falta de um roteiro prévio preparado pelos professores“ (DOCENTE 5).
“Deve haver maior clareza da proposta. Desde o primeiro dia de aula deve ter
muitas explicações e diretrizes. Mas mesmo assim você não vai entender logo
de cara, pois você depende das aulas para entender o conteúdo [...]O trabalho
integrado facilita a percepção que uma disciplina vai puxando a outra. Mas às
vezes o que é solicitado pelo professor são coisas que atendam somente a
disciplina dele no trabalho, desconsiderando a integração” (DISCENTE 6).
“O acompanhamento de cada professor é diferente, mas tem alguns que não
imagino corrigindo o trabalho final considerando o meu desenvolvimento em
sala, pois não havia acompanhado esse processo” (DOCENTE 7).
“Fica mais subentendido do que claro, pois sabemos que cada professor vai
avaliar a parte que cabe a sua disciplina” (DISCENTE 1).
“O feedback presencial dos trabalhos foi bom. Ficou fácil de entender onde
havíamos errado e acertado. Mas somente um professor fez isso.” (DISCENTE
4).
METODOLOGIA DE
AVALIAÇÃO DOS
DOCENTES
“Fiquei satisfeita, pois os professores sentaram individualmente com os alunos
e apontaram os pontos fortes e a melhorar de cada aluno. Deu para entender o
porquê da nota atribuída” (DISCENTE 3).
“As devolutivas poderiam ter sido mais aprofundadas, pois todos os
apontamentos eu já esperava” (DISCENTE 5).
“Falta de integração no momento da correção. Um professor vai corrigir só isso
e outro só aquilo...o que interessar pra matéria dele [...]Dificuldade dos
professores em coordenarem o tempo do trabalho e o tempo da própria
disciplina. Reservar o final da aula não foi a melhor solução.” (DISCENTE 6).
Continua
79
Quadro 4 - Temas e comentário dos discentes avaliando os trabalhos temáticos
e integrados
“Sim. Os trabalhos temáticos e integrados me motivam a dar continuidade à
pesquisas, mas percebo em minha sala de aula que algumas pessoas estão
mais motivadas do que outras. Acredito que a pesquisa também é uma coisa
particular, tem gente que se identifica mais do que outras, mas eu acho que o
percurso de pesquisas desenvolvidas ao longo dos anos de graduação
motivam, sim” (DISCENTE 1).
“Descobri que gosto de fazer pesquisa visando à realização de algo prático.
Não faria uma pesquisa em que o processo fosse somente de leitura. Mas o
trabalho temático me ajudou a compreender e perceber o que sou capaz de
fazer e que eu dou conta” (DISCENTE 3).
PERCEPÇÃO SOBRE
O PROCESSO DE
PESQUISA E
ELABORAÇÃO
TEXTUAL
“Eu nunca havia lido Jorge Amado, mas a influência do próprio professor, que
possibilitou reflexões sobre a produção contextual da obra, provocou interesse
por temáticas [...] A produção resgatou de certa forma, um desejo de realizar
algo para ser lido e que fortalecesse minhas faculdades internas já despertadas
por outras leituras que fizera, anteriores ao [Trabalho] Temático [e Integrado de
literatura]. Então, a prática da escrita e reflexão acerca de outros textos já fazia
parte de algo que faço sempre e gosto. Acabei, portanto, me apropriando
dessa linguagem, da forma de escrever pertencente a outros escritores, e
agregando esse conhecimento prévio à realização do temático [...]As
conversas com outros colegas facilitou e orientou algumas dúvidas que
surgiram no desenvolvimento do trabalho” (DISCENTE 2).
“O Trabalho [Temático e Integrado do eixo curricular] de gestão facilitou a
elaboração do relatório de estágio [...] Antes dos trabalhos eu não tinha uma
metodologia e uma organização. Agora eu consigo ser gestor e planejar
antecipadamente o que que preciso fazer para cumprir as exigências”
(DISCENTE 5).
“Alguns trabalho a gente só conseguiu entender após a realização, mas
durante a construção não sabíamos onde íamos chegar [...]O tempo de estudo
dado pelos professores para utilizar os materiais da biblioteca foi escasso.”
(DOCENTE 6).
“Quando você tem essa liberdade da escolha do tema, para a pessoa dá
insegurança mas, ao mesmo tempo, o prazer é maior após a realização do
trabalho, quando você percebe que o caminho foi desenvolvido desde o início
por você” (DISCENTE 7).
Continuação
80
Quadro 4 - Temas e comentário dos discentes avaliando os trabalhos temáticos e
integrados
“Não sabia qual era o movimento necessário para chegar às considerações
finais: como determinado tema deveria ser desenvolvido? Como ele deveria ser
finalizado?” (DISCENTE 2).
DIFICULDADES
“Tempo foi curto para tirar dúvidas para muitos alunos do período noturno, pois
havia um número grande de alunos que dificultou um atendimento mais pontual
da professora da disciplina [...] Os códigos de classificação são em pouca
quantidade na biblioteca para realizar o exercício das aulas e a classificação
dos livros do trabalho. Devido a essa dificuldade, tive que ir fora do horário de
aula à faculdade para utilizar esses materiais que não podem ser emprestados
pela biblioteca [...] Tive dificuldades no momento da escrita. As professoras
queriam a sua opinião sobre o que falavam os autores com os quais você
escolheu dialogar no trabalho. As professoras falavam que eu deveria
desenvolver mais e mais, pois sou muito sucinta” (DOCENTE 3).
“Foi difícil o diálogo com os autores na produção textual” (DOCENTE 4).
“Havia partes do trabalho em que o conteúdo solicitado era visto no final do
curso, sobrando pouco tempo para realizar o entendimento e a escrita”
(DOCENTE 5)
“Realizamos o trabalho em grupo e como não tínhamos tempo para nos
encontrarmos fora do horário de aula, cada um fez uma parte. No final ficou
difícil para juntar as partes que cada uma fez” (DISCENTE 6).
“Não tínhamos tempo, nos encontramos somente online” (DISCENTE 8)
Continuação
81
Quadro 4 - Temas e comentário dos discentes avaliando os trabalhos temáticos e
integrados
A realização dos trabalhos temáticos [e Integrados de literatura] ajudou na
realização dos outros trabalhos integrados e até do próprio TCC [...] Hoje, no
sexto semestre é bem claro de que maneira as disciplinas se integram, pois
utilizei materiais indicados no segundo semestre para usar no sexto para o meu
TCC [...] Acho importante a publicação dos trabalhos, sim. Pois é uma
valorização, um estímulo para os autores que serão lidos e reconhecidos como
alunos que acabaram de entrar na graduação e realizam bons trabalhos.
Estimula, também, os outros alunos a produzirem também.” (DISCENTE 1).
AVALIAÇÃO GERAL
SOBRE O IMPACTO
DO TRABALHO PARA
A FORMAÇÃO
ACADÊMICA E
PROFISSIONAL
“Descobri certa metodologia que possuo ao me deparar com o desafio de
produzir um texto. Primeiro fiz uma primeira leitura de fruição, me comovi com
os personagens e situações apresentados no enredo da novela [...] Posso dizer
que após os trabalhos temáticos eu aprendi a construir os textos a partir de
determinados níveis de produção, pois você apresenta o trabalho e depois
desenvolve até chegar na conclusão. Mesmo que a nota atribuída ao trabalho
fosse baixa, eu poderia defendê-lo, pois estava convicto da coerência e da
beleza das ideias utilizadas para o desenvolvimento [...] É evidente que o
resultado dos trabalhos temáticos e integrados, farão o aluno desenvolver cada
vez mais essa visão holística, de que o conhecimento não está sustentado por
disciplinas, mas sim por suas faculdades internas que são processos: a leitura,
a escrita, metodologia, o próprio entendimento” (DISCENTE 2).
“É interessante, pois vamos sistematizando o pensamento, desenvolvendo
habilidade no manejo das fontes de informação, linguagem científica e
apresentação do formato final do trabalho” (DISCENTE 4).
“Quem conseguiu sobreviver aos trabalhos integrados, tira o TCC de letra. Já
sei por onde começar para desenvolver desde pesquisas acadêmicas até as
pesquisas no mercado de trabalho” (DISCENTE 3).
“O interessante é você ter mais de um professor te avaliando, aí é que está o
diferencial. A correção também se torna mais complexa e a exigência aumenta.
É assim que acontece no mercado de trabalho, você é avaliado o tempo todo
por mais de uma pessoa” (DISCENTE 5).
“Sempre que não sei direito por onde começar, eu acabo utilizando a mesma
estrutura para organizar as ideias, que aprendi a fazer nos Trabalhos
Temáticos [e Integrados de literatura], para as outras pesquisas” (DISCENTE
7).
“Fazer o trabalho agrega mais do que fazer prova. A prova ela é menos
desgastante, mas o tanto de pesquisa que fazemos e das correções ao longo
do desenvolvimento para terminar o trabalho é semelhante ao que eu vivo no
trabalho” (DISCENTE 8).
Fonte: Elaborado pela autora.
Conclusão
Observa-se, com relação ao acompanhamento e orientação realizados pelos
docentes que os alunos comparam as diferentes abordagens dos professores,
conseguindo mensurar aqueles que julgam mais próximos e outros mais ausentes
82
do processo de pesquisa e elaboração textual propostos nos Trabalhos Temáticos e
Integrados. Para Masetto (2011), a sala de aula deve possuir uma nova
configuração adequada ao ensino com pesquisa, assim como a relação entre
docente e discente no acompanhamento de uma proposta nesse contexto. Dessa
forma, ele propõe que o professor deverá
estar presente e orientando as atividades, oferecendo feedback aos alunos
enquanto trabalham, verificando se todos (e cada um) estão aprendendo,
trazendo materiais, realizando as tarefas combinadas, certificando-se de
que as informações obtidas são trocadas entre os alunos, e verificando se já
são suficientes ou não, podendo-se ampliar o tempo de pesquisa
(MASETTO, 2011, p. 601).
O ensino e o aprendizado com pesquisa, por mais que estejam centrados no
aprender a aprender e incentivem uma conduta autônoma do discente, não exime o
professor de dar direcionamentos sobre o desenvolvimento da pesquisa, buscando
organizar e facilitar o entendimento de que os prazos combinados, bem como as
fontes de informação e dados trazidos pelos alunos serão importantes para a
construção das aulas e da própria pesquisa desenvolvida por eles.
Os encontros combinados entre docentes e discentes devem ser agendados
e reprogramados de acordo com o ritmo das pesquisas, sendo que, as próprias
aulas devem ser administradas para atender às necessidades dos alunos. Porém, o
que consta nos comentários dos discentes é que o período reservado para
conversas, feedback, esclarecimentos sobre a pesquisa eram os intervalos e finais
de aula, demonstrando sua percepção com relação ao tempo escasso dedicado
para a realização do trabalho, fazendo-os questionar a prioridade dada pelos
docentes com relação às pesquisas e não a sua própria disciplina. Conforme
percebido pelos comentários dos discentes e dos docentes, quanto mais as
disciplinas estão envolvidas no andamento das pesquisas, mais os alunos sentem
que há respaldo e espaços programados para as devolutivas e esclarecimentos das
dúvidas que surgem no andamento das pesquisas.
Já o segundo aspecto comentado pelos discentes, sobre o método de
avaliação realizado pelos professores, foi apreciada pelos alunos por ser presencial,
contudo, a falta de um aprofundamento dos comentários foi destacada, assim como
a falta de esclarecimento, no início do semestre, sobre quais critérios seriam
utilizados para a correção dos trabalhos.
A avaliação no ensino com pesquisa deve ser realizada de maneira
processual, por isso, alguns critérios e momentos de devolutiva devem ser
83
realizados ao longo do semestre, e não deixar acumular todos os comentários sobre
a pesquisa somente na entrega final.
A percepção sobre os processos de pesquisa e elaboração textual
demonstrada pelos discentes evidenciaram questões também propostas pelos
docentes como competências que os alunos deveriam desenvolver na realização
dos trabalhos, tais como: compreensão sobre a estrutura de um texto científico e
domínio sobre esse tipo de produção; disciplina para administrar o tempo para a
pesquisa e elaboração textual; dificuldade em escolher o tema e realizar recortes
dentro da proposta sugerida pelo professor.
Relacionadas a essas questões, algumas dificuldade apresentadas pelos
docentes evidenciam ainda mais o percurso de descoberta da pesquisa como um
desafio natural do ambiente acadêmico. A falta de tempo para pesquisas em grupo e
para a utilização da biblioteca, bem como para realizar os outros trabalhos da
disciplina, foram apontados pelos discentes como principais fatores de sobrecarga
informacional ao longo do curso e o reconhecimento da baixa qualidade no trabalho
final.
Para finalizar a análise sobre os comentários dos discentes, o último tópico
da entrevista solicitou que avaliassem o impacto da realização dos trabalhos na vida
acadêmica e profissional. Destaca-se do Quadro 4 a predominância de comentários
positivos ao perceberem o valor de uma pesquisa complexa produzida por eles e
que, por isso, descobriram o prazer em realizar pesquisas e a capacidade de
executar qualquer outra atividade semelhante, seja no ambiente universitário ou
profissional. Muitos comentaram sobre a melhora da desenvoltura no momento de
elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso.
Ao longo do capítulo, foram ressaltados aspectos gerais dos comentários dos
discentes, dividindo-os por temas. Tentou-se, até o momento, não explorar se os
entrevistados enfatizaram os aspectos positivos e negativos; visto que o registro da
valoração de tais fatores faz parte da proposta deste estudo, optou-se por resumir os
pontos principais das respostas dos discentes, para que este trabalho de conclusão
de curso também sirva como meio de comunicação entre docentes, discentes e
instituição. Com esse intuito, foi organizado o quadro abaixo, resumindo e
diferenciando o que os alunos reconheceram como positivo e como negativo,
durante suas experiências com os Trabalhos Temáticos e Integrados da
FaBCI/FESPSP
84
Quadro 5 – Resumo dos comentários dos discentes
CATEGORIA
ACOMPANHAMENTO,
ORIENTAÇÃO E
AVALIAÇÃO DOS
DOCENTES
ASPECTOS POSITIVOS
Entendimento do objetivo geral da
pesquisa como maneira de
mobilizar o discente investigação de
temas e elaboração de
conhecimento próprio.
Aumento do interesse pela
produção do trabalho após a
contextualização da obra literária
realizada pelos docentes.
Disponibilização de horário nos
finais das aulas ou no intervalo.
Algumas disciplinas são planejadas
considerando o horário de
orientação com o docente.
Satisfação com o feedback
presencial para a justificativa da
nota e comentários gerais sobre o
trabalho final.
ASPECTOS NEGATIVOS
Alguns professores mais
distanciados do que outros do
processo de construção do
trabalho.
A integração é visível, somente, na
equação da nota final e não durante
o processo de acompanhamento.
Ausência de comentários, escrito
ou oral, de alguns professores na
devolução do trabalho corrigido.
Pouco esclarecimento quanto aos
critérios básicos de correção e/ou
avaliação dos docentes.
Dificuldade para compreender o
objetivo específico das disciplinas
ao solicitarem o trabalho.
Os comentários finais enviados via
ambiente virtual de aprendizagem
geraram dúvida e pouco
esclarecimento da atribuição da
nota.
Cobrança excessiva pelo peso da
nota final na média geral.
Excesso de avaliações e entregas
de outros trabalhos, prejudicando o
desempenho em algumas
disciplinas.
Percepção da falta de integração no
momento da correção dos trabalhos
realizados a partir do terceiro
semestre.
Percepção da falta de comunicação
entre os professores pelas
exigências individuais de cada
disciplina quanto ao conteúdo e ao
formato do trabalho.
Continua
85
Quadro 5 – Resumo dos comentários dos discentes
Elaboração e percepção de
estratégias pessoais para a
pesquisa e produção do texto final.
Utilização de conhecimento prévio à
realização do trabalho.
Desenvolvimento de estratégias de
leitura e produção textual.
Aperfeiçoamento da leitura
aprofundada dos textos utilizados.
Aperfeiçoamento da capacidade de
realizar sínteses.
Aperfeiçoamento da percepção
sobre coesão e coerência textuais.
PERCEPÇÃO SOBRE O
PROCESSO DE
PESQUISA E
ELABORAÇÃO TEXTUAL
Percepção do enunciatário e
adequação da produção textual ao
mesmo.
Nível mais elevado de atenção com
relação a citações e construção de
ideias e rigor na exibição das
referências, respeitando os direitos
autorais.
Ampliação e refinamento de
critérios para selecionar fontes de
informação.
Reconhecimento do prazer em
trabalhar com o texto literário.
Aumento do nível de facilidade ao
trabalhar com obras literárias que
possuíam textos literários curtos
pela rapidez e multiplicidade
temática.
Estímulo para realizar leituras mais
complexas quando o docente indica
títulos e autores.
Utilização da bibliografia básica das
disciplinas integradas.
Conhecimento dos principais
autores para compreender os
conteúdos e disciplinas.
Dificuldade para saber o que
escrever em cada etapa do
trabalho.
Dificuldade para equacionar o
tempo para a realização do trabalho
pela falta de compreensão com
relação à extensão da pesquisa e
produção textual.
Dificuldade para desenvolver
reflexões próprias e paráfrases a
partir de citações.
Número de exemplares das tabelas
de classificação inferior ao número
de alunos. Impactou na redução do
tempo para a realização dos
trabalhos.
Dificuldade para equilibrar o estilo
pessoal de escrita e a linguagem
científica.
Dificuldade em delimitar, sem o
auxílio do docente, o objeto de
pesquisa e os objetivos específicos.
Falta de esclarecimento da relação
entre o texto literário e o curso de
Biblioteconomia.
Dificuldade para realizar encontros
fora do horário de aula para os
componentes do grupo.
Dificuldade para identificar a
integração em trabalhos que não
compartilham o conteúdo.
Continuação
86
Quadro 5 – Resumo dos comentários dos discentes
Percepção do desenvolvimento de
uma visão integrada sobre
diferentes conteúdos.
Desenvoltura para a realização de
pesquisas.
Autoconfiança para defender as
ideias articuladas na pesquisa.
AVALIAÇÃO GERAL
SOBRE O IMPACTO DO
TRABALHO PARA A
FORMAÇÃO ACADÊMICA
E PROFISSIONAL
Percepção da amplitude da área e
da multidisciplinaridade.
Reconhecimento da importância em
publicar as pesquisas realizadas.
Percepção da contribuição no
compartilhamento de experiências
entre discentes.
Dificuldade para lidar com a
autocrítica.
Insatisfação por não compreender a
relação do conteúdo dos trabalhos
com o mercado de trabalho.
Preponderância da preocupação ao
ter de realizar o trabalho para não
prejudicar a nota final obtida na
disciplina.
Dificuldade de perceber relevância
da integração dos conteúdos na
parte teórica.
Sensação de ter de absorver muita
informação em pouco tempo.
A relevância dos trabalhos para a
construção de um conhecimento
com relação ao conteúdo, nem
sempre é perceptível.
Envolvimento pessoal com o objeto
da pesquisa.
Autoconfiança para realizar leituras
e pesquisas em outras áreas do
conhecimento.
Aperfeiçoamento da habilidade de
ouvir e compreender críticas.
Fonte: Elaborado pela autora
Conclusão
A partir da análise das respostas de docentes e discentes, elaborou-se o
capítulo a seguir para a reflexão final sobre os Trabalhos Temáticos e Integrados,
cujo objetivo é apresentar sugestões, segundo a literatura e o resultado das
entrevistas, para a melhoria da prática pedagógica investigada.
7.3 Considerações gerais sobre os comentários: sugestões segundo os
discentes e a literatura
Ao longo da pesquisa, observou-se que é fundamental o acompanhamento
avaliativo de uma prática pedagógica como os Trabalhos Temáticos e Integrados,
pois o grau de importância que possui, tanto para o Planejamento Pedagógico
quanto para os docentes e discentes, transformou esse instrumento de ensino e
aprendizagem como facilitador do estabelecimento de uma cultura de pesquisa e o
reconhecimento das potencialidades e dificuldades de uma nova configuração da
87
sala de aula, ancorada no modelo de ensino emergente. Dado o envolvimento de
todos no modelo proposto pela FESPSP de ensino com pesquisa, esta pesquisa se
propôs a realizar um estudo sobre a efetividade da prática pedagógica, amplificando,
sobretudo, a avaliação dos discentes sobre o processo de pesquisa.
Dessa forma, como contribuição de todo o levantamento realizado, as
sugestões foram compiladas, tanto da literatura utilizada quanto dos resultados das
entrevistas, formalizando-se algumas sugestões ao corpo docente e coordenação
para a continuidade dos processos oferecidos pela entidade educacional e sua
melhoria. É importante ressaltar que as entrevistas foram realizadas com a primeira
turma do novo Projeto Pedagógico, que iniciou o curso em 2011 e realizou
Trabalhos Temáticos e Integrados até 2013. Por isso, algumas sugestões dadas
pelos alunos podem ter sido atendidas e, há possibilidades de que as turmas
sucessoras não compartilhem dos mesmos apontamentos organizados nesta
pesquisa.
Quadro 6 – Sugestões dos discentes para a melhoria dos trabalhos temáticos e
integrados
4
TEMAS
METODOLOGIA DE
AVALIAÇÃO DOS
DOCENTES
COMENTÁRIOS
“Ter um olhar mais integrado durante a avaliação, pois pareceu que cada
professor corrigiu a parte que lhe cabia. Seria interessante permanecer
com a avaliação que ocorre dos Trabalhos Temáticos [e Integrados de
literatura], em que cada professor corrige integralmente um lote de
trabalhos e depois se reúnem para defender a nota atribuída a partir de
critérios estabelecidos pelos professores” (DISCENTE 1).
“As devolutivas poderiam ter sido mais aprofundadas, pois todos os
apontamentos eu já esperava” (DISCENTE 5).
“Alguns feedbacks poderiam ser mais detalhados [...]Talvez fosse melhor
optar entre a prova da disciplina e o trabalho. A prova permite uma
avaliação mais precisa do desempenho individual” (DISCENTE 8).
Continua
88
Quadro 6 – Sugestões dos discentes para a melhoria dos trabalhos temáticos e
integrados
ACOMPANHAMENTO
E ORIENTAÇÃO
PELOS DOCENTES
“Foi sugerido às professoras que realizassem o método utilizado no 1º
semestre do curso quando fazemos os Trabalhos Temáticos [e
Integrados de literatura], no qual a medida que as etapas ficarem prontas,
elas serão postadas no AVA e corrigidas. Se houvessem os prazos para
a entrega do trabalho em etapas, os professores teriam auxiliado os
alunos a equacionarem o tempo de pesquisa, para não sobrar tudo para
o final” (DISCENTE 3).
“Falta fazer um roteiro prévio” (DISCENTE 5).
“A minha sugestão é elaborar um roteiro para os trabalhos assim como
um plano de ensino, só que dos Trabalhos [Temáticos e] Integrados, com
datas agendadas e tudo mais. Precisa de mais aulas para o
compartilhamento de dúvidas e atendimentos dos trabalhos” [...] As aulas
para tirar dúvidas devem ser possibilitadas com mais distância da data de
entrega (DISCENTE 6)
“Realizar, somente, 1 integrado por semestre por conta da sobrecarga e
falta de tempo” (DISCENTE 6).
SUGESTÕES
GERAIS
A normalização não deveria ser uma disciplina da integração, pois ela
está presente em todos os trabalhos. Então é um exagero você
considerar aquilo uma integração. A normalização deveria sair dos
integrados, pois você não escreve sobre a normalização e,
obrigatoriamente, nos trabalhos científicos deve utilizar o formato
parametrizado por ela. A normalização deve ser exigida, mas não como
uma disciplina de integração” (DISCENTE 5).
“Menos trabalhos e mais qualidade. Integrar melhor os conteúdos das
disciplinas e leitura de textos vinculadas à realização do trabalho”
(DISCENTE 8).
Fonte: Elaborado pela autora.
Conclusão
As sugestões propostas pelos discentes são coerentes às dificuldades que
eles conseguiram identificar ao longo do processo da pesquisa e também iluminam
as observações que Masetto (2011) faz com relação às mudanças que uma
instituição que adota práticas de pesquisa para o ensino e o aprendizado, precisa
estar disposta a realizar.
Com relação à avaliação, Masetto (2011) propõe que ela deve “ser realizada
pelos professores que participaram da atividade, sendo um mesmo trabalho com
notas e conceitos para todas as disciplinas que participaram do planejamento”
(MASETTO, 2011, 604). Ou seja, além da avaliação com peso comum a todas as
89
disciplinas, é possível acrescentar à sugestão de Masetto o esforço dos docentes
para manter a clareza ao comunicar aos discentes o que se espera que atinjam,
além de verificar critérios que permitam a plena transparência do método de
avaliação do trabalho do discente.
A devolutiva presencial e individual tem garantido a satisfação com o
resultado dos trabalhos, conforme os comentários dos discentes. O que deve ser
investigado é o que eles querem dizer quando destacam a necessidade de um
aprofundamento nas devolutivas. Para isso, será necessário criar instrumentos que
permitam a avaliação dos próprios discentes sobre a realização e satisfação com os
trabalhos.
Com relação à sobrecarga de informações e o acúmulo de trabalhos
solicitados em um mesmo semestre aos discentes é necessário repensar as
prioridades em cada disciplina e no próprio semestre para que as frentes de tarefa
demandadas aos alunos não prejudique a qualidade dos trabalhos e do próprio
ensino. Caso não haja tal cuidado com essa dificuldade apontada pelos discentes, é
possível que fiquem desestimulados e ocorra o aumento da incidência de faltas nas
aula, atrasos e baixa produção de trabalhos, ou até mesmo a diminuição do número
de participantes em atividades fora da sala de aula. – na utilização do AVA e de
recursos do programa de fomento à pesquisa científica – Para solucionar essa
situação, também é necessário que os professores investiguem a origem de tal
sobrecarga reclamada pelos alunos, pois isso pode ser decorrente do próprio
despreparo para a realização de pesquisas que os discentes apresentam,
dificultando a realização dos Trabalhos Temáticos e Integrados somados às outras
atividades do semestre, gerando a sensação de cansaço e cobrança excessiva.
Após analisar os comentários dos docentes e discentes e apresentar algumas
sugestões, a reflexão final proposta neste capítulo objetiva aprofundar a afirmação
de que a pesquisa é uma atividade complexa, para compreender o que a torna
complexa.
A instituição de ensino, ao assumir o ato de pesquisar como prática
pedagógica, deve pensar em um espaço e uma interação aluno/professor que
atendam às novas dúvidas e questões trazidas pelos alunos, pois novas áreas de
desenvolvimento serão estimuladas nos discentes, que, por sua vez, deverão estar
respaldados pelo Projeto Pedagógico, para que a investida obtenha sucesso e não
se torne um processo de frustração e desmotivação para ambos atores.
90
Para isso, propõe-se a reflexão sobre o quadro abaixo, adaptado de um artigo
de Masetto (2011, p. 607), para que seja comum a todos; trata-se de quais as áreas
de desenvolvimento são acionadas no discente quando há investimento no ensino e
no aprendizado com pesquisa.
Quadro 7 – Áreas de desenvolvimento estimulados pela pesquisa inserida na
concepção de aprendizagem do ensino com pesquisa
5
ÁREAS DE DESENVOLVIMENTO
EXPLICAÇÃO

Desenvolvimento intelectual do homem em todas as
suas operações mentais: capacidade de pensar,
refletir, analisar, comparar, criticar, justificar,
argumentar, inferir conclusões, generalizar, buscar e
processar informações, compará-las, criticá-las,
organizá-las, produzir conhecimentos, descobrir,
pesquisar, criar, inventar, imaginar.

Contínuo e crescente conhecimento que o aluno
deverá adquirir de si mesmo, dos diferentes recursos
que possui, dos seus limites, das potencialidades a
serem otimizadas;
Desenvolvimento de sua autoestima e ao
relacionamento com as pessoas do grupo, incluindo
colegas e o próprio professor, ao clima de confiança
a ser criado em aula, ao espírito de solidariedade,
cooperação, respeito, diálogo a ser construído entre
os participantes do processo de aprendizagem.
APRENDIZAGEM NA ÁREA DO
CONHECIMENTO
DESENVOLVIMENTO
AFETIVO-EMOCIONAL


Aprender o que podemos fazer com os
conhecimentos adquiridos: aplicá-los, resolver
problemas, criar novas soluções, usá-los em
situações novas e diferentes daquelas onde os
aprendemos, aperfeiçoar e desenvolver técnicas,
instrumentos e procedimentos.

O profissional formado deve ter condições de
responder com competência pelas soluções
tecnologicamente corretas aos problemas e desafios
profissionais que se lhe apresentarem em seu
trabalho. Ao mesmo tempo lembrar que em cada
decisão tecnológica que um profissional toma há
nela embutidas consequências que afetam pessoas,
grupos humanos, meio ambiente, cultura, política,
saúde, educação, cidades, nações, que precisam ser
analisadas e discutidas antes que a solução
tecnológica seja assumida;
DESENVOLVIMENTO NA ÁREA
DE HABILIDADES HUMANAS
E PROFISSIONAIS
DESENVOLVIMENTO
DE ATITUDES
E VALORES

A responsabilidade social hoje é uma exigência de
toda a sociedade para com seus profissionais, assim
como um comportamento ético.
Fonte: Adaptado de MASETO, 2011, p. 607
91
As conversas entre docentes, discentes e outros setores de apoio pedagógico
da instituição devem buscar ações para a compreensão e desenvolvimento deste
conjunto de áreas destacados acima. Dessa forma, as atividades ao longo do
semestre podem estar direcionadas para tornar compreensível a todos quais são os
desenvolvimentos que serão estimulados, facilitando a formulação do tipo de
participação que será solicitada aos alunos e de que maneira o professor fará as
mediações ao longo do curso para que o planejado seja atingido.
92
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dada a pesquisa teórica sobre o ensino de Biblioteconomia e análise sobre
algumas práticas pedagógicas realizadas na FaBCI/FESPSP, o estudo objetivou o
alcance da compreensão sobre o modelo de ensino emergente, com destaque ao
ensino com pesquisa para a formação bibliotecária, justificando a necessidade de
reflexão sobre as alterações no ensino e o seu impacto no perfil do profissional.
Ao analisar o ensino realizado na graduação da FaBCI/FESPSP e, de
maneira geral, na área de Biblioteconomia, tendo em vista os aspectos históricos do
surgimento dos cursos para a formação dos profissionais, percebe-se a emergência
da mudança dos modelos educacionais estabelecidos, pois as competências
necessárias ao profissional no século XX são diferentes das atuais. O profissional
predominantemente técnico voltado, somente, aos procedimentos, não consegue
mais atender às demandas da sociedade no século XXI.
A adoção de um ensino concebido de maneira horizontal, ou seja,
compreendendo a importância dos docentes e discentes como sujeitos que possuem
o mesmo espaço dentro de sala de aula, rompe o paradigma educacional tradicional
e impacta a atuação do profissional. Tais atores, além de dominar um conjunto de
técnicas, desempenharão papéis sociais consolidando uma postura de intelectuais e
pesquisadores agregada à suas funções mais técnicas.
A graduação se torna a primeira instância de mudança no desenvolvimento
de um bibliotecário e cientista da informação para que consiga entender o
significado dos processos do aprendizado de maneira tão natural quanto entende a
importância dos procedimentos biblioteconômicos. O reflexo da consciência e
domínio sobre a prática da pesquisa, exercitando o aprender a aprender, o aproxima
de sua função social, avaliada como a mais importante pela pesquisadora: a
mediação da informação e do conhecimento e, portanto, seu exercício como
educador, evidenciando a necessidade de criar instrumentos que facilitem o
desenvolvimento da competência informacional.
Dessa forma, é na formação do bacharel em Biblioteconomia que a
instituição, docentes e discentes devem buscar o reconhecimento dessa relação,
dentro da sala de aula e fora dela. Tal relação é caracterizada por estabelecer uma
interação entre
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adultos [que] significa da parte do aluno assumir atitude de participação
ativa no processo de aprendizagem, de acordar com o professor a
construção de um processo de aprendizagem no qual ele terá parte ativa e
de sujeito, ou seja, de agente principal juntamente com o professor, de
responder responsavelmente pela sua parte no processo e de assumir as
consequências deste acordo, de assumir a parceria de trabalho com o
professor e os colegas, e por isso mesmo desenvolver atitudes de respeito
e de diálogo com estes personagens como parceiros no processo.
(MASETTO, 2011, p. 616)
O estabelecimento desse acordo em sala de aula, ilumina possibilidades para
dar mais mobilidade à estrutura curricular e realizar aproximações com o paradigma
de ensino emergente, impactando de maneira efetiva a postura do profissional e a
sua percepção sobre a realidade.
Portanto, pensando tais transformações na formação do profissional
bibliotecário, as responsáveis por desmistificarem a imagem do ensino do
aprendizado como tecnicista, são as práticas pedagógicas semelhantes aos
Trabalhos Temáticos e Integrados, pois buscam o desenvolvimento de um
conhecimento a partir da pesquisa teórica e reflexão sobre a prática, distribuindo de
maneira mais equilibrada sua especialização não apenas nos conhecimentos
técnicos e tecnológicos, mas o reconhecimento de um profissional que atuará na
intersecção dos campos técnico, humanista e da gestão. Os Trabalhos Temáticos
evidenciam essa intersecção ao relacionar disciplinas que são percebidas de
maneira distinta, mas que o diálogo entre as mesmas produz a inovação de um
conhecimento, além da percepção integrada das atividades e áreas que ancoram a
atuação do profissional.
As entrevistas realizadas com os docentes e discentes demonstraram, por
sua vez, que os Trabalhos Temáticos e Integrados favorecem a prática da pesquisa,
valorizando seu exercício para a criação de competências que facilitem a
apropriação da linguagem acadêmica e a atuação que valorize o compartilhamento
do saber produzido pelo discente.
Por isso, tal proposta pedagógica afirma-se como uma prática pertencente ao
ensino e aprendizado com pesquisa, destacada como uma abordagem inovadora na
educação que está ancorada no paradigma educacional emergente. O sucesso de
mudanças como essas se deve à possibilidade da construção de uma equipe
qualificada de professores e uma coordenação pedagógica que realize o
planejamento do curso facilitando o encontro e o diálogo entre as disciplinas sendo,
todo este conjunto, devidamente respaldado pelo Projeto Pedagógico institucional e
do curso.
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Ainda assim, mesmo com a metodologia implantada e reconhecida pela
FaBCI/FESPSP, a iniciativa precisa melhorar seus métodos de avaliação, afinal, a
existência da iniciativa não garante o sucesso do ensino com pesquisa averiguado
na literatura. Além disso, a prática deve ser vista como desafiadora ao sistema de
ensino superior por inovar a sala de aula e, por isso, o método de avaliação deve ser
inovador. Para isso, deve ser sistematizado o registro das reflexões dos discentes e
docentes que vivenciam a trajetória, possibilitando revisitar e incorporar à prática as
sugestões e soluções às dificuldades identificadas pelos atores do ensino e da
aprendizagem. A importância do registro também se deve à possibilidade do
compartilhamento das experiências do modelo de ensino com pesquisa, servindo
como estudo de caso para a implantação de práticas semelhantes por outras IES.
95
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99
APÊNDICE A – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA AOS
DISCENTES
TRABALHO TEMÁTICO E INTEGRADO DE LITERATURA APLICADO AOS DISCENTES
Processo de produção dos trabalhos temáticos.
- Tema/obra literária
- Abordagem
- Pesquisa
- Produção textual
- Comparação entre o primeiro e o segundo semestre
AVALIAÇÃO
Avaliação dos professores
 Como foi a apresentação da proposta de trabalho pelos docentes? Foi realizada de
forma objetiva e satisfatória?
 Como foi a articulação das discussões e construção dos trabalhos junto ao corpo
docente?
 Como foi a devolutiva do trabalho? Comente sobre a avaliação feita pelos
professores.
Auto-avaliação
 Houve dificuldades na compreensão da proposta do trabalho? E no
desenvolvimento?
 Após o término do trabalho, você identifica a construção de um conhecimento?
Comente sobre as experiências que o trabalho temático proporcionou.
 Você está satisfeito com a produção dos trabalhos temáticos ou faria alterações? Por
quê?
100
Compreensão sobre o trabalho e sobre a experiência
 Por que, em sua opinião, é proposta a realização dos trabalhos temáticos?
 Considera a produção do trabalho relevante ou irrelevante para sua formação? Por
quê? (Comente sobre a relação deste trabalho com a sua escolha profissional)
 Você participou de outras atividades acadêmicas (iniciação científica, grupos de
estudos, centro acadêmico, monitoria, tutoria)? Se a resposta for sim, responda: o
trabalho temático motivou sua participação em alguma outra atividade?
 Você considera importante a publicação dos trabalhos? Por quê?
TRABALHO TEMÁTICO INTEGRADO DO EIXO HUMANISTA; TÉCNICO E
TECNOLÓGICO E DE GESTÃO
Processo de produção dos trabalhos temáticos.
 Quais as disciplinas envolvidas nos trabalhos ?
 Fale sobre o processo de produção dos trabalhos temáticos:
Tema
Abordagem
Pesquisa
Produção textual
101
Avaliação.
Orientação dos professores
 Como foi a apresentação da proposta de trabalho pelos docentes? Foi realizada de
forma objetiva e satisfatória?
 Como foi a articulação das discussões e construção dos trabalhos junto ao corpo
docente?
 Como foi a devolutiva do trabalho? Comente sobre a avaliação feita pelos
professores.
Auto-avaliação
 Houve dificuldades na compreensão da proposta do trabalho? E no
desenvolvimento?
 Após o término do trabalho, você identifica a construção de um conhecimento?
Comente sobre as experiências que o trabalho temático proporcionou.
 Você está satisfeito com a produção dos trabalhos temáticos ou faria alterações? Por
quê?
Compreensão sobre o trabalho e sobre a experiência
 Por que, em sua opinião, é proposta a realização dos trabalhos temáticos de maneira
integrada?
 Considera a produção do trabalho relevante ou irrelevante para sua formação? Por
quê? (Comente sobre a relação deste trabalho com a sua escolha profissional)
 Você participou de outras atividades acadêmicas (iniciação científica, grupos de
estudos, centro acadêmico, monitoria, tutoria)? Se a resposta for sim, responda: o
trabalho temático motivou sua participação em alguma outra atividade?
 Você considera importante a publicação dos trabalhos? Por quê?
102
APÊNDICE B – ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA AOS
DISCENTES
1) Explique a proposta do trabalho temático
2) Qual a filosofia pedagógica em que a proposta está ancorada?
3) Como foi a definição dos objetivos, metodologia e justificativa entre os professores?
4) Em que medida o projeto está alinhado ao Projeto Pedagógico?
5) Acredita que este trabalho pode ser considerado uma prática pedagógica que está
incluso no conceito de ensino com pesquisa?
6) Quais competências, habilidades e atitudes são estimuladas no discente? Que
experiências gostariam de favorecer aos discentes?
7) Como avalia a produção dos trabalhos (critérios)? É possível perceber alterações no
comportamento e na produção dos alunos após a vivência dos trabalhos?
8) Como são as aulas destinadas para o trabalho temático?
9) Como realiza o acompanhamento e orientação dos alunos?
10) Quais são as dificuldades mais recorrentes nos alunos?
11) Você está satisfeito com a produção dos trabalhos temáticos ou faria alterações? Por
quê?
103
ANEXO A – PARÂMETROS DE CORREÇÃO DOS TRABALHOS TEMÁTICOS E
INTEGRADOS DE LITERATURA
Tendo em vista as características acadêmicas do Trabalho Temático e a sua
importância como atividade dirigida à leitura e intelecção de obra da literatura
brasileira e posterior elaboração de um texto ensaístico baseado nessa obra,
apresentam-se aqui algumas recomendações dirigidas aos professores da Fesp que
integrarão o grupo de avaliação. Conviria observar que os itens abaixo obedecem a
uma ordem decrescente em valor e importância, entretanto, a constatação de plágio,
seja ele total ou parcial (e até mesmo fragmentário), implicará a anulação do
trabalho temático:
1.
Observar se o tema do trabalho se desenvolve em perfeita sintonia com a
realidade ficcional da obra indicada para estudo, discutindo suas tramas narrativas,
problematizando seus conceitos, esclarecendo sua visão de mundo e analisando os
perfis psicológicos, sociais e políticos das personagens destacadas para reflexão e
análise.
2.
Examinar se a argumentação é sustentada com propriedade e clareza,
independentemente de o enfoque ser filosófico, sociológico, estético, linguístico,
historiográfico, político, psicológico, antropológico, dentre outros. O recurso a
referenciais teóricos não é obrigatório, entretanto, caso ocorra, é relevante analisar
se é pertinente à discussão.
3.
Considerar os aspectos estruturais do texto e avaliar se tem coesão e
coerência, obedecendo as normas gramaticais em vigor.
4.
Observar se as normas técnicas prescritas pela ABNT foram respeitadas na
elaboração do trabalho, com destaque para as citações e créditos autorais.
5.
Avaliar a apresentação formal do trabalho, como uniformidade do tamanho da
letra, apresentação da página de rosto, distinção dos capítulos e nomeação de seus
títulos, registro da bibliografia consultada e referida, espaçamento, margens, dentre
outros aspectos significativos.
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Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Faculdade