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INÊS PEDROSA
FORA DE ÓRBITA
Pelo mundo fora, os pedidos de
financiamento colectivo cobrem
todo o tipo de projectos, mas a
cultura é uma das áreas com
maior peso e já há exemplos bastante impressionantes. Este ano,
o consagrado realizador David
Fincher (A Rede Social, Clube
de Combate) viu, em Janeiro, o
seu filme de animação The
Goon cancelado por falta de financiamento. Mas, dez meses depois, em Novembro, graças à petição que a sua produtora lançou
no Kickstarter (uma das maiores plataformas de crowdfunding
mundial), o projecto recebeu
quase 400 mil dólares só em donativos anónimos.
Na sétima arte, outro exemplo
de peso é o do também aclamado
realizador de Queres Ser John
Malkovich? ou O Despertar da
Mente. No espaço de 60 dias,
Charlie Kaufman conseguiu a
mesma quantia de David Fincher para o seu próximo filme. A
grande diferença é que, enquanto Fincher alcançou a quantia
pedida, Kaufman duplicou a verba inicialmente solicitada.
Segundo a revista norte-americana Forbes, actualmente as
plataformas de crowdfunding angariam no mundo inteiro cerca
de 3 mil milhões de dólares (em
2011 o total foi de 1,5 mil milhões
de dólares). E as estimativas de
sites como o Kickstarter ou o Indiegogo prevêem que, nos próximos anos, o total de apoios atinjam os 500 mil milhões de dólares (seis vezes mais do que o
regaste financeiro a Portugal).
As platafaformas nacionais
Em Portugal esta realidade só
chegou no ano passado, quando
três alunos do Lisbon MBA International da Universidade Católica se conheceram e perceberam que partilhavam as mesmas
ideias e interesses de trabalho
em rede. «A ideia surgiu em
Abril de 2011, numa altura
Regime de tudo ou nada
Além de Frankie Chavez, na
música, o financiamento do
novo álbum dos Primitive Reason (cujo maior apoio chegou do
estrangeiro) e dos Poppers foram outros casos de sucesso no
PPL. Mas independentemente
da área, todos os participantes
regem-se pelas mesmas regras.
«Ficamos com 5% do total angariado, num sistema de tudo
ou nada. Se o objectivo for,
por exemplo, cinco mil euros
e só forem angariados 4.500,
o dinheiro é devolvido às pessoas», refere Pedro Domingos,
revelando que só autoriza a colaboração do promotor para cobrir a verba em falta quando o
objectivo está praticamente
cumprido. «Em tempos tivemos um projecto de teatro
que queria nove mil euros e,
quando faltava um dia para
a campanha terminar, tinham angariado mil. Eles
queriam depositar os oito mil
em falta para irem buscar os
mil doados, mas não aceitámos. Isso seria subverter o
conceito», afirma o responsável que também considera o
crowdfunding uma excelente
forma de «validar um projecto» em termos de audiência.
Especializar
é o caminho
O Desacordo Ortográfico
O
Lá fora, quem tem uma
ideia e quer capital vai a
um site especializado: do
jornalismo à medicina.
Enquanto em Portugal as plataformas de crowdfunding aceitam todo
o tipo de projectos, no estrangeiro
a segmentação e especialização está
a tornar-se cada vez mais comum. O
site norte-americano Emphas.is,
por exemplo, é vocacionado só para
projectos de fotografia e já conta, inclusive, com participações portuguesas. O fotojornalista João Pina
conseguiu financiar um livro que
documenta os abusos de direitos
humanos na América Latina só
com esta plataforma, realizando
três petições diferentes, mediante
as fases do projecto.
O ArtistShare é outra das plataformasespecializadascommaisutilizadores. Surgiu em 2000, dedica-se
exclusivamente a promover projectosdemúsicaeumdosprojectosem
destaque actualmente é o de financiamento ao novo álbum da compositora de jazz Maria Schneider.
Mas a especialização é transversal a variadíssimas áreas no estrangeiro. «Há plataformas só
para jornalismo, causas sociais,
design, medicina, estudo do cancro, doenças raras, etc...», conta
Pedro Domingos, da PPL, revelando que esse é um dos grandes objectivos da empresa. E já deram o
primeiro passo: «Conseguimos
vender recentemente o nosso
modelo ao BES Crowdfunding,
que se destina apenas a projectos de carácter social».
A.H.
O português Frankie Chavez
Brasil nunca foi um país
Também os acentos agudos e
de gente adiada. Isto não é
circunflexos ficam ao sabor do
necessariamente um elotimbre «aberto ou fechado, na
gio: a aceleração desenfreada
pronúncia culta da língua». A
pode conduzir a acidentes.
expressão «pronúncia culta da
A esta hora da História, o Bralíngua»,porsisó,seriaumarraial
sil já entendeu isso. Os países node discriminação se a ignorância
vos tendem a fugir da repetição
arrivista que a molda não a tordos erros, ao contrário dos velhos,
nasse imediatamente cómica.
que se tornam teimosos, rezinuniformização da língua é
gões e hábeis a justificar o injusindesejável porque aperta e
tificável.
afunila um idioma que se afirPortugal ainda hoje acredita
mou no mundo pela vastidão da
no regresso do D. Sebastião. Não
sua criatividade.
só acredita como espera que ele
volte, manco de
uma perna e sacudindo o pó da armadura, prometendo
acabar com os impostos e refundar a
nação.
Os países velhos
adaptam a memória
aos seus interesses,
isto é, só se lembram
de como a vida era
bela quando eles
O adiamento decidido pelo
eram novos. Ora a
Brasil na aplicação do Acordo
vida dos novos só é
bela para os velhos.
mostra que este não era uma
Portugal é um velhi‘cedência’ aos brasileiros
nho encantado com
os tempos em que vivia descalço e era maHá uns sebastianitos mais asgro porque não tinha mais do que
sanhados que bradam contra o
uma côdea para comer.
Acordo por o tomarem como
ucede que o país do Futuro
«cedência» ao Brasil, que só
decidiu adiar o Acordo Orprocederia a 0,5 por cento de altográfico.
terações, contra 1,4 de Portugal.
Até ver, é para 2016.
Isto é um disparate, como o
Dizem alguns optimistas que
demonstra aliás o adiamento
a ideia é dar tempo para reforagora decidido pelo Brasil. De
mular o auto-proclamado Acorqualquer modo, a língua não
do. Trata-se de facto de um Dese muda por decreto – e as disacordo, porque, sujeitando a esferenças entre as versões porcrita à «pronúncia culta da
tuguesa, africana e brasileira
língua», faz com que palavras
da língua são de sintaxe e vocomo «recepção», até agora
cabulário: a ortografia pode
uniformizadas, passem a ter
tornar-se igual (o que não
grafias distintas consoante a
acontece neste Acordo), mas
pronúncia do país em questão:
as frases continuarão a manem Portugal passaremos a ester as diferenças.
crever «receção», porque não
Faz sentido manter um ‘Acorpronunciamos o ‘p’. Deixa de hado’ que não é aceite unanimever regras para as locuções.
mente pelos países falantes da
O Acordo também diz que o hílíngua?
fen cai «salvo algumas exceAgora que o suposto princições já consagradas pelo uso».
pal interessado adiou a idiotiE o uso justifica que «cor-dece, o velho Portugal podia tam-rosa» permaneça assim, e «cor
bém esquecê-la. Sempre era
de vinho» passe a andar sem
uma asneira a menos, para coatrelado. Porque a rosa é mais
meçar o ano.
[email protected]
antiga do que o vinho?
A
S
DR
Fincher tem o apoio dos fãs
em que não existia nenhuma
plataforma de crowdfunding
em Portugal», explica Pedro Domingos, um dos sócios fundadores da PPL. No Verão desse ano
estavam online, juntamente com
a Massivemov, outra plataforma
nacional que apareceu praticamente em simultâneo.
Tanto a PPL como a Massivemov aceitam projectos de várias
áreas mas, tal como nos sites estrangeiros, a área cultural e criativa é a mais apelativa. «Já tivemos projectos de teatro, arquitectura, documentários,
livros e exposições, mas a música tem sido mais facilmente
financiada», revela Pedro Domingos, enumerando as razões
para este sucesso: «As campanhas correm bem porque já
há uma base de fãs, é fácil perceber o projecto, as recompensas [dependendo do valor doado,
o promotor oferece contrapartidas] são bastante directas
[como um disco autografado ou
bilhetes para um espectáculo] e
o crowdfunding em Portugal
ainda está muito virado para
consumidores».
RITA CARMO
te na área da música. Com uma
campanha divulgada apenas na
internet, os fãs dos Marillian angariaram cerca de 60 mil dólares
para que a banda de pop/rock
britânica conseguisse realizar
uma tournée nos Estados Unidos.
A angariação nunca teve o envolvimento da banda, mas desde então os Marillian têm usado, com
sucesso, este sistema para financiar os seus álbuns e digressões.
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SOL Nº331 04/01/2013 PORTUGAL : PORTUGAL : 27 : 26-27