A PRISÃO PREVENTIVA COMO POLÍTICA DE
SEGREGAÇÃO ECONÔMICA, SOCIAL E POLÍTICA
1ª EDIÇÃO
De acordo com a
Lei nº. 12.403/2011
MADSON BARROS
1
MADSON
SANTOS
DE
BARROS, bacharel em direito
pela Universidade Federal da
Bahia,
1989/1993,
pós-
graduado
em
Ciências
Criminais
pela
Fundação
Faculdade
de
Direito
da
UFBA, Bacharel em Ciências
Contábeis pela Universidade
do Estado da Bahia (UNEB)
1988
1995,
Delegado
de
Policia Civil do Estado da
Bahia.
2
MADSON SANTOS DE BARROS
DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO
ESTADO DA BAHIA
A PRISÃO PREVENTIVA COMO POLÍTICA DE SEGREGAÇÃO ECONÔMICA,
SOCIAL E POLÍTICA
3
EDITORA X
Copyright c
Editora X
Copyright c
Madson Santos de Barros
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, por qualquer
meio, principalmente por sistemas gráficos, reprográficos, fotográficos etc., bem
como a memorização e/ou recuperação total ou parcial, ou inclusão deste trabalho
em qualquer sistema ou arquivo de processamento de dados, sem previa
autorização escrita do autor e da editor. Tais vedações aplicam-se também à
diagramação e características gráficas da obra.
A originalidade e atualidade da obra, bem como os modelos e assim os conceitos
ideológicos e pessoais que envolvam terceiros, ou de outra ordem nela contidos são
de responsabilidade exclusiva do autor.
4
Composição:
Editora X
Revisão:
Primeira edição, outubro de 2008
EDITORA X
RUA DO MAR, NO XXXX, SSSA, BA
TELEFONE XXX
5
AGRADECIMENTOS
A minha esposa Rosangela de Oliveira Silva por entender mais que eu a importância
de buscarmos expressar nossas idéias, sem a sua dedicação este livro não sairia da
cogitação : do será, talvez, obrigado.
e a minha mãe, Valdelice Santos de Barros, pelo amor que me tem dedicado.
In memorian: a meu pai, Antônio Serafim de Barros
6
“Todos os homens nascem livres e iguais em direitos e obrigações"
Art. 1º da Carta das Nações Unidas, 1945.
7
PREFÁCIO
O livro “A Prisão preventiva como política de segregação social, econômica e
política” nasceu da tese do meu curso de pós-graduação em Ciências Criminais
junto a Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia no ano de
2008.
A monografia foi aprovada com nota 8,0 (oito), o que possibilita a sua leitura
pelo público acadêmico e, com certeza, nos deixa à vontade, para recebermos
críticas, com o fim de reeditarmos e melhorarmos o nosso trabalho, o que nos
lembra o pensamento do ensaísta e poeta americano Ralp Waldo Emerson : “Não
seja escravo do seu passado. Mergulhe em mares grandiosos, vá bem fundo e nade
até bem longe, e voltarás com respeito por si mesmo, com um novo vigor, com
experiência a mais que explicará e superará a anterior”.
O livro tem uma linha de pensamento dos direitos humanos seguida desde o
período acadêmico nos idos de 1988, numa estrada voltada para uma visão do
direito, como ciência jurídica e política, num ideal humanista, tendo como inspiração
o livro de Immanuel Kant “A crítica da razão pura”. Emanuel Kant (1724 – 1804) é o
filósofo Alemão que pensou e escreveu o fato de a dignidade da pessoa humana
existir porque o ser humano é dotado de razão, tendo direitos universais inalienáveis
e imprescritíveis. Dignidade esta que deve orientar, como fundamento, o
ordenamento jurídico de todo país, como a Constituição do Brasil de 1988, no seu
artigo I, inciso III.
8
Esta visão humanista de que o direito penal e processual penal (no caso a
prisão preventiva) não raras vezes são utilizados para criar, fomentar e manter a
segregação social, econômica e política foi uma das questões defendidas, também,
pelo Ministro JOAQUIM BARBOSA do Supremo Tribunal Federal (STF), na
entrevista dada a veja, em páginas amarelas, na edição 2221 – ano 44 – nº 24, de
15 de junho de 2011, às fls. 17/20/21, ao dizer : “O sistema penal brasileiro pune –
e muito ...principalmente os negros, os pobres, as minorias em geral.”
9
RESUMO
A prisão preventiva, assim como, a princípio, todas as prisões cautelares, é
desencadeada a fim de seja assegurada a plena aplicação das normas punitivas e a
paz social seja garantida. Esse tipo de prisão sofre constantes críticas na medida em
que sua ação causa impactos sobre o sentimento de dignidade pessoal do sujeito
que é penalizado sem merecimento, já que esta pode ser decretada em qualquer
fase do processo, ainda que não tenha sido decretada a condenação do indivíduo.
Embora sua decretação exija uma série de condições, a prisão preventiva, quando
aplicada de forma ilícita com base em critérios exclusivamente socioeconômicos,
sociais e políticos, pode constituir um elemento de segregação econômica, social e
política da sociedade. Diante dessas possibilidades, o estudo a seguir visa
desenvolver abordagem em torno desse tipo de prisão cautelar, de seus aspectos
determinantes e do modo como sua aplicação pode segregar economicamente,
socialmente e politicamente os membros de uma sociedade.
Palavras-chave: Prisão Preventiva, Direitos Humanos, segregação econômica,
social, política.
10
RESUMEN
La prisón preventiva, así como, em principio, todas lãs prisones cautelares, es
aplicada a fin asegurar la plena aplicación de las normas punitivas y que la paz
social sea garantizada. Este tipo de prisión sufre constantes críticas em la medida
em que sua acción causa impactos sobre el sentimiento de diginidad persoñal Del
sujeto que es penalizado injustamente, ya que esta pode ser decretada en cualquier
fase Del proceso, aunque que no hubrera sido decretada la condena del individuo.
Apesar de que su aplicacion exija uma serie de condiciones, la prisón preventiva,
cuando es aplicada de forma ilícita con base en criterios exclusivamente
socioeconômicos, sociales y politicos pode constituir un elemento de segregación
econômica, sociale y politico dentro de la sociedad. Ante esa posibilidad el estudio
pretendera desaroilar un estudo sobre este tipo de prisón cautelar, sobre sus
aspectos determinantes y del modo como su aplicación puede segregar
economicamente, socialmente y politicamente a los miembros de una sociedad.
Palabras
Clave:
Prisión
preventiva,
econômica, socyale, política.
11
derechos
humanos,
segregación
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................
11
1. PRISÃO: CONCEITOS E DIMENSÕES .......................................................
18
1.1 Mandado e execução ................................................................................
21
1.2 Tipos de prisão ..........................................................................................
24
2. PRISÃO PREVENTIVA: NOÇÕES E DETERMINAÇÕES ...........................
28
2.1 Histórico .....................................................................................................
30
2.2 Prisão Preventiva: pressupostos, requisitos e condições ...................
32
2.2.1 Espécies: Prisão Preventiva Compulsória e Prisão Preventiva Facultativa
...................................................................................................
39
2.2.2 A decretação ......................................................................................
43
2.2.3 Circunstâncias: legitimação e impedimento .......................................
46
2.4 O caso da legislação estrangeira ............................................................
48
3. A PRISÃO PREVENTIVA: Meio de segregação econômica .....................
49
3.1 Dos Direitos Humanos ..............................................................................
53
3.1.1 Presunção da Inocência ....................................................................
54
3.2 Da responsabilidade civil do Estado .......................................................
57
3.3 A responsabilidade civil do Estado no direito espanhol.............
63
4.Da prisão preventiva em relação à ordem econômica .............................
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................
70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................
74
12
INTRODUÇÃO
Sabe-se que, para que a prisão seja decretada, por seu caráter de medida
restritiva do direito de liberdade de locomoção, direito fundamental, devem-se levar
em conta três exigências básicas, são elas: a segurança jurídica, como a descrição
precisa e completa dos pressupostos, requisitos e condições legais da prisão
preventiva, para afastar a discricionariedade (a conveniência e a oportunidade) do
juiz ao decretar a prisão cautelar de exceção; a observância da reserva legal, que
implica a necessidade de previsão legal da prisão; e a prática da reserva da
jurisdição, que reflete a necessidade de controle jurisdicional sobre a medida
restritiva do direito de liberdade. Porém esse controle jurisdicional mostra-se distinto
em determinadas situações, na medida em que ocorre, via de regra e de
preferência, antes da decretação efetiva da prisão.
Bechara (2008, p. 2) aponta como sendo espécies de prisão:
a) prisão-pena, a qual, além de expressar a satisfação da pretensão
punitiva estatal ou a realização do Direito Penal objetivo, caracterizase pela definitividade; b) prisão processual, de natureza cautelar, cuja
finalidade é resguardar a efetividade dos fins da persecução criminal,
caracteriza-se pela provisoriedade; c) prisão civil ou por dívida,
admitida tão-somente nas hipóteses do depositário infiel e do devedor
de alimentos; d) prisão militar, seja por crime militar, hipótese em que é
determinada por autoridade judiciária, seja por transgressão disciplinar
(...); e) prisão administrativa, decretada por órgão estranho à estrutura
do Poder Judiciário, não detém a função jurisdicional stricto sensu.
Logo, esse último caso é tido como sendo inconstitucional na medida em que
não leva em consideração a cláusula da reserva da jurisdição. Ainda assim, porém,
não há como afirmar o banimento da prisão administrativa do sistema, haja vista a
13
previsão constitucional da prisão militar por transgressão disciplinar. Nessa
perspectiva, a própria Constituição Federal (CF) tratou de mitigar a regra da reserva
da jurisdição em matéria de prisão.
O que se nota é a necessidade de que o intérprete compatibilize a legislação
ordinária em consonância com a CF, sobretudo no que se refere à prisão, cujo
tratamento constitucional mostra-se bastante detalhado.
Quando se observa o princípio da razoabilidade na decretação das medidas
cautelares, principalmente do caso das pessoais, que configuram, sem sombras de
dúvidas, as mais graves, isso denota a consagração de um juízo ponderativo de
diversos interesses que acabam por colidir em cada caso concreto.
Nos casos de tais medidas, há, numa vertente, os interesses investigativos e
penais do Estado; em outra, encontram-se os interesses do acusado, isto é, aquele
que sofre as conseqüências da medida cautelar restritiva. Para que ambas as partes
se satisfaçam, e a medida mais adequada, em cada situação concreta, seja
adotada, é mister que ambos os interesses sejam ponderados.
Nesse sentido, o Superior Tribunal Federal (STF) interpretou que:
"A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração
constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por
atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa
acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que
sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não
se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja
a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada" (HC
80.379/SP, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ 25/05/01).
É preciso levar em conta que existem alguns critérios que, por sua vez, devem
ser dotados de razoabilidade e proporcionalidade para justificar as medidas
cautelares no âmbito processual penal. Nesse passo, a medida de natureza cautelar
14
tem os pressupostos de ser acolhida se houver comprovação da sua necessidade
em função da aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e,
em contextos expressamente previstos, para garantir que a prática de novas
infrações penais seja evitada, nos termos da Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011,
que deu nova redação ao artigo 282, do Código de Processo Penal Pátrio, (CPP).
Além desses pressupostos, há o princípio da proporcionalidade, segundo qual
a medida deverá ser adequada à gravidade do crime (conseqüências dos atos e
omissões puníveis penalmente), circunstâncias do fato (repercussão do fato penal
na sociedade onde ocorrera) e condições pessoais do indiciado ou acusado,
revelando a sua periculosidade. Esses aspectos abrem espaços para que tais
medidas possam ser determinadas pelo juiz ainda na fase do Inquérito Policial. Essa
medida cautelar preventiva, conforme determina a lei, podem ser aplicadas isolada
ou
cumulativamente,
atendendo-se,
evidentemente,
aos
critérios
da
proporcionalidade e da razoabilidade, há pouco mencionados.
Vale ressaltar que não cabe a aplicação das medidas cautelares previstas
constitucionalmente nos casos de infração a que não for isolada, cumulativa ou
alternativamente, cominada pena privativa de liberdade.
A Constituição prevê claramente que ninguém pode ser privado de sua
liberdade senão em caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória
transitada em julgado ou, ainda, no curso da investigação ou do processo, em
caráter de prisão temporária ou prisão preventiva.
No caso desse último tipo de prisão, o mesmo só é justificado diante dos
pressupostos da presença de prova da existência do crime (a materialidade delitiva,
15
o corpo do delito) e de indícios suficientes da autoria, exigindo-se, ainda, que haja os
requisitos específicos de razões comprovadas de que o indiciado ou acusado possa
criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença, “verbi gratia”
planejamento de evadir-se do distrito da culpa (garantia da aplicação da lei penal)
ou, mesmo, que venha a praticar infrações penais ligadas ao crime organizado, à
probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas graves
(garantia de ordem pública), ou mediante violência ou ameaça grave a algum
indivíduo, testemunha, ou manipule elementos de prova (conveniência da instrução
criminal (como dispõe o artigo 312, do CPP, nos termos da Lei nº 12.403, de 05 de
maio de 2011), a prisão preventiva, excepcionalmente, pode ser decretada se
houver descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras
medidas cautelares.
Para Nucci (2006), a prisão preventiva
trata-se de uma medida cautelar de constrição à liberdade do
indicado ou réu, por razões de necessidade, respeitados os
requisitos estabelecidos em lei. (...) possui quatro pressupostos: a)
natureza da infração (...), b) probabilidade de condenação (...), c)
perigo na demora (...) e d) controle jurisdicional prévio.
No artigo 313 do CPP - Código do Processo Penal -, estão estabelecidas as
condições legais que devem ser agregadas aos pressupostos e requisitos
indispensáveis à decretação da prisão preventiva. A saber: “1º) nos crimes dolosos
punidos com pena máxima superior a 4 (quatro) anos; 2º) se o indiciado ou
acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada
em julgado, ressalvado o disposto no art. 64, I do Código Penal (reincidência;
3º) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,
adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a
execução das medidas protetivas de urgência; 4º) quando houver dúvida sobre
16
a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos
suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em
liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a
manutenção da medida.
Porém, caso não seja uma situação que exija a decretação da prisão
preventiva, tendo em vista a ausência do periculum in mora (perigo da demora),
nos termos do artigo 282, § 3º, com redação da Lei nº. 12.403/2011, por ausência de
seus pressupostos, requisitos e das suas condições legais, por não serem os casos
apresentados de urgência ou não havendo perigo de ineficácia da medida, ao
receber o pedido de prisão preventiva, o juiz deve determinar a intimação da parte
contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias,
permanecendo os autos em juízo.
Da decisão que decreta a prisão preventiva não cabe recurso por falta de
previsão legal, tendo a prática forense revelando, apenas, o pedido de
reconsideração da decisão, com o intuito de motivar o juiz a revogar o decreto
prisional cautelar preventivo ou substituí-lo por outra medida cautelar, podendo
restabelecer o decreto preventivo se sobrevierem razões que o justifiquem, como
dispõe o artigo 282, § 5º, do CPP. Contudo o remédio heróico previsto no artigo 5º,
inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988, socorre os que têm a liberdade em
periclitação, o “HABEAS CORPUS”.
Ao contrário, se o requerimento, por parte do Ministério Público ou do
Assistente da Acusação, da prisão preventiva for indeferido ou a prisão preventiva
venha a ser revogada a sua decretação, caberá RECURSO EM SENTIDO
17
ESTRITO, nos exatos termos do artigo 581, inciso V, do Código de Processo Penal
Pátrio.
Existe a vedação legal à prisão preventiva, nos termos do disposto no caput,
do artigo 236, do Código Eleitoral (Lei nº. 4.737/65), vez que é proibição legal a
prisão ou detenção de qualquer eleitor, no período de 05 (cinco) dias antes e 48
(quarenta e oito) horas depois do encerramento das eleições, salvo em flagrante
delito, em virtude de sentença penal condenatória com trânsito em julgado por crime
inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.
Outrossim, o § 1º, do artigo 236, da Lei nº. 4.737/65 (CÓDIGO ELEITORAL),
determina que os membros da mesa receptora e fiscais de partido político, bem
assim todos os candidatos, têm o mesmo benefício legal, proibida a prisão ou
detenção, incluída ai a prisão preventiva, 15 (quinze) dias antes das eleições e 48
(quarenta e oito) horas depois das mesmas.
Ocorre, porém, casos em que esse tipo de prisão é decretado em função de
preceitos arbitrários do magistrado, com base em referências no que tange a classe
socioeconômica e orientação política do indiciado ou acusado. Essa postura acaba
por atribuir à prisão preventiva o caráter de elemento segregador econômico, social
e político da sociedade.
A fim de entender melhor esses aspectos e como a prisão preventiva pode ferir
os princípios dos direitos humanos, esse estudo foi divido em três capítulos; a saber:
O primeiro deles faz uma análise conceitual e prática em torno da prisão, de
um modo geral, discutindo seus procedimentos e apresentando sua tipologia.
18
No segundo capítulo, o discurso foi concentrado no debate em torno da prisão
preventiva, começando a partir de um breve histórico, abordando seus requisitos e
pressupostos, os procedimentos e demais aspectos peculiares a esse tipo de
medida cautelar.
O terceiro e último capítulo discute a prisão preventiva enquanto meio de
segregação econômica, social e política. Para comprovar esses aspectos desviantes
de tal prisão, fala-se nesse texto acerca dos direitos humanos e, mais
especificamente, da presunção de inocência, pontuando a responsabilidade civil do
Estado diante das medidas jurisdicionais e, por fim, avaliando a questão da medida
cautelar preventiva como meio de garantia da ordem econômica. Informa, outrossim,
as tendências do direito comparado, as motivações e implicações da chamada onda
da “Law and order” que influenciou a legislação européia na Espanha, na América
do Sul, em especial, no Brasil, como o Estado passou a mão esquerda, em segundo
plano, a assistência social, e a mão direito o estado repressor, aumentando,
consideravelmente a população carcerária planetária.
19
1. PRISÃO: CONCEITOS E DIMENSÕES
Num sentido jurídico, a prisão diz respeito à privação da liberdade de
locomoção, isto é, nega-se ao sujeito o direito de ir e vir, em função de alguma ação
ou omissão punível penalmente dentro de um contexto espaço temporal ou por
ordem legal. No entanto, lembra Mirabete (2003), o termo pode se referir a uma
gama de outros significados no direito pátrio: pena privativa da liberdade, cuja
abrangência atinge a prisão simples, prisão para crimes militares, entre outros; o ato
da captura, quando a prisão é feita em flagrante ou em cumprimento de mandado; e,
ainda, a custódia, que implica o recolhimento da pessoa ao cárcere. Essa variedade
de significados admite o uso de diversos termos ao referir-se à prisão.
No direito brasileiro, há ainda a distinção das espécies de prisão: a prisão penal
e a prisão sem pena, que se subdivide em prisão processual penal, prisão civil,
prisão administrativa e prisão disciplinar. No caso da primeira, refere-se ao tipo de
prisão cujo fim é repreender, ocorrendo depois do trânsito em julgado da sentença
condenatória, na qual se impôs pena privativa de liberdade.
Dentre as prisões sem pena, tem-se a prisão processual (provisória), que diz
respeito a uma prisão cautelar, em sentido amplo, que inclui a prisão em flagrante
(arts. 301 a 310), a prisão preventiva (Lei nº. 12.403/2011), a prisão resultante de
pronúncia (arts. 282 a 408, § 1º), a prisão advinda de sentença pena condenatória
(art. 393, I) e a prisão temporária (Lei nº 7.960, de 21-12-1989). Outra prisão sem
pena é a Civil, decretada em casos de devedor de alimentos e de depositário infiel,
únicas permitidas pela Constituição (art. 5º, LXVII). Havia também a prisão
administrativa, que só pode ser decretada por autoridade judiciária, conforme
20
determinou a Constituição de 1988, sendo prevista pelo Código de Processo Penal
(art. 319, I) e leis especiais, sendo revogada do ordenamento jurídico brasileiro pela
Lei nº 12.403/2011. E, por último, a categoria de prisão sem pena denominada de
disciplinar, legitimada constitucionalmente para as transgressões militares e crimes
propriamente militares (arts 5º, LXI e 142, § 2º). (MIRABETE, 2003)
Levando-se em conta o regime de liberdades individuais que rege o direito
brasileiro, a prisão só deveria ser efetuada em cumprimento de uma sentença penal
condenatória. Contudo, não raro, ela ocorre antes do julgamento ou mesmo na
ausência do processo por razões de necessidade ou oportunidade. Esse tipo de
prisão tem fundamento na Justiça Legal, que obriga o cidadão, enquanto membro da
comunidade, a se submeter a perdas e sacrifícios em função da necessidade de
medidas que viabilizem ao Estado prover o bem comum, o que é sua última e
principal função. Nessa perspectiva, o artigo 282 do Código de Processo Penal
dispõe que, “(...) à exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão
em virtude de pronúncia ou nos casos de determinados em lei, e mediante
ordem escrita da autoridade competente, que, hoje, é apenas a autoridade judiciária,
de ofício (sem provocação das partes no processo) a requerimento das partes
(querelante, assistente da acusação), representação da autoridade policial ou
requerimento do Ministério Público (art. 5º, LXI, da CF e da Lei nº 12.403/2011)”.
(MIRABETE, 2003, p. 360).
Contudo a Constituição de 1988 permite que a prisão venha a ser efetuada
sem mandado judicial nas hipóteses de flagrante (art. 5º, LXI), transgressão militar
ou crime propriamente militar (art. 5º, LXI), prisão durante o Estado de Defesa (art.
136, § 3º, I) e do Estado de Sítio (art. 139, II), além de ser permitido pela lei
processual a recaptura do foragido (art. 684 do CPP). Nesse último caso, prevalece
21
a legalidade, na medida em que o recolhimento anterior era legal por ter sido ele
autuado em flagrante ou por ter sido recolhido em virtude de expedição de mandado
de prisão. É importante ponderar que essa flexibilidade constitucional quanto à
prisão é que abre espaço para o desenvolvimento de ações arbitrárias e ilegítimas,
com base, principalmente, na subjetividade da qual tais medidas estão imbuídas.
São tidas como inconstitucionais as prisões correcional e para averiguação. De
acordo com Mirabete (2003), esse caráter inconstitucional, contudo, não impede que
um indivíduo seja detido por alguns momentos, sem recolhimento ao cárcere, em
casos especiais de suspeitas sérias, diante do que se denomina de “poder da
polícia”. A fim de que a liberdade de locomoção seja garantida diante de prisões
ilegais, a Constituição Federal (CF) reza: “a prisão ilegal será imediatamente
relaxada pela autoridade judiciária (...). conceder-se-á habeas corpus sempre que
alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (ART. 5º, LXV; ART. 5º
LXVIII apud MIRABETE, 2003, p. 360).
22
1.1 Mandado e execução
Como regra geral tem-se que a prisão só poder efetuada diante de ordem
escrita por uma autoridade judiciária competente. Ao instrumento escrito de ordem
de captura dá-se o nome de “mandado de prisão”. O artigo 285 da Constituição é
responsável pela legalidade de tal mandado, rezando que “a autoridade que ordenar
a prisão fará expedir o respectivo mandado”. Esse artigo determina ainda os
requisitos de que devem permear a expedição de tal mandado.
Em primeira mão, tal artigo, em seu parágrafo único, define que o mandado de
prisão deve ser lacrado pelo escrivão e assinado pela autoridade, já que é uma
ordem expedida por esta. A autenticidade e veracidade do mandado, inclusive, são
fixadas, além de ser individualizada a responsabilidade nos casos de excesso ou
abuso de poder, que, obviamente, recai sobre a autoridade que assinou o mandado.
Diante disso, é ilegal o fato desse instrumento ser assinado por um juiz impedido de
presidir o feito. O que torna esse mandado nulo, na medida em que o mesmo foi
maculado pelo vício da suspeição, já que foi expedido pelo próprio juiz que formulou
a representação criminal e que figura como vítima do crime, constituindo, nesse
caso, o crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.989, de 9-12-1965). Em todo caso,
alerta Mirabete (2003), constitui apenas irregularidade seja o mandado lavrado por
escrevente, desde que assinado por autoridade competente.
Outro aspecto que deve constituir o mandado de prisão refere à pessoa a ser
presa, devendo contar seu nome, alcunha ou sinais característicos. É importante
que a designação seja a mais precisa possível, a fim de que equívocos quanto ao
sujeito a ser capturado sejam evitados, colocando-se, ainda, condições para que
23
seja justa a execução da ordem. O mandado de prisão, que não é claro, que é
omisso quanto à perfeita individualização e identificação de quem deva ser preso,
não pode ser executado.
É fundamental, ainda, que o mandado exponha qual a infração penal que o
motiva, sendo necessário que venha a ser exposto, além da definição técnica da
infração com menção do artigo da lei penal, a descrição do crime, mesmo que
concisamente. Esse aspecto imprescindível diante da necessidade de que o
indivíduo tenha conhecimento da razão, do ato ilícito penal que o mesmo cometeu
para estar sendo preso. A fundamentação do mandado está, inclusive, prevista na
Constituição.
No caso de infração afiançável, o valor da fiança deve ser declarado no
mandado, o que viabiliza ao destinatário do mandado obter de imediato sua
liberdade provisória, mediante o pagamento da fiança.
Tendo em vista que o mandado de prisão é uma ordem, na mesma deve haver
a indicação a quem ela é dada, isto é, deve ser determinado o indivíduo que tem
qualidade para executá-la, no caso do direito pátrio, são oficial de Justiça e a Polícia
Judiciária.
Mirabete (2003, p. 361) lembra que,
são nulos e inexeqüíveis os mandados expedidos por autoridade
incompetente, não assinados pelo juiz (no caso não há
verdadeiramente mandado), que não precisem a pessoa a ser
capturada e que não contenham o fundamento da prisão. A
desobediência a outros requisitos menores (...) não prejudicará a
execução, regendo espécie o artigo 572, II, quando diz que “embora
praticado por outra forma o ato, não será declarado nulo quando
houver atingido sua finalidade.
24
A execução do mandado, isto é, a prisão pode ocorrer em qualquer dia e a
qualquer hora, desde que sejam respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade
do domicílio. A legislação permite que a execução desta seja feita em dias úteis,
domingos, feriados, entre outros, em qualquer turno, desde que se respeite a
inviolabilidade do domicílio (art. 283).
O mandado de prisão deve ser expedido em duplicata, devendo uma via ser
entregue ao preso, declarando o dia, hora e lugar da diligência. Essa duplicata
equivale à nota de culpa expedida na prisão em flagrante e por ela o capturado se
torna ciente da razão de sua prisão. Na via do mandado que fica com o executor, o
capturado deve passar recibo. Diante da recusa do preso, do desconhecimento ou
da inviabilidade de escrita, caso ocorra, o fato deve ser mencionado em declaração,
assinada por duas testemunhas. Cumpridas as formalidades, o executor do
mandado deve intimar o preso para acompanhá-lo.
Segundo reza a Constituição, o preso deve ser informado dos seus direitos,
entre os quais estão: permanência em silêncio; garantia de assistência da família e
de advogado; identificação dos responsáveis pela sua prisão e por seu interrogatório
policial. Esses aspectos devem ser obedecidos pelos executores, contudo, como
não há uma regulamentação legal exaustiva acerca de tais dispositivos, fica inviável
qualquer sanção para as omissões que, por ventura, possam acontecer.
Diante da possibilidade de situações complexas para efetivação da captura de
autores de delitos mais graves e de criminosos mais perigosos, quando o crime é
inafiançável, a lei permite a execução do mandado sem a sua exibição. É importante
dizer que, qualquer que seja o caso, a expedição do mandado tem que ser
25
efetivada, ainda que não seja apresentada pelo executor no ato da prisão. Do
contrário, não é permitido o recolhimento do preso ao cárcere.
1.2 Alguns tipos de prisão: desafios para execução de mandado
Entre os tipos de prisão, pode ser possível que a mesma seja efetuada em
domicílio do indivíduo a ser preso, é o que se denomina de “prisão em domicílio”.
Quanto a isso, o artigo 150, § 3º do Código Penal dispõe que não constitui crime a
entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências durante o dia,
em função das formalidades legais, para que a captura seja concretizada ou outra
diligência, bem como, a qualquer hora do dia, diante da prática de algum crime ou
da possibilidade que o mesmo seja desencadeado. Consta na Constituição que “(...)
a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela pode penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial (...)” (MIRABETE, 2003,
p. 363).
Os dispositivos legais expõem que, mediante o mandado de prisão, a captura
pode ser efetuada durante o dia, ainda que não haja consentimento do morador,
seja ele o indivíduo a ser preso ou terceiro. O artigo 293 do CPP determina que se
um réu entrar ou se encontrar nas dependências de alguma residência, o morador
deve ser intimado a entregá-lo, a vista da ordem de prisão. Diante da desobediência
do mesmo, o executor do mandado deve convocar duas testemunhas e, desde que
seja durante o dia, entrará à força na casa, arrombando portas, se assim se fizer
necessário; caso o executor não seja obedecido pelo morador durante a noite, o
26
executor deve guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável e, assim que
amanheça, este poderá arrombar as portas e efetuar a prisão.
Fica claro, então, que o mandado de prisão pressupõe a autorização judicial
para a entrada em qualquer residência, durante o dia, como modo de cumpri-lo
regularmente. É importante lembrar que, sendo noite, o executor não pode invadir a
casa, contudo, tanto a CF quanto o CP permitem a entrada contra a vontade do
morador diante de flagrante de delito ou crime.
Por outro lado,
(...) a lei processual dilatou a garantia constitucional da
inviolabilidade de domicílio mesmo que seja o caso de executar-se
mandado de prisão. O morador, portanto, encontra-se no exercício
regular de direito, que excluía ilicitude do fato (art. 23, III, 2ª parte, do
CP). Violando o domicílio à noite, o executor comete o crime de
abuso de autoridade consistente em “executar medida privativa de
liberdade individual sem as formalidades legais ou com uso de
poder” (art. 4º, “a”, da Lei nº 4.898, de 9-12-65). (...). (MIRABETE,
2003, p. 363)
É importante esclarecer que tal entrada não é ilícita, caso algum outro crime
esteja sendo praticado pelo morador, bem como, contra este ou terceiro, a exemplo
de seqüestro. Logo, diante da hipótese de crime em execução ou de flagrante delito,
a entrada é permitida mesmo sem o consentimento do morador.
Vale lembrar que o morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua
casa deve ser levado a presença da autoridade, a fim de que, contra ele, proceda-se
como for de direito. A não permissão de entrada do executor à noite não constitui
crime, mas apenas atos ou omissões ilícitos praticados durante o dia.
Outro tipo de prisão que merece ser levada em conta é a prisão em
perseguição (prisão em flagrante), procedente diante do empreendimento de fuga
pelo capturando, passando para outro município ou comarca, mediante a
27
apresentação do mandado de prisão. A fim de que a captura não seja frustrada, a
legislação determina que, nesse caso, o executor poderá executar a prisão no lugar
onde alcançar o capturando (art. 290, 1ª parte).
Entende-se, então, por perseguição ação do executor que persegue o réu
quando:
(...) a) tendo-o avistado, foi perseguindo-o sem interrupção, embora
depois o tenha perdido de vista; b) sabendo por indícios ou
informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo,
em tal ou qual direção, pelo lugar em que procure, for no seu
encalço. (ART. 290, § 1ª apud MIRABETE, 2003, p. 364)
Quando a prisão é efetuada nessas circunstâncias, o réu deve ser apresentado
à autoridade local imediatamente. No caso de prisão em flagrante, a autoridade deve
determinar a lavratura do competente auto. A remoção do preso para sua
apresentação ao juiz que expediu o mandado ou ao estabelecimento penal
adequado é a próxima medida.
Por fim, vale mencionar a prisão fora do território de jurisdição do juiz. No
Brasil, a captura pode ser efetuada fora da jurisdição territorial do juiz que expediu o
mandado, desde que haja em precatória o inteiro teor do deste, ou seja, o pedido ao
juiz com jurisdição onde o capturando se encontra, de que ordene e faça realizar a
diligencia da prisão que deve obedecer aos requisitos legais, tanto com relação à
ordem de prisão quanto às formalidades exigidas no ato da captura. Essa prisão é
ilegal, porém, se a mesma não atender às exigências legais contidas no artigo 289 1
do CPP.
Quando há possibilidade de fuga para o exterior, por exemplo, entre outras
circunstâncias urgentes, a lei permite a prisão fora do território do juiz sem a
28
expedição da carta precatória, tal como consta do artigo 289, em seu parágrafo
único.
Se a autoridade tiver ciência de que o réu se encontra em território estranho ao
da sua jurisdição, poderá, por via postal, fax-simile, internet, telegráfica, solicitar a
sua captura, expondo na sua ordem a razão pela qual o réu deve ser capturado,
bem como o valor da fiança, caso a infração seja afiançável. Há ainda a
possibilidade da captura ser ordenada por telefone o outro meio de comunicação,
caso a infração seja de cunho inafiançável, desde que tomadas as medidas
necessárias para averiguar a autenticidade do mandado de prisão. Vale lembrar
que, em ambos os casos, é imprescindível a existência do mandado já expedido
pelo juiz.
Assim, como pondera Mirabete (2003), não há nada na lei processual que
impeça a concretização da captura fora da jurisdição do juiz, contanto que esta seja
solicitada e o mandado referente à mesma tenha sido expedido.
1. “Art. 289. Quando o acusado estiver no território nacional, fora da jurisdição do juiz processante,
será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado.
o
§ 1 Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual
deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada.
o
§ 2 A autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções necessárias para averiguar a
autenticidade da comunicação.
o
§ 3 O juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30 (trinta) dias,
contados da efetivação da medida.”. Da Lei nº. 12.403/2011.
29
2. A PRISÃO PREVENTIVA: NOÇÕES E DETERMINAÇÕES
Não se pode negar que a expressão “prisão preventiva” detém um conceito
amplo para referir-se à custódia verificada antes do trânsito em julgado da sentença.
Nesse passo, diz respeito
(...) à prisão processual, cautelar, chamada de “provisória” no Código
Penal (art. 42) e que inclui a prisão em flagrante, a prisão decorrente
da pronúncia, a prisão resultante da sentença condenatória, a prisão
temporária e a prisão preventiva em sentido estrito. (...) é uma
medida cautelar, constituída de privação da liberdade do indigitado
autor do crime e decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução
criminal em face da existência de pressupostos legais, para
resguardar os interesses sociais se segurança. (MARIBETE, 2003, p.
384)
Nessa perspectiva, a prisão preventiva se refere à prisão cautelar par
excellence, na medida em que seus requisitos é que fornecem as informações para
todos os sistemas de prisão cautelar. É importante se levar em conta que, embora
retire, de acordo com critérios legais, a liberdade do homem, justificam-se a prisão
preventiva, assim como, a priori, todas as prisões cautelares, para que tenha
assegurada a plena aplicação das normas punitivas e a paz social, aspectos
relevantes quanto à liberdade individual.
Diante dessa característica, Gemaque (2006) defende que não há, então,
incompatibilidade entre a prisão cautelar e o princípio da presunção de inocência,
previsto no art. 5º, inciso LVII, do CP, cujo texto prevê que nenhum indivíduo pode
ser considerado culpado até que o processo se finde, e a sentença penal
condenatória.
Esse tipo de prisão é constantemente criticado, tida, por boa parte da doutrina,
como odiosa, já que, segundo tais julgamentos, a prisão preventiva deprime e abate
30
o sentimento de dignidade pessoal daquele que é penalizado com a mesma sem
merecimento, tendo levado uma vida honesta e inocente (GEMAQUE, 2006).
Contudo, mesmo diante de críticas quanto ao instituto desse tipo de prisão, na
medida em que suprime a liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória, afetando pejorativamente os sentimentos de dignidade, ele é
previsto tradicionalmente não só na ordem jurídica brasileira como em todos os
países civilizados.
Tourinho Filho (1990) pontua os ensinamentos de Filangieri e de Mário Sala,
que chegam a pregar a abolição à prisão preventiva. Além disso, ainda que o CPP
preveja, em seu artigo 300, que, sempre que possível, as pessoas presas
provisoriamente devem ficar separadas das que já estiverem definitivamente
condenadas. Este autor lembra o perigo que representa o encarceramento de
cidadãos, que ainda não foram reconhecidos como culpados, junto a réus
condenados.
Por outro lado, Mirabete (2003, p. 384) pondera que a prisão preventiva é
(...) considerada como um mal necessário, uma fatal necessidade,
uma dolorosa necessidade social perante a qual todos devem se
inclinar, justifica-se a prisão preventiva por ter como objetivo a
garantia da ordem pública, a preservação da instrução criminal e a
fiel execução da pena. Mas como ato de coação processual e,
portanto, medida extremada de exceção, só se justifica em situações
específicas, em casos especiais onde a segregação preventiva,
embora um mal, seja indispensável.
Tourinho filho (1990) também levantou essa perspectiva, pontuando que,
independente de qualquer crítica quanto à prisão que antecede à condenação
definitiva, todas as legislações a admitem como um mal necessário à sociedade.
31
Trata-se, pois, “(...) de uma ‘fatal necessidade’: Fatal aos homens (...) e fatal à
sociedade; fatal também à justiça, porquanto se prende, inocente ou culpado, o
homem que ainda não foi julgado” (TOURINHO FILHO, 1990, p. 416)
Diante de tais questões, a lei processual brasileira tornou a prisão preventiva
uma medida facultativa, sendo decretada apenas em casos em que sua
necessidade for eminente de acordo com requisitos estabelecidos pelo direito
objetivo. É importante se levar em conta que, ainda que diga respeito a uma
providência de segurança, que garanta a execução da pena e constitua meio de
instrução, o uso da prisão preventiva é limitado a casos específicos e determinados.
De modo que, em hipótese alguma, deve ser um ato discriminatório e só pode ser
decretada pelo juiz.
2.1 Histórico
No Direito brasileiro, a “priori”, como constava na disposição antecessora a
atual do CPP, a prisão preventiva era obrigatória, sendo aplicada diante de
situações em que a pena cominada ao crime implicasse reclusão por tempo, no
máximo, igual ou superior a dez anos, sendo que a autoridade competente deveria
decretar a medida, ainda que fosse um tempo de prisão que ferisse o princípio da
dignidade da pessoa humana. Por outro lado, Gemaque (2006), citando Romeu
Pires de Campos Barros, aponta que nunca foi da tradição do Direito no Brasil a
instituição da prisão preventiva compulsória. Esse autor lembra, ainda, que mesmo
no Direito português, base do direito processual brasileiro, a prisão preventiva
32
sempre foi facultativa, logo, não se admitia em Portugal a prisão preventiva
compulsória.
Desde 1789, na publicação da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, já se fazia valer a idéia de que a presunção da inocência do indivíduo
deveria ser respeitada, bem como deveria ser garantido um tratamento digno à
pessoa do acusado, aspecto inerente à condição do sujeito enquanto preso
provisório. Gemaque (2006, p. 137), citando o artigo 9º de tal declaração, lembra
que “todo homem, se for decidido que é indispensável prendê-lo, todo rigor que não
seja necessário para a segurança de sua pessoa deve ser severamente reprimido
pela lei”.
Na época da independência brasileira, os presos provisórios recebiam um
tratamento bastante cauteloso, na medida em que a Constituição Imperial previa que
ninguém poderia ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei.
Esse aspecto não incluía o flagrante delito, fora essa hipótese, a prisão não podia
ser efetuada senão por ordem escrita da autoridade legítima. Caso a prisão
preventiva fosse expedida de modo arbitrário, o juiz que a ordenou, bem como, que
a tiver requerido, seriam punidos com a penalidade determinada pela lei.
Contudo, lembra Gemaque (2006), ainda que houvesse uma tradição de
repulsa à prisão preventiva compulsória no Brasil, esse tipo de prisão manteve-se
lícita com o Código de 1941, que, por sua vez, inspirava-se no estatuto penal
italiano, promulgado em 1930, fincado na ideologia fascista.
Com a promulgação de Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), no ano de
1990, foi abolida a prisão preventiva obrigatória do direito brasileiro. Essa medida
estabeleceu que “(...) os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de
33
entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de fiança e liberdade
provisória (art. 2º, II)” (GUIMAQUE, 2006, p. 138). Este aspecto acabou por trazer à
tona debates em torno da possibilidade do ressurgimento da prisão preventiva
compulsória no Brasil. Mesmo se reconhecendo que tal medida vai de encontro aos
princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, a
jurisprudência brasileira continua a aplicar tal lei normalmente, ainda que admita, em
determinados casos, a possibilidade de o juiz conceder a liberdade provisória, tendo
em vista que é ilícita e inaceitável a prisão preventiva obrigatória no direito brasileiro.
2.2 Prisão Preventiva: pressupostos, requisitos e condições legais
Os pressupostos da prisão preventiva estão dispostos no artigo 312,
“caput”, 2ª parte, da Lei nº. 12.403/2011, constituindo o “fumus boni iuris” para a
decretação da custódia prévia. São eles: prova da existência do crime e indícios
suficientes de autoria. É importante que, qualquer que venha a ser o caso de prisão,
a sua aplicação não deve ferir o princípio da dignidade humana, em obediência ao
fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana,
artigo 1º, inciso III, da Carta Magna de 1988.
Logo, a prisão preventiva só pode ser decretada diante de casos concretos de
existência de tais pressupostos. Isso quer dizer que suspeitas não são suficientes
nesse caso, há a necessidade de certeza visual do crime, o que garante a
materialidade de provas. Além disso, é preciso que haja indícios que apontem para
determinado – ou determinados – indivíduo (s) como autores do crime, configurando,
então, probabilidade concreta do crime.
34
Mirabete (2003, p. 385) reforça e esclarece que,
(...) contenta-se a lei, agora, com simples indícios (...), elementos
comprobatórios menos robustos que os necessários para a primeira
exigência. Não é necessário que sejam indícios concludentes e
unívocos, como se exige para a condenação; não é preciso que
gerem certeza da autoria. Nesse tema, a suficiência dos indícios de
autoria é verificação confiada ao prudente arbítrio do magistrado (...).
Em resumo, é necessário que o juiz apure se há fomus boni júris,
ou seja, a “fumaça do bom direito” que aponte o acusado como autor
da infração penal.
Gemaque (2006) traz à tona a problemática dos casos em que pode ocorrer o
decreto da prisão preventiva sem a denúncia prévia feita pelo Ministério Público. O
artigo 41, do CPP, reza que a denúncia só pode ser recebida pelo juiz diante dos
elementos indispensáveis mencionados há pouco (indício de autoria e prova da
materialidade, nesse último caso, através do corpo de delito direto ou indireto – art.
158, do CPP). Diante de tais elementos e da aceitação do Promotor de Justiça dos
mesmos, devem constar ainda os requisitos para o oferecimento da denúncia.
É importante não deixar de lado o fato de que o indiciado não é apenas um
objeto a ser investigado, mas um indivíduo que tem direitos subjetivos garantidos
pela Constituição que resguardam seus direitos fundamentais, o que inclui o respeito
ao mesmo enquanto ser humano que merece dignidade. Esses direitos, em nenhum
caso, dizem respeito à permissão de prisão preventiva, quando há a existência da
possibilidade de proposição da ação legal, alerta Gemaque (2006).
O artigo 312, “caput”, 1ª parte, e seu Parágrafo único, com redação da Lei nº.
12.403/2011, traz em seu bojo as circunstâncias que autorizam a prisão preventiva,
além de revelarem os requisitos legais especiais necessários para que a mesma
tenha licitude. Logo, esse texto aponta para o fato de que tal previsão só deve ser
decretada havendo conveniência da instrução criminal, para assegurar a imposição
35
de eventual pena, a fim da garantia da manutenção da ordem pública, da ordem
econômica, ou ainda, o cumprimento das obrigações impostas pelo juiz por força de
outras medidas cautelares.
Num caso em que o indicado ou acusado estiver afugentando testemunhas que
podem se opor à sua defesa, em caso de suborno de pessoas a fim de intimidar
formulação de laudos periciais em determinado sentido, se houver ameaça contra a
vítima, ocorre, então, a conveniência da instrução criminal, revelando a necessidade
de se decretar a prisão preventiva, na medida em que estas hipóteses podem
inviabilizar a formação adequada e equilibrada do convencimento do juiz.
De acordo com Gemaque (2006, p. 141),
esta modalidade de prisão preventiva existe para preservar a
respeitabilidade da prestação jurisdicional que se opera mediante o
processo penal, não sendo admissível que interesses privados e
contrários à ética prevaleçam sobre o interesse público do Estado em
processar e responsabilizar, se o caso, autores de fatos delituosos.
O que se nota é que circunstâncias como essas podem fundamentar a prisão
preventiva, já que representam falta de respeito à decência da prestação
jurisdicional que é desenvolvida diante de um processo penal. Logo, não cabe,
nessas circunstâncias, que qualquer tipo de interesse privado e oposto à ética
sobreponham a respeitabilidade da justiça e o interesse público do Estado em
processar e responsabilizar criminosos.
Assim, não é possível a expedição de qualquer decreto de prisão preventiva
sob o fundamento de instrução criminal, exceto em casos que representem
desrespeito à respeitabilidade jurisdicional, tendo por fim, por exemplo, prender um
indivíduo que, por ser homem de negócios, pode viajar, deixando o distrito da culpa,
36
ou, em outro caso, mais grave ainda, por ser rico, pode deixar o país a passeio, na
medida em que tem maiores possibilidades de se distanciar do distrito da culpa.
Nesse sentido, fica claro que tais fundamentos são reprováveis, pois além de
subverterem as noções básicas de igualdade material e processual, aspectos
exigidos à impossibilidade de discriminação em função da condição econômica de
qualquer indivíduo, tanto para melhorar como para piorar sua condição processual,
refletem uma total negligência da natureza da prisão cautelar. Casos como esse
afetam a dignidade da pessoa humana, já que utilizam a prisão preventiva como
meio de antecipação da pena. Diante disso, é mister que se garanta “um núcleo
mínimo de dignidade à pessoa humana não se coaduna com isso, devendo eventual
prisão
decretada,
segundo
esses
motivos,
ser
imediatamente
rechaçada”
(GEMAQUE, 2006, p. 142). Em todo caso, é preciso que fique claro que a lei
processual não autoriza a nenhum juiz que decrete a prisão preventiva de forma
aleatória, em quaisquer situações.
Outro caso que prevê a aplicação da prisão preventiva refere-se a casos em
que se faz necessário assegurar a aplicação da lei penal. A análise de tal
circunstância deve ser feita de modo minucioso pelo juiz, analisando a situação do
caso concreto. Diante disso, aspectos socioeconômicos como o desemprego ou falta
de endereço fixo de determinado indivíduo justifica o decreto da prisão preventiva,
tendo em vista que isso fere claramente a dignidade da pessoa humana, já que
discrimina o desempregado ou o sujeito que, por ventura, esteja em situação
econômica desfavorável. Uma medida tomada em função de aspectos como esses
reforçam a segregação econômica, e a prisão preventiva se torna um elemento
direto nessa legitimação.
37
Porém, diante do fato do acusado ou indiciado não manter residência fixa no
distrito da culpa, caso esteja se desfazendo de seus bens, cabe a medida cautelar
em função de tais procedimentos.
Por último, tem-se como requisito para decretação da prisão preventiva a
garantia da ordem pública. Existe, ainda, atualmente, a garantia da ordem
econômica como circunstância que viabiliza tal decretação. Para Gemaque (2006), a
questão da ordem pública configura a circunstância que mais tem causado
problemas no que se refere à prisão cautelar, representando um grau de
desvirtuamento que pode tomar o sistema na medida em que o instituto processual é
utilizado de forma errônea.
Ordem pública é a paz, a tranqüilidade no meio social. Assim, se o
indiciado ou acusado estiver demonstrando que praticará novas
infrações penais, se estiver procedendo à apologia do crime,
reunindo-se em quadrilha ou bando ou organização criminosa,
haverá evidentemente perturbação da ordem pública. (GEMAQUE,
2006, p. 143)
E no caso de qualquer tipo de perturbação da ordem pública, é aberto
precedente para decretação da prisão preventiva. Contudo, mesmo nesses casos, o
juiz deve adequar seu julgamento aos direitos e garantias fundamentais, como a
presunção de inocência, a proporcionalidade e a dignidade da pessoa humana.
Para o doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira, em seu livro Curso de
Processo Penal, 14ª edição, o requisito específico da ordem pública tem, em boa
parte da doutrina, o entendimento de corresponder: A) a gravidade da ação ou
omissão, em um dado contexto espaço temporal, puníveis penalmente; B) a
repercussão social na comunidade onde ocorrera o fato ilícito penal, com clamor
38
público e instabilidade social; C) a personalidade do autor do fato, caraterizando sua
periculosidade.
A lei nº. 12.403/2011, artigo 282, § 4º, do CPP, adicionou aos requisitos
específicos da decretação da prisão preventiva, a condição de o autor do fato
deixar de cumprir as obrigações determinadas pelo juiz por força de outras medidas
cautelares. Obrigações estas dispostas no artigo 319, do CPP, com o advento da Lei
nº. 12.403, de 04 de maio de 2011.
2. “Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e
justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias
relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o
risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao
fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária
para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado
tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira
quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave
ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e
houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo,
evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
o
§ 4 A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser
cumulada com outras medidas cautelares.” Da Lei nº. 12.403/2011.
39
Desde junho de 2010, o Senado Espanhol editou a Lei de Liberdade Vigiada,
com as mesmas características da lei brasileira nº. 12.403/2011, sendo a nossa
quase uma norma de repetição.
Ressalte-se que, na Legislação Espanhola, a medida de Liberdade Vigiada
somente podia ser decretada em crimes específicos, “numerus clausus”, como os
de Pedofilia, o que ficou em aberto para o juiz no caso brasileiro, sendo uma porta
para a segregação econômica, social e política sem precedentes.
Isto poderá resultar na decretação da inconstitucionalidade da Lei nº.
12.403/2011, a ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal, à luz dos direitos
humanos, dos tratados internacionais a que o Brasil aderiu, do princípio da
segurança jurídica em matéria que trate do direito à liberdade, e do fundamento da
República Federativa do Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) criticou a Lei espanhola por
entendê-la severa demais e ofender o princípio da dignidade da pessoa humana.
Evidente que essas medidas cautelares, principalmente, a monitoração
eletrônica levará a anametização (FIGURAÇÃO DO MAL) do indiciado ou acusado,
dificultando a sua reabilitação social, econômica e política.
Mais ainda, nos Estados Unidos onde a monitoração eletrônica foi
primeiramente adotada não se tem notícias de que os tipos penais têm diminuído a
sua incidência.
O professor LOÏC WACKQUANT, em seu livro PUNIR OS POBRES, A NOVA
GESTÃO DA MISÉRIA OS ESTADOS UNIDOS (A ONDA PUNITIVA), editora
Revan, nos revela o caráter SEGREGADOR político, social e econômico dessa
40
posição do Estado passar à mão esquerda os direitos sociais, reduzindo-os,
limitando-os, e à mão direita o direito de punir, criando uma população carcerária, na
maioria esmagadora, de afro-descendentes, latinos, pobres e provocadores,
questionadores do sistema político.
2.2.1 Espécies: Prisão Preventiva Compulsória X Prisão Preventiva Facultativa
Até próximo ao final do século XX, havia, no Direito brasileiro, duas espécies de
prisão preventiva: a obrigatória e a facultativa. Em determinados casos, a exemplo
da necessidade de aplicação da pena cominada ao crime de reclusão por tempo, no
máximo, igual ou superior a dez anos, o juiz devia, obrigatoriamente, decretar a
medida extrema. Em outros tipos de casos, tal como o é atualmente, a lei permitia
que o juiz, a seu critério, decretasse ou não prisão preventiva, de acordo com a
conveniência e necessidade de tal medida, aspectos a serem analisados pela
autoridade competente.
Já foi dito que prisão preventiva compulsória ou obrigatória diz respeito ao tipo
dessa prisão que é imposta pela lei, de modo imperativo, diante da satisfação dos
seus pressupostos genéricos e específicos. Estando dentro dos pressupostos que
são comuns a ambas as modalidades de prisão preventiva, isto é, prova da
existência do crime e indícios claros de autoria, fica a cargo de o juiz atentar para a
pena máxima que cabia a tal infração, de acordo com o exposto no art. 312 2.
Para Tourinho Filho (1990), essa medida, tamanho aspecto violento, consistia
numa verdadeira inovação no Direito brasileiro. Para ele, a prisão preventiva sempre
foi entendida, em outras legislações e mesmo na brasileira, como uma necessidade
e decretada somente em casos especiais e, ainda que o juiz detivesse o prudente
41
arbítrio de decretá-la, este o deveria ser feito diante da exigência do interesse
público.
No Brasil Colônia, a decretação da prisão preventiva estava ligada à
gravidade do crime e havendo necessidade de segurança da instrução ou execução
da pena. Já, no Império brasileiro, a cautela da liberdade individual tornou-se maior.
Levando em conta o que reza o art. 9º da Declaração dos Direitos Humanos e do
Cidadão3, a Constituição Imperial, no art. 179, §§ 9º e 10º, determinou sobre os
poucos casos de restrição da liberdade individual, e os legisladores ordinários, quer
os do Código de Processo Criminal, quer os da Lei 2.033, de 20-9-1871, que cabe
ao juiz o poder de julgar sobre a conveniência ou não de tal medida. Com a chegada
da República e sendo outorgada a Constituição de 1891 aos Estados-Membros,
ficou a cara de cada Estado legislar sobre a matéria processual, de modo que cada
Estado elaborou seu Código de Processo, o retirou a uniformidade do território
nacional no que tange à matéria processual (TOURINHO FILHO, 1990).
Surgiram diversos códigos àquela época, contudo, destaca-se o gerado no Rio
Grande Sul como o que de fato trouxe inovação ao Direito brasileiro, na medida em
que no art. 194 de tal código dizia que:
3. ART. 312 A prisão preventiva será decretada nos crimes a que for cominada pena de reclusão por
tempo igual ou superior a dez anos.
4. O art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pressupõe que: “todo homem, sendo
presumido inocente até que seja declarado culpado, se for decidido que é indispensável prendê-lo,
todo rigor que não seja necessário para a segurança de sua pessoa deve ser severamente reprimido
pela lei”.
“A ordem da prisão preventiva deve expedida:
a) no caso de homicídio ou lesão corporal gravíssima, salvo se estes
fatos são justificáveis ou cometidos causalmente;
b) nos atentados à propriedade, quando as penas excedam de
quatro anos de prisão celular;
42
c) se o indiciado, durante a formação da culpa, pratica novo delito,
ameaça a parte ofendida ou tenta corromper ou intimidar as
testemunhas”. (TOURINHO FILHO, 1990, p. 418-419)
Tal texto revela a consagração, em texto lei, da prisão preventiva obrigatória.
Contudo, essa medida foi repelida logo depois, tendo o Excelso Pretório declarado
as disposições de tal Código inconstitucionais, já que não estavam de acordo com a
legislação federal no que se refere às restrições à liberdade individual.
Desde então, assumiu-se no Direito brasileiro que a prisão preventiva é um mal
necessário e deve ser decretada, exclusivamente, em casos excepcionais e seu
decreto fica a cargo do juiz.
O que se nota é que a prisão preventiva compulsória não tinha fundamento na
instrução criminal nem tampouco na garantia da ordem pública, mas no receio de
subtração da execução de um possível decreto condenatório, em função de possível
insatisfação da pena.
Paralelo ao período em que vigorava a prisão preventiva obrigatória, outro tipo
de prisão preventiva já existia: a prisão preventiva facultativa, na qual a decretação
ficava ao prudente arbítrio do juiz. Quando a prisão preventiva obrigatória foi abolida,
prevaleceu a facultativa, sob a expressão apenas de “prisão de preventiva”, tendo
em vista que já não havia outra modalidade, ficando esta subordinada a outros
requisitos além da prova de materialidade do fato e da autoria.
Esse tipo de prisão fica condicionado, então, à prudência e discrição do juiz,
ainda que não exclusivamente, já que a legislação fixou pressupostos e condições
de admissibilidade de tal medida. Nesse sentido, afirma Tourinho Filho (1990), não
cabe qualquer denominação que a categorize – obrigatória ou facultativa – haja vista
que a lei não impõe sua decretação à autoridade, tampouco decretá-la fica a cargo
43
da vontade exclusiva do juiz. Qualquer que seja o caso, de decreto ou não, o
Magistrado deverá fundamentar sua decisão. Logo, não cabe a denominação da
prisão preventiva exclusivamente enquanto facultativa.
Contudo, noutro passo, há a Lei 12.403, de 04 de maio de 2011, que em seu
bojo traz um texto legal que atribuiu uma nova forma ao instituto. Esse texto
pressupõe que:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal,
caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação
penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou
por representação da autoridade policial.”
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou
para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do
crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em
caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de
o
outras medidas cautelares (art. 282, § 4 ).”
“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação
da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima
superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada
o
em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei n
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a
execução das medidas protetivas de urgência;
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver
dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos
suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em
liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção
da medida.”
“Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz
verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas
o
condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei n
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.”
“Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva
será sempre motivada.”
44
Essa Lei e a nova abordagem da prisão preventiva, no geral, NÃO revelam
uma preocupação com a dignidade da pessoa humana e o respeito ao direito à
liberdade do cidadão, na medida em que a justiça, decretando tal prisão, estaria
correndo grande risco de tirar a liberdade de um indivíduo inocente, bem como, por
outro lado, passa a estigmatizar, anametizar (FIGURAÇÃO DO MAL), aumentando a
segregação social, econômica e política do cidadão ou cidadã, através do
monitoramento eletrônico, como uma das medidas cautelares, que não restou
delimitada pelo texto da Lei, deixando ao critério do juiz decidi-la.
Diante dessas possibilidades, a prisão preventiva poderá ser decretada sem
obedecer aos critérios mínimos indispensáveis à liberdade, dentro dos pressupostos
e condições previstos, comprometendo ao máximo o direito à liberdade, à presunção
de inocência, defendidos pelo próprio ordenamento jurídico.
2.2.2 A Decretação
Como está previsto no art. 311 do CPP, a prisão preventiva pode ser decretada
em qualquer período do inquérito policial ou da instrução criminal, tanto nos casos
de ação pública como nos casos de ação privada, desde que a medida seja tomada
diante de prova da existência do crime, de indícios suficientes da autoria e de o
autor do fato descumprir as obrigações determinadas pelo juiz nos termos do artigo
319, do CPP.
A Lei nº. 12.403/2011, alterando o artigo 311, do Código de Processo Penal
Pátrio, diz que o juiz pode, o que, na verdade, se transmudará juridicamente para
DEVE de ofício, desde que no curso da ação penal privada ou pública, decretar a
45
prisão preventiva. Portanto, abre as portas para perseguições particulares e políticas
sem precedentes.
Antes da Lei nº 12.403/2011, a doutrina nacional verberava que o assistente da
acusação, representando a vítima no processo, tinha como objetivo único o título
executivo (SENTENÇA) com o qual obteria a indenização pelos danos decorrentes
do ilícito penal. Agora, temos, no nosso entendimento, uma porta aberta para a
prisão preventiva se tornar um instrumento de possível vingança particular.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal deve ser provocado, a fim de decidir
sobre a inconstitucionalidade em abstrato da Lei nº 12.403/2011, devido à
inconstitucionalidade patente do artigo 311, do CPP, modificado pela Lei nº
12.403/2011, perante o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal de 1988, que
declara ser privativa, exclusivamente, a ação penal pública do Ministério Público, vez
que se trata o requerimento da prisão preventiva para o querelante, o assistente da
acusação autêntica Ação Cautelar Penal, podendo interpor Recurso em Sentido
Estrito, caso o magistrado não defira o seu pleito processual penal de decretação de
prisão preventiva de suposto autor de fato penal ao qual caiba prisão preventiva.
5. “Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão
preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério
Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”. Lei nº.
12.403/2011.
Vale
ressaltar,
porém,
que
sendo
o
inquérito
algo
dispensável
ao
estabelecimento da ação penal, o próprio Ministério Público, em posse de
46
informações suficientes para ingressar em juízo com a denúncia, pode requerer a
decretação da prisão preventiva. Tendo em vista que documentos e outros
elementos de prova revelam não só a materialidade delitiva como também pode
indicar o autor do delito, não há nada que impeça o oferecimento de denúncia e
requeira a decretação da medida extrema. Logo, ainda que não haja inquérito, o
indivíduo pode ser preso provisoriamente. Porém, lembra Tourinho Filho (1990),
que, no geral, não se admite a prisão preventiva sem que, previamente, tenha sido
desencadeado o inquérito policial.
Deve-se levar em conta que
(...) não se justifica o deferimento do pedido de prisão preventiva se os
autos do inquérito são devolvidos pelo Ministério Público, para
diligências, pois, nesse caso, existiram também os elementos
suficientes para o oferecimento da denúncia (...) (MIRABETE, 2003, p.
388).
É importante ponderar que, diante desses aspectos, tal decretação constituirá
constrangimento ilegal quando, ainda que a haja o pedido de diligências, são
obedecidos os prazos legais para que o inquérito e o oferecimento do requisitório
público oficial sejam concluídos.
Ocorre que, na prática, é costume das Autoridades Policiais representarem ao
juiz a respeito da decretação da prisão preventiva, já diante dos primeiros sinais da
materialidade do crime e da respectiva autoria do mesmo. Diante de tais indícios
representados, o juiz decreta a medida e retorna os autos inquérito para que a
polícia possa concluir a investigação, num prazo máximo de dez dias, conforme
dispõe o art. 10 do CPP.
Contudo, é importante ponderar que
47
(...) a jurisprudência, com bastante acerto, vem-se insurgindo contra
essa prática de todo maléfica. Se existem elementos para a
decretação da preventiva, melhor será para a propositura da ação
penal, e, decretando-a, deve o Juiz determinar a abertura de vista
dos autos do inquérito ao Ministério Público, para aquele fim.
(TOURINHO, FILHO, 1990, p. 425)
Assim, vale lembrar que a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer
fase da instrução criminal, de maneira que mesmo antes da apresentação da
sentença, tal medida extrema pode ser adotada. Entretanto, lembra Mirabete (2003),
se o réu pronunciado for um indivíduo a quem se concedeu a liberdade provisória, a
prisão só pode ser decretada em função de fatos supervenientes à pronúncia. Isso
também vale para prisão após a sentença recorrível em que se concedeu benefício
semelhante.
É importante trazer à baila que não há a mínima compatibilidade entre a prisão
preventiva com qualquer espécie de liberdade provisória. Isso quer dizer, em outros
termos, que se estiverem presentes os pressupostos e requisitos para existência da
prisão preventiva não cabe concessão à liberdade provisória, instituto incompatível
com esse tipo de prisão. Contudo, é garantido que, a depender das circunstâncias
factuais do caso e mediante o pagamento de fiança, a prisão preventiva pode ser
substituída pela liberdade provisória (MIRABETE, 2003).
Outro aspecto que merece ser lembrado refere-se ao fato de que não há
recurso previsto contra a medida extrema ligada à prisão preventiva. De modo que,
o acaso pode, alegando constrangimento ilegal, solicitar seu habeas corpus diante
de uma medida que é ilícita, por faltar fundamentação adequada, inexistir
pressupostos, entre outros argumentos.
2.2.3 Circunstâncias: legitimação e impedimento
48
O que legitima a prisão preventiva é a fundamentação da qual deve estar
dotado o juiz ao decretar, substituir ou denegar tal medida. O artigo 315, do CPP,
pressupõe que, ao decretar, substituir ou denegar tal tipo de prisão, sua ação deve
ser sempre fundamentada, de maneira que a autoridade judiciária, que despachar tal
medida, deve expor claramente quais fundamentos existentes o levaram à
decretação, substituição ou denegação da prisão preventiva.
De outro modo, sem o esclarecimento da fundamentação que legitima tal
decretação, isto é, dos mínimos pressupostos, requisitos específicos e condições
legais, que a lei exige, configura-se constrangimento ilegal à liberdade de
locomoção, levando, por falta de fundamentos suficientes, à concessão do pedido de
habeas corpus.
Mirabete (2003, p. 390) alerta para o fato de que
(...) o despacho deve contar, aliás, uma exposição fundada em
dados concretos, não sendo bastante legitimar a custódia a
genérica referência aos autos, vagas alusões ao acusado ou
suposições negativas quanto ao seu caráter pessoal, ou, ainda,
se reduzir a mera transcrição dos dizeres legais.
Logo, faz-se mister que haja fundamentos concretos que fomentem tal medida,
não sendo suficientes meras suposições. Contudo, isso não significa que a decisão
da prisão preventiva deva ser longo, que o juiz deva descrever minuciosamente os
aspectos causais da sentença condenatória, é suficiente que fique clara a
conveniência da custódia.
Mirabete (2003) lembra que a prisão preventiva tem o caráter rebus sic
stantibus, o que significa que ela pode ser revogada de acordo com o estado da
causa. O juiz pode revogar a prisão preventiva se, durante o processo, constatar a
falta de motivo que justifique a permanência em cárcere do indivíduo. Assim, ainda
49
que a materialidade da infração tenha sido demonstrada e haja provas suficientes da
autoria, se não houver fatores que recomendem sua existência, a prisão preventiva
não deve ser mantida.
Diante disso, se o fim da decretação tiver sido apenas a garantia da instrução
criminal, a custódia preventiva não se faz mais necessária, fazendo-se imposta sua
revogação – o que não ocorre se ainda subsistirem as razões do seu despacho.
No entanto, vale lembrar que, levando-se em conta o caráter da prisão
preventiva, é comum que se permita novamente sua decretação pelo juiz, haja vista
que, a qualquer tempo, ela pode se fazer necessária.
É importante ter em mente que
à decisão que revoga a prisão preventiva cabe recurso em sentido
estrito (art. 581, V). Interposto tal recurso, é de se conceder mandado
de segurança visando dar-lhe efeito suspensivo se seu
processamento no efeito meramente devolutivo, permanecendo o
acusado em liberdade, pode colocar em risco a ordem pública. Não
havendo recurso previsto contra o indeferimento do pedido de
revogação ou contra a redecretação, pode-se interpretar habeas
corpus. (MIRABETE, 2003, p. 391)
Logo, qualquer que seja a medida ligada à prisão preventiva, a garantia da
ordem pública, da instrução criminal e do estabelecimento e seguimento da pena
deve ser mantida. Levando-se em conta, obviamente, os requisitos mínimos para a
decretação de tal custódia.
2.4 O caso da legislação estrangeira
No caso da Itália, a prisão preventiva está submetida, tal qual as demais
medidas cautelares, a determinadas condições: deve haver indícios graves de
50
culpabilidade e ainda haver perigo de alteração de provas, risco de fuga do acusado
e cometimento por este de uma nova infração. Essa medida, no contexto italiano,
deve ser compatível com a gravidade dos fatos e a sanção prevista.
No Brasil, existe a prisão preventiva para garantia da ordem pública, o que não
ocorre na Itália. Entende-se, na doutrina italiana, que é inadmissível prender um
indivíduo em função da defesa social, diante da presunção de inocência prevista
constitucionalmente.
Sabe-se que a prisão preventiva só pode ser decretada pelo juiz, que deve
convocar as partes, inclusive o acusado e seu defensor, para uma audiência de 72
horas da prisão, quando poderá ser pedida a produção de provas. O direito
processual penal na Espanha determina ainda um prazo de três meses de custódia
tutelar para delitos com escala penal entre um e seis meses; prazo de um ano para
delitos mais leves; e dois anos para os casos com pena superior a anterior
(GEMAQUE, 2006). Vale dizer que, na Espanha, cabe ainda indenização diante de
prisões injustas.
Em Portugal a prisão preventiva é usada quando se consideram inadequadas
ou insuficientes as medidas alternativas existentes. Além desse aspecto, é preciso
que haja fortes indícios do cometimento de um delito doloso reprimido com pena de
prisão, com um máximo de tempo de pena superior a três anos ou que o autor esteja
no país de forma irregular ou em processo de extradição ou expulsão em trâmite.
A decretação da prisão preventiva apenas por necessidade de se obter ou
preservar provas é o que rege tal medida na Grã-Bretanha. Nesse caso, o indivíduo
pode ser mantido preso por oito dias, em primeira instância, podendo esse prazo ser
estendido por um prazo de até vinte e oito dias.
51
3. A PRISÃO PREVENTIVA: MEIO DE SEGREGAÇÃO ECONÔMICA, SOCIAL E
POLÍTICA
A prisão preventiva constitui um gênero de prisão cautelar de cunho
processual. No geral, toda prisão desencadeante, antes de uma condenação
definitiva, é preventiva.
Nessa perspectiva, a própria prisão em flagrante constitui uma prisão
preventiva. Porém, quando se refere a essa expressão, tem-se a idéia da mesma
enquanto uma modalidade relacionada com a medida restritiva da liberdade
determinada pelo juiz, qualquer que seja a fase do inquérito policial ou instrução
criminal, desencadeada como medida de segurança de caráter processual, podendo
ser com a finalidade de garantir a eventual execução da pena, para preservar a
ordem pública ou, ainda, por conveniência da instrução criminal
e por
descumprimento de medidas cautelares especificadas na Lei nº. 12.403/2011.
Porém, mesmo diante de tais critérios, a decretação da prisão preventiva
constitui medida odiosa, já que não há ainda uma sentença e está constitui a única
fonte legítima para restringir a liberdade pessoal no que tange à penalização.
Diversas podem ser as motivações que levam uma autoridade, em posse do poder
de decretação, a ordenar tal medida. É nesse contexto em que os aspectos de
cunho econômico constituem precedentes definitivos sobre a imagem que o
interprete do caso faz, influenciando, então, na determinação ou não do
52
encarceramento preventivo. Essas medidas arbitrárias reforçam a segregação
econômica, social e política na sociedade, constituindo a prisão preventiva um
instrumento eficaz de legitimação desse cenário. É nesse sentido que a prisão
preventiva sofre diversas críticas, pois constitui um modo lesivo sobre o sentimento
de dignidade pessoal, além de subverter o que está previsto constitucionalmente
quanto à presunção da inocência.
A prisão preventiva é justificada, mesmo indo de encontro a um dos aspectos
protegidos pela Constituição, a liberdade, pela necessidade de garantir a autoridade
efetiva do Direito Penal. Nesse sentido, Tourinho Filho (1990, p. 416) lembra que,
muitas vezes, o autor de delitos, especialmente aqueles mais
gravemente apenados, procuraria buscar a impunidade com a fuga;
outras vezes, solto, procuraria burlar a ação da justiça,
obstaculizando a colheita de provas; em outras, tal prisão ainda é
necessária para que a ordem pública não seja posta em risco, não
corra perigo com a prática de outros delitos.
Nessa perspectiva é que, costumeiramente, justifica-se a decretação da prisão
preventiva. Ela é tida tanto como uma medida de segurança, quanto uma garantia
da execução da pena e, ao mesmo tempo, um meio de instrução.
Não cabe a prisão preventiva nos casos em que as provas indiquem que o réu
agiu em legítima defesa própria ou de terceiro, em estado de necessidade, no
cumprimento do dever legal ou no exercício regular de um direito. Não é possível,
nessas circunstâncias, que seja decretado seu encarceramento provisório.
O que se nota é que, mesmo diante de normas claras e bem definidas quanto à
prisão preventiva, a realidade operacional dos sistemas penais brasileiros não se
adéqua ao que está disposto no discurso jurídico-penal.
53
De modo que a seletividade tem sido na prisão preventiva ou em outros tipos
de sanções penais, com base em aspectos socioeconômicos, sociais e políticos, a
reprodução da violência, a formação de contextos que oferecem condições para um
aumento e agravação de condutas lesivas, a corrupção institucionalizada, a
concentração do poder, a verticalização social – reforçada por medidas seletivas e
segregadoras, a exemplo do encarceramento preventivo com base em elementos
econômicos característicos de determinado grupo ou sujeito específico – e a
destruição das relações horizontais ou comunitárias não são reflexo de elementos
conjunturais de um cenário, mas de estruturas do exercício do poder de todos os
sistemas penais.
É clara então uma contradição entre o discurso jurídico-penal e a realidade
operacional do sistema penal. Há o que Zaffaronni (2001) chama de falsidade do
discurso jurídico-penal que, por seu turno, tem alcançado dimensões amplas de
evidência, que acaba desabando e desconcertando o sistema de penalização.
Observa-se, “verbi gratia”, que a Lei nº. 12.403/2011, alterou o artigo 313, do
Código de Processo Penal Pátrio, introduzindo no seu Parágrafo único, uma
CONDIÇÃO “LEGAL”, para a decretação da prisão preventiva que robustece a
segregação econômica, social e política, ao exigir de uma população constituída por
mais de 70% (setenta por cento) de analfabetos a identificação civil, tendo em vista
que a maioria dos autores de ações e omissões graves puníveis penalmente sequer
tem registros de nascimento, quanta injustiça se dará causa?
Se o Supremo Tribunal Federal não entender que essa condição legal fere de
morte a dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade insculpido no artigo
5º, da Constituição Federal de 1988, pois contém nítidos contornos de segregação
54
social, econômica e política, o fato de a pessoa humana não ter registro de
nascimento ou outra forma de se identificar civilmente a novel Lei nº 12.403, de 04
de maio de 2011, criou a prisão perpétua preventiva, por fragilidade econômica,
social e política de um preso, num país, como disse Darwin, em sua passagem pelo
Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1830, ao observar homens carregando nos
ombros mercadorias, como se jumentos fossem, que : “... parece que se
desconhece a invenção da roda”.
6. “Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade
civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o
preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese
recomendar a manutenção da medida.”. Lei nº. 12.403/2011.
3.1 Dos Direitos Humanos
É sabido que a duração razoável do processo é um direito fundamental
garantido em diversos documentos de proteção e promoção dos direitos humanos.
Quanto a esses direitos, tem-se a Carta Internacional de Direitos Humanos, cujo
texto é ressaltado em todo mundo. Esse documento é dividido em três partes: a
Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional de Direitos Civis
e Políticos; e, ainda, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais.
55
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos legitima o direito a um
processo justo, com várias garantias, entre as quais se faz presente o direito a um
julgamento em tempo razoável.
A consolidação e realização efetiva dos direitos humanos é algo complexo e
longo, perpassando por mudanças constantes, muitas delas, quase imperceptíveis.
Diante disso,
(...) pode-se pensar que a existência de instrumentos internacionais e
de organismos internacionais de promoção dos direitos humanos é
algo inútil. É possível chegar ao absurdo de se imaginar, em função
da baixa efetividade, que as próprias declarações e proclamações de
direitos seriam dispensáveis em face da inutilidade. (NICOLITT,
2006, p. 4)
A bem da verdade, essa negligência com que tais postulados são tratados é
que geram ações arbitrárias nas penalizações em todo mundo.
O fato de prisões preventivas serem decretadas com base em dados
econômicos de uma determinada classe, gerados por outros atenuantes sociais,
distanciando e segmentando a sociedade em classes, reforça argumentos em favor
da inutilidade de documentos em função dos direitos humanos.
Vale dizer que, mesmo sutilmente, podem-se perceber alguns impactos sobre a
legislação e a jurisprudência de diversos países, tanto nos instrumentos jurídicos
internacionais como sobre os organismos, o que revela a importância prática e
histórica desses sistemas de promoção dos direitos humanos (NICOLITT, 2006).
Reflexo disso é a consagração do princípio de duração razoável do processo,
que constitui um importante avanço na consolidação dos direitos fundamentais,
entre os quais se destaca a presunção da inocência. Nessa perspectiva, cabe aos
56
aplicadores do direito promoverem ainda mais avanços no sentido de efetivar não
apenas este princípio como vários outros que são contemplados no ordenamento
jurídico brasileiro.
3.1.1 Presunção de Inocência
A presunção de inocência tem fundamento no Direito Romano, embora tenha
sido muito atacada durante o período de inquisição da Idade Média. Naquela época,
a dúvida gerada pela deficiência de provas era tomada como uma semiprova,
acabando por determinar um juízo de semiculpabilidade e semicondenção a uma
pena leve. Tratava-se, na realidade, de uma presunção de culpabilidade (LOPES
JR., 2006).
A presunção da inocência e o princípio de jurisdicionalidade foram legitimados
com a Declaração dos Direitos Humanos de 1789. No final do século XIX e início do
século XX, porém, essa presunção foi novamente atacada, agora pelo verbo
totalitário e o fascismo. Esse ataque foi tão absurdo que chegou a seguir a seguinte
premissa: “(...) como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final
do processo, não há o que justifique a proteção e a presunção de inocência”
(LOPES JR., 2006, p. 185). Segundo essa linha de pensamento, a presunção de
inocência constituía um excesso de individualismo e garantismo.
No contexto brasileiro, a presunção de inocência está prevista no artigo 5º,
LVII, da Constituição, constituindo o princípio que rege o processo penal. Há quem
defenda a idéia de que a presunção da inocência não exige positivação em texto
algum, na medida em que constitui um pressuposto inerente à condição humana.
57
A presunção de inocência refere-se a um aspecto que é oriundo do princípio da
jurisdicionalidade, tendo em vista que a jurisdição é a atividade através da qual se
obtém as provas de autoria de determinado crime, até que essa prova não seja
produzida, através de um processo regular, nenhum delito pode ser considerado
cometido, e ninguém pode ser considerado culpado nem submetido a uma pena.
Ora, ainda que temporariamente a prisão preventiva constitui um tipo de
penalização, tendo em vista que causa impacto sobre a vida do sujeito e ofende sua
dignidade humana. Sendo assim, pode-se dizer que a prisão preventiva, até certo
ponto, subverte a presunção de inocência.
Quando essa prisão é preconceituosa, agindo em função de características
oriundas da situação econômica do indivíduo, e arbitrária essa subversão é mais
intensa, além de tal medida ir de encontro ao que reza os direitos humanos.
É preciso entender que a presunção de inocência configura um princípio
fundamental para civilidade, sendo construída a partir de uma opção garantista de
apoio à tutela da imunidade dos inocentes, mesmo que isso implique deixar de punir
algum sujeito culpado. O corpo social exige, de qualquer forma, que os culpados
sejam punidos, tendo em vista que o maior interesse dessa coletividade é que os
inocentes, sem exceção, estejam protegidos.
Logo, se os cidadãos estão ameaçados pelos delitos, num mesmo nível,
também os estão pelas penas arbitrárias, levando a crer que a presunção de
inocência não constitui apenas uma garantia de liberdade e de verdade, mas, além
disso, um dispositivo de segurança ou de defesa social. Constitui, pois uma defesa a
que se oferece ao arbítrio punitivo. Um aspecto que revela a inconfundível perda da
58
legitimidade política da jurisdição e, paralelamente, de sua estagnação irracional e
autoritária diz respeito ao medo que a Justiça inspira nos cidadãos.
Na realidade, quando ocorre de um imputado ter razão para temer um juiz, isso
implica dizer que o mesmo está se comportando fora da lógica de um estado de
direito. O medo, assim como, a desconfiança quanto à falta de proteção de
inocência, revelam uma quebra na função essencial da jurisdição penal e uma
ruptura dos valores políticos que legitimam essa jurisdição.
A presunção de inocência, sob a ótica do julgador, deveria constituir um
elemento de grande relevância, no que tange à abordagem que o juiz deve dar ao
acusado. Esse princípio obriga essa autoridade não só a manter uma posição
negativa, não culpando precipitadamente o sujeito, mas uma postura positiva,
quando trata, em primeira instância, como inocente.
Da presunção de inocência tem-se as seguintes idéias oriundas:
a) Predetermina a adoção da verdade processual, relativa, mas
dotada de um bom nível de certeza prática, eis que obtida segundo
determinadas condições.
b) Como conseqüência, a obtenção de tal verdade determina um tipo
de processo, orientado pelo sistema acusatório, que impõem a
estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento
(rechaço
à
figura
do
juiz-inquisidor
com
poderes
investigatórios/instrutórios - e consagração do juiz de garantias ou
garantidor).
c) Dentro do processo, se traduz em regras para o julgamento,
orientando a decisão judicial sobre os fatos (carga da prova).
d) Traduz-se, por último, em regras de tratamento do acusado, posto
que a intervenção do processo penal se dá sobre um inocente.
(LOPES JR., 2006, p. 187)
Sendo assim, a presunção de inocência constitui não só um aspecto que
respeita e reforça os direitos humanos como também chama atenção para as
possíveis subversões na operacionalização do sistema jurídico-penal.
59
3.2 Da responsabilidade civil do Estado
Muito se tem discutido na doutrina e na jurisprudência ao redor do mundo
acerca do problema da responsabilidade civil do Estado sobre a atividade
jurisdicional. No contexto brasileiro, porém, esse tema não tem sido muito assistido.
Um dos aspectos que merecem destaque quanto a esse tema refere-se à
responsabilidade civil do Estado diante da violação do direito à duração razoável do
processo, principalmente, quando o cidadão ou cidadã for preso preventivamente e
for, ao final, do processo absolvido por falta de provas, por ter havido erro judicial na
decretação de sua prisão preventiva.
Por outro lado, o direito à indenização por danos morais ou patrimoniais
oriundos de tal violação é garantido ao processo em tempo útil, o que vem sendo
reconhecido pelo mundo e aplicado freqüentemente no âmbito internacional.
A reparação civil constitui instrumento de relevância no intuito de minimizar ou
compensar as conseqüências de qualquer tipo de violação cometida pela
jurisprudência sobre a vida dos demandantes. A responsabilidade aparece, então,
quando diante da violação, o Estado se vê exposto às conseqüências desta sobre a
vida dos que sofreram com ela.
Tratando especificamente da responsabilidade civil do Estado,
entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do
Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os
danos causados a terceiros e que lhe sejam imputáveis em
decorrência de comportamentos omissivos, materiais ou jurídicos.
(MELO, 1993, p. 430 apud NICOLITT, 2006, p. 94)
60
A evolução dessa responsabilidade pode ser analisada com base em três
linhas teóricas: teoria da irresponsabilidade; teorias civilistas; e, ainda, teorias
publicísticas. No caso da primeira, tem-se por base a idéia de que o “Estado jamais
erra”, de modo que os agentes do Estado que cometem falhas deve responder
pessoalmente, mas nunca o Estado responder em seus nomes.
De acordo com Nicolitt (2006), no Brasil, a Constituição Imperial de 1924
adotou essa teoria da irresponsabilidade, prevendo a responsabilidade pessoal dos
empregados públicos.
Posteriormente essa teoria cedeu espaço para as teorias civilistas, segundo as
quais havia responsabilidade do Estado sobre a culpa pessoa e individual dos
funcionários. Em 1917, entrou em vigor no Brasil o Código Civil, legitimando a teoria
da culpa, naquele contexto, já adotada pela doutrina.
Essas teorias são desenvolvidas em duas linhas: a teoria dos atos de império,
para a qual os atos nesse âmbito praticados pelo Estado escapariam da
responsabilidade, na medida em que não estavam absortos no domínio do direito
privado, o que não aconteceria com atos de gestão; e a teoria da culpa civil,
segundo a qual a responsabilidade era fundada na culpa, desde que identificado o
agente do Estado que agiu com imprudência, imperícia ou negligência.
O
direito
público
constitui
a
terceira
fase
do
desenvolvimento
da
responsabilidade civil do Estado. Nesse caso, a responsabilidade da administração é
entendida como sendo desenvolvida, a título principal, no quadro jurídico da culpa,
para provocar, em teoria autônoma, a falha por parte do serviço público. Os
aspectos que norteiam essa teoria alegam que a responsabilidade do serviço público
é primária, e o Estado responde não porque o dano foi praticado por um agente que
61
é seu preposto, mas em função do causador do dano ter sido o próprio Estado, na
medida em que o agente atua em nome do Estado; outro fundamento refere-se ao
fato de que a falta de serviço não está ligada a erro do agente público, de modo que
o funcionamento irregular do serviço e o nexo causal entre este e o dano é
suficiente. Logo, existe autonomia entre a culpa do agente a responsabilidade.
Diante disso,
(...) viu-se que o Estado era a síntese patrimonial dos contribuintes e
deveria, por tal razão, resguardar a igualdade dos administrados
diante do ônus e encargos públicos, pois a atividade pública
possibilita danos aos administrados. Com efeito, sob a inspiração do
risco e da solidariedade social avança-se em direção à
responsabilidade objetiva (NICOLITT, 2006, p. 97).
Logo, a responsabilidade civil objetiva do Estado foi consagrada no contexto
brasileiro com a Constituição de 1946. A Constituição de 1988, em seu artigo 37, §
3º, determina que as pessoas jurídicas, sejam elas de direito público ou de direito
privado, prestadoras de serviços públicos, serão responsabilizadas pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, provocarem a terceiro, sendo garantido o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
É importante entender que a finalidade da responsabilidade civil é,
essencialmente, recompor o equilíbrio econômico quebrado ou modificado em
função do dano, atuando ainda como uma prudente limitação à atividade humana.
Quando se tem situações em que a operacionalização do sistema jurídico-penal age
em prol de critérios ilícitos, por conceitos previamente estabelecidos com base em
dados superficiais ou cenários delineados pautados na situação socioeconômica dos
envolvidos, cabe ao Estado responsabilizar-se objetivamente pela reparação de tal
medida irregular.
62
Isso porque, antes de tudo, a responsabilidade do Estado tem por primeiro
fundamento o princípio da igualdade, que exige harmonia de distribuição de ônus e
encargos sociais oriundos da atuação estatal que, por sua vez, tem por finalidade o
interesse de todos. Em outra perspectiva, cabe ainda à responsabilidade do Estado
à função de limitador da atividade estatal.
Não se pode perder de vista que o tratamento da responsabilidade civil do
Estado demonstra o nível de civilidade do mesmo, além de definir seu perfil, se
arbitrário ou democrático. Nesse passo, a irresponsabilidade estatal não cabe num
modelo de sistema governamental que se propõe a constituir um Estado
Democrático de Direito, como é o caso brasileiro.
No âmbito do Poder Judiciário – aspecto que mais interessa a esse estudo – a
responsabilidade do Estado há que lidar com a peculiaridade do tema, sobretudo no
que tange à problemática da independência dos juízes e dos elementos a serem
julgados. Em outra época, o juiz era tido como um funcionário público. Porém, com a
Constituição de 1988, na medida em que, em seu bojo, não se refere mais ao juiz
com a expressão “funcionário”, tratando-se, nesse caso, como “agentes políticos”.
Essa mesma Constituição consagrou em seu artigo 5º, LXXV que: “O Estado
indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do
tempo fixado na sentença”. Esse texto revela claramente a responsabilidade estatal
sobre as medidas tomadas pelo poder supracitado, ainda que não abranjam todas
elas.
Nota-se que, nos últimos anos, a doutrina e a jurisprudência têm sido mais
tímidas com relação a essa temática, sendo permeadas, ainda, pela tese da
irresponsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais em função dos fundamentos
63
que alegam que os magistrados exercem uma função de soberania, a existência de
óbice da coisa julgada e, por último, pela necessidade de se garantir a
independência dos Juízes. Essa independência é que abre precedente para
medidas que possam segregar economicamente a sociedade, tendo em vista que
são desencadeadas com base no entendimento exclusivo da “autoridade soberana”,
o juiz.
Argumenta-se que, quanto ao aspecto da soberania, não pode gerar
responsabilidade de indenizar quem sofrer qualquer prejuízo em decorrência da
jurisdição, em se tomando o exemplo do legislador.
O segundo aspecto refere-se ao fato de que a coisa julgada é tida como um
elemento fundamental para a segurança das relações jurídicas, assim sendo, é
imutável. O que faz da responsabilidade do Estado incompatível com a intenção
imprescindível do que está sendo julgado.
No que tange à independência do juiz, o argumento de irresponsabilidade do
Estado se dá em função da independência da magistratura, pois, segundo essa
perspectiva, de outro modo os magistrados se veriam sempre limitados em cada
decisão adotada diante da possibilidade de gera responsabilidade tanto para si
quanto para o Estado.
Nicolitt (2006), porém, aponta que há alguns movimentos significativos no
sentido de ampliar o conceito de responsabilidade do Estado em torno dos atos
jurisdicionais, o que ocorre por razões políticas e jurídicas, na medida em que
praticado pelo juiz não há diferença ontológica quanto às demais atividades
desenvolvidas pelo Estado que, por seu turno, são passíveis de responsabilização.
Primeiro, no que tange à soberania atribuída ao Poder Judiciário,
64
(...) impede-se referir que realmente o Poder Judiciário exerce
funções de soberania, sendo esta uma e manifesta também nas
funções dos outros poderes. Ao aceitarmos o argumento de
soberania para afastarmos a responsabilidade, estaríamos
retornando ao regime da irresponsabilidade, vez que não haveria
razão para não excluir também a responsabilidade das outras
funções soberanas. (...) o STF já decidiu que o Estado responde
civilmente pelo dano causado em virtude de ato praticado, com
fundamento em lei declarada inconstitucional (NICOLITT, 2006, p.
102).
No caso da coisa julgada, é bem verdade que há certo limite, na medida em
que não se pode falar em responsabilidade civil do Estado por ato jurisdicional que
transitou em julgado nas hipóteses de rescisão ou revisão criminal. Além disso,
sabe-se que a coisa julgada refere-se exclusivamente às sentenças definidas, não
cabendo uma gama de atos que podem, a toda evidência, ser lesivos e exigir
reparação.
Tratando do argumento da independência dos magistrados, tem-se que, a
partir do instante em que tal autoridade não possa se responsabilizar por suas
decisões fundamentadas, não cabe argumento quanto à existência de violação ou
perturbação da independência.
Assim, fica claro que, a responsabilidade por ato jurisdicional, mesmo por erro
ou caso objetiva oriunda do serviço judiciário, é sempre direta em relação ao Estado,
de modo que, o Estado só poderá exercer direito de regresso nos casos de dolo ou
fraude, salvo a responsabilidade em razão do serviço judiciário. (NICOLITT, 2006)
3.3 A responsabilidade civil do Estado no direito espanhol
65
“O Supremo Tribunal espanhol nega indenizações a presos cuja inocência
restou provada
O Tribunal restringe e limita reclamações de presos preventivos absolvidos.
O Tribunal Supremo tem endurecido o limite dos requisitos para conceder
ressarcimentos por prisão preventiva injusta. Em novembro, estas indenizações, que
segundo a Constituição espanhola devia pagar o governo, se concediam a esses
casos. Em primeiro lugar, nos casos em que durante a investigação judicial, o juiz
concedia indenização quanto perfeitamente acreditava que o delito não havia
existido, por exemplo, se no caso de tráfico de cocaína se demonstrasse que a
substância traficada era em realidade farinha de vegetais.
Sentenças ditadas desde novembro têm fixado uma nova doutrina. Os magistrados
dizem que cumprem a recomendação que foi reformada.
A segunda possibilidade de indenização era os casos em que o delito se havia
produzido, mas a inocência do culpado foi provada, como no caso que outra pessoa
é condenada por delito do qual se acusava preso preventivo. Somente eram
excluídos os processos por absolvição, e o arquivamento da causa se devia pela
inexistência de provas suficientes par condenar o suposto autor.
Agora, sem embargo, a indenização por prisão provisória injusta somente se
concede no primeiro caso, quando se prova que não existiu delito, como exemplo
da cocaína e da farinha (GRIFAMOS). A inocência do acusado – demonstrada por
provas de DNA, não é suficiente para pedir e obter este tipo de indenização.
O único modo de obter compensação nesses casos é pedir a Turma de Direito Penal
do Supremo que declare a existência de um erro judicial, uma pretensão
praticamente impossível de conseguir e somente concedido de modo muito
66
excepcional, quando o erro é indubitável, patente, incontroverso e objetivo, segundo
o próprio Tribunal.
A nova doutrina tem afetado os cidadãos injustamente encarcerados. Como Claudio.
Cinco mulheres foram agredidas de idêntico modo no final de 2006, em Palma de
Mallorca. O Agressor colocava uma faca no pescoço das vítimas. Contra a parede,
com gritos de te mato. Ato seguinte baixava a calça de suas vítimas e as estuprava.
Depois roubava todo o dinheiro e objetos que levavam e apreendia fuga.
Em 21 de dezembro de 2006, foi preso preventivamente CLAUDIO, um equatoriano
de 22 anos, vez que “três agredidas reconheceram as fotos que a polícia lhes
mostrou como pretenso estuprador em série. Pretenso, porque pouco mais de um
mês depois, o DNA coletado nos restos de esperma deixados pelo agressor
demonstraram que não havia sido Claudio, sim outra pessoa que cometeu as
violações. A audiência de Boleares arquivou o caso respectivo e condenou o
verdadeiro culpado.
Claudio passou um total de 65 dias em prisão preventiva. Mais de dois meses,
desde 21 de dezembro de 2006 até 23 de fevereiro de 2007, preso injustamente
como pretenso estuprador em série, não somente deixou de receber salário como
perdeu seu trabalho como operário de construção. E tudo sem contar com os danos
que essas acusações tão graves geram em seu entorno, tendo saído nos jornais sua
prisão preventiva.
Claudio disse que “depois de sair da prisão está estigmatizado (GRIFAMOS). Seus
companheiros, seus vizinhos e amigos não falam com ele. Alguns asseguram que
somente se pôde livrar graças a que teve um bom advogado”, explica o advogado
que o defendeu, Miguel Angel Cardell, que apresentou uma reclamação no
67
Ministério da Justiça para que fosse indenizado. Sem embargo, tanto o Ministério da
Justiça como a Sala do Contencioso Administrativo da Audiência Nacional, antes a
que recorreu depois, havia negado a indenização.
O mais surpreendente é que a postura do Supremo se baseia em uma das
sentenças do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) que se obrigou a
indenizar os encarcerados absolvidos depois por falta de prova (o único caso que a
justiça espanhola não admitia).
Nas indenizações, o TEDH dava uma lição ao alto Tribunal espanhol por distinguir a
hora de conceder as indenizações, entre os casos em que o acusado não havia sido
condenado porque se provou a sua inocência e aqueles em que sua culpabilidade
não se podia provar. Os magistrados asseguram que não indenizam os casos de
falta de provas porque suponham “deixar latente uma dúvida” sobre a
culpabilidade que atentava contra o direito e a presunção de inocência de uma
pessoa que havia sido absolvida.
Ante essas resoluções, em lugar de ampliar as indenizações por prisão preventiva
injusta nos casos em que a absolvição e arquivamento se deviam a falta de provas
para condenar, o Supremo tem optado por restringir ao máximo estas, dando as
indenizações unicamente nos casos em que se havia provado que não houve
delito com argumento de que não pode conceder-se em qualquer caso de
prisão preventiva seguida de absolvição. (GRIFAMOS).
As sentenças do alto Tribunal em que se estabeleceu um novo critério pedem
ademais ao legislador que reforme a lei para dar direito a supostos culpados, como o
de Claudio, em que a inocência do encarcerado tenha sido demonstrada, como o de
Marcos, a quem imputaram dez delitos de Roubo com intimidação pelo que se
68
manteve injustamente em prisão preventiva um ano e sete meses, entre 22 de abril
de 2006 a 15 de novembro de 2007. Afinal, o condenado por esses crimes foi outra
pessoa e Marcos resultou “exculpaldo integralmente”, segundo a sentença.
Sem
embargo,
não
somente
tendo
provado
sua
inocência,
como
seu
encarceramento a todas as luzes injusto lhe dará direito a receber do Estado nem o
só euro.” FONTE : JORNAL “EL PAÍS.COM ESPÑA – 14/06/2011.
A orientação do Tribunal de Direitos Humanos Europeu e Suprema Corte Espanhola
é de somente conceder indenização a presos preventivos injustamente quando o
crime for impossível por ineficácia absoluta do meio (tráfico de cocaína quando a
substância era farinha de trigo), nos exatos termos do artigo 17, primeira parte do
nosso Código Penal, numa autêntica orientação contra a dignidade da pessoa
humana.
4. Da Prisão Preventiva em relação à ordem pública e econômica
Como já foi pontuado nesse estudo, a prisão preventiva pode ser decretada em
função das condições especiais da garantia da ordem pública, da conveniência da
instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal e pelo descumprimento
das obrigações impostas como medidas cautelares.
Primeiro, é importante ter em mente que os procedimentos cautelares, mais
que o objetivo de aplicar o direito material, tem por fim assegurar a eficácia do
procedimento definitivo, isto é, a aplicação da lei penal. Nessa perspectiva, fica claro
69
que a prisão cautelar é ilegítima quando distancia de seu objeto e finalidade,
deixando, então, de ser cautelar.
É preciso que se entenda que, as medidas cautelares, entre elas a prisão
preventiva, não se destina a fazer justiça, mas têm por fim garantir o normal
funcionamento da justiça por meio do respectivo processo penal de conhecimento.
Sendo, assim constituem, a bem da verdade, instrumentos a serviço do instrumento
processual. Justifica-se, então a sua característica básica ser a instrumentalidade
qualificada.
De acordo com Lopes Jr. (2006, p. 213), “(...) só é cautelar aquela medida que
se destinar a esse fim (servir ao processo de conhecimento). E somente o que for
verdadeiramente cautelar é constitucional”.
Nesse sentido, qualquer medida em função de interesses de conveniência,
baseada em preconceitos de classe, raça ou sexo, entre outros do gênero, é
inconstitucional e não configura medida cautelar.
A característica da instrumentalidade é intrínseca á prisão preventiva, sendo
importante para que não se confunda esta com a pena, e seu uso só é justificado em
função do bom andamento do processo penal e do resguardo da eficácia do de
eventual decreto condenatório.
Com base nisso é que Lopes Jr. (2006) afirma que as prisões preventivas para
garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares, sendo então,
substancialmente, inconstitucionais. Diz respeito, em verdade, à uma degeneração
transformar uma medida de cunho processo numa atividade tipicamente de polícia,
fazendo uso indevido da mesma.
70
Quando se mantém uma pessoa presa com objetivo de garantir a ordem
econômica ou pública, diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas,
não está se atendendo ao processo penal, mas a um papel que é da polícia do
Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal. Medidas
desse cunho não são justificáveis, já que o perigo de reiteração ao crime não é
passível de diagnóstico, o que atribui a essas medidas o caráter inconstitucional, na
medida em que a única presunção que a Constituição pressupõe á de inocência e a
mesma permanece intacta em relação a fatos futuros.
As medidas desencadeadas pelos magistrados em caráter arbitrário, nesse
sentido, constituem uma decisão dotada de um elevado grau de prepotência, o que
é inadmissível num processo democrático e constitucional. Assim, a prisão
preventiva para garantia da ordem pública ou econômica não têm qualquer relação
com fins puramente cautelares e processuais.
Daí os questionamentos diante de prisões preventivas permeadas por
argumentos oriundos das condições de vidas dos indivíduos, com base em aspectos
socioeconômicos, pois essas medidas assumem verdadeiros traços de “pena
antecipada”, o que viola o processo legal e o princípio da presunção de inocência.
Além disso, assume um caráter de medida de segurança, na medida em que
pretende isolar um sujeito supostamente perigoso, ainda que não haja argumentos
comprovados da sua periculosidade.
Diz-se que,
(...) a prisão para a garantia da ordem econômica é resultado da
influencia do modelo neoliberal e seria risível se não fosse realidade.
Num país pobre como o nosso, ter uma prisão preventiva para tutelar
o capital especulativo envergonha o processo penal. É elementar
que, se o objetivo é perseguir a especulação financeira, as
transações fraudulentas, e coisas do gênero, o caminho passa pelas
sanções à pessoa jurídica, o direito administrativo sancionador, as
71
restrições comerciais, mas jamais pela intervenção penal, muito
menos de uma prisão preventiva. (LOPES JR., 2006, p. 218)
Nesses casos, não há dúvida, a prisão cautelar afasta-se completamente de
seu caráter instrumental, transformando-se em meio de prevenção especial e,
geralmente, em punição antecipada, na medida em que uma medida, enquanto
cautelar, jamais teria a finalidade de punir e ressocializar o acusado para que não
mais infrinja a lei penal, bem como, a desestimulação de indivíduos à prática de
crimes semelhantes, o que é função da sanção criminal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A privação da liberdade, tolhendo-se do indivíduo o direito de ir e vir, por meio
do recolhimento da pessoa humana ao cárcere, é o que se entende por prisão,
qualquer que seja sua natureza. Cabe ao Código Penal regular a prisão oriunda de
condenação, estabelecendo as suas espécies, formas de cumprimento e regimes de
abrigo do condenado. O Código de Processo Penal trata especificamente da prisão
cautelar e provisória, com a finalidade de vigorar, quando for preciso, até o trânsito
em julgado da decisão condenatória.
Por tudo que foi analisado, nota-se uma contradição entre o discurso jurídicopenal e a realidade operacional do sistema penal brasileiro. Ao tomar o princípio da
razoabilidade ou proporcionalidade na adoção e subsistência das medidas
cautelares, sobretudo no que tange as pessoais, que constituem indiscutivelmente
72
as mais graves, implica a concretização de um juízo ponderativo de vários
interesses que entram em rota de colisão em cada caso concreto.
Por um lado, alinham-se os interesses investigativos e penais do Estado, de
outro, porém não menos relevantes, estão os interesses da cidadã ou cidadão que
sofre as conseqüências da medida restritiva. Observando esse cenário, conclui-se
que é do balanceamento entre ambas as partes que emerge a medida mais
adequada, em cada situação concreta.
Qualquer medida adota pelo Poder Público deve ser contida e coerente,
sobretudo quando sua ação pode privar um dos maiores bens do homem, sua
liberdade. Por essa razão, a restrição das liberdades fundamentais está sujeita à
estrita observância dos princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa
humana, que tornam inaceitáveis e inviabilizam o exercício arbitrário de qualquer
poder. Logo, acaba por atuar como obstáculo para o desenvolvimento de atos
revestidos de conteúdo deficientes de razoabilidade.
A Constituição de 1988 prevê que a prerrogativa jurídica da liberdade não pode
ser subvertida por ações arbitrárias do Poder Público, ainda que se trate de pessoa
acusada da suposta prática de crime hediondo. Sabe-se, porém, que, até que seja
definida sentença condenatória irrecorrível, não se pode presumir a culpabilidade do
réu, qualquer que seja a natureza da infração penal da qual o mesmo esteja sendo
acusado.
Sendo assim, qualquer ato com base na situação socioeconômica e política do
réu, com efeito de presumir sua periculosidade ligada à sua classe social, constitui
ato
arbitrário
e,
desse
modo,
inconstitucional.
73
Contudo,
sabe-se
que
a
operacionalidade penal do sistema jurídico, por vezes, subverte o discurso jurídicopenal.
Quando da decretação da prisão preventiva, além de atender aos requisitos
formais do Código de Processo Penal, é imprescindível a impostergável reflexão
acerca dos vários interesses em conflito, para que, dessa maneira, possa se
descobrir quais, concretamente, devem preponderar no processo penal.
Assim, cabe assinalar que, nenhuma medida coercitiva pessoal pode ser
imoderada ou irresponsável, bem como, ilimitada, de tal modo abrir precedente para
distorções ou mesmo subversão dos fins que norteiam o correto desempenho das
funções públicas, e, ainda, antes, por que medidas desse cunho representam a
máxima intervenção do poder estatal sobre a liberdade humana. Desse modo,
quando uma medida judicial destoa do padrão da razoabilidade, sua legitimidade é
comprometida, revelando, ao mesmo tempo, um inaceitável abuso, profundamente
lesivo para a liberdade do ser humano.
Para que a prisão preventiva venha a ser decretada, alguns aspectos devem
ser primordialmente analisados em cada caso concreto. A começar pela análise das
conseqüências jurídicas esperadas, ou seja, a gravidade da pena ou medida que se
espera, a natureza da ação penal, possíveis causas de exclusão da ilicitude ou da
culpabilidade, entre outras. Vale também observar a importância da causa, isto é, a
gravidade dos fatos, o interesse público no êxito do processo e o perigo de
reiteração de fatos análogos. Além disso, é preciso atentar para o grau da imputação
e, por conseguinte, o êxito previsível da medida cautelar.
Não se pode perder de vista que a liberdade humana, indiscutivelmente,
constitui um dos mais sagrados direitos fundamentais. Sendo assim, só pode ser
74
ferido em casos extremos, nos quais existe absoluta necessidade, em outras
palavras, quando o sujeito acusado representa sério e fundamentado risco para
a sociedade.
A prisão preventiva, tendo em vista que afeta esse direito fundamental, só é
pertinente em casos anormais, excepcionais, sobretudo no caso de crimes violentos.
Nesse sentido, a prisão, de cunho definitivo ou cautelar, não constitui a medida mais
adequada para crimes não violentos. Assim, sua decretação, principalmente nesses
casos, só é justificada se esta funcionar como medida de última razão.
Sendo assim, o Juiz, supostamente autoridade competente, deve ponderar
acerca dos interesses do cidadão, caso por caso, levando em conta a preservação
do princípio da liberdade humana, os prejuízos que a medida gera aos diversos
âmbitos da vida do sujeito – saúde, vida familiar, profissional e social – deve-se levar
em conta ainda o respeito aos seus direitos fundamentais. Isto é, separação
prisional, o desenvolvimento do processo rápido e seguro, além de justo.
Além de ponderar todos os mencionados interesses nos quais implicam a
medida cautelar, permitindo a adoção da medida mais adequada em cada situação
concreta, o juiz deve, também e sobretudo, fundamentar a necessidade concreta da
decretação de tal medida, expondo fatos reais que, por sua vez, revelem a
imprescindibilidade da decretação da medida adota.
75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução
à sociologia do Direito Penal. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
BECHARA, Fábio Ramazzini. Breves notas acerca da prisão. Jus Navigandi,
Teresina,
ano
8,
n.
437,
17
set.
2004.
Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5712>. Acesso em: 11 mar. 2008.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
CARNELUTTI, Francesco. As memórias do processo penal 7ª ed. São Paulo:
Bookseller, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 29ª ed. Trad.
Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2004
GEMAQUE, Silvio César Arouck. Dignidade da pessoa humana e prisão cautelar.
São Paulo: RCS, 2006.
76
GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: Noções e
críticas. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
WACKQUANT, Loic, Punir os pobres, a nova gestão da miséria nos Estados Unidos
A ONDA PUNITIVA
LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. Trad. Sebastião José Roque. São
Paulo: Ícone, 2007.
LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da
instrumentalidade constitucional. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2006.
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A prisão, as medidas cautelares e a liberdade na
reforma do Código de Processo Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr.
2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2870>. Acesso
em: 11 mar. 2008.
NICOLITT, André Luiz. A duração razoável do processo. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. 2ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 14ª Ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 12ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1990.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de
legitimidade do sistema penal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
LOÏC WACKQUANT, “in” PUNIR OS POBRES, A NOVA
GESTÃO DA MISÉRIA OS ESTADOS UNIDOS (A ONDA
PUNITIVA)
77
Download

A PRISÃO PREVENTIVA COMO POLÍTICA DE SEGREGAÇÃO