PARECER
Proposta de alterações no Código de
Processo Penal, formulada pelo Presidente
do Supremo Tribunal Federal, Ministro
Ricardo Lewandowski, ao Ministro da Justiça
José Eduardo Martins Cardozo. Acréscimo
de dispositivos versando a efetiva aplicação
das medidas cautelares diversas da prisão
preventiva (art. 310, inciso II, art. 310, §2º e
art. 312, §1º, com renumeração dos demais
artigos correspondentes). Conformidade com
o art. 1º, inciso III, art. 5º, incisos LIV, LVII,
LXI, LXV, LXVI e art. 93, inciso IX, todos da
Constituição
Federal.
Pertinência,
necessidade e, principalmente, urgência na
aprovação
das
alterações propostas.
Parecer pelo acolhimento.
1. A PROPOSTA, SUA JUSTIFICATIVA E O AUTOR.
O Ministro Ricardo Lewandowski, mediante o ofício 0015/2014GP, encaminhou ao Ministro da Justiça, em 31 de janeiro do ano
corrente, proposta de alterações no Código de Processo Penal “no
sentido de exigir que o juiz, antes de decretar a prisão preventiva ou
decidir sobre a prisão em flagrante, se manifeste, fundamentadamente,
sobre a possibilidade de aplicação das medidas cautelares, previstas
no artigo 319 daquele diploma legal”.
Eis os acréscimos propostos:
Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz
deverá fundamentadamente:
I – relaxar a prisão ilegal; ou
1
II – aplicar quaisquer das medidas cautelares diversas
da prisão previstas neste Código; ou (inciso
acrescentado)
III – converter a prisão em flagrante em preventiva,
quando presentes os requisitos constantes do art.
312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão;
ou (inciso renumerado)
IV – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
(inciso renumerado)
§ 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante,
que o agente praticou o fato nas condições constantes
dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal,
poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado
liberdade
provisória,
mediante
termo
de
comparecimento a todos os atos processuais, sob pena
de revogação. (antigo parágrafo único)
§ 2º A prisão preventiva somente poderá ser decretada
depois de afastada, fundamentadamente, a possibilidade
de aplicação de medidas cautelares previstas no art. 319
(parágrafo acrescentado)
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como
garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da
existência do crime e indício suficiente de autoria.
§ 1º A prisão preventiva somente será decretada se
outras medidas cautelares revelarem-se insuficientes,
ainda que aplicadas cumulativamente, devendo o juiz
fundamentar a eventual ineficácia delas nos elementos
do caso concreto. (parágrafo acrescentado)
§ 2º A prisão preventiva também poderá ser decretada
em caso de descumprimento de qualquer das obrigações
impostas por força de outras medidas cautelares (art.
282, § 4º). (antigo parágrafo único).
Em sua justificativa, o autor registra que “a proposta, baseada na
jurisprudência desta Suprema Corte – a qual considera a prisão, antes
do trânsito em julgado da condenação, medida excepcional, que
somente pode ser decretada se cabalmente demonstrada a sua
necessidade, com base em elementos do caso concreto –, poderá
2
contribuir para solucionar o grave problema da superlotação dos
estabelecimentos prisionais em nosso País”.
A iniciativa, fosse de quem fosse, seria digna de encômios e
apoio à sua aprovação, entretanto, ganha peso e intensidade por partir
do chefe do Poder Judiciário, responsável pela guarda da Constituição
Federal.
Mas não surpreende, porque desassombro, imparcialidade,
equilíbrio, urbanidade e sentimento de equidade, substantivos que
devem moldar a atividade judicante, nunca faltaram ao Ministro Ricardo
Lewandowski, absolvendo ou condenando, no trato com o Ministério
Público ou com a Advocacia.
Pela voz do autor, dá-se passo expressivo para estancar a
“cultura do encarceramento” que povoa o Brasil, reforçando a
importância da aplicação das medidas cautelares diversas da prisão
preventiva.
2. PRISÃO PROVISÓRIA COMO MEDIDA EXTREMA. GARANTIA DA
FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. JURISPRUDÊNCIA
SEDIMENTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NOTÓRIA
FALÊNCIA
DO
SISTEMA
PENITENCIÁRIO.
O
PILAR
DA
DIGNIDADE DA PESSOA.
Em 1992, dois anos depois de passar a vigorar a denominada
“Lei dos Crimes Hediondos” (Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990), os
dados
apresentados
sobre
a
situação
carcerária
já
eram
estarrecedores. Àquela época, como anotado pelo Ministro Assis
Toledo, em texto acadêmico, “temos cerca de 100.000 presos nos
abarrotados e insuficientes estabelecimentos penais do país. Some-se
3
a isso a existência de cerca de 300.000 mandados de prisão
pendentes, não cumpridos, teremos o quadro que revela estarmos
caminhando para o impasse ou para a total ineficiência de nossa
legislação penal. E a criminalidade crescendo”1.
Já chegamos, há muito, ao “impasse” a que se referiu Assis
Toledo, professor de saudosa memória. Atualmente, segundo o
derradeiro diagnóstico do Conselho Nacional de Justiça, datado de
junho de 2014, alcançamos 563.526 presos. Ocorre que o sistema
somente comporta 357.219 detentos. O déficit está em 206.307 vagas.
Se considerarmos o número de mandados de prisão pendentes de
cumprimento, da ordem de 370.000, somado ao das pessoas em
prisão domiciliar, temos o caos. Total de pessoas presas + mandados
em aberto: 1.085.454. Déficit: 728.2352.
A fatia de presos provisórios no universo carcerário, ou seja,
sem título judicial transitado em julgado, está em 41%. Trata-se de
quadro alarmante!
Com a edição da Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, o
legislador ordinário modernizou o regime jurídico da prisão processual,
objetivando dirimir ou minimizar o dito “impasse”.
Na prática, transcorridos 3 anos, parcela dos magistrados
criminais de primeiro grau de jurisdição tem-se mostrado refratária à
aplicação das medidas cautelares diversas da prisão preventiva, muitas
1
“Livro de Estudos Jurídicos”, coord. James Tubenchlak e Ricardo Silva
Bustamante, vol. 4, 1992, Instituto de Estudos Jurídicos, RJ, “Evolução do
Direito Penal”, p. 202, grifou-se.
2
Disponível
em
http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/diagnostico_de_pessoas_presas_corre
cao.pdf; acessado no dia 15/8/2014.
4
vezes ignorando-as ao receber autos de prisão em flagrante ou
decretar custódias provisórias.
Ao exigir, expressamente, como cláusula de reforço com caráter
pedagógico, à luz do comando invencível da necessidade de
fundamentação das decisões, que o juiz, ao receber o auto de prisão
em flagrante, deverá “aplicar quaisquer das medidas cautelares
diversas da prisão previstas neste Código” (art. 310, inciso II) e que “a
prisão preventiva somente será decretada se outras medidas
cautelares
revelarem-se
insuficientes,
ainda
que
aplicadas
cumulativamente, devendo o juiz fundamentar a eventual ineficácia
delas nos elementos do caso concreto” (art. 312, §1º), conforme a
aprovação da proposta levada a efeito pelo Ministro Ricardo
Lewandowski,
estar-se-á
conferindo
efetividade
às
relevantes
modificações versando as medidas cautelares pessoais.
Outro aspecto, de igual envergadura, sobressai da iniciativa.
O Supremo Tribunal Federal, tendo em conta a carga
descomunal de processos sob a relatoria de seus integrantes, passou a
limitar, em ruptura à centenária construção jurisprudencial da própria
Corte, o conhecimento de habeas corpus substitutivo, na linha do
decidido, inicialmente, pela 1ª Turma:
A utilização do habeas corpus em substituição ao recurso
extraordinário, sem qualquer excepcionalidade que
permita a preterição do meio de impugnação previsto pela
Lei, configura banalização da garantia constitucional,
motivo pelo qual deve ser combatida3.
3
HC nº 104.075/SE, redator para acórdão ministro Luiz Fux, vencido o relator
ministro Marco Aurélio, DJe de 1/7/2011.
5
Dignas de nota, não desconhecemos, as medidas bemintencionadas de tentar desafogar as abarrotadas prateleiras dos
tribunais, máxime os superiores, em observância à razoável duração
do processo4, contanto que não fulminem postulados inquebrantáveis,
retomados a duras penas, e que, somente nos períodos de exceção,
pelos quais passamos no século passado, foram ousadamente
atingidos.
Nada obstante, com a implementação da proposta formulada
pelo Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, reforçando-se,
no Código de Processo Penal, a obrigação de o juiz fundamentar o
descabimento da aplicação de medidas cautelares diversas da prisão
preventiva, inúmeras (para não dizer a maioria) impetrações de habeas
corpus, ou mesmo de recursos ordinários em habeas corpus, deixarão
de vir às barras dos tribunais, conseguindo Sua Excelência, o Ministro
Ricardo Lewandowski, além de cumprir a missão maior de defensor
intransigente da Constituição Federal, desafogar os tribunais estaduais,
os regionais federais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo
Tribunal Federal, seguindo este o caminho para o qual foi talhado, na
dicção do Ministro Celso de Mello:
Incumbe, ao Supremo Tribunal Federal no desempenho
de suas altas funções institucionais e como garantidor da
intangibilidade da ordem constitucional, o grave
compromisso – que lhe foi soberanamente delegado pela
Assembleia Nacional Constituinte – de velar pela
integridade dos direitos fundamentais, de repelir condutas
governamentais abusivas, de conferir prevalência à
essencial dignidade da pessoa humana, de fazer cumprir
os pactos internacionais que protegem os grupos
vulneráveis expostos a injustas perseguições e a práticas
discriminatórias, de neutralizar qualquer ensaio de
opressão estatal e de nulificar os excessos do Poder e os
comportamentos desviantes de seus agentes e
4
Art. 5º, inc. LXXVIII, da CRFB/88.
6
autoridades, que tanto deformam o significado
democrático da própria Lei Fundamental da República5.
Em essência, a proposta sob exame, por seu autor, representa o
resgate da formação e do espírito humanísticos, tão caros à sociedade
e de que tanto se ressente o Brasil, convindo encerrar com o
pensamento do estadista Nelson Mandela:
Comenta-se que ninguém de fato conhece uma nação até
que se veja numa de suas prisões. Uma nação não
deveria ser julgada pela forma que trata seus mais ilustres
cidadãos, mas como trata os seus mais simplórios.
3. CONCLUSÃO.
Concluímos pela pertinência, necessidade e, sobremodo,
urgência na tramitação das alterações propostas, sugerindo-se a
aprovação do presente parecer e o seu encaminhamento imediato ao
Ministro da Justiça, Professor José Eduardo Martins Cardozo.
É o parecer.
Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2014.
Técio Lins e Silva
Presidente do IAB
Renato de Moraes
Diretor de Acompanhamento Legislativo do IAB
5
Disponível
em
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfPlanejamentoE
strategico&pagina=missao; acessado no dia 15/8/2014.
7
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