O Programa Bolsa Família em Recife:
analisando suas condicionalidades e sua efetividade na redução da indigência e da
pobreza
ABSTRACT:
Este artigo apresenta uma breve análise descritiva dos resultados de um survey realizado em
Recife, junto à população cadastrada no Cadúnico do governo federal, na Prefeitura da cidade,
na qualidade de público-alvo potencial do Programa Bolsa-Família. A partir de um extenso
questionário que abordou temas como infraestrutura dimiciliar, características pessoais,
participação no mercado de trabalho e em programas sociais, impactos do recebimento do
benefício sobre a vida das famílias beneficiárias, saúde reprodutiva e violência; foi possível
avaliar não só o perfil das famílias beneficiárias e não beneficiárias cadastradas, como também
o impacto do programa sobre a pobreza dessas famílias e o papel das condicionalidades
impostas pelo Programa no cotidiano e recebimento do benefício pelas mesmas.
Palavras-chave: Programa Bolsa-Família, condicionalidades, pobreza
1
1. Introdução
Este artigo apresenta alguns resultados do survey realizado em Recife, junto à população
cadastrada no Cadúnico do governo federal, na Prefeitura da cidade, na qualidade de públicoalvo potencial do Programa Bolsa Família. Integram esse universo 121 mil famílias beneficiárias
e famílias que foram habilitadas a receber o benefício, mas que ou jamais o receberam ou
deixaram de o receber. Esse universo representa aproximadamente 500 mil pessoas, ou cerca
de 1/3 da população do Recife.
O survey foi aplicado através de um questionário impresso, de 44 páginas, 10 módulos e
aproximadamente 230 questões, entre meados de novembro de 2007 e janeiro de 2008. As
questões contemplaram todos os membros das famílias e por vezes apenas o/a responsável ou
cônjuge (a exemplo do módulo de saúde reprodutiva). A pesquisa tinha por finalidade estimar o
efeito-transferência de renda sobre várias dimensões do bem-estar da população pobre e medir
a eficácia do programa na redução da pobreza e da indigência. Para tal, desenhou-se um plano
amostral a partir dos dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) do
município. A base de dados, a cargo da Secretaria Municipal de Assistência Social, e sua
documentação, foram fornecidas pela Diretoria de Proteção Social Básica da Prefeitura
Municipal de Recife, que também nos deu acesso às informações contidas na Folha de
Pagamento dos Beneficiários do Programa Bolsa Família (FOPAG), cuja gestão é feita pela
Caixa Econômica Federal. A amostra probabilística foi selecionada após compatibilização dos
dados de ambas as fontes e várias atualizações de cadastros, já que fora observado não haver
correspondência direta entre as famílias que integravam o FOPAG e aquelas enumeradas no
CadÚnicoi, segundo o número de identificação social (NIS) dos responsáveisii.
A amostra
contemplou, portanto, famílias beneficiárias (82%) e não-beneficiárias (18%) cadastradas no
CadÚnico e no FOPAG.
Por fim, cabe registrar que a condução deste survey foi possível graças a um financiamento do
Prosare (Programa de Apoio a Projetos em Sexualidade e Saúde Reprodutiva) ) e da FINEP,
além de contar com o apoio da Prefeitura da Cidade do Recife. No âmbito deste artigo, vamos
nos restringir à apresentação de alguns resultados gerais revelados pela pesquisa e discutir a
validade das contrapartidas, tais como existem hoje, bem como a efetividade do programa em
reduzir o grau de indigência da população-alvo. À guisa de conclusão, serão feitas algumas
recomendações.
2. A população-alvo do survey: características individuais
2
A Tabela 1 faz uma breve caracterização dos indivíduos que compõem nossas famílias
cadastrais, tal qual denominamos nosso universo de análise, de forma a deixar claro que
estamos trabalhando com o universo de famílias cadastradas no CadÚnico de Recife e não com
o total de famílias residentes no município de Recife. Observa-se uma prevalência de mulheres
no nosso universo de análise (55,7%), resultado de certa forma já esperado em função da
recomendação por parte dos gestores do Bolsa-Família de ser a mãe a responsável pelo
recebimento do benefício. Por outro lado, a distribuição por cor/raça da população que compõe
as famílias cadastrais mostra que mais de 70% eram pardos ou pretos e 27% brancos,
distribuição esta condizente com a caracterização da população pobre do país. Por fim,
observa-se que crianças e adolescentes totalizam 40% da população e 56% formam a chamada
PIA – População em Idade Ativa, enquanto o peso dos idosos (pessoas acima de 60 anos) é
relativamente modesto, 4%. As famílias cadastrais são compostas em média por 4 pessoas.
Tabela 1
Distribuição relativa da população que compõe as Famílias Cadastrais, por
sexo, cor/raça e grupos etários - Recife - 2007
Características Básicas
Homem
Mulher
Branca
Parda
Preta
Amarela
Indígena
De 0 a 4 Anos
De 5 a 15 anos
De 16 a 24 a nos
De 25 a 59 a nos
Acima de 60
Total
Total
Sexo
219.391
275.726
Cor/Raça
132.983
286.460
69.553
2.573
2.396
Grupos Etários
50.834
149.130
82.505
191.801
20.404
495.117
Distribuição Relativa (%)
44,3
55,7
26,9
57,9
14,0
0,5
0,5
10,3
30,1
16,7
38,7
4,1
100,0
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007. Nota: Exclusive pessoas que
responderam “não sabe” e pessoas com idade indeterminada/não declarada
Uma parte importante do questionário aplicado buscou apreender as oportunidades de emprego
e renda da população cadastrada no CadÚnico. A Tabela 2 mostra que a grande maioria dos
entrevistados com mais de 5 anos (72%) declarou não estar trabalhando mediante
3
remuneração na semana de referência. Somente 28% afirmaram ter uma ocupação
remunerada. Quatro informações merecem destaque: i) embora o percentual mostre-se muito
pequeno e sujeito a um coeficiente de variação mais elevado, 1% das crianças e adolescentes
das famílias cadastrais exerce algum tipo de atividade remunerada (aproximadamente 1.500); ii)
74% dos jovens entre 16 e 24 anos não têm ocupação remunerada; iii) praticamente metade da
população adulta em idade ativa está igualmente desocupada; e iv) 20% dos idosos afirmam ter
uma ocupação remunerada.
Tabela 2
Pessoas com mais de 5 anos de idade, segundo o exercício de atividade remunerada na semana de
referência, por grupos de idade - Recife - 2007
Exerceu trabalho remunerado na
semana de referência?
Grupos de idade
Total
De 5 a 15
De 16 a 24
De 25 a 59
Acima de 60
anos
anos
anos
Total
Sim, fora de casa
113.555
1.419
20.050
88.981
3.105
Sim, em casa
9.759
89
1.065
7.629
976
Não
316.802
144.428
61.391
94.659
16.324
Percentual (%)
Sim, fora de casa
25,8
1,0
24,3
46,4
15,2
Sim, em casa
2,2
0,1
1,3
4,0
4,8
Não
71,9
98,8
74,4
49,4
80,0
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007. Nota: Exclusive declarações
“não sabe”/ “não responde”.
Dentre os ocupados, predominam atividades informais, majoritariamente autônomos/conta
própria (42%) e empregado sem carteira assinada (22%), conforme consta da Tabela 3. O
emprego formal (assalariamento ou no setor público) é uma realidade para apenas 23% da
população ocupada. Ou seja, a pobreza não poupa nem mesmo famílias onde há algum adulto
detentor de um emprego formal, em razão das características demográficas do arranjo familiar.
Tabela 3
4
Distribuição das pessoas com mais de 5 anos de idade, por posição na ocupação, segundo grupos de idade
- Recife - 2007
Grupos de idade (%)
Total
De 5 a 15 De 16 a De 25 a Acima de
Posição na ocupação
(%)
anos
24 anos 59 anos
60
Empregador
0,5
5,9
0,8
0,4
0,0
Empregado com carteira de trabalho assinada ou
21,4
5,9
15,5
22,9
21,7
funcionário público/militar
Empregado sem carteira de trabalho assinada
21,7
17,6
34,9
19,4
8,7
Empregado doméstico com carteira de trabalho assinada
2,4
11,7
0,8
2,6
2,2
Empregado doméstico sem carteira de trabalho assinada
7,1
5,9
5,9
7,4
8,7
Autônomo/conta-própria
42,1
41,2
32,4
43,6
58,7
Aprendiz ou estagiário com/sem remuneração
1,2
5,9
4,6
0,4
0,0
Cooperativado
0,1
0,0
0,8
0,0
0,0
Outra
3,0
5,9
3,8
2,9
0,0
Total de pessoas
123.224
1.509
21.112
96.522
4.081
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007. Nota: Exclusive declarações
“não sabe”/ “não responde”.
A condição de aprendiz ou estagiário é reduzida entre os jovens, o que indica estar a maioria
deles no mercado de trabalho em atividades precarizadas (73% estão concentrados em
posições como contra-própria, assalariado sem carteira e empregado doméstico sem carteira).
Para a população sênior, as chances de permanecer ocupada concentram-se em atividades
autônomas (59% dos ocupados com mais de 60 anos). Vale ainda ressaltar que o valor da
remuneração média dos ocupados também é baixa: em média, 64% do salário mínimo vigente
e um pouco menos que isso, no caso das mulheres.
Buscou-se identificar se, pelo fato de estarem ocupados, esses trabalhadores pobres estavam
tendo oportunidades novas de treinamento e capacitação que poderiam contribuir no futuro
para uma saída definitiva da pobreza. Somente 14,7% dos trabalhadores afirmaram que lhes foi
oferecida uma formação complementar na ocupação vigente. Há que observar que os que mais
se beneficiam dessas chances são os trabalhadores adultos, com emprego formal. De fato,
dentre os aqueles a quem foi dispensado algum tipo de treinamento o peso dos jovens na faixa
16-24 anos é diminuto.
O desemprego é, portanto, a maior fonte de vulnerabilidade da população pobre cadastrada no
Bolsa Família. A taxa de desocupação para maiores de 16 anos é da ordem de 38,1%, taxa
esta bastante superior à média das principais regiões metropolitanas do país.
Estima-se que 66% das famílias cadastradas no CadÚnico de Recife vivem um uma situação de
alta vulnerabilidade, notadamente em razão da falta de oportunidades de trabalho, capacitação
e da alta prevalência do iletrismo. A Tabela 4 indica, por faixa etária, o número de pessoas que
declararam não saber ler nem redigir um bilhete simples: 68,5 mil (15% da população
aproximadamente). Surpreende constatar o elevado número de adultos iletrados, cerca de 43
5
mil pessoas, majoritariamente mulheres,o que agrava o quadro das desigualdades de gênero.
Isso significa que 63% das pessoas iletradas são adultos em idade ativa (16 a 64 anos) que,
portanto, terão sérias dificuldades de adentrar o mercado de trabalho e auferir uma renda
regular em patamar satisfatório.
Tabela 4
Pessoas com mais de 7 anos de idade que não sabem ler ou escrever, por
grupos de idade, segundo o sexo - Recife - 2007
Grupos de idade
Total
Sexo
Homem
Mulher
De 7 a 15 anos
De 16 a 64 anos
Acima de 65 anos
19.783
43.026
5.767
11.799
14.549
1.686
7.984
28.477
4.081
Total
68.576
28.034
40.542
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007.
Igualmente alto é o número de crianças e adolescentes a partir dos 7 anos que ainda não
domina a leitura e a escrita: são 19,7 mil ou 29% dos analfabetos. Mesmo que a maioria deles
concentre-se entre os mais jovens, seria de se esperar que todas as crianças com 7 anos
completos fossem devidamente alfabetizadas, o que não é o caso dentre as famílias
cadastradas. O percentual de idosos iletrados que deveriam representar a maioria dos
inabilitados à leitura e à escrita soma 8% do total. È bem verdade que na faixa etária acima de
65 anos, estes representam 43% do total. Na média, 16% de todas as pessoas com sete anos
ou mais que integram o cadastro do Programa - ou seja aqueles reconhecidamente pobres declararam-se iletradas, percentual este superior a qualquer taxa média para o Nordeste como
um todo.
O INSS e a contribuição previdenciária são valorizados pela população pobre, que confia no
seguro social: 89,7% das famílias consideram muito importante contribuir para o INSS, contra
10,3% que responderam negativamente ou afirmaram não ter opinião formada. Essa
contribuição permitiria, em 73,2% dos casos, assegurar uma renda na velhice ao passo que
para 18,1% ela garantiria o acesso a algum benefício em caso de necessidade. A leitura da
população pobre é, portanto, de que o INSS além de relevante, é efetivo. Apesar disso,
conforme Gráfico 1, em 57,7% das famílias nenhum membro jamais contribuiu para o INSS e
em 33,9% delas houve contribuição que foi, no entanto, interrompida. De um universo de 121
mil famílias cadastrais, o percentual de protegidas por estarem contribuindo para o seguro
social público limita-se, assim, a 7,4% (ou 8,9 mil famílias).
6
Gráfico 1
Distribuição das famílias cadastrais segundo a contribuição para a
Previdência (INSS) - Recife - 2007
Não sabe
0,9%
Sim, estou
contribuindo
7,4%
Sim, contribuí e parei
33,9%
Não, nunca contribuí
57,8%
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007.
Ou seja, embora para a grande maioria seja muito importante contribuir para o INSS, essa é
uma alternativa para poucos. As razões para não contribuir são bem conhecidas: em primeiro
lugar, a falta de dinheiro (53,9% das respostas); em segundo lugar, não estar trabalhando
(33,8% das respostas). Isso soma perto de 90% dos motivos que explicam a não-contribuição
previdenciária, como assinala a Tabela 5.
Tabela 5
7
Distribuição das famílias cadastrais segundo o principal motivo para NÃO
contribuir para a Previdência - Recife - 2007
Motivo
Não estar trabalhando
Ser autônomo
Não ter dinheiro para contribuir
Não ter interesse
Não saber como fazer para contribuir (não ter informação suficiente)
Preferir gastar o dinheiro agora
Não compensa
Poder pedir outro benefício ao governo quando ficar velho
Os filhos poderem cuidar de mim quando eu ficar velho
Outro
Não sabe
Total de famílias cadastrais
%
33,8
3,1
53,9
0,4
1,4
0,1
0,4
0,2
0,4
3,8
1,7
121.007
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007. Nota: Exclusive as famílias
sem declaração.
Foi também perguntado se seria possível não contribuir para o INSS por ser factível “poder
pedir outro benefício ao governo quando ficar velho”, alternativa aprovada por tão-somente
0,2% das famílias cadastrais do Recife. A escolha “não ter interesse em contribuir para o INSS”
foi igualmente irrelevante no âmbito das respostas, e reuniu 0,4%, Ao contrário da imagem
vulgarmente veiculada, não é verdade que os pobres tenham um comportamento oportunista a
esse respeito, ao menos na cidade do Recife.
Do ponto de vista do enfrentamento de situações de risco e do acesso a ativos, 49,3% das
famílias cadastrais declararam não ter recorrido a empréstimos nos seis meses anteriores à
aplicação do survey. Já 50,6% afirmaram ter contraído algum tipo de empréstimo, na sua
grande maioria junto a pessoas próximas (parentes/amigos/vizinhos). O recurso a um
banco/financeira ou a um agiota é uma alternativa pouco freqüente, que atinge menos de 10%
dessas famílias, ou seja, 5,2% e 4,1% respectivamente. Segundo os entrevistados, o dinheiro
obtido via empréstimo destinou-se em 55% dos casos à aquisição de alimentos. A segunda
razão mais importante alegada para contração de empréstimos pelas famílias cadastrais foi o
pagamento de uma prestação atrasada (8,6%) e, em terceiro, a compra de remédios (8,2%).
Por outro lado, é alto o percentual de famílias cadastrais (59,5%) que reconhece sua
vulnerabilidade, pois declara depender do auxílio de parentes ou do governo para sobreviver.
Apenas 1,4 % dos domicílios notificou ter alguma poupança ou estar economizando para
futuras emergências, percentual irrisório embora absolutamente compatível com o agregado em
8
estudo (pessoas vivendo na pobreza e reconhecidamente pobres, segundo os critérios do
governo federal).
Tampouco chega a ser surpresa constatar que 74,7% das famílias entrevistadas afirmaram
jamais ter aberto conta corrente em banco, enquanto 14,8% já a tiveram, mas fecharam. Logo,
em finais de 2007, somente 9,9% utilizaram os serviços financeiros de um banco na qualidade
de correntistas (o que totaliza perto de 12 mil famílias). No caso de conta poupança, o
percentual de titulares revelou-se ligeiramente superior ao de correntistas, mas ainda assim
bastante baixo, 13,4% (16,1 mil famílias). Declararam não ter poupança 86,2%, das famílias
cadastrais, sendo que perto de 18% já tiveram, mas a encerraram. Assim, o acesso das famílias
cadastrais ao sistema financeiro em Recife é marginal, o que tende a demonstrar barreiras à
entrada impostas pelos altos custos dos serviços financeiros e também as baixas oportunidades
de dispor de uma conta salário, provavelmente em razão de uma inserção ocupacional precária
e instável.
Indagados sobre as razões que teriam levado à perda de renda familiar nos seis meses
anteriores à realização do survey, o desemprego aparece como primeira causaiii, afetando cerca
de 1/3 de todas as famílias cadastrais. Um segundo fator de redução dos rendimentos, mas de
abrangência bem menor, foi o corte do benefício do Bolsa-Família, causa essa relatada por
apenas 10% dos entrevistados. Uma em cada duas famílias que auferiram diminuição da renda
familiar, sobremaneira por força do desemprego, declarou que não houve meios de compensar
tal perda, o que acabou por prejudicar o padrão de vida da família. Somente ¼ delas afirmou ter
pedido auxílio a parentes ou amigos, através de empréstimos ou outros préstimos. Percebe-se,
assim, que a rede informal de apoio é de abrangência reduzida e atende a uma parcela
pequena das famílias inscritas no CadÚnico de Recife.
Uma das maneiras mais adequadas de promover a inclusão social e ampliar oportunidades é
garantir o acesso da população-alvo dos programas de prevenção da pobreza no âmbito da
rede de proteção social local, rede essa que tende a ser altamente dispersa e fragmentada em
razão da multiplicidade dos programas e projetos sociais, voltados para o enfrentamento de
distintas dimensões da pobreza. A cobertura tende a ser deficitária por força da focalização e
das restrições fiscais. Cabe assinalar que a Prefeitura do Recife fez esforços importantes no
sentido de dispor de um banco de dados sobre a população-alvo dos programas
compensatórios, notadamente a população mais vulnerável. Esse banco de dados foi
denominado PPSU (Programa de Cadastro Social) e contém dados sobre o perfil dos usuários
da rede de proteção local. Trata-se de um cadastro específico da Prefeitura, que permite
cruzamentos de dados com outros bancos tais como o CadÚnico. No âmbito desta pesquisa, foi
9
possível identificar cerca de 18 programas de gestão municipal, de grande abrangência na
cidade.
Assim, foi incluída uma questão específica em relação à participação das famílias em algum
dos programas sociais em execução pela prefeitura, com base em uma lista que lhes foi
submetida, em que figuravam os mais expressivos e de maior porte. As respostas constam do
Gráfico 2. Fica evidente que os programas da área da saúde – hoje serviço público gratuito de
cobertura universal - são aqueles que registram os percentuais mais altos da resposta “com
freqüência”: 46,8% participam regularmente do PSF (Programa Saúde da Família); 35%
integram o PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde); e, finalmente, já em patamar
bem menor, 16,6% são atendidos pelo Programa Controle de Condições de Saúde. Onde o
acesso é universal, a participação dos grupos mais carentes é efetiva e expressiva. O contrário
é a regra nos demais programas, tais como o Restaurante Popular, o de distribuição de Cestas
Básicas, o EJA (Educação de Jovens e Adultos), o Brasil Alfabetizado, programas de prevenção
à violência contra a mulher, projetos de economia popular e solidária, e o Plantec (Programa de
Qualificação Profissional) que se mostram praticamente fechados à população mais pobre: em
todos os casos, o percentual de não-participação nesses programas é invariavelmente superior
a 90%.
Gráfico 2
Percentual de famílias que participam com freqüência dos seguintes
Programas Sociais - Recife - 2007
PSF
46,8%
PACS
35,0%
Controle de Condições de Saúde
16,6%
Programa Saúde Bucal
10,2%
Escola Aberta
8,2%
Bolsa Escola Municipal
6,9%
EJA
4,1%
Hipovitaminose A
3,3%
Academia da Cidade
2,9%
Suplementação Alimentar para Crianças e Nutrizes
2,1%
Plantec
2,1%
Prevenção da Violência Contra a Mulher
1,5%
Brasil Alfabetizado
1,3%
Projetos de Economia Popular e Solidária
Restaurante Popular
Cestas Básicas
0,7%
0,7%
0,4%
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007.
10
Haveria muitos resultados a destacar, de grande relevância para a compreensão dos impactos
e alcance de um programa de transferência de renda com grande cobertura, tal como o Bolsa
Família, como por exemplo seu papel enquanto mecanismo de desincentivo ao trabalho. Ora,
os resultados mostram que 96% das famílias declararam que nenhum adulto da família recusou
trabalho nos últimos seis meses e, junto à parcela ínfima que informou ter recusado, a principal
razão alegada para a recusa foi estar doente ou cuidando de familiares. Para 16% das famílias
cadastrais, o motivo de recusa de trabalho foi tratar-se de uma ocupação ruim ou penosa.
Apenas 4,7% afirmaram ter recusado trabalho por medo de perder o benefício.
Por fim, cabe chamar atenção que 91% das famílias discordaram plenamente da afirmação de
que não precisariam mais trabalhar em função do recebimento do benefício. Logo, parece haver
uma clara dissociação entre programa de assistência e mundo do trabalho. Eles não são
substituíveis, nem equivalentes na visão das famílias do Recife contempladas com o BolsaFamília. Somente 3,9% das famílias cadastradas afirmaram que com o Bolsa-Família poderiam
deixar de trabalhar (Tabela 6).
Tabela 6
Distribuição das Famílias Cadastrais Beneficiárias, segundo o grau de concordância ou discordância
frente a diversas afirmações realizadas - Recife - 2007
Afirmação
Concorda
Discorda
É
NA / NS /
plenamente plenamente indiferente NR (1)
(%)
(%)
(%)
(%)
Total
(%)
Ficou mais fácil sair para trabalhar fora e
34,1
32,4
30,4
2,9
100,0
ganhar dinheiro.
Sua relação com seus filhos melhorou
50,8
8,7
38,0
2,3
100,0
Sua relação com seu companheiro/ cônjuge
22,9
10,0
34,6
32,2
100,0
melhorou (2)
Tudo ficou igual a antes na sua família, nada
32,4
56,2
10,4
0,8
100,0
mudou.
Aumentaram os conflitos em casa.
2,9
80,4
14,5
2,0
100,0
Você não vai mais precisar trabalhar, já que o
3,9
90,9
3,3
1,7
100,0
Bolsa-Família ajuda financeiramente a família.
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007. Notas: (1) Não se aplica, não
sabe ou não responde. (2) Percentual elevado em virtude do elevado número de beneficiárias sem cônjuge, cuja
pergunta não se aplica.
3. Condicionalidades
A expansão dos programas focalizados de transferência de renda vem ocorrendo em diversos
países de forma a condicionar o recebimento do benefício à inserção do indivíduo em
programas de requalificação profissional e exercício de emprego remunerado (esses em
especial nos países desenvolvidos), ou ainda à exigências de freqüência escolar das crianças,
participação em programas de vacinação e acompanhamento de saúde, mais freqüentes nos
11
programas adotados na América Latina e demais países em desenvolvimento e, em particular,
no Brasil.
A pesquisa de impacto do Bolsa-Família realizada em Recife permite avaliar algumas dessas
condicionalidades. Primeiramente, dentre as cerca de 17 mil famílias que tiveram o benefício
bloqueado pelos gestores do Programa, aproximadamente 16% alegaram que o motivo do
bloqueio teria sido o descumprimento de condicionalidades. Para 7,2%, o motivo havia sido
duplicidade no Cadastro e 8% declararam que o motivo foi ou a criança ter ultrapassado o limite
etário passível de recebimento do benefício segundo os critérios do Programa (16 anos por
ocasião da pesquisa), ou o fato de a renda familiar ter aumentado. Cabe chamar atenção para
o grau de desinformação quanto ao motivo do desbloqueio: quase 20% não sabiam por que o
benefício havia sido bloqueado e praticamente a metade alegou “outro motivo” que não os
listados pela pesquisa, um percentual elevado que nos parece mais indicativo de
desconhecimento inclusive do funcionamento do programa.
É interessante notar que um pouco mais de metade das famílias cadastrais pesquisadas (55%)
reconheceram ser obrigadas a cumprir alguma exigência para habilitarem-se ao recebimento do
benefício. A outra metade desconhece a existência de contrapartidas. Para aquelas famílias, foi
apresentada uma série de situações para que identificassem qual seria de fato uma exigência
do Programa, admitindo-se, portanto, respostas múltiplas. Os resultados estão sintetizados na
Tabela 7.
Tabela 7
Percepção das Famílias Cadastrais quanto ao cumprimento de
exigências para continuar recebendo o benefício do BolsaFamília - Recife - 2007
Exigência
A. Manter os filhos na escola
B. Manter a carteira de vacinação em dia
C. Fazer pré-natal (se grávida)
D. Estar desempregado
E. Não ter outra renda
F. Ter filhos
G. Ir ao posto de saúde com freqüência
H. Não ter emprego com carteira assinada
Total de famílias cadastrais beneficiárias
%
94,0
84,3
52,2
28,6
30,7
33,8
58,3
30,9
99.982
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007
Manter as crianças na escola e a carteira de vacinação em dia são, de fato, exigências
conhecidas da grande maioria, segundo os resultados apresentados. Todavia, é preocupante o
12
fato de que 1/3 das pessoas julgue que a concessão do benefício exige que o beneficiário
esteja desempregado, não tenha qualquer fonte de renda ou não tenha trabalho com carteira
assinada, gerando claramente um efeito reverso de desincentivo às famílias beneficiárias, não
no sentido de acomodação na busca por uma (re)inserção no mercado de trabalho, mas no
entendimento de que, ao conseguir uma nova ocupação remunerada e legal, esta possa incidir
na perda imediata do benefício. Ao que parece, não está claro aos beneficiários que o critério
de concessão do benefício toma por base a renda familiar e não a renda individual. Além disso,
considerando que o Programa não estabelece um “prazo de carência” para que a renda das
famílias se estabilize e, dessa forma, garanta que o aumento de renda proveniente da nova
ocupação não seja temporário, gera-se um temor das famílias em perder o benefício, que é um
recebimento mensal “seguro” em comparação a uma renda mensal “instável”, proveniente de
ocupações precárias e informais.
Esse temor de que uma (re)inserção formal no mercado de trabalho não seja compatível com o
direito ao benefício também se reflete na percepção das famílias quanto à possibilidade de
perda do benefício. Do total de famílias pesquisadas, 36% acham que correm o risco de perder
o benefício e para 12% delas o principal motivo para esta ocorrência seria arrumar emprego de
carteira assinada. Outros 14% acreditam que podem perder o benefício se a criança ultrapassar
os 16 anos de idade; 10%, se o filho for mal na escola; e 10% se não cumprirem as exigências
do Programa de uma forma geral. Novamente, contata-se que há muito desconhecimento
acerca das regras do Programa por parte dos beneficiários.
Interessante observar que ao se perguntar se algum dos filhos voltou a freqüentar a escola
depois que a família passou a receber o Bolsa-Família, 78,3% afirmaram que não, porque
nenhum filho jamais abandonou a escola (apenas 3,5% das famílias relataram que um ou mais
filhos retornaram à escola). Logo, a freqüência escolar das crianças nas famílias cadastrais
investigadas já era bastante elevada e não foi significativamente alterada pela condicionalidade
imposta pelo Programa. Isso é decorrência da universalização do ensino fundamental, cujo
grupo etário coincide com aquele atendido pelo Programa.
Já sobre a participação dos filhos no mercado de trabalho, 82,5% das famílias declararam que
nenhum filho parou de trabalhar depois de começar a receber o Bolsa-Família porque
simplesmente os filhos nunca trabalharam. Entretanto, 9,4% afirmaram que os filhos continuam
a trabalhar mesmo após a família passar a receber o benefício.
Uma boa notícia é a declaração de 93% dos pais de que acreditam que os professores
controlam a freqüência escolar de seus filhos. Pelo menos têm essa impressão positiva. No
tocante à penalidade que pesa sobre o aluno em caso de falta às aulas, uma minoria de 9,1%
13
dos responsáveis julga que será cortado o benefício do Bolsa-Família, enquanto 14,7%
consideram que será aplicada a penalidade máxima, isto é, a reprovação. No entanto, 2/3
apontam que a prática mais freqüente e salutar, é outra, e consiste em um convite ao diálogo
feito pelos professores aos responsáveis dos alunos faltosos para sanar o problema. Várias
respostas conjugadas assinalam haver, de fato, um trânsito regular e acessível entre pais e
mestres, o que sem dúvida é indicador de um acompanhamento de desempenho escolar mais
sistemático e passível de maior efetividade na solução das dificuldades enfrentadas pelas
crianças.
Por fim, o Gráfico 3 mostra o número de consultas de pré-natal feitas segundo a participação ou
não no PBF. Nota-se que não existem diferenças significativas entre beneficiárias ou não do
PBF, pois, em geral, os percentuais são parecidos, sendo que nos casos de 6 e 8 consultas o
percentual é maior entre as famílias beneficiárias, mas no caso de 7 e 9 consultas o percentual
é maior entre as famílias não beneficiadas.
Em suma, a situação das famílias no que tange a participação dos seus membros nos serviços
de educação e saúde parece não ser influenciada pela obrigatoriedade de cumprimento das
contrapartidas exigidas, uma vez que não há diferenças significativas entre famílias
beneficiárias e não-beneficiárias. De fato, alguns autores alertam ainda para o fato de que a
priorização da família na agenda da política social via programas de transferência de renda,
mesmo com contrapartidas, não é suficiente e nem substitui a implementação de outras
políticas de apoio às famílias. Carvalho (1994)iv argumenta que embora a saúde e a educação
sejam serviços estratégicos e essenciais, não bastam consultas médicas garantidas e a
matrícula da criança na escola: o sucesso da atenção à saúde e à educação depende da
conjugação de ações e apoios advindos das demais políticas e, sobretudo, de uma rede de
apoio e envolvimento das famílias e comunidades no usufruto destas atenções básicas.
Programas de geração de emprego e renda, por exemplo, são de extrema relevância para que
as famílias beneficiárias desses programas possam sair da situação de pobreza que se
encontram desenvolvendo estratégias de sobrevivência mais efetivas e, assim, melhorar de
forma estrutural e sustentada seus níveis de vida e bem-estar. E nesse campo, como vimos na
seção 2 deste trabalho, as oportunidades mantêm-se escassas.
Gráfico 3
14
Percentual de mulheres, por número de consultas de pré-natal feitas, segundo a participação
ou não no PBF - Recife - 2007
40
35
30
25
% 20
15
10
5
0
0
1
2
3
Família no PBF
4
5
6
7
8
9
Família fora do PBF
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007.
4. Eficiência Horizontal
Quantas das famílias, aqui declaradas como famílias cadastrais, situavam-se abaixo da linha de
indigência e da linha de pobreza - critério essencial de habilitação ao Programa -, antes da
imputação do benefício à renda familiar? A Tabela 8 indica que a renda familiar per capita
média das famílias beneficiárias era de R$ 93,61 após transferência fiscal, contra R$ 75,79,
antes do recebimento do benefício. Assim, em média, é repassado a cada membro das famílias
cadastrais do Recife um benefício no valor de R$ 17,82 mensais. Considerando-se que as
famílias são formadas, em média, por 4,09 membros, estima-se que cada família recebia
mensalmente uma média de R$ 72,88 no período de realização da pesquisa. O valor do
rendimento familiar mediano, por sua vez, sobe de R$ 60,00 per capita – linha de indigência
oficial do programa - para R$ 78,00. Há valores máximos surpreendentes – evasão clara -,
acima de R$ 1.000,00, que vão demandar uma análise minuciosa para sua interpretação em
trabalhos futuros.
Tabela 8
15
Rendimento Familiar per Capita das Famílias Cadastrais, segundo algumas medidas
estatísticas - Recife - 2007
Com benefício do
Sem benefício do
Medida Estatística
Bolsa-Família (R$)
Bolsa-Família (R$)
Média
Mediana
Mínimo
Máximo
Variância
Desvio Padrão
93,61
78,00
0,00
1.048,50
6.680,21
81,73
75,79
60,00
0,00
1.025,00
7.023,73
83,81
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007
A Tabela 9, por sua vez, mostra os valores da renda familiar per capita por percentis. Fica
patente que o benefício garante aos 10% mais pobres uma renda positiva, já que não há
registro de outra fonte de renda nessas famílias. O valor dessa renda compensatória ainda se
mostra extremamente reduzido, tanto mais que estamos tratando de valores per capita
mensais. Pela Tabela 9, é ainda possível constatar o efeito extremamente favorável do
benefício na elevação da renda monetária das famílias que se situam no primeiro quarto da
distribuição.
Tabela 9
Valor médio da renda familiar per capita das famílias cadastrais em percentis
selecionados - Recife - 2007
Percentil
Com benefício do
Bolsa-Família (R$)
Sem benefício do
Bolsa-Família (R$)
5%
10%
25%
50%
75%
90%
95%
9,00
19,00
33,19
78,00
129,69
190,00
229,50
0,00
0,00
6,06
60,00
114,82
175,00
216,67
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007
A distribuição de renda das famílias pertencentes ao nosso universo de análise encontra-se
plotada no Gráfico 4. A curva vermelha, que calcula a renda das famílias cadastrais antes da
transferência de renda do Bolsa-Família, mostra que aproximadamente 30 mil famílias
apresentavam renda per capita próxima de zero. O deslocamento da curva para a esquerda
revela que foi nesse grupo de famílias indigentes onde se registrou maior incremento de renda.
Houve redução importante do hiato de pobreza nesse grupo. É provável que as poucas famílias
que continuam reportando renda zero estejam entre as não contempladas pelo benefício por
16
ocasião da pesquisa (grupo de 20.670 famílias). Observa-se ainda que praticamente metade
das famílias cadastrais vive na condição de indigentes antes de perceber o benefício. Da
mesma forma, o Gráfico 4 aponta que 25 mil famílias, por estarem acima da linha de pobreza 2,
deveriam ter-se tornado inelegíveis para entrada no programa. O que essa distribuição mostra
com clareza é que há ineficiências verticais e provavelmente horizontais na alocação do
benefício do Bolsa-Família na cidade do Recife. Esses pontos serão retomados adiante, para
estimativa do hiato de pobreza e indigência e para estimar o grau de severidade, segundo o
índice de Forster.
Gráfico 4
D istribu ição da R en da Fam iliar p er cap ita (Y FP C ) das Fam ílias C adastrais, co m
e sem o benefício d o Bolsa-Fam ília - R ecife - 2007
360
300
240
180
120
60
0
0
8 .8 7 1
1 7 .7 4 3
2 6 .6 1 4
TO TA L YFP C
3 5 .4 8 6
4 4 .3 5 7
TO TA L YFP C s/ BF
5 3 .2 2 9
6 2 .1 0 0
7 0 .9 7 2
L in h a d e P o b r e za 1 - R$ 6 0 ,0 0
7 9 .8 4 3
8 8 .7 1 5
9 7 .5 8 6
1 0 6 .4 5 8
1 1 5 .3 2 9
L in h a d e P o b re za 2 : R$ 1 2 0 ,0 0
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007
Do ponto de vista da eficácia do Programa em retirar famílias da indigência e da pobreza, os
dados retratados na Tabela 10 permitem uma visualização mais precisa da variação do número
de pobres e indigentes após o recebimento do benefício. O número de famílias indigentes se
reduz em 10.300. Ainda assim, 43 mil famílias continuam vivendo na pobreza extrema. Assim, o
percentual de famílias indigentes cai de 54% para 43% do universo em análise. No caso da
linha de pobreza, o impacto é menor, e são retiradas da condição de pobres somente 7.100
famílias (redução de 7 pontos percentuais do universo estudado). Outra informação importante
que corrobora a leitura do Gráfico 5 é o fato de 7.896 famílias vivendo abaixo do corte de
indigência não terem sido contempladas com o benefício do Bolsa-Família. Há um total de
12.420 famílias que fazem parte do público-alvo potencial, mas não foram alcançadas pelo
17
Programa no Recife. O saldo, portanto, mostra-se tímido no que diz respeito à saída da pobreza
eda indig6encia por força do Programa de transferência de renda de maior cobertura no país.
Tabela 10
Famílias pobres no total das Famílias Cadastrais, beneficiárias ou não, segundo as linhas de indigência e
pobreza institucionais do Bolsa-Família - Recife - 2007
Famílias Cadastrais
Linha de Pobreza
Famílias Beneficiárias
Após o BF
Antes do
BF
Após o BF
Antes do
BF
51.277
42%
85.876
71%
61.568
51%
93.062
77%
43.293
43%
73.367
73%
53.584
54%
80.464
80%
Renda Familiar P er Capita inferior a R$
60,00
Renda Familiar P er Capita inferior a R$
120,00
Total
1 21.00 7
Famílias Não
Beneficiárias
7.896
38%
12.420
60%
9 9.982
20. 848
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007
Os dados coletados permitem ainda construir uma série de medidas de pobreza para uma
melhor avaliação do impacto do benefício do Bolsa-Família na intensidade e severidade da
pobreza nas famílias cadastrais. A Tabela 11 mostra como o Bolsa-Família reduz a pobreza das
famílias cadastradas e qual é a grandeza da pobreza das famílias não atendidas pelo programa.
A diferença entre segunda e a primeira coluna reflete o efeito do programa na redução da
pobreza das famílias efetivamente beneficiadas. A última coluna mostra o nível de pobreza das
famílias que, embora cadastradas no CadÚnico de Recife, não foram atendidas pelo programa.
A Tabela 11 mostra ainda informações semelhantes sobre as famílias que vivem na indigência
(extrema pobreza).
Como se pode constatar, na primeira linha da Tabela 11, o programa retira cerca de 6% das
famílias efetivamente beneficiadas da pobreza e retira da indigência, 9% delas. Em números
absolutos isso significa, respectivamente, 5.943 famílias e 8.785 famílias. Além disso, observase que 21% das famílias efetivamente atendidas pelo programa – ou aproximadamente 24 mil
famílias - não eram pobres já que apenas 79% delas tinham renda familiar per capita inferior à
R$120,00.
Outro número marcante é a proporção de famílias pobres cuja renda familiar per capita as
habilitaria a se tornarem beneficiárias do Bolsa-Família em Recife, mas que não foram
efetivamente contempladas pelo programa ou deixaram de sê-lo. Cerca de 60% das famílias
não atendidas atendem aos requisitos do Programa e são, de fato, pobres, sendo quase 40%
destas
indigentes.
Em
números
absolutos
isso
significa
12.602
e
7.808
famílias,
respectivamente. Isso indica problemas graves de focalização do programa, em razão das
18
evidentes ineficiências verticais e horizontais, e uma baixa eficácia, na medida em que é
limitada a capacidade de retirar as famílias da pobreza.
Tabela 11
Medidas de Pobreza para o total das Famílias Cadastrais, beneficiárias ou não, segundo as linhas de
indigência e pobreza institucionais do Bolsa-Família - Recife - 2007
Famílias Beneficiárias
Após o BF
Antes do BF
Renda Familiar Per Capita inferio r a R$ 60,00
Propo rção de Pobres % ( P0.100 )
43.24
52,05
Hiato Agregado (R$)
1.172. 938,00
2.285. 994, 00
Hiato Médio dos Pobres
27,21
44,05
I ntensidade da po breza % ( P1. 100 )
19,61
38,21
Severidade da Pobreza % ( P2.100 )
11,30
33,12
Renda Familiar Per Capita inferior a R$ 120, 00
Propo rção de Pobres % ( P0.100 )
73,31
79,27
Hiato Agregado (R$)
4.608. 895,00
6.306. 844, 00
Hiato Médio dos Pobres
63,05
79,79
I ntensidade da po breza % ( P1. 100 )
38,52
52,71
Severidade da Pobreza % ( P2.100 )
25,74
43,02
Medidas de Pobreza
Famílias Não
Beneficiárias
36,67
335.444,66
42,97
26,26
22,82
59,17
964.961,75
76,60
37,77
30,21
Fonte: Bolsa Família no Recife, IE/UFRJ-ENCE/IBGE, Apoio FINEP/PROSARE, 2007
O hiato agregado é uma medida de insuficiência de renda. O hiato de renda de uma família
pobre (indigente) é a distância entre a renda familiar per capita dessa família e o valor da linha
de pobreza (ou da linha de indigência). Ou seja, é o montante que falta à renda familiar para
que a família ultrapasse o patamar estipulado como pobreza (ou indigência). A insuficiência de
renda para todas as famílias é dada pela soma dos hiatos. Essa soma é chamada de hiato
agregado e está na segunda linha da Tabela 11.
A terceira linha da referida Tabela mostra, por sua vez, como o programa reduz o hiato médio
de renda das famílias pobres. Considerando o universo das famílias efetivamente beneficiadas,
vemos que esse hiato era de R$79,79 antes das transferências de renda (considerando a renda
familiar) e passou a ser de R$63,05 após as transferências fiscais. Ou seja, mantém-se
bastante elevado. Dessa forma, podemos afirmar que o programa Bolsa-Família reduziu em
média a insuficiência de renda em cerca de R$17,00, o que parece pouco à primeira vista. Um
outro fato chama a atenção: o valor do hiato médio das famílias não beneficiadas é de R$76,00.
Assim, os hiatos médios das famílias assistidas e não assistidas são muito próximos antes da
transferência de renda garantida pelo programa. Porém, após a transferência fiscal, esse gap
de valores acentua-se.
19
O hiato médio calculado considerando-se a linha de indigência indica que, para as famílias não
beneficiadas, esse valor era de R$ 43,24. Para as famílias efetivamente beneficiadas o valor do
hiato médio passou de R$44,05 para R$ 27,27 após a transferência fiscal. Ou seja, em média a
insuficiência de renda dos dois grupos era muito próxima antes do programa. Após as
transferências do Bolsa-Família, há uma forte redução da insuficiência média de renda entre os
indigentes. O impacto na redução da intensidade da indigência é bem mais efetivo que na
redução do hiato de pobreza.
A quarta linha da Tabela 11 revela, por sua vez, a intensidade da pobreza e da indigência (P1)
para os dois grupos de famílias. Como podemos ver, a intensidade da pobreza para as famílias
não assistidas é 37,77%. A intensidade da pobreza para as famílias efetivamente beneficiadas
passa de 52,71% para 38,52%. Assim, podemos afirmar que as transferências do programa
eliminaram a diferença na intensidade que existia entre os dois grupos. Temos um cenário um
pouco diferente para a intensidade da indigência. Para as famílias não assistidas a intensidade
é 26,26%. A intensidade para as famílias efetivamente beneficiadas passa se 38,21% para
19,61% com o programa. Isso indica que a intensidade da indigência era maior nas famílias
assistidas e, depois do programa, essa situação foi revertida.
A intensidade da pobreza (P1) citada acima é calculada a partir do hiato de renda de cada
família. Porém, essa medida não dá peso diferenciado aos hiatos grandes ou pequenos. Dessa
forma as insuficiências de rendas elevadas entram no cálculo da mesma forma que as
insuficiências de rendas pequenas. Uma medida de pobreza, que dá mais peso para as famílias
muito pobres, é a severidade da pobreza (P2). Logo, a severidade é muito sensível às
transferências de rendas feitas aos mais pobres. Quanto mais pobre for a família, maior é o
efeito de uma transferência sobre a severidade.
A severidade da pobreza pode ser observada na última linha da Tabela 11, na qual, para o
grupo não assistido é de 30,21%. Para as famílias efetivamente beneficiadas a severidade
passa de 43,02% para 25,74% com as transferências do programa. Isso indica que a pobreza
era mais severa no grupo beneficiado e que a forte queda da severidade mostra que famílias
muito pobres estão se beneficiando efetivamente do programa. As mesmas conclusões podem
ser obtidas quando olhamos para a severidade da indigência. A severidade para o grupo não
assistido é 22,82%. Para as famílias efetivamente assistidas a severidade passa de 33,12%
para 11,30% com as transferências do programa. Novamente, isso indica que a indigência era
mais severa no grupo beneficiado e que a forte queda da severidade se deve ao
direcionamento das transferências para famílias muito pobres, ao menos as que conseguiram
ser contempladas.
20
Os resultados citados acima já eram esperados. Os benefícios do programa podem aliviar os
efeitos da pobreza. Porém, as transferências de renda são de pequeno valor, em média,
R$19,25 para cada membro das famílias efetivamente beneficiadas. Dificilmente esses valores
retiram as famílias assistidas da condição de pobres, a não ser aquelas cuja renda familiar per
capita, antes das transferências fiscais, situa-se relativamente próxima à linha.
5. Conclusões e Recomendações
A pesquisa de avaliação de impacto realizada em Recife nos permite traçar uma caracterização
das famílias cadastradas no CadÚnico do município, beneficiárias do Bolsa-Família em sua
maioria, com alguns resultados importantes: (i) há um elevado percentual de desocupação
dentre jovens e adultos nas famílias cadastrais investigadas; (ii) mesmo para aqueles
ocupados, é precária sua inserção no mercado de trabalho, com a grande maioria, inclusive
jovens, trabalhando como conta-própria/autônomo ou empregado sem carteira; (iii) um
percentual inferior a 15% teve oportunidade de treinamento ou qualificação profissional; (iv) a
prevalência do analfabetismo ainda é grande, observando-se um total estimado de 43 mil
adultos que declararam não saber ler nem escrever um bilhete simples; (v) embora a maioria
tenha uma visão positiva dos benefícios da contribuição ao INSS, apenas 7,4% contribuem,
sendo o principal motivo da não contribuição a falta de dinheiro; (vi) quase 60% reconhecem
depender da ajuda de parentes, amigos ou governo para sobreviver; e (vii) a participação dessa
população nos programas sociais executados pela Prefeitura é baixo, a exceção dos programas
de saúde (PSF, PACS, Controle de Saúde), o que mostra que os programas cujo acesso é
universal e gratuito tendem a ter maior alcance na população.
O desemprego aparece na pesquisa como maior fonte de vulnerabilidade das famílias. Além
disso, não foram observados sinais de desincentivo ao trabalho por parte das famílias
beneficiárias, parecendo haver uma clara dissociação entre programa de assistência e mundo
do trabalho. Eles não são substituíveis, nem equivalentes na visão das famílias do Recife
contempladas com o Bolsa-Família.
Em suma, pode-se concluir que os pobres continuam sem oportunidades, seja de trabalho ou
de formação/qualificação, sendo o maior problema a precariedade do emprego e a exclusão
severa do mercado de trabalho. Aparentemente essa população tem-se beneficiado muito
pouco da criação de empregos derivados do crescimento recente. Essas primeiras conclusões
poderão ser analisadas mais detidamente na próxima onda da pesquisa a se realizar em breve.
As informações coletadas reafirmam que os pobres se beneficiam do que é universal e não
focalizado, como, por exemplo, os programas de saúde e educação.
21
Em termos do desenho do Programa, em particular em relação às condicionalidades, uma
primeira análise mostra que elas são inócuas. Seja nas áreas de educação ou de saúde
reprodutiva,
a
tendência
de
melhora
nos
dados
(maior
freqüência
escolar
e
de
acompanhamento pré-natal) não dizem respeito à participação das famílias no Programa. Os
dados são cabais a esse respeito. As atuais contrapartidas são desnecessárias porque a
população-alvo já interiorizou as práticas dela derivadas, principalmente considerando o caráter
universal da educação e da saúde. Quem não as cumpre, é por falta de informação, isto é, o
que impede que essas práticas sejam absolutamente generalizadas – e elas quase o são- é
mais desinformação, que comportamento oportunista. Embora boa parte da população-alvo
desconheça quais as contrapartidas exatas, sabem a pesquisa mostrou que as famílias
conversam com os professores, acompanham as notas, etc.
E há ainda outros argumentos importantes, não abordados na pesquisa mas presentes na
literatura internacional, quanto as dificuldades inerentes e custosas de se monitorar o
cumprimento dessas condicionalidades. No Brasil, em particular, essa dificuldade torna-se
premente a partir da conhecida ausência de intersetorialidade das políticas e programas dos
governos federal e locais. Os cortes de benefícios acabam se fazendo exclusivamente com
base na programação feita pela CEF em Brasília, pois os municípios não controlam a gestão do
Programa. Esta deve ser descentralizada, mas não para supervisionar as condicionalidades,
senão para multiplicar os mecanismos de acesso dos beneficiários do Bolsa-Família à rede de
proteção social local, que deve se adensar.
Por fim, a existência de ineficiências horizontais significa que merecedores do benefício ficam
de fora e perdem direito de dirimir seu grau agudo de carência. Além disso, a miséria não é
vencida, apenas sua severidade reduzida. Ora o momento atual em que é preciso elevar a
propensão a consumir das camadas mais pobres deveria levar a um aumento do valor dos
benefícios de menor valor. Isso contribuiria para combater de forma mais eficaz a indigência
que persiste e mesmo reduzi-la. A pobreza, como se sabe, é mulidimensional e sua eliminação
depende de uma série de esforços conjugados. Já a erradicação da pobreza extrema, da
miséria, da indigência depende fundamentalmente de um efetivo mecanismo de transferência
de renda. Se o PBF conseguisse eliminar a indigência já seria um grande avanço social na
direção de uma melhor distribuição de renda no país.
i
De fato, dentre pouco mais de 95.000 famílias existentes no FOPAG, mais de 4.500 famílias não puderam ser
identificados no CadÚnico por meio do número de identificação social (NIS) dos responsáveis das famílias.
ii
Informações detalhadas e os procedimentos adotados sobre o plano amostral, o questionário e a metodologia
podem ser encontradas nos três relatórios elaborados no âmbito do projeto ARMADILHAS E OPORTUNIDADES:
22
O QUE FAZEM OS POBRES E A SOCIEDADE BRASILEIRA PARA VENCER A POBREZA E A
DESIGUALDADE?, financiado pela FINEP.
iii
As demais causas de eventual perda de rendimentos na família seriam: morte, doença, incapacidade ou invalidez,
desastre natural, mudança, ou mesmo prisão de algum familiar que trabalhava, entre outras. Mas têm peso pequeno,
sempre inferior a 10%.
iv
CARVALHO, M. (1994). A priorização da família na agenda da política social. In: KALOUSTIAN, S (org.).
Família Brasileira, a base de tudo. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNICEF
23
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1 O Programa Bolsa Família em Recife: analisando suas