Competências na Gestão Intercultural: Desafios para a Aprendizagem e Qualificação
Autoria: Tânia Maria Diederichs Fischer, Sônia Maria Guedes Gondim, Marcos Emanoel Pereira,
Grace Kelly Marques Rodrigues, Aline Craide, Lucas Lopes de Pinheiro
Resumo
O presente artigo posiciona-se frente aos desafios relacionados à gestão intercultural em
organizações transnacionais, dando ênfase às aprendizagens representadas por competências
dos gestores que atuam na área internacional. Reflete sobre os requisitos de modelos de
formação para esses gestores que valorizem a aprendizagem, especialmente de caráter
relacional. Em outras palavras, o artigo tem como objetivo discutir a questão da formação
para a gestão intercultural, a partir da reflexão sobre experiências de capacitação comumente
orientadas pelas práticas negociais, em detrimento de competências de caráter relacional,
essenciais para o tipo de gestão estudado. Para explorar esta temática foi desenvolvida uma
pesquisa em uma organização transnacional de origem brasileira, que está presente em países
da Europa, Américas, África e Ásia. O texto se inicia com uma breve contextualização do
caso onde a pesquisa foi desenvolvida. Na seqüência, será apresentado o aporte teórico sobre
competências e gestão intercultural, de modo a fundamentar as reflexões acerca de requisitos
de aprendizagem para a qualificação de quadros gerenciais. A seguir, serão apresentados os
principais resultados da pesquisa de natureza quanti-qualitativa, que foram coletados por meio
da aplicação de questionários. Finalmente, são apresentadas considerações sobre os requisitos
de um modelo de formação de gestores com vistas ao desenvolvimento da competência
intercultural.
1 Introdução
É fato que o fenômeno da globalização tem maximizado a aproximação de pessoas,
territórios e propiciado infinitas possibilidades de interação entre culturas distintas, revelando
símbolos, impressões culturais, formação de opiniões e estereótipos em relação a essas
culturas. Segundo Canclini (2003), um dos possíveis efeitos dessa aproximação cultural é a
necessidade de se aprofundar temas associados a interculturalidade nas organizações, ao se
considerar que nesses ambientes o foco não se resume apenas às transações negociais, mas a
aprendizagem decorrente da síntese dessas vivências. O produto dessas interações pode ser
tão diverso quanto a multiplicidade de referências culturais, as quais, segundo Geertz (1989),
refletem uma condição intrínseca ao ser humano que é o vínculo a uma teia de significados
simbólicos, os quais, ao longo da vivência humana, são construídos, reconstruídos e
aprendidos por grupos sociais ao se sucederem as gerações.
Assim, inseridas nesse contexto as organizações deparam-se com diferentes realidades no
momento em que se propõem a expandir seus negócios para outros países. Essa diversidade de
padrões culturais expõe uma gama de interpretações sobre pessoas, ações, situações, formas
distintas de organização do trabalho e de interação com realidades diversas. Porém, nem sempre
essa dinâmica se dá de forma harmônica, ou seja, o diálogo ideal é, por vezes, limitado justamente
pelo despreparo de gestores com relação a questões sensíveis do relacionamento intercultural, algo
que transcende os saberes típicos como conhecimento da geografia e costumes mais difundidos em
determinadas localidades. Trata-se aqui de levar em consideração características especiais das
aprendizagens que levam a interação cultural, do entendimento de peculiaridades, que, embora
implícitas nos relacionamentos, podem se revelar decisivas para uma internacionalização de
negócios bem sucedida. É nesse sentido que o presente trabalho busca discutir a competência
intercultural desses gestores, a partir de uma pesquisa realizada em uma multinacional brasileira.
Impulsionada pela necessidade de expansão dos negócios, a organização pesquisada,
ao longo das últimas décadas, tem enviado executivos para a implantação de unidades em
diversos países. Entretanto, esses gestores eram preparados para a atuação internacional por
meio de programas de treinamento que exploravam, basicamente, um conjunto de ações mais
1
direcionados à lógica do negócio e ao atendimento das necessidades de mercado, em
detrimento de aspectos relacionados à interação cultural entre organização e essas localidades.
Nesse contexto e tendo como premissa a formação de gestores apoiada na
competência intercultural, cabe salientar que o significado de competência, neste trabalho,
corresponde à capacidade do gestor de reconhecer e compreender a existência de crenças e
valores próprios de cada cultura, assim como estabelecer diálogos produtivos com a
população local, além de dirimir conflitos resultantes de possíveis choques interculturais.
Dessa forma, acredita-se que o domínio dessa competência é elemento-chave para o sucesso
nos processos de internacionalização de negócios.
Essa compreensão inspira-se, ainda, em Chomksy (1978), cuja reflexão sobre o
conceito de competência evidencia a habilidade do homem em estabelecer a comunicação em
diferentes línguas ainda que estas não lhe sejam familiares. Isto porque, segundo o autor, o
homem possui uma competência lingüística que lhe permite, criativamente, expressar seus
pensamentos em variadas circunstâncias. Assim, abstraindo o conceito de competência
exposto pelo autor, entende-se aqui que, também nas organizações, seja inerente ao homem a
capacidade de se adequar a diferentes situações e ambientes. Ser competente não é ser apenas
funcionalmente adequado no desempenho de uma ou várias tarefas, mas dispor de um capital
de recursos cognitivos e atitudinais que permite ao gestor atuar com sensibilidade e dar
respostas inovadoras e criativas aos desafios de diferentes contextos culturais. Em suma, ser
competente significa ser capaz de aprender significativamente. Segundo Moreira (2006) para
que ocorra aprendizagem significativa, quem aprende tem de manifestar disposição para
aprender, o que implica em potencial e vontade.
No entanto, questiona-se aqui a forma com que as organizações têm lidado com o
desenvolvimento dessa competência, sendo comuns os modelos de formação centrados na
atividade-fim da empresa, desprivilegiando outros aspectos da interação organizaçãocomunidade, como as relações estabelecidas com diferentes grupos culturais e suas
particularidades. Ademais, vale ressaltar que a escolha do desenho de investigação justifica-se
por haver grande produção de conhecimento sobre gestão cultural derivado de estudos de caso
único, como a pesquisa de Geert Hofstede sobre a IBM (1983); de Alexandre Carrieri sobre a
Telemig (CARRIERI, 2003); e o mais recente, de Leite-da-Silva e cols. sobre a agência ZIX
dos Correios e Telégrafos (LEITE-da-SILVA e cols., 2006).
Para fundamentar essa reflexão sobre alternativas de modelos de formação sob a
perspectiva acima mencionada, procurou-se identificar junto aos funcionários da referida
organização, as competências necessárias ao gestor intercultural, bem como os principais
desafios gerenciais percebidos por estes no convívio em contextos culturalmente distintos. A
partir dos resultados obtidos, buscou-se discutir requisitos para um modelo de formação de
gestores de atuação internacional. Os detalhes sobre os resultados da pesquisa e respectivas
análises podem ser conferidos mais adiante neste artigo.
2 As definições de Competência
A ação de integrar pessoas capazes de tomar iniciativas, ir além das atividades
prescritas e com capacidade de compreender, aprender sobre novas situações e contextos de
trabalho tornou-se uma constante preocupação das organizações que buscam diferenciar-se de
seus concorrentes a partir da gestão de pessoas. Neste sentido, conforme acreditam muitas
organizações, a partir da gestão de competências organizacionais e de trabalhadores passa a
ser possível promover uma mudança de atitude e formação de seus profissionais em relação às
práticas de trabalho necessárias para o sucesso empresarial. Entretanto, o conceito de
competência, segundo Ray (2002), está associado à excelência que reconhecemos no outro.
Não é uma ação isolada, quando a própria pessoa deve demonstrar ser competente, torna-se,
todavia, suficientemente objetiva para que ocorra reconhecimento social. Assim, se existe
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visibilidade pública, há também o respeito que esta pessoa merece por ser competente. “No
mesmo sentido, a palavra competência sugere, ao mesmo tempo, o visível e o oculto, o
exterior e o interior, aquilo que resume a ação é o mais padronizado e também, por outro lado,
aquilo que parece mais ligado à pessoa e é, por conseguinte, o mais indizível” (RAY, 2002,
p.26).
Há muitas controvérsias e referências teóricas sobre competências, na psicologia e
educação, utilizadas na literatura sobre gestão e a capacitação de gestores. Para Doll e
Ollagnier (2004), a noção de competência, ao ser exageradamente utilizada, pode provocar
numerosas confusões. Extensivamente, competência passou a ser utilizada como um
componente da organização. Desta forma, tanto se refere ao que a pessoa deve ser, mas
também ao que a organização deve fazer (DUTRA, FLEURY e RUAS, 2008). Mas se a
competência passa a ser um elemento direcionador de esforços da empresa não apenas quanto
ao negócio, mas em conseqüência, como fator determinante do processo de capacitação, devese refletir melhor sobre seu significado. Segundo Doll e Ollagnier (2004), a dificuldade em
definir competência designa a capacidade de produzir uma conduta em um determinado
contexto, o que confirma que houve aprendizagem significativa.
Para Noam Chomsky (1978), a noção de competência sugere que o sujeito é capaz de
realizar idealmente graças ao seu potencial biológico; diferentemente do desempenho que é
observável e, em muitos casos, mensurável. Remete, como dizem os autores supracitados, à
noção de construção interna, na vertente cognitiva, mas também aos saberes necessários à
solução de problemas no trabalho. Desta forma, diferentes empresas preconizam que ao
determinar suas competências, visando elencar estratégias que maximizem a possibilidade de
prosperar e sobreviver, poderão subsidiar objetivamente o rol de quais as competências que
deverão ser desenvolvidas em seus trabalhadores, dando sentido mensurável a este
desenvolvimento. Assim, Fleury e Fleury (2000) afirmam que somente setores da economia
mais avançados têm preocupação com a chamada Gestão por Competências, pois são
empresas que sabem que as pessoas fazem muita diferença em seu resultado, que precisam
trabalhar com o conhecimento, a inteligência e o comprometimento de seus funcionários.
Foi no final da década de 1980, a partir dos estudos feitos por Prahalad e Hammel
(1995), que se começou a explorar o conceito de competências essenciais (ou core
competences), apontando-as como elementos decisivos para a sobrevivência das empresas.
Para os autores, as competências essenciais são um conjunto de habilidades e tecnologias que
resultam em um diferencial fundamental para a competitividade da empresa, sendo primordial
essa união. Além disso, diferenciam competências organizacionais das competências
essenciais. Ao definir sua estratégia, a empresa identifica as competências essenciais do
negócio sendo que em suas diferentes áreas haveria algumas competências organizacionais,
necessárias para cada função.
Assim, para que tais competências essenciais e organizacionais sejam uma real fonte
de vantagem para a empresa, como preconizam os autores, as pessoas que nela trabalham
devem estar capacitadas para disseminar esses valores e fazer com que esta estratégia dê
resultados. Desta maneira, têm-se, estreitamente associadas às competências organizacionais,
as competências individuais, pois as empresas tentam identificar as habilidades e
conhecimentos de cada funcionário na tentativa de antecipar situações em que eles serão
precisos e tentar otimizar o investimento humano que eles representam. Os recursos
individuais deverão estar a favor dos propósitos coletivos, pois a identificação e o
desenvolvimento das pessoas, como também o desenvolvimento dos mecanismos de retenção
nas organizações, mostram-se como as maiores mudanças na área de recursos humanos. E as
organizações ganham benefícios a partir dos recursos que seus funcionários representam.
Todavia, ser dotado de conhecimentos, habilidades e atitudes não significa
necessariamente ser competente, pois é preciso mobilização de competências, entendendo-as
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não como um recurso, mas como a utilização dos mesmos. Portanto, a competência é uma
organização de saberes em um sistema funcional, apresentando três dimensões: a rede de
componentes cognitivos, afetivos e sensório-motores; a aplicabilidade desta rede a um
contexto determinado e a orientação deste a uma finalidade. Para Le Boterf (2003), não
haverá competência senão posta em ato, a competência só pode ser competência em situação.
Freitas (2008) afirma que para tanto, ao ampliar a mobilidade das pessoas, especialmente dos
quadros gerenciais, é possível aumentar seu rol de habilidades, e com isso fazer face ao
cenário de crescente complexidade que caracteriza a era da globalização.
Observa-se, a partir dessas colocações, que é possível conceber outras formas de
entendimento acerca do conceito de competência. Na visão tradicional, para a qual a idéia de
qualificação técnica é que propicia o referencial necessário para se trabalhar a relação
profissional indivíduo-organização, enfatiza-se que a qualidade do profissional está
diretamente associada a recursos como conhecimentos e/ou experiências que a pessoa teria
acumulado durante sua vida profissional e que a qualificação é definida pelos requisitos
associados à posição ou cargo, ou pelos saberes ou estoque de conhecimentos da pessoa.
Assume-se que, para além destas competências técnicas, deve haver em paralelo uma
preocupação com as competências relacionais, as quais dificilmente são aprendidas em cursos
ou treinamentos ministrados pela empresa, o que corrobora a idéia de que a competência do
indivíduo não é simplesmente um estado, não se reduz a um know-how específico, tampouco
ao estoque de conhecimentos teóricos e empíricos detidos por ele (ZARIFIAN, 2001). A
questão da competência deve ser tratada como algo dinâmico e que não depende apenas de
fatores externos para que possa ser desenvolvida.
Assim, no que concerne às atribuições internacionais, foco do presente artigo, tal
preocupação é apontada por Franke e Nicholson (2002) ao afirmarem que a competência
técnica é necessária para resolver problemas nos negócios e para ganhar respeito entre os
colegas, mas não deve ser o único motivo para o sucesso da designação. Mais importante,
conforme os autores, são habilidades interpessoais, características da personalidade ou os
fatores inerentes à história social. Davel e Ghadiri (2008) chamam a atenção para a sedução
que a aprendizagem intercultural suscita em pessoas de diferentes culturas que podem
aprender em conjunto, principalmente em situações de conflito. Ao analisar estas colocações,
percebe-se que além de suas competências técnicas, o gestor internacional deverá carregar
consigo atributos que lhe permitam interagir com pessoas de universos culturais diferentes.
Fala-se, portanto, em competências interculturais cujas características serão apresentadas a
seguir.
3 A Gestão Intercultural: foco nas competências interculturais
Encontros entre culturas distintas sempre estiveram presentes nos relacionamentos
humanos, sendo tão antigos quanto a própria humanidade. Na época das colonizações, ou
mesmo antes, quando se travavam grandes batalhas em busca de novos territórios, povos
diferentes passavam a se relacionar, de maneira amigável ou não, e daí originavam novos
conhecimentos, novas idéias, novas formas de se olhar o mundo. Assim, seja na antiguidade
ou nos dias atuais, ditos globalizados, a partir do instante em que culturas díspares entram em
contato, descortinam-se inúmeras possibilidades de se entender o que antes estava claramente
definido, pois pelo fato de uma cultura possuir seus determinados padrões de significado, o
que é comum para seus membros pode parecer estranho para outros grupos sociais.
Para refletir acerca destas questões, tem-se o conceito de interculturalidade, entendida
como o processo dinâmico conseqüente do encontro de duas ou mais culturas distintas e por
vezes arriscado, uma vez que pode levar a conflitos e problemas relacionados a questões de
identidade de diferentes atores participantes destas culturas (DEMORGON, 2005 apud Guitel,
2006). Freitas (2008) afirma que as pesquisas teóricas e empíricas em torno de aspectos
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interculturais são recentes, ou seja, seu despontar data do final da década de 1980
conseqüentes do início do processo de globalização e do interesse despertado pelo tema da
cultura organizacional nessa época, em função da entrada de produtos japoneses no mercado
internacional. Além disso, pelo fato dos estudos sobre a interculturalidade ainda estarem em
construção, encontram-se abertos a uma série de abordagens de natureza epistemológica e
metodológica (BUENO; DOMINGUES; DEL CORSO, 2008). Entretanto, o mais usual ainda
são os estudos sobre sucessos e fracassos organizacionais ou de projetos em função de uma
maior ou menor atenção dedicada à compatibilidade cultural dos parceiros.
É corriqueiro também, quando se pensa em investigar aspectos atinentes à
interculturalidade em organizações, analisar os processos que envolvam atribuições
internacionais de profissionais a fim de compreender e explicar como efetivamente ocorre o
encontro entre culturas diferentes no contexto de trabalho. Neste sentido, é importante
destacar que conforme Homen e Tolfo (2004), quando entra em cena a internacionalização
dos negócios, a questão de como administrar os recursos humanos de uma mesma empresa e
de como estabelecer um diálogo produtivo entre a organização e as localidades com as quais
interage espalhadas geograficamente, passa a exigir uma atenção especial no que diz respeito
às questões relacionadas a interculturalidade.
Para tanto, a literatura acadêmica assinala que a chamada Gestão Internacional de
Pessoas (GIP), entendida como a área que emerge dentro das organizações a partir da
internacionalização dos negócios, deve preocupar-se com a interação que ocorre entre culturas
diferentes atentando-se às relações entre os indivíduos que constroem e reconstroem suas
identidades com as atribuições internacionais. Para Machado e Hernandes (2003) é a partir do
reconhecimento do outro que pode haver a compreensão de si, sendo por isso que em
situações de confronto com outras culturas, diferentes da sua de origem, as pessoas vivem
conflitos psicológicos, conseqüentes da dificuldade em reconhecer o outro. Ademais, cabe à
GIP estabelecer políticas bem como implementar diferentes práticas para atrair, desenvolver e
reter profissionais com competências que sejam compatíveis aos processos de
internacionalização da empresa.
Mas quais seriam os conhecimentos, habilidades e atitudes necessários aos ‘executivos
globais’? Como lembra Guedes (2007, p. 63), “é comum o pesquisador utilizar sua própria
cultura como esquema interpretativo”. Tal indagação nos faz perceber, da mesma forma que
Guitel (2006), que um item ainda pouco explorado pela literatura relacionada à Gestão
Internacional de Pessoas diz respeito à identificação das competências pessoais que são
imperativas às pessoas que venham a trabalhar em ambientes multiculturais. Ou seja, torna-se
pertinente elucidar o quê pessoas propensas a atuarem em contextos culturais diversos
deverão ter ou desenvolver para que possam efetivamente oportunizar vantagem competitiva
para a empresa, como prega a Gestão por Competências. Desta forma, faz-se necessário ter
em mãos uma lista de pré-requisitos, ou melhor, de determinadas competências interculturais,
a fim de atender às expectativas demandadas por empresas e profissionais (FREEMANN;
GUITEL, 2008).
Guitel (2006, p.1) define competência intercultural como “a capacidade de se
comunicar de maneira eficaz com pessoas de um universo cultural diferente, seja ele nacional,
organizacional, funcional ou profissional”. A autora acrescenta que alguns estudos
desenvolvidos no campo da comunicação intercultural confirmaram a necessidade de dois
grupos de culturas diferentes construírem, por meio de suas interações, um conjunto comum
de valores, no qual ocorre uma re-negociação de suas identidades com vistas a tornar o
processo de comunicação eficiente. O portador de uma competência intercultural tem como
missão certificar-se de que os valores e os propósitos de sua organização estão sendo
comunicados através da criação de uma base comum de significados, de uma visão
compartilhada. Pode-se aqui ressaltar a importância de se colocar em prática o caminho
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inverso, ou seja, esse gestor deve também ser capaz de compreender os valores
compartilhados pela comunidade. Assim, em ambas as direções há presente um processo de
alteridade, ou seja, uma relação do indivíduo com o outro, sendo por meio dessa troca que
cada um constrói ou reconstrói sua identidade. Para Chomsky (1978), através da competência
lingüística seria possível que houvesse uma capacidade humana em adaptar atos e palavras a
uma infinidade de situações ou de transferir capacitações de um campo a outro.
Delange e Pierre (2007) afirmam que a competência intercultural na empresa, como
em qualquer outro lugar, não é uma competência isolada de outras competências e dos modos
de comunicação do campo social. Conforme os autores, a competência intercultural se situa
no seio das competências sociais e relacionais de base, que são, por exemplo, as capacidades
de estabelecer e manter relações, de se comunicar, de compreender o pensamento do outro e
partilhar emoções que ele sente (empatia), interagir (capacidade de cooperação), a agir sobre o
outro sem obrigação.
Uma comprovação destas colocações respalda-se nos achados de uma pesquisa
qualitativa realizada por Guitel (2006) entre os anos 2000 e 2002 com um grupo de gestores
de várias empresas francesas de diversos setores, a qual permitiu identificar algumas
qualidades necessárias para o sucesso de uma atribuição internacional. Constatou-se que o
conjunto dessas habilidades varia muito pouco de uma empresa para outra e os resultados
mostraram que o perfil de um indivíduo apto a atuar internacionalmente extrapolaria os
conhecimentos e habilidades técnicos, sendo necessário também habilidades inter-relacionais
e inter-pessoais, habilidades lingüísticas, curiosidade e motivação para viver no exterior,
tolerância face à incerteza e à ambigüidade, flexibilidade, paciência e respeito, empatia
cultural e personalidade forte (ego strength). A competência intercultural consistiria no
conjunto desses elementos adicionados à capacidade de perceber novos ambientes e adaptarse a eles, como anteriormente mencionado, e, mais ainda, enfrentar um choque cultural e
evitar armadilhas culturais como a adoção de um universal ou etnocêntrico comportamento
(GUITEL, 2006).
Além disso, para a autora, uma competência intercultural pode também garantir
elementos essenciais como a sensibilidade e modéstia/humildade, infelizmente difíceis de
serem detectadas e também perdidas em inúmeras experiências de executivos internacionais.
Segundo Guitel (2006), a modéstia ou humildade seja, talvez, o mais importante componente
da competência intercultural, pois não é fácil de ser praticada principalmente quando este
executivo atua em altas posições dentro da empresa. Freitas (2008) corrobora com tais
colocações, pois para a autora, o perfil do profissional apto a atuar em contextos
internacionais deverá privilegiar as habilidades relacionais e/ou interpessoais, sensibilidade
cultural, empatia, autonomia e certa humildade, que para a autora estaria traduzida em saber
escutar, admitir seus preconceitos, não desesperar-se quando erra, aprender com os próprios
erros, etc.
Entretanto, o que se percebe é que este tipo de conhecimento e/ou habilidade
dificilmente fará parte de treinamentos disponibilizados pela empresa, que se preocupa mais
em atender aos requisitos técnicos da nova atividade de seu executivo. Kets de Vries (1997) já
apontava esta lacuna ao esclarecer alguns problemas relacionados à experiência de executivos
expatriados, pois para o autor, há a ausência de programas preparatórios, por parte das
empresas, que alertem para as situações de conflito e dificuldade que os indivíduos terão que
enfrentar vivendo em outro país e que ocasionam o choque cultural. Deste modo, diferentes
indicadores auditivos, visuais ou olfativos que provocam uma confusão inicial e também
fatores familiares precisam ser gerenciados nessas situações. O que se percebe é que a
competência intercultural é latente, e não é exercida em uma situação previamente
estabelecida. Assim, estas competências interculturais não são um estado ou um
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conhecimento possuído, um título universitário, mas uma capacidade de responder a uma
sucessão de imprevistos em um estado de imersão-integração (DELANGE; PIERRE 2007).
Desta forma, no que diz respeito aos aspectos interculturais da empresa, Guitel (2006)
afirma que os estudos relacionados à identificação das habilidades pessoais e competências
interculturais estão longe de serem explorados. Tais mudanças, de acordo com a autora,
confirmam a emergência de novos paradigmas que estabeleçam as competências mais
cobiçadas em um gestor internacional a fim de trazer uma vantagem competitiva e um ponto
de referência em termos de negócios de alta performance e Gestão de Pessoas Internacionais.
Esta também seria a oportunidade de se começar a pensar que não são somente as
competências técnicas que podem trazer êxito para os processos de internacionalização das
empresas. Muito além do executivo ter visão estratégica, possuir orientação do mercado ou
dominar a língua do país de destino, deverá compreender os símbolos dessa nova cultura,
sendo competente, portanto, nos processos de interação com o outro, com o diferente.
Destarte, se a nova dimensão atual requer um novo tipo de executivo, o executivo
intercultural, que possa analisar e tratar das diferentes culturas supostamente presentes na
interação de trabalho, ser competente em um contexto de interação cultural passa a ser
sinônimo de tolerância, de compreensão de situações que são incomunicáveis sem
desvalorizar a perspectiva do outro, de não agir de forma etnocêntrica tampouco narcisista.
Tais saberes que devem ser inerentes aos executivos globais que ultrapassam fronteiras, não
são especificamente competências técnicas, mas sim competências sociais, relacionais e que
não necessariamente estão descritas pela empresa (DELANGE; PIERRE 2007).
Em resumo, o que se percebe é que é grande o desafio de conciliar necessidades
organizacionais e interesses individuais, contemplar a subjetividade no contexto da
objetividade organizacional (DAVEL; VERGARA, 2001), equilibrar os valores individuais e
organizacionais (DEMO, 2005, SMITH e outros, 2006; TAMAYO; BORGES, 2006),
movimentar e desenvolver pessoas capacitando-as para as funções gerenciais (DAVEL;
MELO, 2005, DUTRA, 2002) e, por último, incorporar as competências individuais e
organizacionais no âmbito das políticas de gestão (BITTENCOURT; BARBOSA, 2004,
CARBONE; BRANDÃO; LEITE; VILHENA, 2005, FLEURY; FLEURY, 2000). Tais
desafios, e outros tantos não apontados, ao serem analisados no âmbito da gestão
internacional fazem aumentar os fatores a serem observados. Isto justifica a necessidade de
estudar o processo de gestão internacional para buscar insumos que venham a subsidiar
políticas mais efetivas de gestão de pessoas na preparação de gestores para atuarem fora de
seu país de origem.
Diante dessas questões, corrobora-se a importância de se refletir acerca de aspectos
interculturais e sobre as nuances que surgem a partir dela. O estudo sobre as formas de gestão
de um ambiente multicultural nas organizações pode levar à melhoria de posturas atuais e à
formulação de novas estratégias que sejam cada vez mais eficientes no tratamento do
ambiente, trazendo conseqüentemente benefícios para as práticas de gestão das organizações
(BUENO; DOMINGUES; DEL CORSO, 2008), tanto em aspectos técnicos como
principalmente em domínios cognitivos.
Expostas algumas discussões teóricas, focando-se nas competências interculturais,
tem-se o respaldo para apresentar os resultados da pesquisa realizada a qual objetivava elencar
as competências necessárias que os profissionais da organização estudada devem ter para
atuar em contextos internacionais.
4 A Pesquisa: apresentação e análise de resultados
Conforme mencionado, a pesquisa, desenvolvida entre os anos de 2007 e 2008 teve
por objetivo identificar junto aos funcionários da organização, as competências necessárias ao
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gestor intercultural, bem como os principais desafios destacados por estes gestores em
experiências multiculturais.
As questões centrais que orientaram o desenvolvimento do estudo foram as seguintes:
1. Como os gestores expatriados da organização percebem as características culturais nos
locais em que operaram quanto a desafios, riscos e possibilidades, considerando as diretrizes
de negócio traçadas pela organização?
2. Que capacitações são requeridas dos gestores da organização no âmbito da gestão
internacional?
3. De que modo o conhecimento dessas capacitações poderá contribuir para a formação de
futuras gerações de gestores internacionais?
Em congruência com essas questões, os objetivos foram assim definidos:
1. Caracterizar e categorizar as capacitações necessárias aos gestores que atuam em outros
países, evidenciando-se as regularidades (competências comuns) e singularidades
(competências específicas).
2. Desenvolver conhecimento sobre o tema, de relevância estratégica em tempo de
internacionalização.
3. Contribuir para o desenho de programas de formação de gestores interculturais, preparando
futuras gerações.
Cabe observar que a pesquisa ora discutida foi desenvolvida em duas fases articuladas
e intercomplementares. Na primeira fase, de natureza qualitativa, foram realizadas entrevistas
em profundidade junto a gestores que atuaram no exterior, de modo a conhecer a trajetória
profissional e os desafios gerenciais enfrentados por esses indivíduos levando em conta a
diversidade cultural de cada país. Na segunda fase, na qual este artigo se concentra, por meio
de uma abordagem quantitativa, foram colhidas as opiniões de 274 executivos da organização
por meio de questionário. O referido instrumento foi constituído por sete tópicos de questões,
distribuídas entre perguntas fechadas (como idade, sexo, grau de formação etc) e abertas,
referentes a temas como a participação no processo de internacionalização; integração
internacional e; preparação para a gestão intercultural. Objetivou-se, por meio deste
instrumento, obter um mapeamento das competências necessárias à gestão intercultural,
segundo os respondentes.
O perfil da amostra foi composto por executivos que tenham de alguma forma
vivenciado a experiência internacional e/ou de executivos que estabeleceram vínculos
interculturais que, não necessariamente, por meio da vivência fora de seu país de origem. Isto
em razão do foco da pesquisa não se concentrar no processo de expatriação estritamente, mas
nas diversas formas de vivência intercultural propiciadas pela estratégia de expansão dos
negócios da organização em estudo. Basicamente, o perfil dos respondentes caracterizou-se
por homens, faixa etária entre 35 e 55 anos, com formação em nível superior e/ou algum tipo
de especialização, os quais já haviam sido expatriados ou trabalhado junto a colegas
procedentes de diferentes localidades, logo, todos já haviam vivenciado em seu cotidiano a
experiência intercultural.
Para tanto, foram caracterizados três domínios de capacitações, os quais, em conjunto,
constituem a competência intercultural. Logo, tem-se: as capacitações gerais (saber ser); as
capacitações gerenciais (saber gerir); e as capacitações relacionais (saber interagir). Assim,
procurou-se caracterizar e categorizar as capacitações necessárias aos gestores que atuam em
outros países, evidenciando os domínios de competência requeridos para a gestão
internacional. Estes domínios assemelham-se à concepção da escola francesa, muito influente
no tratamento da questão das competências no meio empresarial. Para esta escola,
representada por autores como Le Boterf e Zarifian, a classificação das competências
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sustenta-se em três elementos fundamentais: saber (representado pelos conhecimentos); saberfazer (representado pelas habilidades) e saber-ser (ou seja, ter atitudes).
É importante ressaltar que, em paralelo à pesquisa supracitada, foi feito um
mapeamento entre instituições de ensino e organizações privadas de desenvolvimento em
gestão, no Brasil e no exterior, com o propósito de se obter um panorama sobre programas de
formação ou capacitação com foco em gestão intercultural, de modo a identificar qual a
ênfase dada em relação ao desenvolvimento de competências pessoais, gerenciais e de
relacionamento nestes cursos. Outro item de atenção referiu-se à abordagem de cada um
desses programas: discursiva, laboratorial e prática. Cabe salientar que as informações sobre
cada programa foram obtidas pela consulta a materiais publicitários e sites informativos das
respectivas instituições. Verificou-se que a metodologia destas instituições prevê a ênfase na
compreensão da dinâmica dos mercados globais, bem como habilidades necessárias para o
trabalho que envolva diversas culturas e sociedades. Como módulos básicos do programa,
tem-se, em geral: contabilidade, finanças, marketing, gestão e estudos internacionais, a partir
de uma perspectiva global. Um período do curso enfatiza os aspectos-chave da liderança,
equipe, motivação, ética e comunicação multicultural.
Ao se fazer este mapeamento buscou-se, ainda, evidenciar a abordagem de ensino
contida em cada programa, considerando, a princípio, três possibilidades de abordagem:
informativa/cognitiva, laboratorial/simulada e vivencial/prática. Dentre os programas
pesquisados, em geral, se concentram na dimensão informativa/cognitiva, disseminando,
portanto, conteúdos relacionados à gestão (aspectos de liderança, trabalho em equipe,
motivação; gestão de conflitos, criatividade etc). Em menor número, observaram-se cursos
que oferecem atividades simuladas sobre temas relacionados ao cotidiano gerencial. Por fim,
não foram encontradas nestes programas as existências de atividades totalmente práticas, ou
seja, vivências reais como experiências de coaching, tutoria ou estágios voltados ao contexto
da gestão intercultural. Feitas tais observações, a seguir, são apresentadas os três domínios de
capacitação e seus respectivos conhecimentos, habilidades e atitudes entendidos como mais
importantes pelos respondentes à pesquisa, ou seja, pelos gestores interculturais.
Capacitações Gerais (saber ser):
As capacitações gerais estão diretamente vinculadas à pessoa do gestor, por isso a
nomenclatura “saber ser”. No quadro abaixo estão representadas oito características
consideradas de grande relevância pelos gestores.
Capacitações Gerais (saber ser)
Média (escala de 1 a 5)
Relacionamento interpessoal
4,48
Flexibilidade em situações pessoais/profissionais
4,41
Experiência gerencial
4,17
Domínio da língua do país de destino
3,91
Conhecimento técnico
3,66
Conhecimento das especificidades culturais do país de destino
3,50
Conhecimento do país de destino
3,21
Rede de contatos
3,03
Quadro 1 - Capacitações Gerais.
Valores da escala: variavam de 1 (menos importante) a 5 (mais importante)
Fonte: relatório de pesquisa (2008).
Desvio Padrão
0,65
0,71
0,81
0,83
0,97
1,02
0,94
1,01
A habilidade de saber construir e manter um bom relacionamento interpessoal, com
uma média de 4,48 em uma escala de 1 a 5 e o menor desvio padrão (0,71), é a característica
mais importante para um gestor em um ambiente diversificado culturalmente. A segunda
característica mais importante é também outra habilidade: a flexibilidade em situações
9
pessoais e profissionais, ou seja, ser flexível diante das diferenças é uma característica valiosa
para o gestor enquanto pessoa. Observa-se que o bom relacionamento e a habilidade de ser
flexível aparecem à frente da experiência gerencial, considerado o terceiro item mais
importante dentre as capacitações gerais. Além da experiência gerencial, outros
conhecimentos destacam-se dentre as capacitações gerais, são eles: o domínio da língua do
país de destino; o conhecimento técnico; o conhecimento das especificidades culturais do país
de destino; e o conhecimento acerca do próprio país de destino. Por fim, a habilidade de
formar redes de contatos, com uma média de 3,03 em uma escala de 1 a 5, é o oitavo item
mais importante vinculado à pessoa do gestor.
Capacitações Gerenciais (saber gerir):
As capacitações gerenciais compreendem os conhecimentos, habilidades e atitudes
voltadas ao negócio e à estratégia de desenvolvimento como empresa internacional.
Constituem, portanto, as características que formam o “saber gerir” e as onze características
mais importantes estão listadas no quadro a seguir.
Capacitações em Gestão (saber gerir)
Média (escala de 1 a 5)
Visão estratégica de empresa
4,57
Processos decisórios
3,84
Negociação internacional
3,69
Gestão de processos
3,68
Responsabilidade social e ambiental
3,64
Hábitos de trabalho locais
3,58
Desenvolvimento em negócios
3,56
Legislação local
3,45
Gestão de custos
3,43
Orientações para o Mercado
3,40
Inovação e tecnologia
3,06
Quadro 2 – Capacitações Gerenciais.
Valores da escala: variavam de 1(menos importante) a 5 (mais importante)
Fonte: relatório de pesquisa (2008).
Desvio Padrão
0,71
0,91
1,10
1,04
1,08
1,03
1,04
1,02
1,03
1,01
0,92
A visão estratégica da empresa é o conhecimento mais importante dentre as
características gerenciais e aparece em primeiro lugar no quadro com a maior das médias
(4,57) em uma escala de 1 a 5 e o menor desvio padrão (0,71). Em segundo lugar, destaca-se a
atitude de saber gerir os processos decisórios. A habilidade em negociação internacional, o
conhecimento em gestão de processos e a atitude de responsabilidade social e ambiental
correspondem, respectivamente, ao terceiro, quarto e quinto item do quadro. Assim, é possível
perceber o quão importante é ter um conhecimento global do negócio e da estratégia da
empresa internacionalmente. Em seguida, surgem as características relacionadas à atuação
local, são elas: hábitos de trabalho locais; desenvolvimento em negócios e legislação local. A
gestão de custos, orientações para o mercado e inovação e tecnologia aparecem como os três
últimos itens do quadro. Esta observação permite supor que características mais técnicas de
trabalho mostram-se com menor importância dentre as capacitações gerenciais.
Capacitações Relacionais (saber interagir):
As capacitações relacionais referem-se às relações com diferentes públicos de
interesse nos âmbitos intra e intercultural. Tais capacitações compreendem o relacionamento
com diversos atores da empresa e, assim, constituem o “saber interagir” da competência
10
cultural. Os sete tipos de relacionamentos mais importantes das capacitações relacionais estão
descritos a seguir.
Capacitações Relacionais (saber interagir)
Relacionamento com a força de trabalho local
Relacionamento com a comunidade empresarial
Relacionamento com o governo
Relacionamento com a comunidade local
Relacionamento com a sociedade local
Relacionamento com sindicatos
Relacionamento com a mídia
Média (escala de 1 a 5)
4,49
3,93
3,80
3,78
3,58
3,35
3,24
Desvio Padrão
0,68
0,87
1,06
0,89
0,94
1,10
1,01
Quadro 3 - Capacitações relacionais
Valores da escala: variavam de 1(menos importante) a 5 (mais importante)
Fonte: relatório de pesquisa, 2008.
O relacionamento com a força de trabalho local destaca-se com uma média de 4,49 em
uma escala de 1 a 5 e também por possuir o menor desvio padrão (0,68). Logo, saber
relacionar-se com os trabalhadores locais é o item mais importante tanto entre os gestores
expatriados quanto entre os gestores não expatriados. O relacionamento com a comunidade
empresarial como um todo aparece em seguida. Em terceiro lugar está o relacionamento com
o governo. No quarto e quinto lugares retomam-se questões claramente relacionadas ao
território local, são elas: o relacionamento com a comunidade local e o relacionamento com a
sociedade local. O relacionamento com os sindicatos e o relacionamento com a mídia
aparecem como as últimas características dentre as mais importantes para as capacitações
relacionais
Além de questões que procuraram identificar os principais fatores - dentre gerais,
gerenciais e relacionais - que caracterizam a competência cultural, foram propostas também
algumas questões relativas à experiência de gestão internacional dos participantes. Tais
questões tiveram como objetivo obter informações sobre as principais vantagens e
desvantagens de se trabalhar com equipes multiculturais. Em relação às vantagens, observouse que a diversidade das equipes favorece o aprendizado de outros idiomas, amplia a
capacidade de resolver problemas, a troca de experiências e a tolerância para com as
diferenças culturais. Os contatos com diversificados modelos mentais também contribuem
para desenvolver a criatividade grupal, desenvolver as competências de negociação e
promove o desenvolvimento pessoal. Segue quadro ilustrativo:
Principal vantagem de ter colaboradores de culturas distintas
É fundamental para a empresa que quer se inserir no cenário internacional
Facilita o aprendizado de outros idiomas e amplia a cultura da equipe
A diversidade cultural da equipe amplia a capacidade de resolver problemas
(múltiplas soluções para um mesmo problema)
Amplia a troca de experiências
Aumenta a empatia e a tolerância para com as diferenças
Aumenta a competência (antecipa dificuldades) para atuar no contexto local com flexibilidade
Torna rotineiro processo de mudança, aumentando a capacidade de lidar com desafios (mudança de atitude
frente aos problemas)
Diminui a visão etnocêntrica que obstaculiza o entendimento mais amplo da realidade social
Trabalhar com pessoas de formação distintas que enriquecem a troca de aprendizagem
Crescimento pessoal e profissional
11
Aumenta a capacidade criativa e de inovação da equipe
Não há o predomínio de uma cultura sobre outra, o que aumenta a tolerância
A formação de um corpo gerencial multicultural que amplia as chances de a empresa adquirir competência em
gestão
Amplia a capacidade de negociação (aprendizado variadas formas de agir e pensar)
Aumenta do domínio de habilidades e competências para agir nos processos
Quadro 4 - Vantagens no trabalho em equipes multiculturais
Fonte: relatório de pesquisa (2008).
Quanto às principais dificuldades de se ter colaboradores de culturas diversas, a rigor,
alguns motivos que foram mencionados como vantagens de se trabalhar em equipes
multiculturais também aparecem como uma desvantagem. Os diversificados modelos mentais
dificultariam o consenso, principalmente quando é possível antever várias formas de resolver
os problemas sem que se possa decidir por um critério objetivo qual seria a melhor solução. O
desconhecimento da cultura e a ausência de domínio do idioma local dificultariam a
comunicação e a interação entre as pessoas, pois impedem a compreensão das formas
simbólicas de comunicação. Ou seja, não se é capaz de apropriar-se dos significados e
simbologias próprios de um dado país ou cultura. A atitude de aceitação da diferença e a não
discriminação também são fundamentais, mas nem sempre fáceis de colocar em prática, visto
que algumas culturas se sentem superiores às outras.
Principais dificuldades de ter colaboradores de culturas distintas
Distintas formas de pensar – modelos mentais
Desconhecimento da cultura local, principalmente dificultando em caso de aquisições
A diversidade às vezes dificulta a integração da equipe
Aceitar as diferenças
Adaptar-se a formas diferentes de pensar e agir
Encontrar uma base de entendimento comum na diversidade
Dificuldades de comunicação por terem modelos mentais e hábitos distintos
Ausência de domínio do idioma (visão de mundo – expressões idiomáticas)
Interpretações equivocadas do comportamento dos atores uns pelos outros
Diferenças de ritmos e forma de realizar o trabalho (brasileiros são mais flexíveis sobre o cumprimento de
prazos que americanos)
Multiplicidade de soluções de problema sem saber qual é a melhor
Vencer a rejeição inicial pelo estrangeiro
Diferenças de identificação com a empresa (os brasileiros são mais identificados)
Encontrar metas comuns e compartilhadas
Discriminação de umas culturas em relação a outras por achá-las menos desenvolvidas
Obter confiança mútua
Maior tempo gasto para a tomada de decisão (gestão se torna menos ágil)
Polarização de posições
Respeitar a cultura local quando se tenta implementar valores e comportamentos organizacionais
Restrições de crenças e práticas religiosas
Obter uniformidade de pensamento e sentimento de pertencimento
Quadro 5 - Dificuldades no trabalho em equipes multiculturais
Fonte: relatório de pesquisa (2008).
Quanto aos motivos de adesão pessoal à internacionalização, os gestores referem que o
desenvolvimento profissional e aprendizagem, a capacidade de superar desafios, a experiência
12
pessoal, a busca de valorização da empresa, experiência gerencial e vontade de mudar de país,
área e função são motivos principais que justificam a opção pela expatriação, conforme a
tabela abaixo:
Motivos de Aceitação da Atuação Internacional
Média (escala de 1 a 5)
Desvio Padrão
Aprendizagem e desenvolvimento profissional
4,76
Capacidade de superar desafios
4,56
Experiência pessoal
4,19
Busca de valorização e reconhecimento na empresa
3,40
Experiência familiar
3,17
Vontade de mudar de país, área ou função
3,13
Cumprimento de política de internacionalização
2,89
Formação dos filhos
2,84
Empregabilidade
2,28
Ascensão social
1,99
Dificuldade/ impossibilidade de recusar a oferta
1,93
Quadro 6 - Motivos de adesão pessoal à internacionalização
Valores da escala: variavam de 1 (menos importante) a 5 (mais importante)
Fonte: relatório de pesquisa (2008).
0,47
0,66
0,80
1,20
1,31
1,29
1,38
1,27
1,23
1,10
1,04
Ressalta-se que os motivos dos gestores como indivíduos predominam sobre o
cumprimento da política de internacionalização da empresa, o que implica na necessidade de
investir na capacitação estratégica e na definição de trajetórias de capacitação. Estes
resultados podem significar a liberdade e autonomia que o gestor vivencia nas escolhas
profissionais vis-a-vis as políticas da empresa. Desta forma implica, decisivamente, nas
diretrizes que devem orientar o modelo de capacitação para gestão internacional/ intercultural.
Em relação aos fatores que contribuíram para o êxito na expatriação, na percepção dos
gestores, em primeiro lugar aparece a qualificação gerencial do expatriado seguido pela
adaptação deste ao ambiente. A adequação do “pacote” de remuneração e benefícios também
aparece como um fator significante para o êxito na expatriação. Além da qualificação, da
adaptação e da remuneração do expatriado, destaca-se a importância de uma seleção adequada
do candidato à expatriação.
Fatores relacionados ao Sucesso do Processo de Expatriação
Qualificação gerencial do(a) expatriado(a)
Adaptação do(a) expatriado(a) ao novo ambiente
Adequação do "pacote" de remuneração e benefícios
Seleção do profissional a ser expatriado(a)
Aceitação do(a) expatriado(a) pelo corpo gerencial no novo local
Legitimação do(a) expatriado(a) pelos funcionários do novo local
Qualificação técnica do(a) expatriado(a)
Adaptação do(a) parceiro (a) do(a) expatriado(a) ao novo ambiente
N
192
197
194
191
197
196
188
198
Domínio pelo(a) expatriado(a) do idioma no novo local
195
Adaptação dos filhos do(a) expatriado(a) ao novo ambiente
194
Relacionamento do(a) expatriado(a) com clientes
194
Relacionamento do(a) expatriado(a) com o governo local
192
Quadro 7 - Fatores de êxito na expatriação
Valores da escala: variavam de 1 (menos importante) a 5 (mais importante)
Fonte: relatório de pesquisa (2008).
Média
Escala de 1 a 5
3,50
3,48
3,46
3,45
3,43
3,12
3,09
2,99
Desvio
Padrão
1,764
1,599
1,648
1,685
1,678
1,699
1,660
1,692
2,75
2,63
2,55
1,87
1,493
1,738
1,616
1,489
13
5 Considerações Finais: requisitos de um modelo de capacitação
O presente texto buscou refletir sobre os desafios relacionados à gestão intercultural
em organizações multinacionais, tendo como premissa as aprendizagens necessárias ao
desenvolvimento da competência intercultural como base do processo de formação de
executivos para a atuação internacional. As análises deram-se a partir de uma pesquisa em
uma organização transnacional de origem brasileira atuante em diversos contextos culturais.
No intuito de contribuir para o desenho de um programa criativo de formação de
gestores interculturais, com ênfase no desenvolvimento da competência cultural, bem como
colaborar com o conhecimento sobre o tema, o estudo aqui resumido entendeu que as
informações obtidas junto a gestores com ampla experiência internacional seria uma estratégia
defensável para apreender o universo simbólico e inferir modos de pensar e de agir que
orientam a gestão. Em relação ao contexto de pesquisa, a organização em questão, além de
enfrentar a competição interna no país, identificou a necessidade de expansão e conquista de
uma posição de destaque no mercado internacional. Passados alguns anos desse exercício de
expansão territorial, foi necessário refletir criticamente sobre esse aprendizado para corrigir
rumos e orientar políticas de gestão harmonizadas a contextos diferenciados culturalmente.
Um dos grandes desafios para a empresa, sem dúvida alguma, é o de lidar com a diversidade
cultural, o que será especificado nas considerações abaixo:
Primeira consideração: a discussão sobre um modelo inovador de gestão
internacional com ênfase na competência intercultural dos gestores deveria levar em conta
que os gestores desejam qualificar-se para se desenvolver profissionalmente, especialmente,
no que se refere às relações com o outro, ou seja, desenvolver capacitações de relacionamento
interpessoal com a força de trabalho, sindicatos, governos e mídia nos locais em que a
empresa atua.
Segunda consideração: a construção de um modelo de capacitação em gestão
intercultural deve estar integrada a um programa de capacitação estruturante da ação gerencial
em todos os espaços e territórios em que a empresa atua.
Terceira consideração: como competências individuais, distinguem-se três domínios:
(a) Pessoal (saber ser); (b) Gerencial (saber gerir) e (c) Relacional (saber interagir), que
devem ser integradas em estratégias que promovam aprendizagens significativas.
Quarta consideração: a partir dos fatores relacionados ao sucesso do processo de
expatriação, conforme apresentado no quadro 7, a qualificação gerencial, a adaptação ao
ambiente e uma seleção criteriosa devem estar interligados nas políticas e estratégias da
empresa.
Quinta consideração: há um forte acento individual nos motivos de adesão pessoal à
internacionalização. Os gestores referem que aprendizagem e o desenvolvimento profissional,
a capacidade de superar desafios, a experiência pessoal, a busca de valorização da empresa,
experiência gerencial e vontade de mudar de país, área e função são motivos principais que
justificam a opção pela expatriação.
Ressalta-se que os motivos dos gestores como indivíduos predominam sobre o
cumprimento da política de internacionalização da empresa, o que implica na necessidade de
investir na capacitação estratégica e na definição de trajetórias de capacitação. Implica,
decisivamente, nas diretrizes que devem orientar o modelo de capacitação para gestão
internacional/intercultural.
Sexta consideração: um modelo de formação de gestores interculturais deve orientarse para a empresa em perspectiva estratégica desenvolvendo capacitações gerenciais de
relacionamento intercultural. O desenvolvimento de capacitações que não implicam em
conhecimento apenas, mas em habilidades de convívio com outras pessoas e realidades
culturais diversas.
14
Sétima consideração: para aprender a se relacionar com diversos públicos é
necessário que o modelo se oriente por princípios da aprendizagem reflexiva, isto é, que se
valha de simulação de realidade e práticas nestas mesmas realidades, ao contrário da ênfase
informativa/cognitiva dada aos cursos atualmente ofertados; a despeito da qualidade de
conteúdo, oportunizam pouca reflexão sobre a prática, bem como oportunidades de simulação
restritas e vivências não sistematizadas ou supervisionadas.
Oitava consideração: na base conceitual do desenvolvimento da competência em
gestão intercultural estão implícitos os princípios de integração, complementaridade,
continuidade e recursividade. O que isto significa? Significa dizer que a excelência do gestor
intercultural se concentra na integração entre domínios de capacitação (nível pessoal,
gerencial e relacional), na complementaridade e continuidade entre estes domínios e na
recursividade entre as ações e reflexões geradas pela dinâmica das soluções educacionais
utilizadas pelo sistema de formação. Assim, tendo estes quatro princípios como balizadores
entende-se porque um gestor, por melhor que esteja preparado na gestão do negócio, deve ser
apoiado no desenvolvimento como pessoa e preparado para se relacionar com diferentes
públicos.
Finalmente, diante das informações obtidas, entende-se que um modelo de formação
para gestores deva levar em consideração que, quaisquer que sejam as opções de formação,
estas devem ser orientadas por uma diretriz que as mantenha direcionadas a uma mesma
concepção. No presente caso, isto quer dizer, a despeito das inúmeras possibilidades que a
organização possua em termos de contratação de programas de formação para gestores
interculturais, há que considerá-los sob a diretriz do desenvolvimento de competência e de
condições reais de se criar modelos e estratégias de ensino que promovam aprendizagens
significativas.
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