Museu dos Coches. O novo espaço da cidade “eternamente nunca terminada” Bruno Simões CastanheiraMARIA RAMOS SILVA 22/05/2015 08:00:00 Reunimos o consórcio responsável pelo edifício que se inaugura em Lisboa. A precisão da primeira maqueta em madeira de Paulo Mendes da Rocha bastou para viabilizar o projecto. São Paulo fez a ponte com Lisboa, e do outro lado responderam o arquitecto Ricardo Bak Gordon e o engenheiro Rui Furtado. Muito mais peças ajudaram a erguer o edifício que ocupa 15 177 metros quadrados nos terrenos das antigas Oficinas Gerais do Exército, mas é com estas que se desenha, sem atrasos, a conversa em redor de uma mesa em dia de inauguração. Já muitas vezes teve de esperar tanto tempo para ver a obra inaugurada? Paulo Mendes da Rocha (PMR) – Ah, sim. Sou suficientemente velho para já ter visto isso antes. É comum. É muito difícil ter um prazo para uma obra desse porte e não acontecerem coisas imprevisíveis, política, etc., no meio do caminho. Exige muita paciência? Ricardo Bak Gordon (RBG) – É interessante perceber que afinal, de um lado e do outro do Atlântico, o problema se repete, e repetir-se-ia noutros lugares. As obras de grande complexidade enfrentam sempre vicissitudes. Algumas nunca se concluem nem saem do papel. No meu caso, lembro-me da residência da embaixada de Portugal em Brasília. Fizemos duas vezes o projecto de execução e nunca se construiu, por opção política. Faz cinco anos de viagem atrás de um projecto, repete-o, e não sai do papel. Acontece. O que nos alimenta é que enquanto esperamos por uns estamos a fazer outros. Rui Furtado (RF) – É a única hipótese. Em Itália um projecto demora em média 20 anos. PMR – É? Sabe que eu não sabia disso? RF – Sim, é uma coisa inacreditável. Aqui estivemos foi muito mal habituados durante muitos anos, em que as coisas aconteciam. Os estádios aconteceram, as casas da música aconteceram. Bom, estivemos bem habituados, mas a realidade é diferente. Passado esse tempo de intervalo, o arquitecto confronta-se com a vontade de alterar muita coisa? PMR – Não, eu não vejo assim. Falo por mim, mas não só não é assim como tomara que não seja por muito tempo. A arquitectura não é nada à l’occasion. A questão da habitabilidade do planeta, que no fundo está em jogo, da cidade, não é uma questão de moda. Pode ser que seja interessante para o mercado, mas nós não temos nada que ver com embalagens. Agora há quem trate a arquitectura como embalagem. RBG – Os nossos trabalhos, sejam eles de escala menor, privados, ou um trabalho como este, público e de uma importância imensa, estão fundados em valores e convicções que não são passíveis de ser questionados ao fim de dois ou três anos. O caso dos coches resolve um problema urbano de uma maneira muito peculiar. O extremo nascente de Belém nunca tinha sido cidade, eram oficinas fechadas atrás de um muro. Este edifício vem fazer cidade, abrir este lugar à cidade, constituindo uma série de espaços públicos novos. Não porque sejam novos agora, mas porque são diferentes do que já lá estava. A grande virtude do edifício é construir cidade e a forma como o faz. É deste tempo, trazendo à colação a preexistência, o casario da Rua da Junqueira, que viveu uma vida inteira de costas voltadas para um lugar. Vão sendo integradas as várias camadas. Vamos pensando a cidade de formas diferentes? PMR – Acho que a forma não é nem parecida nem diferente. É sempre a continuação do mesmo projecto. A construção da cidade é eterna, é eternamente nunca terminada. Pressupõe transformações, sem dúvida. Veja Roma, você não vai demolir um Coliseu. No meio das construções novas é encantador ter aquela ruína. Como se avalia essa durabilidade? Paulo – São os outros que vão avaliar, que é uma coisa interessante. Nós não fazemos nada para nós. Se dura um pouco, já vai durar mais que qualquer de nós. A vida de um homem é muito curta. Uma construção hoje, um prédio de 20 andares para habitação, com quatro apartamentos por andar, à frente de um metro, pode durar para sempre. RBG – Há um fenómeno nas cidades que é a sobreposição do tempo. Há construções que são mais preservadas que outras. Mas tudo isso funciona em continuidade, como o Paulo dizia. Raramente se assiste a processos de ruptura. Embora aqui tenhamos tido um, o terramoto de 1775. PMR – O terramoto é um fenómeno. A cidade não é fenómeno, é política. Fenómeno só a natureza, não existe fenómeno urbano. Toda a acção urbanística é fruto de uma decisão política. RF – Ontem contava ao Paulo que há uma pequena vila romana perto de Marco de Canavezes, que fui visitar há uns anos. Lembro-me de ter ficado espantado por ver capitéis nas fundações das casas romanas. Ora isto explica tudo o que estávamos a falar. Os romanos estiveram cá há 700 anos e nesse tempo a evolução do uso faz com que as cidades avancem. PMR– Você lembra em Istambul aquele reservatório de água? É tão bonita a imaginação humana... Sabe fazer coisas presumidamente belas, graciosas. O belo é um conceito vago, mas você pode tentar seduzir o outro. Como se conjuga o desafio estético com um projecto social, a função, etc? PMR – É uma oportunidade, sempre. RBG – Está sempre subjacente. O arquitecto também tem consciência disso. Quando falamos de um lugar, nenhum de nós faz a mesma coisa em lugares diferentes. O lugar é o contexto, físico e não só. Quando se olha para o lugar como parte do problema é porque se estabelece um diálogo, que pode ter muitas configurações. É ter consciência de alguma coisa que vai fazer parte de um todo maior que ele.