Capa e logotipo do programa: Rômulo Garcias
PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL
CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Avenida Antônio Carlos. 6627 – Pampulha
Sala: 1035 do Prédio FAFICH
Telefone: 3409 5002
Caixa Postal 253
CEP. 31.270-901
Belo Horizonte – Minas Gerais
Apoio:
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APOLINÁRIO, Célio – Célio Apolinário (Entrevista Temática) 2008
Belo Horizonte – Programa de História Oral – Centro de Estudos Mineiros
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade Federal de Minas Gerais – 2008
HA – 0
APOLINÁRIO, Célio (Entrevista Temática) 2008 - Belo
Horizonte – Programa de História Oral – Centro de
Estudos Mineiros - Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas – Universidade Federal de Minas Gerais –
2008
1. 2. 3.
4.
Área Temática: Profissionais da Imagem e Imagens de
profissionais: Fotografia e cultura urbana em Belo
Horizonte (1970-1999)
PROIBIDA A PUBLICAÇÃO NO TODO OU NA PARTE, PERMITIDA A CITAÇÃO
PERMITIDA A CÓPIA XEROX
A CITAÇÃO DEVE SER TEXTUAL, COM INDICAÇÃO DA FONTE
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FICHA TÉCNICA
ÁREA TEMÁTICA: HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA
TIPO DE ENTREVISTA: TEMÁTICA
ENTREVISTADO: CÉLIO APOLINÁRIO
ENTREVISTADORES: CARLA CORRADI RODRIGUES
LUCAS MENDES MENEZES
LUÍSA PARREIRA KATTAOUI
LOCAL DE REALIZAÇÃO DA ENTREVISTA: BELO HORIZONTE
DATA: 15 de outubro de 2008
FONTES DE ÁUDIO:
TRANSCRIÇÃO: CARLA CORRADI RODRIGUES
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FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – FAFICH
CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS
PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL
PROJETO:
PROFISSIONAIS DA IMAGEM E IMAGEM DE
PROFISSIONAIS: FOTÓGRAFOS E CULTURA URBANA EM BELO
HORIZONTE, 1973-1999
ENTREVISTADORES: CARLA CORRADI RODRIGUES, LUCAS
MENDES, LUÍSA PARREIRA KATTAOUI
ENTREVISTADO: CÉLIO APOLINÁRIO
LOCAL: BELO HORIZONTE
DATA: 15 de outubro de 2008
FONTES DE ÁUDIO:
TRANSCRIÇÃO: CARLA CORRADI RODRIGUES
REVISÃO:
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ENTREVISTA
LK: Hoje é dia 15 de outubro, estamos aqui com Célio Apolinário, Lucas Mendes, a
Carla Corradi e Luísa Kattaoui. Célio, a gente queria que você começasse falando seu
nome completo, quando você nasceu, aonde...
CAO: Meu nome é Célio Apolinário de Oliveira. Eu nasci em Bambuí, aqui em Minas,
no oeste de Minas, mas eu não tenho culpa nenhuma disso e...
LK: Quando?
CAO: Dia 12 de maio de 1942.
LK: 42. E como que foi a sua infância? Quantos irmãos?
CAO: Nós éramos 8 irmãos. Quatro casais. Eu comecei desde muito pequeno a
trabalhar. Eu plantava, eu... é... ajudava a minha mãe em casa. Montei um boteco,
montei uma bicicletaria, eu alugava bicicletas.
CR: Em Bambuí?
CAO: É. E tocava bateria no clube.
[risos]
LM: Você era o irmão mais velho?
CAO: Não. Eu sou o quinto. E até que um dia o fotógrafo da cidade lá precisou de um
ajudante e perguntou para a minha irmã, eles eram muito amigos, se lá em casa não
tinha alguém que tivesse queda para desenho. Falou: - Olha, o Célio tem. – Ah, então
manda ele vir aqui. Aí eu fui e [comecei com esse] o Virgílio [Marques], que hoje mora
em Araxá. Ele começou a me ensinar a fotografia, eu me entusiasmei. Mas muito antes
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disso, eu devia ter de seis para sete anos de idade, eu fui à matinê, o cinema lá da
cidade, e estava passando um filme que chamava... Olha eu não sei o nome do filme
mais. Não lembro mais. Mas o filme era a história do New York Times. //LK: Uhum.//
Aí eu saí do cinema alucinado. Falei: eu vou ser jornalista. E, mas o pessoal... A minha
família não tinha condições, eu não estudei. Eu fiz o curso primário, parei e, mas isso
nunca mais saiu da minha cabeça. //LK: Uhum.// E como fotógrafo, antes do Virgílio
me chamar, tudo o que eu via eu imaginava aquilo em papel, aquela paisagem em papel.
Ou o acontecimento em papel.
LK: Você desenhava.
CAO: Não. Não desenhava, ficava na minha cabeça. Porque a gente fotografa com o
olho, não é? Com o olho e com a mente. Aí foi a chance que eu encontrei de vir para o
jornalismo, foi através da fotografia, já que eu não estudava, não...
LM: Na sua casa não tinha câmera? Você tinha câmera em casa?
CAO: Não. Tinha não. É... como eu não gostava de estudar, não é porque meu pessoal
não tivesse condições de pagar estudo e tal, é porque eu não gostava.
LK: Seus irmãos estudaram?
CAO: Meus irmãos estudaram. Todos eles.
LK: Uhum.
CAO: Aí é... Foi a minha chance não é? Então eu levei a sério o aprendizado com o
Virgílio e resolvi vir embora para Belo Horizonte. Aqui, chegando aqui, eu fui trabalhar
como garçom em um hotel em troca de cama e comida. E no intervalo do almoço e do
jantar eu saía procurando emprego. E consegui no Foto Elias1. E no Foto Elias... Lá no
hotel eu conheci um hóspede que era muito amigo do Célio [Zaulicos], um dos
melhores jornalistas que Minas já teve.
1
A Foto Elias era uma empresa de revelação e venda de equipamentos fotográficos fundada em 1935 por
Elias Aun em Belo Horizonte.
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LK//LM//CR: Célio como?
CAO: Célio [Zaulicos]. Célio [Zaulicos] era chamado também de general da banda. Ele
tinha esse pseudônimo. Ele fazia humor.
LK: Ah tá.
CAO: Grande jornalista. E esse hóspede era muito amigo dele e me apresentou para ele.
Me apresentou não. Mandou que eu o procurasse. Aí eu procurei o Célio [zaulico], que
na época estava sendo criado um jornal aqui em Belo Horizonte, chamava Correio de
Minas. Aí eu fui... Enquanto isso não acontecia, eu trabalhei no Foto Elias até que
surgiu esse jornal e eu fiquei, o Célio [zaulico] me apresentou para o Zé Inácio Ferreira
Filho que era o chefe da fotografia no jornal. //LK: Uhum.// Aí eu cheguei lá todo
humilde e tal, ele resolveu me dar o emprego como laboratorista do jornal.
LK: Você era laboratorista no Foto Elias?
CAO: Era. Lá no Foto Elias eu fazia foto três por quatro.
CR: E você trabalhou quanto tempo no Foto Elias?
CAO: Um ano. Eu era...
CR: Você tinha quantos anos?
CAO: Eu tinha dezesseis, dezesseis para dezessete. Aí lá no Correio de Minas trabalhei
no laboratório durante algum tempo e até que um dia estava programado ter uma corrida
de lambreta na Praça da Liberdade. E eu percebi que não tinha, não estava pautada a
cobertura desse evento lá, dessa corrida. Eu não sei porque, mas não estava pautada. Aí
eu pedi ao Zé Inácio uma ponta de filme. Filme naquela época era de doze poses. E ele
me deu a ponta de quatro, quatro negativos. Aí eu fui lá para a Praça da Liberdade de
manhã cedinho e comecei... fiz a minha primeira foto publicada. E isso na época não era
normal porque é... normalmente o pessoal fazia foto estática sabe? //LM: Uhum.// De
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corrida. Então você via a moto ou o carro parado. //LM: Parado// E tudo parado. O
fundo e primeiro plano tudo parado. Eu resolvi fazer assim: diminuí a velocidade da
máquina, fechei o diafragma e fiz foto de arrastão. Aí na... Isso foi no domingo. Á tarde
eu fiz o texto e na segunda-feira, a segunda-feira não chegava de jeito nenhum, estava
ansioso para chegar no jornal. Cheguei, mostrei para o Gabeira. Fernando Gabeira2.
Falei: - oh Gabeira, eu fiz isso aqui. O que você acha? Ele falou: - Oh, genial! E tal.
Chamou os outros fotógrafos todos lá, sabe? –Olha isso aqui é que é trabalho
jornalístico. E tal. E eu nãos sabia onde é que eu punha a cara. //LM: Aham.// E fui
publicado na primeira página e tal. Que deu muito destaque. E o tempo foi passando, eu
continuei no laboratório até que eu fui chamado para ir para o Binômio3. No Binômio
eu fiquei algum tempo, não me lembro mais quanto tempo foi, até que veio a
Revolução4, não é? //LK: Uhum// Aí com a Revolução eu fiquei três anos sem conseguir
emprego em Belo Horizonte.
LK: O Binômio fechou em 64?
CAO: 64. O Zé Maria Rabelo foi exilado, não é? //LK: Uhum.// E aí nesse intervalo a
gente fez algumas coisas, uma revista que chamava Foto Esporte e eu gostava muito de
esporte. E...
LM: Mas e no Binômio, como é que foi a experiência lá?
CAO: Foi ótima.
LM: É?!
CAO: Mas sensacional! Foi a minha, umas das minhas melhores épocas.
LM: Você trabalhava com quem?
2
O mineiro Fernando Gabeira nasceu em 1941 em Juiz de Fora. É jornalista, escritor e deputado federal
no Rio de Janeiro.
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O jornal Binômio foi fundado em 1952 e circulou até 1964 quando foi fechado pelos militares por seu
caráter humorístico e oposicionista.
4
Golpe civil-militar que depôs o presidente João Goulart em abril de 1964.
8
CAO: Era o [inaudível], [Jacoca Jaíba], Carlos Filipe, [inaudível] Barbosa, Mario Rola,
é...
LM: Você era o único fotógrafo?
CAO: Eu era o único, não tinha, é... Fixo eu era o único. Mas tinha outros lá.
LK: E você entrou na criação do Binômio?
CAO: Não. O Binômio já era bem antigo. //LK: Era antigo.// É que o fotógrafo que
trabalhava lá chamava, chama-se Antônio [Posenso], ele não estava querendo continuar
mais no jornal porque ele estava acumulando empregos e o jornal estava atrapalhando a
vida dele. Então ele me chamou para ficar no lugar dele. Me apresentou para o Zé Maria
Rabelo. Eu era menino ainda. O José falou: - Esse menino não dá, não vai dar futuro
não. Aí eu comecei a fazer o meu trabalho, fui muito elogiado. O jornal era muito
comentado nas redações de Rio e São Paulo. Até que o Ziraldo, uma vez nós fizemos
uma matéria com o filho de um jogador que chamava Didi que foi da seleção brasileira,
o folha seca, e o Ziraldo5 viu essa foto e ficou encantado e veio a Belo Horizonte para
buscar essa foto. //LK: Um.// No Jornal do Brasil tinha um caderno que chamava
Caderno B que era um caderno espetacular sabe? Mas uma maravilha. Ele publicou a
foto em mais de meia página. Então eu acabei fazendo um certo, tendo um certo
prestígio nas redações de Rio de São Paulo. Bom, depois disso eu, o Binômio acabou...
LK: Mas a fotografia no Binômio era tratada de alguma forma diferente?
CAO: Era muito humor. //LK: Umhum// Até hoje ainda tem, eu coloco muito humor no
que eu faço. Humor, denúncia, crítica. Na época da censura eu consegui publicar muita
foto que só depois é que eles viram que aquilo era uma denúncia sabe? //LK: umhum.//
De certa forma eu estava denunciando alguma coisa.
LK: Você lembra de algum exemplo? Tem algum exemplo aí? 6
5
Ziraldo Alves Pinto, mineiro de Caratinga, nasceu em 1932. É cartazista, jornalista, teatrólogo,
charchista e escritor.
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A entrevistadora se refere às fotografias expostas por Célio Apolinário aos pesquisadores durante a
entrevista.
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CAO: Aqui não. Está tudo em São Paulo, não é?
LK: É?
CAO: Mas, tem essas coisas aqui, está vendo? Ás vezes eu [procurava] ridicularizar as
pessoas. Vocês já fizeram a filmagem, deixa eu pegar um [bocado] interessante aqui.
Isso aqui não deixa de ser uma expressão, não é?
CR: Essa é de quando, mais ou menos?
CAO: Essa aqui foi, é um negócio escabroso. //CR: 75?// Um negócio escabroso isso aí.
Tinha um “fazendeirão” aí, não me lembro mais a época, a região que era. Ele matava,
ou mandava matar as pessoas e jogava dentro de uma cisterna. Então foram encontradas
lá sessenta e quatro ossadas. Isso aqui é, o tiro era dado na nuca e saía no crânio assim
ó, está vendo? E os ossos da mão, vários deles lá amarrados com cordas de nylon. Onde
é que eu parei?
LK: Que você ridicularizava pessoas... //CAO: É, mas...// Usava humor...
CR: E você chegou a sofrer algum tipo de retaliação na época da censura por causa
disso? //CAO: Não. Não. Nenhuma.// Não?
CAO: Não. Aquela foto da fome no mundo...
LK: Mas além do José Maria Rabelo, outros jornalistas do Binômio foram... //CAO: Ah,
sim.// [exilados]?
CAO: É, daí veio a Revolução, não é? Veio a Revolução e eu fiquei desempregado
durante os três anos e o pessoal daqui foi indo embora. Foram para Rio, São Paulo. Essa
mineirada que chegou em São Paulo revolucionou a imprensa paulista. No Jornal da
Tarde, mas foi assim uma ascensão violenta. //LM: Jornalistas mineiros.// É.
CR: O Gabeira foi nessa época?
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CAO: O Gabeira ele foi para o Rio. //CR: Rio, não é?// É. Jornal do Brasil. Aí é foi
criado a Veja, e bom, nesse meio tempo que eu fiquei desempregado, ficava fazendo
free lancer, fiz para a revista Manchete, Fatos e Fotos, Jornal do Brasil, Última Hora.
LK: Tudo aqui em Belo Horizonte.
CAO: É. eu nunca saí daqui de Minas. Então...
LK: E nem fazia trabalho para fora?
CAO: Não. Esporadicamente aparecia, eles aproveitavam alguma coisa sabe? //LK:
umhum// Mas eu não estou lembrando não. Aí foi criado a Veja7 e o Alberico Souza
Cruz foi convidado para ser o, para dirigir a sucursal aqui. Ele já me conhecia desde o
Correio de Minas então ele me chamou. Eu comecei a revista Veja estava no número, se
não me engano, número 11 ou 12.Fiquei lá até o número 800 e tantos.
LK: Na sucursal.
CAO: Na sucursal. Mas aí no princípio a, como eu estava na Editora Abril, fazia todas
as revistas, não é? Veja, Placar, Quatro Rodas, Cláudia, Playboy, Exame. Fiquei lá até
82. Aí, não vou entrar em detalhes, mas eu saí em 82 da Veja. Ah não, pela revista
Placar eu fiz algumas viagens. A minha primeira viagem internacional foi pela revista
Placar. Eu acompanhei o Cruzeiro na Libertadores, quando o Cruzeiro foi campeão e...
LK: E na Veja, a sucursal aqui de Belo Horizonte tinha outros fotógrafos com você?
CAO: Só free lancer, não é?
LK: Você era o único contratado. Você era contratado.
CAO: É, mas mesmo assim até ser contratado eu trabalhei lá durante dois anos.
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O primeiro exemplar da revista Veja foi publicado em 11 de setembro de 1968 sob a direção do editor
Victor Civita.
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LK: Aí não tinha nenhum contratado.
CAO: Não. Aí até que o Henrique Caban que era o diretor da revista desconfiou e
mandou me contratar. Aí fiquei lá até 82 e quando eu saí eu fui chamado para trabalhar
na campanha do Eliseu Resende8 . Ele estava disputando o governo do estado com o
Tancredo Neves. Bom, aí depois disso a vida continuou.
CR: Para alguma revista mineira mesmo você chegou a trabalhar?
CAO: Trabalhei. Tinha assim uma revista que chamava Municípios Mineiros, isso antes
de eu ir para a Abril.
CR: Foi muito tempo?
CAO: Não me lembro mais quanto tempo eu fiquei lá, mas a revista também acabou
logo. E esses free lancer eu fiz para vários. Fiz publicidade. Eu só nunca consegui fazer
foi moda.
LK: E a Veja, a fotografia que você fazia para o jornal, para o Binômio era muito
diferente da Veja? Como que era?
CAO: É mais ou menos a mesma coisa sabe? Porque a Veja quando eu trabalhava lá,
tinha uma outra orientação. Porque antes da Veja surgir tinha a revista Manchete que
era só coisa bonita, paisagem. E então eles recebiam um material muito grande é,
jornalístico, aí eles sentiram a necessidade de criar uma revista para aproveitar esse
material. Aí fizeram que a revista que chamava Fatos e Fotos. Mas aí a Manchete
continuou do mesmo jeito sabe? //LK: umhum// É, deixa eu fazer um parêntese aqui.
LK//CR: Umhum.9
CAO: Quando for fotografar essa foto você mostra aqui que a foto foi vetada.
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Mineiro de Oliveira, Eliseu Resende já atuou como professor da UFMG, deputado federal, ministro de
Estado dos Transportes entre 1979 e 1982 e senador, entre outros cargos.
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O gravador é desligado por alguns minutos a pedido do entrevistado.
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LK: [Inaudível] para filmar.
CAO: A foto foi vetada e tem a assinatura do censor.
LK: Pode falar.
CAO: Era uma matéria que ia chamar a fome no mundo. E aí como é que ia ilustrar isso
não é? Essa foto eu fiz por acaso. Para mostrar a fome tinha que mostrar, eu tinha que ir
lá no deposito de lixo, não é? Chego lá, a primeira coisa que eu vejo foi essa cena aí. A
revista ia publicar essa foto na capa ou então na abertura da matéria. Ia ser página
inteira está vendo?
CR: E aí foi vetada.
CAO: Foi vetada pelo censor e no lugar da foto que a Veja ia usar na matéria, tipo essa
aí, eles puseram foto de bolo, foto de paisagem. //LK: Sobre fome, não é?// Foto
daqueles pratos da cozinha de Cláudia. //LM: anham, pra...// Revista Cláudia.
LK: Mas só a foto foi censurada, a matéria não foi não.
CAO: Foi. Foi censurada. Tinha espaços, não é? Mas aí eles tiveram que modificar a
matéria quase toda.
LM: Umhum.
CAO: Mas essa foi a única foto que foi vetada. Quer dizer, que eu tenho conhecimento.
//LM: Que chegou até...// Porque foto de político também tinha muita coisa engraçada lá
sabe? Que naturalmente o censor proibiu não é? Mas aí eles nunca me falaram não, mas
essa aqui eles mandaram para mim como prêmio, não é? Dia 13 de novembro de 74.
CR: E a própria revista às vezes, como eles sabiam que poderia ser censurada, eles
mesmo já faziam uma...
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CAO: Uma pré-censura não.
CR: Não, não é?
CAO: Não. Quer dizer, naquela época não era só a Veja, não é? //CR: Era geral.// Toda
a imprensa, não é? O Estadão de São Paulo publicava foto de receita.
LK: Mas existia uma autocensura? “Eu não posso fotografar isso”.
CAO: Não. Não. Uma única vez eu tive autocensura sabe? Mas eu não sei se eu devo
falar não.
LM: Fica a vontade.
LK: Se não quiser não precisa.
CAO: Não vem ao caso não. Mas isso foi uma única vez. Falei: - Não. Essa foto eu não
vou fazer não.
LK: E a Veja, por ser da Editora Abril, como foi a criação da Veja? Ela veio com uma
proposta muito diferente?
CAO: Foi completamente diferente. Quer dizer, como eu estava dizendo, existia a
Manchete, não é? O Cruzeiro. //LK:Umhum.// E então a Veja chegou em preto e branco
sem nenhuma preocupação com mostrar beleza, não é? Aquelas fotos grandiosas,
trabalhadas e tal que a gente chama de fotoclubismo. Fotoclubismo é isso. Coisa que
não quer dizer nada. É bonito mas não quer dizer nada. Então a Veja veio com essa
orientação nova. Graças ao Mino Carta que foi o cara que criou a revista. A história que
eu conheço é mais ou menos o seguinte. Estava lá o Victor Civita em Roma num
daqueles cafés, não é? E se encontrou com o Mino Carta e começaram a conversar e tal
e surgiu a idéia de começar uma revista de informação do Brasil. Foi assim que
começou a Veja. E antes da primeira edição eles fizeram acho que cinco ou seis edições
número zero. Que é o laboratório, não é? Até que saiu a edição número um.
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LK: Então tinha menos preocupação com a aparência da revista. //CAO:É... Não
totalmente, sabe? // Ou queria criar uma aparência diferente?
CAO: É. Mostrar a realidade. //LK: Umhum// Tanto que a Editora Abril tinha uma outra
revista que chamava Realidade, não é? //LK: Anham.// Foi a melhor publicação que já
se fez no Brasil até hoje. Era só reportagem sabe? E então... Não que a revista fosse mal
feita ou feia, nem nada não, mas era uma revista de informação.
CR: Era uma proposta diferente.
CAO: É. Completamente diferente da Manchete, não é? E desde a primeira edição
pegou assim de uma vez, não é? Então era isso. Material fotográfico você tinha que
estar mostrando, tinha que estar presente, não é? Então não importava, você tinha que
mostrar momento, não é?Quanto mais você mostrasse o momento certo melhor. Então
para mim fotojornalismo é isso sabe? [inaudível] Você não pode, como essa fotografia
da publicidade aí é, não importa se a foto está tremida, se está fora de foco, nem nada.
Ela, desde que ela mostre o momento... Uma situação dessa por exemplo você vai parar,
“não, vou pôr tal velocidade, com tal diafragma”, o menino já morreu há muito tempo.
Então você tem que fotografar do jeito que dá. Umas das melhores fotos jornalísticas
que eu conheço foi uma foto de um japonês, tinha um ministro lá qualquer fazendo uma
conferência e da platéia surgiu um cara com uma, parecia ser até uma baioneta, então o
cara invadiu o auditório e enfiou a baioneta na barriga do cara sabe? O óculos dele
fazendo assim. Então ele pegou a faca entrando e o óculos subindo.
LK: O japonês?
CAO: É.
LK: Como que ele chama?
CAO: Ah, não sei não.Tem muito tempo. Mas para mim fotojornalismo é isso sabe?
Você tem que mostrar alguma coisa e não só... Isso evidentemente, se você está fazendo
uma matéria que exige que o material seja bonito para chamar a atenção aí você vai
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fazer. Mas quando é reportagem, quando é denúncia, essas coisas todas, não é? Aí não
importa a técnica da fotografia. Importa o que ela mostra e diz, não é?
LK: Importa o fotógrafo.
CAO: Não. Importa... //CR: A informação é superior à estética [nesse caso].//A
informação. Exatamente.Você matou.
LK: E durante esse tempo todo que você ficou na Veja como que ela foi evoluindo? Ela
mudou muito?
CAO: Foi. Veio mudando. Aí começou a [inaudível], começaram a exigir mais capricho
nas fotos e... //LK: Ficou colorida...// Mas não perdeu o sentido dela não sabe? O
sentido da revista, que é uma revista informativa. Ela chama Veja por causa da Look.
Look, não é? Uma revista americana que chamava Look. No interior de Minas ela é
chamada de “Óia”, não é?
[risos]
LK: E quando que ela ficou colorida?
CAO: Não. Naquela época já tinha coisa em colorido sabe? Mas o, praticamente o
miolo da revista era preto e branco. Dificilmente [eu] fazia foto colorida. É claro que eu
fiz muita coisa colorida e tal. Lá eu ganhei dois troféus e duas menções de destaque.
Tem aqui... Quando foi criado esse Prêmio Abril de Jornalismo, para mim tem um valor
muito maior porque foi a primeira e durante todo o tempo da revista que já tinha, já
existia eu acho que a sete,oito anos. Então imagina o grau de material que eles estavam
divulgando, não é? E eu ganhei o primeiro com a melhor foto em preto e branco. Ah, foi
do Newton Cardoso. Ela não está aqui não. 10 //CR: Não está aí não.//
LK: Teve uma dele... Mas careta dele? Não?
10
O entrevistado refere-se às fotografias que estavam sobre a mesa durante a entrevista.
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CAO: Não. Foi o seguinte, ele era prefeito de Contagem e resolveu acabar com a fábrica
de cimento Itaú. Então, e ele conseguiu, não é? Hoje tem aquele shopping lá. Mas as
chaminés ficaram lá, não é? Então foi uma polêmica, sabe? Uma coragem [danada] por
parte dele acabar com uma indústria daquele tamanho. Mas o fato é que a Itaú estava
poluindo demais aquela região toda, sabe? O bairro Eldorado, JK. Era incrível o mau
que aquilo causava não é? Então eu fui num matagal lá, bem afastado da indústria, que
eu queria mostrar a fumaceira saindo das chaminés. Aí fiz uma foto, ficou até bonita
sabe? Aquela fumaceira incrível. E fomos entrevistar o Newton Cardoso, prefeito. Aí eu
fiz as fotos de praxe e quando me ocorreu eu fui até a cantina, eu pedi licença do
gabinete dele e fui até a cantina e falei: -Olha... Com o garçom. -O prefeito está pedindo
café lá. Aí, -Ah, pois não. Pois não. Aí eu voltei para a sala, deixei a máquina preparada
e fiquei aguardando. Ele tomou o café, aí pegou o cigarro, mas puxou aquela primeira
tragada. Mas puxou fumaça feito um doido! E fez: “pó”11
[risos]
CAO: Aí eles publicaram a foto da chaminé e ele soltando aquela fumaceira. E com essa
foto que eu ganhei o prêmio. [risos]
LK: Foi o primeiro prêmio?
CAO: É.
LK: Você lembra quando foi? Tem aí?
CAO: Deixa eu ver se tem atrás aí. Tem não. Não tem a data não... 12
LK: Mas foi você que enviou a fotografia ou eles selecionaram?
CAO: Eu mandei, aí o editor lá percebeu logo, não é? //LK: Umhum.// Percebeu e
publicou uma ao lado da outra. Tinha muito isso sabe? O pessoal percebia a intenção da
11
12
Referindo-se ao fato do prefeito Newton Cardoso soltar a fumaça tragada do cigarro.
O entrevistado levanta-se e procura a informação nos troféus dispostos em sua sala.
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gente, sabe? Já que a gente não estava lá para fazer lobby. Aí eles percebiam logo a
intenção.
LK: Então depois da Veja você ficou como freelancer?
CAO: Fiquei como freelancer. Fui fazer... Trabalhar na campanha do Eliseu Resende.
LK: Mas você também trabalhou no Hoje em Dia?
CAO: Aí é... Trabalhei primeiro no Diário de Minas. Aqui em Minas eu só não trabalhei
no Estado de Minas. //LK: Anham.// O resto eu trabalhei em tudo. Diário de Minas,
Hoje em Dia, o que mais? Os jornais que não eram daqui eram sucursal.
LM: E no Diário de Minas você trabalhou antes da Veja?
CAO: Não. Depois.
LM: Foi no Correio de Minas que você trabalhou antes.
CAO: É. Antes da Veja foi no Correio de Minas. O Diário de Minas foi uma segunda
existência não é? Ele tinha acabado e voltou. Aí nessa segunda tentativa eu trabalhei.
Também foi feito um belo jornalismo lá, sabe?
LK: E o Hoje em Dia foi quando? Você lembra? Mais na década de noventa?
CAO: Até 89.
[A entrevista é interrompida durante alguns instantes para a troca de pilhas do gravador
digital.]
CAO: ... Você não veste a camisa da empresa, você veste a sua camisa. Porque você
como profissional, não é? Você nunca perde o pique, não é? Mas a empresa não. E se
tivesse trabalho assim constante a gente ganharia muito mais até. //LK: Não tinha...//
Vou tomar um pouquinho de água. Aceita água gente?
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LK//LM//CR: Não. Obrigado.
CAO: Acho que é a única coisa que eu posso oferecer. [risos] A não ser que vocês
queiram tomar whisky aí.
LM: Só um parêntese então. O Correio de Minas você trabalhou antes da Veja?
CAO: Foi.
LM: Quanto tempo você trabalhou lá?
CAO: Correio de Minas?
LM: É.
CAO: O Correio de Minas durou um ano e meio. Eu fiquei um ano.
LM: E era diferente? Da experiência do Binômio?
CAO: Ah, foi. Porque lá no Correio de Minas eu era laboratorista, não é? Mas foi a
minha grande chance de mostrar o meu trabalho com esse material da corrida de
lambreta. Aqui olha. A poluição da Itaú. Foi em 77. Essa exposição das caretas foi aqui
em Belo Horizonte, Ouro Preto, foi parar lá em Teresina no Piauí.
[risos]
CAO: Secretaria de cultura de lá.
LK: Foi 79, não é?
CAO: É. 79. Maio de 79. Na abertura da exposição foi uma loucura lá. A avenida
Afonso Pena foi fechada.
[risos]
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LK: Sério?
CAO: Foi! Você precisava ver! Eu não estava acreditando no que eu estava vendo. Foi
todo mundo que eu fotografei estava lá.
[risos]
LK: Como a gente não gravou aquela hora que você estava falando, fala um pouco da
exposição, como que foi a idéia.
[a entrevista é interrompida durante alguns instantes para a troca de fitas do gravador
analógico]
CR: E aí, os primeiros jornais que o senhor trabalhou, a máquina já era do senhor ou era
do jornal?
CAO: Eu trabalhava com... Na Veja eu comecei a trabalhar com o meu equipamento.
//CR: Com seu equipamento. // É. Horrível.Hoje eu fico pensando como é que eu
conseguia fazer alguma coisa porque era muito ruim.
[risos]
LM: Era qual material?
CAO: Era uma Pentax.
LM: Pentax.
CAO: É.
CR: E aí nos anteriores era do, o equipamento era da empresa?
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CAO: Depois que a Editora Abril me mandou um equipamento mais decente. Aí eu
fiquei entusiasmado e tal. De careta é só essa aqui?13
LK: Mas como freelancer era seu equipamento.
CAO: É. Eles não forneciam equipamento para freelancer não. Eu não consigo ver essas
fotos sem dar risada.
LK: Quanto tempo durou a exposição?
CAO:Ficou quinze dias lá.//LK: Quinze dias?// Segundo o presidente do Palácio das
Artes foram lá nove mil pessoas.
LK//LM//CR: Nossa!
LK: Costumava ter muita exposição de fotografia?
CAO: Não. Eu me lembro deles terem feito uma exposição de fotografia lá na época da
Copa do Mundo. Não me lembro mais...
LK: Sobre futebol.
CAO: É. Eu participei. Jorge Carone.
14
[risos] Ai meu Deus do céu! Todo,
praticamente todos os fotógrafos têm um tema onde ele investe, não é? E eu comecei a
investir nesse [tipo] material que a Veja mandava para a gente avaliar, eles mandavam
uma folha de contato. Aí eles publicaram as fotos que não eram de careta, não é? E eu
comecei a perceber que tinha muita careta para mostrar. E comecei a mostrar para as
pessoas e as pessoas sempre riam muito. Falei: -Ah, você quer saber, eu vou fazer uma
exposição desse material. E fui selecionando. Está mostrando?15//LM: Unhum.// Fui
selecionando e toda vez que eu vejo essas fotos eu dou risada porque não dá para
acreditar. E para conseguir isso eu fazia o seguinte: durante a entrevista eu já ficava com
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O entrevistado indica uma fotografia entre as que estavam na mesa.
Referindo-se a uma fotografia entre outras que mostrava aos pesquisadores.
15
Dirige-se ao pesquisador que estava filmando e fotografando o material que ele estava mostrando.
14
21
a máquina no olho. Porque é invariável. Toda vez que você está falando alguma coisa,
às vezes você está entusiasmado ou com raiva, triste ou qualquer tipo de sentimento,
você acaba, dependendo da pergunta do repórter não é? Você acaba fazendo a
expressão. Então era justamente nesse momento é que dava para fazer o, mostrar as
fotos. E isso mostra um pouco também da personalidade da pessoa. Faz careta por
nervosia, por tique,por entusiasmo.
LK: Mas aí você começou a fotografar para a exposição ou [você pegou do seu próprio
arquivo]?
CAO: Não. Não. Depois... Quando eu comecei a juntar o material já tinha muita coisa.
Por isso é que é, eu percebi que já tinha material suficiente para montar uma exposição.
LK: Unhum.
CR: E aí você completou com alguma coisa?
CAO: É. Aí é que eu caprichava mais um pouco, não é?
CR: Tem muito político aí.
CAO: Tancredo Neves. A maioria aqui é político, não é? Esse cara, esse padre aqui foi,
como é que fala? Quando o padre forma. Como é que fala? Me fugiu a palavra.// LM:
Quando ele vira padre.// É. Eu falei. Naquela hora eu falei. Ordenado.//LM:
Ordenado//Esse padre foi ordenado pelo papa João Paulo I, italiano.
CR: Essa do Magalhães Pinto [é ótima].
CAO: O senhor reitor.[inaudível] Nelson Monteiro de Lima. Esse cara aqui foi técnico
do Cruzeiro. É... Sobral Pinto.
LK: Essa é a do prêmio//CR: Que ganhou o prêmio.
CAO: Essa é do prêmio. De um dos dois não é? [inaudível].
22
CR: Aureliano.
[risos]
CAO: Aqui.
LM: E o contato no Palácio das Artes foi com quem? Você lembra onde...
CAO: É. Foi, acho que se não me engano foi o Mauro[inaudível]. Eu não me lembro
mais o nome do encarregado lá da época, mas eu cheguei e mostrei para ele, ou alguém
falou para ele da existência disso e ele mandou me chamar. Aí ele falou: -Olha, vamos
colocar, fazer uma exposição dele, mas no fundo do foyer.Então a idéia dele era colocar
no [princípio] uma exposição que, de gravura, que eu não me lembro mais que tipo de
gravura era aquela. Aí quando ele percebeu o quê que estava virando. A notícia era só
isso, porque os jornais começaram a noticiar muito antes de abrir a exposição. Por isso
que ficou lotado lá na época sabe? Aí o cara teve que mudar os planos todos. Passou
aquela exposição de gravura lá para o fundo e a minha no princípio.Foi governador, vice
presidente da República, um monte de deputados, jogadores, gente de todo jeito sabe?
Por isso que virou aquela confusão lá.
LK: E o Palácio das Artes era o principal lugar de exposições em Belo Horizonte?
CAO: Ah era. Ainda é, não é? [inaudível] Esse cara tem uma história de vida incrível.
Ele é praticamente cego não é? Ele estava preparando...
CR: Quem é esse?
CAO: É o Aires da Mata Machado. Ele estava preparando um dicionário. Gente, mas se
vocês vissem o trabalho que ele estava tendo para fazer esse dicionário. Ele fazia ficha,
umas fichas desse tamanho assim, de cada palavra, de cada termo e tal. E ele tinha uma
lupa,uma lupa grande iluminada por baixo, então ele punha, lia letra por letra que tinha
que... Dava dó de ver o trabalho que ele estava fazendo. [inaudível].
23
LK: E você fotografa muito para esportes, não é?
CAO: Eu sempre gostei muito porque esporte é, por causa da espontaneidade não é?
Você tem muita chance de mostrar lances ótimos como aqueles lá, o cara com a cabeça
cheia de água...
LK: E como é que foi? Desde o começo você fotografava para esportes? Quando você
estava na Abril?
CAO: Não. Lá era de tudo não é? Principalmente política, não é?
CR: Você falou da Placar.
CAO: Pois é.
LK: E tem espaço para esporte no fotojornalismo?
CAO: Tem muito. Olha, se não me engano é uma das sessões mais lidas de jornais viu?
//LK: Unhum.// É esporte e polícia não é? Polícia continua sendo o, a melhor escola de
jornalismo. Todo grande repórter já foi repórter de polícia.//LK: Ah é?// Eu não sei te
explicar não mais é.
CR: É mais difícil?
CAO: É mais difícil. Nossa, aquilo é uma caixa de marimbondo sabe?
CR: Precisa de um sangue frio maior tanto para fotografar quanto para...
CAO: É.É. E tem, principalmente a polícia... [Cadê o gravador?] O pessoal é muito
truculento, não é? São truculentos demais. Então você tem que ter muita, muita
vivacidade para não fazer, cair no jogo deles. Eles fazem muito isso, não é?
LM: Você chegou a trabalhar também com reportagens policiais?
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CAO: Já. Várias vezes.
LM: No Hoje em Dia ou...
CAO: Na Veja. É, principalmente no Hoje em Dia eu só fazia esporte.
LM: Hoje em Dia só esporte.
CAO: É. Aliás foi onde o Guinaldo Nicolaievsky me chamou, eu falei, eu pedi para ele
que me deixasse fazer só esporte. Mesmo porque havia... O gravador [risos].
[o gravador é desligado por alguns instantes a pedido do entrevistado].
LK: E você viu a introdução da câmera digital no mercado?
CAO: Olha, tem, tem três anos que eu comecei a trabalhar com digital.
LK: É?
CAO: Eu era terminantemente contra sabe? Mas não tem jeito. //LK: Aham. Por que
que você era contra? Hoje... É... A gente passou a vida inteira trabalhando com
analógico, não é? // LK: Anham. //CAO: Laboratório e tudo, mas hoje eu vejo o quanto
eu sofria.
LM:[risos]
CAO: Porque Nossa Senhora, não é? A diferença é brutal, não é? Aquelas preocupações
todas que você tinha com regulagem de equipamento hoje praticamente não tem mais,
não é? E o nível de qualidade é muito maior também. Então eu fico pensando se quando
eu comecei se já tivesse a digital eu estava feito.
CR: Você lembra o tipo de máquina que você começou?
CAO: Filme.
25
CR: Máquina assim...
CAO: Ah! Essa da lambreta, por exemplo, a minha primeira foto publicada, nem 35
milímetros não era. Era uma máquina que chamava [RolleiFlex]. Era uma máquina
caixote que a gente chama, com duas lentes, então você tinha que focalizar assim, não
é? Era muito limitada, mas a ótica dela era perfeita. O que falta na digital hoje.
LM: Anham// CR: Unhum.
CAO: Eu, a ótica é toda de resina, não é? Mas é, naquela época as máquinas naquela
época eram feitas de cristal, então a definição era infinita. Infinitamente melhor. Hoje a
digitação você não pode fazer uma ampliação grande.
LM: Tem mais limite, não é? //CAO: É.// Para ampliar.
CAO: Mas, depois é que, depois de muito tempo é que eu peguei uma máquina de 35
milímetros que era a ... Essa como é que eu falei?
LM: Pentax?
CAO: Pentax. Depois a Abril me deu, me presenteou com uma Nikon que já era um
passo grande. Hoje eu tenho Nikon ainda, mas digital.
LM: A Nikon nos anos 70 mais ou menos? A Veja...
CAO: É. É. [inaudível]
LK: Mas aí até três anos atrás você estava trabalhando com a analógica//CAO:
Analógica.// e os jornais estavam na digital.
CAO: Não. Parece que aqui só o Estado de Minas estava começando com digital. //LK:
Aham.// Estava muito ruim. //LK: Anham.// Ruim mesmo. E outra coisa, é, quando eu
acompanhei o Cruzeiro na Libertadores eu levava um equipamento que chamava
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telefoto. A telefoto já foi um avanço da rádio foto. A rádio foto as redações recebiam
através de rádio. As fotografias você tinha que adivinhar o quê que estava, o quê que era
a foto.
[risos]
CAO: Aí o avanço foi essa telefoto, que a gente mandava foto por telefone. Então era
um aparelho, pesava mais ou menos 30 quilos. Eu viajava com aquilo, aí foi pela
América do Sul toda. Eu chegava nos hotéis tinha que montar laboratório, eu levava
ampliador, montava o laboratório, tinha que ligar o, esse aparelho no cabo telefônico.
Em cada país era de um jeito. E aí a gente, eu revelava, por exemplo, para cobrir um
jogo da seleção brasileira contra Paraguai lá em Assunção. A iluminação do estádio era
horrível, mas horrível! E o meu chefe em São Paulo falou: -Célio você tem dez minutos
para fazer esse jogo.
LM: [risos]
CAO: Imagina! Aí eu fui para o estádio, a minha úlcera aplaudindo de pé, não é?
[risos]
CAO: Aí eu chego no estádio, eu acabei dando sorte que o primeiro gol que o Brasil fez
foi antes dos dez minutos. [risos] Aí eu saí correndo, fui para o hotel, revelei o filme e
mandei por telefone.Então hoje você chega no estádio e liga o seu, a sua câmera no
celular e sem sair do estádio você já manda a foto. Por isso que meu cabelo ficou desse
jeito.
[risos]
CAO: Lá em Santiago do Chile, eu estava com essa telefoto e fiquei sentado na frente
do telefone. Eu marquei no relógio, foram três horas e quarenta minutos. //CR: Para
enviar.// Esperando o pessoal de São Paulo ligar para mim para eu mandar a foto. Meu
Deus do céu, hoje está tranqüilo demais!
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LK: E na sua relação com o repórter de texto como que era? Tinha uma parceria...
CAO: Sempre. A gente, aliás isso é uma coisa absolutamente necessária. Se não houver,
como é que fala? Acordo entre repórter de texto e repórter fotográfico vira uma coisa.
Primeiro, quando você vai sair para fazer alguma matéria, principalmente entrevista e
tal você tem que inteirar o quê que vai ser tratado na entrevista. E aí que acontece isso,
você fica esperando o momento certo. Porque normalmente a [expressão] vai ajudar
demais o texto. Então essa compla... complemen...
LK: Complementação?
CAO: É, complementação, não é? Complementa... [risos] Me fugiu.
CR: Complementaridade.
CAO: Isso! [risos] Complementaridade. O texto complementa a foto e a foto
complementa o texto. //LK: Anham.// Entendeu? Aquele negócio de uma imagem vale
por mil palavras, isso é besteira. //LK: Unhum.// Porque dá para você imaginar uma
porção de coisas numa foto como essa não é? Mas se não tiver o texto você se está, por
que que ela foi feita, não é?
CR: Então o texto ajuda muito na leitura da imagem?
CAO: Claro. Quer dizer, a imagem ajuda a leitura. Hoje eu vejo televisão, na televisão
principalmente, me provoca muita raiva sabe? [Pessoalzinho] de microfone, não é? Eu
falo assim porque eles chamam a gente de, fotógrafo chamava a gente de retratista. O
pessoal de micro, os repórteres de televisão ele age como se o repórter cinematográfico
fosse um apêndice dele. Fala, eles dizem sempre “o meu cinegrafista”, “o meu
fotógrafo”. Fotógrafo dele coisa nenhuma, não é? E isso se não tiver acordo, vira briga
séria. Há pouco tempo eu estava vendo na televisão [ali], uma confusão de rua. O pau
comendo no meio da rua, sabe? Mas violência para tudo quanto era lado e o repórter lá
todo engravatadinho com o microfone e as coisas acontecendo lá e o cinegrafista não
podia mostrar não. Tinha que mostrar o carinha lá com o microfone e a confusão aqui e
tal. Acho que a gente podia cortar isso aí, porque sabe? Vai provocar... //LK: Não. Não
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preocupa não. // Vai provocar polêmica e eu não quero isso. Mas que me mata de raiva
mata cara. Tem cada uma que.
CR: Você já teve algum problema assim com, uma foto sair publicada com um texto...
CAO: Não. Não. Não porque esse relacionamento, para evitar esse tipo de
relacionamento eu sempre conversei, quando o repórter chegava um cara novo eu já
conversava com ele. –Olha vamos entrar em um acordo aqui. Eu não vou atrapalhar o
seu trabalho, nem você o meu. [tosse] Vou beber água.
LM: Beleza.
CAO: Então quando você se entende bem com a equipe a coisa flui muito mais
tranqüila, sabe? Eu muitas vezes eu pedia opinião ao motorista. Eu fiz muita coisa que
foi o motorista que me sugeriu. Então eu falava isso sempre com o repórter, sabe? De
texto. É.. –Vamos ver se a gente entra em acordo, você, eu aceito toda sugestão, quero
ter liberdade de dar sugestão para você, porque aí a gente vai fazer um trabalho conjunto
e a coisa vai sair bem. Então eu nunca tive problema por causa disso, eu conversava
antes. Como uma vez que eu fui com uma repórter paulista, nós fomos à Amazônia
fazer uma matéria sobre os missionários. Então nós tivemos na tribo Yanomami e
ficamos viajando um mês. Quase um mês. Aí lá em Roraima, Boa Vista, eu vi que o
ambiente já estava começando a ficar pesado. Aí depois do, à tardinha estava muito
calor, depois fomos tomar banho e fomos jantar, depois de jantar em convidei a menina
para a gente conversar. Saímos andando, sentamos em uma pracinha lá... [o entrevistado
indica o gravador.]
[o gravador é desligado a pedido do entrevistado]
CAO: Nós fizemos um vôo clandestino. Conseguimos contratar um piloto lá em Boa
Vista. Aí contamos para ele qual que era a nossa intenção. Ele falou: -Olha é proibido
entrar na reserva. – Não, mas a gente vai e tal. Falou: -Bom, então eu levo vocês, mas
assim que eu pousar eu vou dar para vocês quarenta minutos para vocês fazerem o seu
trabalho, porque se começar a chover, nós vamos ficar presos aqui durante seis meses na
aldeia. Aí eu fiquei louco, não é? E saí fotografando feito um danado e tal e ele fez
29
sinal. “Vamos embora”. Aí entramos no avião. Nós pousamos em uma pista, que pista?!
Era um pasto que tinha mais ou menos duzentos metros. Desses duzentos metros pelo
menos cinqüenta, sessenta metros estava alagado. Eu passei com água acima do joelho e
ele conseguiu pousar. Aí para levantar vôo ele mandou que, eu estava no banco de trás,
ele mandou que eu sentasse mais para a frente para dar um balanço no avião, sabe? A
hora que ele conseguiu levantar o vôo a chuva chegou.
CR//LK//: Nossa!
CAO: Falou: -Está vendo, ó. Se a gente não tivesse levantado vôo nesse momento, a
gente ia ter que morar aqui nessa aldeia durante seis meses.
CR: E isso foi quando?
CAO: Ah, não lembro.
CR: Mais ou menos a época assim.
CAO: Não lembro.
CR: Você trabalhava na Veja.
CAO: É .Na Veja.
CR: Na Veja. E as fotos ficaram boas?
CAO: Ficou. Na época até ia ser a capa sabe? Mas aí eu não sei o que aconteceu com o
Magalhães Pinto e ele me roubou a capa.
[risos]
CAO: Saiu a foto do Magalhães Pinto na capa. Mas a matéria foi muito bem
aproveitada e tal.
30
LK: E você se considera um autodidata?
CAO: Na fotografia?
LK: É.
CAO:Praticamente. //LK: unhum.// Porque isso é, não sou autodidata. Isso é
inato.[inaudível] Querer dizer que o pintor é autodidata. Ele pode aprender alguma
técnica, mas ele já nasce com aquele dom.
LK: Você participou de alguma oficina, teve semanas da FUNARTE...//CAO: Na
FUNARTE...// Festival de Inverno...
CAO: Há muitos anos atrás eu fui um dos jurados de um concurso lá na FUNARTE, no
Rio de Janeiro. Eu fui um dos jurados. Mas participando com trabalho não.
LK: Mas você sabe dessas semanas que aconteciam cada ano em uma cidade...
LM: Nos anos 80.
CAO: Não estou lembrado não. Mas eu nunca participei não.
LK: E dos encontros nacionais que aconteciam dos repórteres fotográficos você
participava?
CAO: Só internamente lá na Abril. Todo ano tinha um, a gente se reunia lá em São
Paulo para discutir não é? //LK: Unhum// Conversar sobre fotografia, sobre jornalismo,
sobre equipamento. É enriquecedor isso.
LK:Os freelancers também participavam?
CAO: Não. Só... //LK: O contratado // É. Porque naquela época todos, praticamente
todos os estados tinha sucursal, não é?
31
CR: E era muita gente nesses eventos?
CAO: Devia ser umas oito sucursais por aí. Mas aí muita gente lá mesmo de São Paulo
participava sabe? //LM: Unhum.// Pessoal de outras revistas. Porque naquela época a
Abril publicava 64 títulos. Revistas diferentes, não é? Então todo mundo ia lá então
dava um volume grande.
LK: E tinha algum tipo de, [como é que] fala? Domínio assim de Rio e de São Paulo?
CAO: A gente respeita mais não é? Acaba a gente aqui da província se sentindo isso
não é? A gente fica meio... Sem querer a gente se sente diminuído. Você tinha nomes
não é? Só nome importante e tal.
LK: Quais nomes?
CAO: Ah, não vou citar não.
LK:Não, mas que você admirava.
CAO: Eu admirava muito um repórter fotográfico que já faleceu, chamava é... Ai meu
Deus. JB Scalco.16 Ele era gaúcho. Esse cara eu respeitava muito. O Pedro
Martinelli17.Eu vou esquecer alguns nomes, por isso que eu não gosto de citar sabe?
//LK: Anham.//
16
J. B. Scalco (Porto Alegre, RS, 1951 — São Paulo, SP, 1983) Iniciou a carreira de repórter fotográfico
no jornal Zero Hora em Porto Alegre (1967). Trabalhou para a Folha da Tarde, Porto Alegre(1969), foi
editor de fotografia do Jornal da Terra em Tenente Portela (1970) e fotógrafo do Jornal de Santa Catarina,
Florianópolis (1971). De volta a Porto Alegre em 1973, trabalhou para a revista Placar, atuando como
fotógrafo esportivo. Em 1978 realizou, junto com o jornalista Luis Cláudio Cunha da revista Veja, a
reportagem sobre o seqüestro de dois exilados políticos uruguaios em Porto Alegre, pela qual recebeu o
Prêmio Esso de Jornalismo (1979). Em 1980 mudou-se para São Paulo, onde trabalhou para a revista
Placar. Destacou-se como fotógrafo esportivo, capaz de captar o momento decisivo. Recebeu a Menção
Honrosa (1977) e o 3º lugar (1978) no Nikon Photo Contest International, Japão; o Prêmio Vladimir
Herzog, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (1979); e destaque na categoria
A Melhor Foto em branco e preto do 6º Prêmio Abril de Jornalismo, São Paulo (1981). Mostras
individuais:1985 – J. B. Scalco Fotografias, Galeria J.B. Scalco, Sindicato dos Jornalistas Profissionais
no Estado de São Paulo. Fonte: http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/243 acesso em 15/12/2008.
17
Pedro José Martinelli. Trabalha como fotógrafo no jornal O Globo de 1970 a 1975. É fotógrafo e editor
de fotografia da revista Veja (1977-1983) e diretor de serviços fotográficos no conjunto de revistas da
Editora Abril (1983-1994). Participa de importantes exposições coletivas, entre as quais S.P. 76 (Museu
de Arte São Paulo, 1976); I Trienal de Fotografia (Museu de Arte Moderna, São Paulo, 1980); Centro
Cultural São Paulo (1985); 100 Anos de Avenida Paulista, (MASP, 1991); I e II Bienal lnternacional de
32
CR: Eles tiveram algum tipo de influencia direta assim no seu trabalho?
CAO: No meu trabalho não. Eu nunca tive influencia de ninguém. Olha, talvez
instintivamente o Cartier Bresson por causa do ser humano na fotografia.Mas não era
exatamente por causa disso não. Porque as vezes eu colocava um ser humano para
mostrar a dimensão do ambiente sabe? Tem uma fotografia aqui que pode mostrar um
pouco disso. Essa aqui mostra um pouco, olha. Isso aqui é a subida do jogador de
futebol lá na Serra da Piedade. Mas não é essa que eu quero mostrar não. É uma de
favela. Uma fotografia até bonita.
CR: Essa?
CAO: Não. //CR: Não.
LK: Como que é?
CAO: Ela tem, pegou umas montanhas.
LK: É de favela?
CAO: É. Vai demorar um pouquinho para achar mas... Deixa eu ver se é essa aqui. Olha
essa aqui também mostra um pouco disso. Olha a dimensão.
LK: Ah tá.
Fotografia de Curitiba (1996 e 1998). Recebe Bolsa da Fundação Vitae (1996). Prêmio Esso de
Jornalismo na categoria Informação Científica, Tecnológica e Ecológica (1996) e diversos Prêmios Abril
de Jornalismo. Em 1997 é Indicado para o Prêmio Estadão Cultural. Publica os livros Casas Paulistanas
(São Paulo, 1998), Panará a Volta dos índios Gigantes (com exposição individual no SESC Pompéia, São
Paulo, 1998) e o livro Amazônia o Povo das Aguas (com exposição individual no Museu de Imagem e do
Som, São Paulo, 2000) É fotógrafo independente, tendo inúmeras reportagens publicadas nos principais
periódicos do país. Dedica-se a documentação fotográfica da Amazônia desde 1970, registrando o
primeiro encontro dos índios Panará com o homem branco, as queimadas ou a pesca do pirarucu. Busca
respostas para perguntas tais como quem é o homem da Amazônia, como vive, como se relaciona com o
próximo e com o meio em que habita? Trabalha atualmente no livro As Mulheres da Amazônia. Fonte:
www.pedromartinelli.com.br acesso em 15/12/2008.
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CAO: Mas essa que eu estou querendo achar aqui ela mostra muito bem isso sabe? Isso
aqui é que era folha de contato está vendo. Acho que ela não está aqui não está? Deve
estar aqui quer ver?
LK: Você mostrou para a gente?
CAO: Não. Essa eu acho que não mostrei para vocês não. Porque ela não é tão
importante. Um [inaudível] quarenta centavos.
CR: Essa daqui é da matéria do...
CAO: É. //CR: É!// Lá dos Yanomami. Gente, mas [inaudível] a hora que eu cheguei lá,
nós chegamos lá, o barulho do avião chamou a atenção de todo mundo lá, não é? //CR:
Imagino!// Uma tribo até pequena. Aí eles foram correndo lá para receber a gente. O
mais alto deles deve ter um metro e sessenta e poucos, sessenta e cinco e tal. Aí sai do
avião eu com um metro e oitenta e seis, cabeludo. Aí diz que os índios...
LK: Você era cabeludo?
CAO: Era. Os índios perguntaram para o padre lá, não é? O missionário. Eles não
perguntaram meu nome não, eles perguntaram “o quê que é aquilo?”.
[risos]
CAO: Não é quem é aquele não. O quê que é aquilo. Ah, não achei a foto não. Eu gosto
daquela foto porque... Mas [inaudível] eu gosto muito sabe? Tem muita ironia no que eu
faço. Essa do especialista em pães, do Minas Caixa que quebrou.
CR: Isso vêm um pouco do Binômio ainda?
CAO: Mais ou menos. Quer dizer eu nunca recebi assim orientação do que eu queria
fazer não sabe? Isso aqui é um outro ensaio que eu estou fazendo. É gente carregando
coisa. Só gente carregando coisa. Esse também é interessante. [inaudível] É. Aqui não
está.
34
LK: Mas você já apresentou alguma outra exposição individual igual essa [feita aqui]?
CAO: Não. Individual foi só essa.
LK: E coletiva?
CAO: Coletiva eu participei com foto de futebol durante a Copa do Mundo.
LK: Anham. No Salão de futebol...
CAO: Aqui olha. Essa aqui é mais ou menos isso que... É se não tivesse esse ser, gente
aqui, você não ia ter a menor idéia do que significa isso, não é? //LK: Umhum.// Então,
talvez instintivamente eu tenha percebido isso nas fotos do Cartier Bresson.Porque tem
sempre alguém, não é? Aparece nas fotos dele.
LK: Esse da Copa do Mundo era o salão de futebol que tinha não só fotografias, tinha
várias coisas...
CAO: Não. Foi específico mesmo.
LK: Só de fotografia.
CAO: É. É. Fotografia de... O mote foi a Copa do Mundo, não é?
LK: Umhum. E fez sucesso?
CAO: Fez. Fez algum. O Palácio das Artes é muito citado, não é?
LK: Umhum. Da vida cultural de Belo Horizonte, assim, o quê que tinha que você
freqüentava mais? Você gostava muito de cinema? Como que era?
CAO: É. Cinema eu ia pouco por falta de tempo. Mas é engraçado a influencia do
cinema nas pessoas não é? Cada... Por exemplo, eu ia a cinema eu via a fotografia, não
é? Imagino que músico ia para ver o musical do filme, não é? Outros iam para ver o
35
roteiro, quer dizer, cada um vai com uma intenção, não é? Quantos filmes eu vi que eu
saí do cinema sem saber o quê que eu tinha visto. [risos] Estava prestando atenção na
fotografia.
LK: Umhum. E você é associado da ARFOC.
CAO: Sou.
LK:E sobre a ARFOC assim, você tem, você sabe alguma coisa da criação dela? Você
entrou na ARFOC quando?
CAO: Nossa!
LK: Foi logo que você virou fotojornalista?
CAO: Foi. Foi. Naquela época antes do advento da como é que chama isso? Que a
profissão foi regulamentada, de jornalista, todos as pessoas, praticamente todas as
pessoas que trabalhavam em jornal eram jornalistas. Aí foi regulamentada a profissão,
eles nos colocaram de lado.
LK: Vocês não eram jornalistas.
CAO: Hoje não somos mais, quer dizer, nós somos jornalistas... Colocaram lá: jornalista
RF. Repórter Fotográfico. Eu tenho, a minha documentação é do sindicato de
jornalistas, mas eu não posso escrever, não posso assinar coluna. Então tem essa
restrição. Mas...
LK: E você entrou mais nessa época da regulamentação da profissão.
CAO: Muito antes. Mas muito antes da regulamentação.// LK: Você entrou antes.//
Ninguém nunca imaginava criar a escola de Comunicação. Não existia. Ninguém nunca
pensava nisso. Então quando surgiu a primeira turma da qual o Auremar, não, o
Auremar veio depois.
36
LK: Ele foi o primeiro formado.
CAO: Foi? Pois é, desde aquela época... Já tem quantos anos isso, não é? Mas uns...
LK: Na década de sessenta.
CAO: Sessenta? Não.
LK: Sessenta para setenta.
CAO: Setenta.
LM: Começo de setenta.
CAO: Uns dez anos antes eu já era. Aliás eu acho que eu sempre fui. Já nasci
assim.Então hoje eu pago por não ter estudado, não é? Mas não me arrependo não.
Mesmo porque se eu tivesse me formado em jornalismo eu seria um péssimo jornalista.
[risos]
LK: Como fotógrafo...
CAO: É. Como fotógrafo da para...
LK: Anham. Mas depois que começou a entrar essa geração que tinha feito você acha
que mudou alguma coisa na profissão?
CAO: Mudou. Melhorou.Os primeiros são muito bons. Aliás, não é, sai, como todas as
outras profissões, sai gente muito competente que sobressai, não é? Que avança na
carreira e tem outros que desistem pelo caminho, vão ser outras coisas.
//LK:Unhum.//Eu conheci muito jornalista aí que foi ser criador de codorna. [risos]
LK: E da ARFOC, como que foi a sua participação lá?
37
CAO: Não. Sempre como associado, não... A ARFOC é muito, não é muito atuante não.
//LK: E não é...// Não. Atualmente não. Teve uma época que a única coisa que a
ARFOC fazia era promover o concurso de miss objetiva, é, criar a carteira para entrar
nos estádios. //LK: Anham.// Ah sim, o que é mais importante, foi o primeiro é... A
primeira cooperativa habitacional do estado foi a ARFOC que fez. //LK: Unhum// Lá no
Jaraguá. Construíram 64 casas.
LK: Quando que foi?
CAO: Na década de sessenta para setenta. Depois de sessenta... Foi em 68, por aí. Ou
pouco antes.
LM: Você já era associado?
CAO: Era. Eu consegui uma casa lá.
LK: Com, tem algum nome para a gente achar esse lugar?
CAO: Ah, hoje é tudo Jaraguá, não é? Mas na época era Cooperativa Habitacional dos
Repórteres Fotográficos. E como era vizinho do Clube Jaraguá passou a chamar Jaraguá
e hoje o bairro inteiro chama Jaraguá.
LK: Unhum. E a tabela dos preços mínimos...
CAO: Ah sim, isso a ARFOC elaborou essa tabela que serviu para ajudar sabe? Porque
às vezes você, eu por exemplo não sei dar preço no meu trabalho.
LK: Anham.
CAO: Eu nunca sei. Então a pessoa me pergunta: -Quanto você faz? Eu não sei. Então é
importante, foi importante essa tabela sabe? Porque aí você tem o que se basear, não é?
Agora o respeito a ela eu não sei. Muita gente faz por muito menos. Outro faz por muito
mais. Tem pessoal aí que cobra o, quando o dólar estava naquela loucura, não é? Ele só
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trabalhava com dólar. O material dele era cotado em dólar. Mas eu tiro o chapéu para o
cara porque o cara é muito bom. Bom demais.
LK: E então você também, você participou de algum encontro nacional que era das
ARFOCs?
CAO: Já.
LK: Já? //CAO: Foi quando...// Você lembra...
CAO: Foi nessa transição quando houve a reforma da profissão de jornalista. Foi no Rio
de Janeiro. Nós fizemos o nosso lobby lá para manter o repórter fotográfico como
jornalista pleno. Só que nós fomos derrotados.Aí a maioria ganhou lá.
LK: Isso era um encontro dos jornalistas?
CAO: Era. Foi um encontro de jornalistas. O primeiro foi... Desculpa. Isso aqui ó. É
conferência.
LK: Ah, 85.
CAO: Nós não conseguimos emplacar a nossa idéia não.
LK: E foi uma proposta que partiu de Minas ou foi nacional?
CAO: Foi do Brasil inteiro. Brasil inteiro.
LK:Umhum. É... Tem o jornal Ampliação que é o que a gente está mexendo com ele.
Você lembra dele?
CAO: Ah tá. É. Esse jornal, parece, eu não sei se era edição nacional.
LK: Eles, pelo que eu percebi, parece que passou a ser nacional.
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CAO: Passou a ser nacional, não é? Foi uma criação do Guinaldo Nicolaevsky, aí ele
pedia para a gente mandar material. Eu sempre fui muito arredio a isso sabe? //LK:
Anham. // Mas tendo insistência eu acabava mandando alguma coisa. Você viu a
edição? Algumas edições do jornal?
LK: Vi. Aí tinha falando da sua exposição.
CAO: Ah! Nossa, o que eu guardei da imprensa escrita sobre aquela exposição. Foi um
monte de coisa.
LK: É? Você tem?
CAO: Tenho. Você viu alguma edição da... A não. Esse eu acho que foi nacional.
//LK:Anham?// Um sobre eleições.
LK: Eleições...
CAO: É. Eleição do Brasil.//LK: Não. Não tinha. // Tem uma fotografia muito
engraçada. Eu vou ver se eu pego o jornal para você ver.
CR: Tem como você mostrar para a gente?
CAO: É. Se quiser...
LM: Dar uma pausa?
CAO: Esse aí é o Israel Pinheiro. O ônibus atolou no barro lá, ele não teve a menor
dúvida. Começou a distribuir santinho lá.
[risos]
CAO: O cara de gravata. Aqui com o carroceiro.
LK: São só fotos suas?
40
CAO: É.
CR: Dá para fotografar Lucas?
CAO: Só essa página aí. As outras não são minhas não.
LM: Umhum.
LK: Que jornal é esse?
CAO: Anexo, deixa eu ver. Engraçado, não tem nem nome. Eu acho que foi um anexo
de algum jornal.
LK: Paraná.
CAO: É aqui não tem nenhuma, acho que não tem nenhuma aqui que é minha não. Tem
não.
LK: Terceira coletiva de fotojornalismo. Da capa você não tirou não.18
CAO: Minha primeira comunhão.19
[risos]
CAO: Imagina. A minha primeira foto foi publicada em outubro de 62.
LM: Outubro de 62?
CAO: É.
CR: [É Belo Horizonte?]
18
Dirige-se a Lucas Mendes que estava fotografando as matérias de jornais que Célio Apolinário
mostrava aos pesquisadores.
19
Refere-se a uma fotografia pessoal que estava guardada com outras fotos e recortes de jornais.
41
CAO: É.
LM: [Brahma]
LK: [Brahma].
CAO: Isso aqui foi nas enchentes de 79. Esse aqui saiu lá na capa [depois] da Veja.
LK: As capas assim, as fotografias que iam sair eram decididas lá?
CAO: É.
LK: É do Rio ou é de São Paulo?
CAO: A Veja? É São Paulo.
LK: É São Paulo.
CAO: É. [silêncio] Tem a propaganda .
LK: Aquela?
CAO: É.
LK: Aham.
CAO: Mas a impressão dessa aqui ficou melhor. Isso aqui é O Globo.
CR: [Junho] de 74.
LK: Todos os associados recebiam em casa?
CAO: Todos.
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LK: E ele era financiado como?
CAO: Oh, não sei.
CR: Vocês pagavam algum tipo de...//CAO: NÃO. //CR: Não.
CAO: Não.
LK: Você sempre lia assim.
CAO: Sempre.
LK: E você acha que ele foi importante para a profissão?
CAO: Eu acho que sim sabe. Mostra... Eu acho que foi muito importante sim.
LK: O quê que você procurava nele assim quando você lia?
CAO: Ah, mais é tipo Caras, não é?
[risos]
CAO: Aquelas coisas de fofoca.
LK: Aham.
CR: Quem era conhecido.
CAO: É. Para ver as novidades não é?
LK: Era uma coluna social de fotojornalismo.
CAO: Era. Era. Verdade.
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CR: E tinha algum outro tipo de publicação //CAO: Dirigida// de fotografia que você lia
assim?
CAO: Eu cheguei a assinar uma revista holandesa, mas fico muito caro, não é? Uma
revista de fotografia.Mas eu sempre tive muito medo de me envolver demais para não
sofrer influencia, sabe? Eu acho que você acaba sofrendo, por mais que você queira
evitar, você acaba sofrendo influencia externa, não é? Aí para evitar plágio.
[risos]
CAO: Tem uma revista aqui da National Geographic, o dia que eu vi isso eu quase tive
um troço. 20
LK:[inaudível]
CAO: Eu acho que é essa aqui. É. Eu até coloquei aqui ó.21 A hora que eu vi isso eu não
quis, eu não acreditei. Depois você olha esse slide. Eu fiz no rio São Francisco.
CR: Nossa! Foi publicada essa? 22
CAO: Não.
CR: Não.
LM: [Risos]
CR: Essa é a National Geographic de... Tem a data aqui?
LK: Que legal. [risos]
CAO: Não. Eles fizeram um documentário. Ah, só que a minha é tupiniquim.
20
O entrevistado levanta-se para procurar a revista em sua estante.
Refere-se a um slide que deixara entre as páginas da revista.
22
O entrevistado entrega o slide aos pesquisadores para que estes notem a semelhança entre sua foto e a
fotografia publicada na revista.
21
44
[risos]
LK: E você já publicou algum livro? Já fez foto para livro?
CAO: Livro?É tem esse, como eu estava te falando, quando a Abril vende,não é? Livro
didático. //LK: Anham.// Tem um livro de história do professor, como é que ele chama?
Agora esse trabalho aqui ficou muito ruim.
LK: [inaudível]
CR: A gente pode ver aquele do Binômio? É do jornal?
CAO: É. Esse jornal era genial viu?
LK: Você ainda mantêm contato com o José Maria Rabêlo?
CAO: [inaudível]. A gente se fala sempre. “Minas, do ouro e do barroco.” Professor
Washington Albino. Vocês conhecem não?//LK: Você tirou as fotos. Eu não.// Não? Ele
é professor de História.
CR: Mas por que que ficou ruim?
CAO: Ah,eu não sei se foi a impressão, mas não ficou legal não. Esse aqui não. Esse
aqui são reproduções. Aí ficou lavado está vendo. //CR: Umhum// Tem uma imagem
aqui que eu nunca tinha percebido isso quer ver? É. O bom e o mau ladrão. //LK: qual
que é o bom?// O bom ladrão está “bichoso” para caramba olha lá. [risos] O mau ladrão
é um sujeito [o entrevistado faz um rugido]. //LM: [inaudível] [risos] Eu nunca tinha
percebido isso. Mas a impressão ficou muito ruim. Uma pena.Horrível. São os [atlantis].
LK: Mas essas assim ficaram boas.
CAO: É. O que salvou foi essa da capa, do teto lá. [inaudível] Essa foto aí eu tive que
deitar no chão. Deitei assim. Fico imaginando o Aleijadinho para fazer essa pintura.
CR: Nossa.
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CAO: Já pensou cara? Ficar deitado o tempo inteiro lá.[risos] praticamente de cabeça
para baixo.
LK: E sobre a questão de direito autoral você falou, acho que a gente nem estava
gravando, seu arquivo ficou para a editora Abril, não é?
CAO: É.
LK: Como é que é isso assim?
CAO:Olha é... [inaudível] Afinal de contas o material é deles, não é? //LK: Anham.// A
gente tem o direito autoral, mas não tem o direito à posse. Não sei se é exatamente isso.
LK: Não tem.
CAO: Mas o fato é que fisicamente é deles. É da Abril, não é? Eles forneceram...
LK: Direito patrimonial.
CAO: É. A máquina, o filme, a revelação.
LK: E durante a sua profissão foi modificando essa relação de trabalho, por exemplo,
com créditos, começou a...
CAO: Ah sim. //LK: Cobrar mais. // O crédito tem pouco tempo que passou a ser
exigido, não é? Que antes, até hoje ainda acontece muito, quer dizer, o pessoal colocar
foto divulgação. Divulgação não fotografa. //LK: Umhum// Não é? E aí é lei. Toda
fotografia, qualquer tipo de trabalho tem que ter o nome do autor, não é?
LK: Umhum. Porque em 73 que surgiu a primeira lei de direito autoral.
CAO: Foi em 73?
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LK: Aham. Você lembra como que foi?
CAO: Não. //LK: [Como que seria?]//Não me lembro. Não lembro não. Mas uma vez
nessa, nesse congresso de jornalistas tinha um advogado lá especialista em direitos
autorais...
LK: Hildebrando?
CAO: O nome dele?
LK: É.
CAO: Não. Não lembro. Ele estava contando para gente que até o garçom que sai
recolhendo prato usado, o jeito dele colocar aqueles pratos na bandeja, ele pode
reclamar direitos autorais. Até isso. Então você imagina um trabalho artístico,
intelectual, visual, não é? Aí principalmente esses tem que ter, não é? //LK: Anham.//
Mas isso muitos [anos]. Nos Estados Unidos isso aí é, tem muitos anos, não é? Que tem
aquele copyright ,não é?
LK: E aqui demorou mais?
CAO: Nossa! Aqui demorou séculos para ser implantado aqui no Brasil, não é?
LK: Umhum. Você já entrou em algum processo jurídico com relação a...
CAO: Eu podia ter entrado várias vezes mais eu nunca quis. Eu não gosto de polêmica
não.
LK: E você lembra da criação da ANDAJOP?
CAO: De quê?
LK: ANDAJOP. Associação Nacional de Direitos Autorais de Jornalistas Profissionais.
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CAO: Pois é. Essa deve ter sido nessa época que você falou, 73 não é?
LK: A ANDAJOP é mais... Oitenta e cinco.
CAO: É mais recente?
LK: É.
CAO: Pois é. Eu não conheço a lei direito não. //LK: Anham. // Mas deve ter sido a
partir desse encontro...//LM: Encontro no Rio.// É. Dessa conferência.
LK: E os abusos você recebeu mais foi da falta de crédito? Como que foi?
CAO: Foi o uso mesmo de material sabe? Por exemplo, quando o Cruzeiro foi campeão
da Libertadores pela primeira vez teve uma cidadão aqui em Belo Horizonte que pegou
a... A Placar publicou a foto do time formado e publicou e vendeu em tudo quanto é
banda aí e tal. Eu não vi um tostão, mas eu liguei para São Paulo, São Paulo é que
tomou a providência de avisar a polícia não é? Aí foi recolhido esse material.
LK: Foi?
CAO: Foi. Mas aí já tinha vendido quase tudo. E uma política aí também pegou uma
foto minha para fazer lá na campanha dela sabe? Aquela que eu mostrei para vocês que
tem duas meninas abraçadinhas. Ela usou essa foto na campanha dela. Também eu
preferi ficar calado.
CR: Você falou que participou da campanha do Eliseu, como é que foi essa
experiência?
CAO: Ah, ali era coisa muito comercial, não é?Mas durantes essas viagens a gente
sempre acaba fazendo alguma coisa interessante que não tem nada a ver com aquele
trabalho. Mas foi bom. Me tornei muito amigo dele, mas não sobrou quase nada.
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LK: E de fotografia assim, [a gente está falando a um tempão] como que você define a
fotografia? O que ela é para você?
CAO: Ah, para mim foi tudo não é? Agora a fotografia eu divido o fotojornalismo, a
fotografia de moda, de casamento, cada, não é? Por isso é que eu não sou contra a
definição eu sou fotógrafo. Principalmente fotógrafo de jornal, não é? O pessoal fala
muito, chama o repórter fotográfico de fotógrafo. Fotógrafo tem aos montes, qualquer
um pode ser. Eles alegam que não tem formação. Tem formação sim. Se você não tiver,
você sabe fotografar, mas se você não tem formação jornalística, você não sabe, não vai
saber desempenhar o seu papel. A gente vê muito aí imagens de cinegrafista amador,
não é? Foto de amador, mas você vê, ele registrou aquele momento lá, mas não tem
informação praticamente nenhuma. É por isso que eu falo: existe fotógrafo e repórter
fotográfico. Existe artista e existe amador.
LK: Mas as fotografias do jornal, ela pode ser considerada artística? Você acha?
CAO: Se for fotojornalismo não. A não ser que a foto artística te dê a informação que
diz respeito à matéria.Então se a matéria fala que determinado lugar é maravilhoso a
foto tem que ser bonita. Então você não vai fazer foto artística numa... lá na medicina
legal.
LK: Aham. Entendi. Aí quando você leva suas fotos para a exposição elas ficam mais
artísticas? Como que é?
CAO: Não. É eu nunca tive [inaudível] por esse material aqui. Aqui tem foto fora de
foco, tem foto tremida. Mas eu mostrei a caretada do pessoal. Aqui. Essa foto aqui é
fora de foco. Essa foto jamais seria aproveitada para publicar. Primeiro por causa da
expressão, segundo por que é uma foto tecnicamente imperfeita. Mas ela está dizendo
alguma coisa, não é? Foi o momento.
LK: Então você realizou seu sonho de ser jornalista?
CAO: Eu acho que sim, viu? Já que eu não tenho talento para escrever eu tento mostrar.
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LK: E você aposentou quando?
CAO: Eu não aposentei. Eu...//LK: Você me falou que você tinha...//Eu estava, eu
trabalhei na Secretaria do Trabalho, aí quando eu fui, na época do Tancredo. Eu
trabalhei para o Eliseu, o Tancredo foi eleito e eu fui chamado para trabalhar na
secretaria do Tancredo. Aí houve um movimento de incentivo a demissão,
aposentadoria precoce não é? Aí eu aproveitei, me aposentei no estado, mas eu continuo
trabalhando. Eu não paro nunca não.
LK: Freelancer.
CAO: [risos] Hoje a gente faz essa revista e hoje eu não posso por exemplo, fazer
cobertura de confusão de rua, por exemplo, não é? Naquela greve dos pedreiros em
setenta... 79? Teve um greve aqui que foi violenta demais. Morreu muita gente. E eu
tinha que sair correndo atrás de pedreiro, você imagina. Hoje eu não sou capaz disso
mais não.
LK: O quê que você fez no estado?
CAO: Eu trabalhei na Secretaria do Trabalho. Eu era fotógrafo lá. //LK: Ah, fotógrafo.
// Eu documentava esse trabalho que a Secretaria desenvolvia nas favelas, não é?
LK: Ah, tá.
CAO: Então é aquele negócio de mostrar o como era, o como está sendo e como foi e
como ficou. Então era documentação. Foi feito duas exposições uma na Itália e outra na
Alemanha sobre esse trabalho. Foi muito bem recebido lá, os jornais deram cobertura,
só que nós não conseguimos nem um exemplar. O pessoal que foi lá não deu pela coisa
não é? Eles não trouxeram. //LM: [inaudível.]
LK: Então é isso.
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LM: Não. Mais uma questão. Célio, analisando então a sua trajetória então o quê que
você diria assim que foi mais importante na sua formação? O que acrescentou mais na
sua formação de fotógrafo durante a trajetória?
CAO: Eu acho que foi a minha época do Binômio mesmo e em segundo lugar a Editora
Abril. Fora disso é...
LM: Foi o que mais acrescentou.
CAO: Foi. Me deu mais consciência política. Porque você tem que ter consciência
política para desempenhar... Qualquer profissão você tem que ter essa consciência não
é? Onde é que você está, qual que é o seu papel na sociedade, o que você pode mudar.
LM: E isso você colocou no seu trabalho.
CAO: Tranqüilo. Tranqüilo. Eu acho que eu posso estar completamente enganado mas
eu acho que eu acabei exercendo certa influencia. Porque quando eu comecei fotógrafo
era sub-raça vamos dizer assim. Aí eu cheguei com uma proposta nova. Eu era mais
sério, eu não bebia e, enfim, levava muito a sério e parece que as outras pessoas viam
que aquilo estava dando resultado e começaram a ser assim também. Então pode ter
sido coincidência, mas eu acho que eu tenho uma responsabilidade um pouco nisso aí.
LK: Você participou do Fotoclube Minas Gerais?
CAO: Não.
LK: Não? Mas você conheceu?
CAO: Conheci o Miguel Aun, por exemplo,não é? E mais alguns.
LK: Você não quis?
CAO: Não porque não era meu elemento, não é? //LK: Anham.// Meu elemento era
outra coisa. Era fotojornalismo. Enquanto eles se preocupavam com a angulação, com
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luz, tudo aquilo que fotojornalismo não pode ser. Mas eu sempre admirei muito o
trabalho desse pessoal sabe?
CR: E dentro do fotojornalismo, assim, tem alguma diferença básica do fotojornalismo
da revista para o jornal? Sente alguma...
CAO: Não, quando é cobertura não tem diferença não. A diferença é só a presença do
repórter fotográfico e o olhar dele, não é? E ele tem que dar sorte de estar no lugar certo,
na hora certa. Então por isso que muitas vezes você vê uma cobertura assim de
acontecimento, muita gente junta, não é? Muito fotógrafo junto. Então é, de repente sai
um lá do meio daquela muvuca lá e sai para outro lugar e faz a foto. Praticamente as
grandes fotos premiadas foram feitas assim, quer dizer, o cara teve outra visão do
acontecimento. Então a diferença de fotografia de jornal para revista é essa. Agora
quando é reportagem para revista você vai ter tempo de bolar, de analisar ângulo, essas
coisas. Jornal você não tem tempo para isso, não é? Porque jornal tem um negócio que
chama deadline. Deu o deadline não adianta você ter feito um material espetacular que
não vai ser publicado porque o jornal já está rodando.
CR: Já está no prelo, não é?
CAO: Então a diferença é essa. Na revista você tem tempo. No jornal não.
LM: Tem mais alguma coisa que você quer acrescentar, que você acha importante falar?
CAO: Não. No momento não estou lembrando de mais nada não. Já falei feito um
danado.
[risos]
CR: Então é isso.
LK: Obrigada// CR: Obrigada. //LM: Obrigado.
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CAO: Imagina. Eu é que agradeço. Tomara que vocês espremendo isso aí saia pelo
menos duas frases.
LK: Sai.
LM: Com certeza.
[risos]
Fim da entrevista.
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Célio Apolinário - Fafich - Universidade Federal de Minas Gerais