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PODER, REPRESENTAÇÕES ICONOGRÁFICAS E CULTURA:
FONTES PARA UM ESTUDO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Sandra Regina Franchi Rubim
(PPE-UEM) - [email protected]
Palavras-chave: História da Educação, Estado Moderno, Linguagem Imagética.
Introdução
A sociedade atual convive, de forma cada vez mais intensa, com um cenário pelo
qual circulam pessoas, produtos, informações e principalmente imagens. E, se temos que
conviver diariamente com essa produção infinita, melhor será aprendermos a avaliar essa
cultura visual, sua função, sua forma e seu conteúdo, o que exige o uso de nossa
sensibilidade estética e uma formação capaz de perceber o que essas imagens representam.
Nesse sentido, confirma Francastel (19?, p. 48), “Apreciaremos melhor a arte do passado e
a do presente se lhe conhecermos melhor a significação humana [...] nossa sensibilidade
estética só pode se refinar pelo estudo”. Só assim poderemos deixar de ser observadores
passivos para nos tornarmos expectadores críticos, participantes e exigentes, diante da
leitura de textos, imagens, cidades, rostos, gestos, cenas, pinturas etc.
Para o alcance desse objetivo, entretanto, é fundamental que o sujeito do
conhecimento histórico estabeleça contato com diferentes produções de épocas passadas e
atuais, mergulhando no universo da ciência, observando e identificando informações nas
mais diversas formas de linguagem, que nos são apresentadas pelo avanço tecnológico e
pela indústria cultural (imagens, textos, mapas, fotografias, objetos, jornais etc.),
ampliando, assim, o olhar do historiador, questionando as fronteiras disciplinares,
articulando os saberes, buscando a inteligibilidade do real histórico (FONSECA, 2003).
Durante muito tempo debateu-se na História, em diversas escolas teóricas,
principalmente a Escola de Annales, a preocupação com o que se pode aceitar como
documento histórico, quais suas interligações com a realidade e com o conhecimento
histórico que ele proporciona. Outra questão, que também é alvo de discussão, está
relacionada ao fato de que somos herdeiros de uma tradição textual e partidários do
entendimento de que, em Ciências Humanas, a pesquisa “se faz com textos” (PELEGRINI;
ZANIRATO, 2005).
Tanto a História como a Sociologia compartilham da valorização do documento
escrito em detrimento do documento não-escrito ou não-verbal; nesse sentido,
concordamos que a leitura do documento plástico é menos difundida. A arte, atualmente,
constitui um vasto campo de investigação, pois é muito ingênuo conceber a idéia de que os
valores históricos foram criados somente pelos testemunhos escritos; a arte é indispensável
às sociedades, tanto quanto a linguagem discursiva e escrita. Assim, como existe um
pensamento matemático, há também o pensamento plástico, pelo qual o homem informa o
seu universo, tornando a comunicação possível. O artista cria e, criando, pensa tanto
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quanto um filósofo. Por meio da arte a humanidade conquista e comunica sua sabedoria. A
palavra exprime as atividades abstratas do espírito e a arte exprime as figurativas. A arte
nos informa sobre os modos de pensamento de um grupo social; ela é o meio de expressão
do homem; por isso, ela nunca deve ser separada de seu contexto. É inadmissível conceber
a arte um papel apenas acessório na vida dos homens, mas sim como testemunhos das
grandes formas da sensibilidade coletiva. Decifrar a obra figurativa é fundamental para se
conhecer uma sociedade. Acreditamos, assim, que um quadro equivale a um texto
(FRANCASTEL, 19?).
O uso da imagem, por alguns historiadores, como evidência para a História Social,
remonta há muito tempo. Podemos citar o medievalista David Douglas, que afirmou, há
quase meio século, que as Tapeçarias de Bayeux se traduziam em uma rica fonte para a
História da Inglaterra. Atualmente, os historiadores têm ampliado seus interesses para
incluir eventos políticos, tendências econômicas e estruturas sociais, história das
mentalidades, história da vida cotidiana, história da cultura material etc.; nessa gama de
evidências as imagens ocupam o seu lugar ao lado de textos literários e testemunhos orais.
Em 1985, alguns historiadores americanos, como William Mitchell, Raphael Samuel,
Simon Schama, realizaram uma conferência voltada para “a arte como evidência”,
comprovando que os anos 80 significaram uma virada nesse assunto. Entretanto, no Brasil,
já na década de 30, Gilberto Freire sugeria que as imagens, tradições orais e anúncio de
jornal fossem consideradas fontes históricas. A “iconografia” ou “iconologia”, que
interpreta imagens por meio de uma análise de detalhes, foi lançada no mundo da arte
durante as décadas de l920 e1930 (BURKE, 2004).
Como toda linguagem, a arte tem códigos, pertencendo a um sistema estruturado de
signos. Assim, o artista, em seu fazer artístico, opera com elementos da gramática da
linguagem da arte, mesmo mantendo a liberdade de criação. A imagem integra diferentes
universos simbólicos, num sistema discursivo global que evidencia existências e
identidades políticas e culturais. Numa interpretação, valores culturais são disseminados e
estruturas sociais ganham vida a partir de espaços, movimentos, olhares, silêncios e vozes
que interagem (MARTINS, 2007).
Podemos afirmar, todavia, que os símbolos e mitos, pela sua linguagem menos
codificada, tornam-se elementos significativos na construção de justificativas, na projeção
de interesses e objetivos coletivos, na criação de necessidades e na modelagem de valores e
condutas. Nesse sentido, entendemos que, para investigarmos a estrutura social, em
diferentes momentos, precisamos entender, também, o imaginário, quais crenças estão
presentes nesse contexto. Os símbolos e mitos, na medida em que encontrem um terreno
social e cultural no qual se alimentam, criam raízes, se consolidam no imaginário. E
quando esse imaginário é alcançado com êxito, por meio dessa educação informal, podem
também, plasmar visões de mundo e modelar condutas neste social (CARVALHO, 1990).
Contudo, há uma tendência em ver essa estrutura simbólica, enquanto elementos de
dominação social, pois é visto como uma forma de conduzir a ação dos homens conforme
uma intenção explícita. Não negamos esse aspecto, pois o documento não é um registro
neutro do passado, como afirma o historiador francês Jacques Le Goff (1989, p. 103), “O
documento não é inócuo. É antes de tudo o resultado de uma montagem, consciente ou
inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziu [...]”; portanto, os
documentos são sempre produtos da sociedade que os forjou, expressando, assim, as
relações sociais dos homens, desse momento histórico; porém, aceitamos que os símbolos
e mitos são indispensáveis para a construção da sociedade, seus conteúdos indicam as
necessidades e possibilidades de refletir o mundo. Acompanham o caminhar da
humanidade efetuando um papel estabilizador do imaginário rumo à novos
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direcionamentos que o movimento social vai estabelecendo na história dos homens. Por
conseguinte, as linguagens escrita, oral, imagética, são inerentes à existência do homem
como sujeito histórico e o discurso como instrumento aglutinador de momentos datados
historicamente.
Nesses termos, cabe ao historiador, submeter a documentação a uma investigação
crítica, abordando-as de maneiras diferentes da história oficial, além de sempre buscar
fontes alternativas, ampliando as possibilidades de pesquisa.
Assim, como já mencionamos, para investigarmos a estrutura social em diferentes
momentos históricos, precisamos entender também o imaginário, quais crenças estão
presentes neste contexto. Segundo Cambi (1999), na sociedade medieva e, também por
muito tempo na sociedade moderna, o povo é ágrafo. Por isso, seus conhecimentos
culturais são limitados, firmados na fé cristã e na sua visão de mundo, tendo como via de
acesso a palavra oral e, principalmente, a linguagem imagética, sendo esta, explicitamente
educativa, com uma função didática, de clara leitura, altamente sugestiva e emotiva. Nesse
período, os vitrais das igrejas e a pintura eram as formas mais populares de comunicação.
As criações artísticas, na sua maioria, representavam passagens bíblicas, constituindo uma
forma efetiva de popularizar e fortalecer o Cristianismo.
Para Honório de Autun, respeitável pensador do século XII, a pintura possuía três
fins claros: embelezar as igrejas (casa de Deus); relembrar a vida dos santos e, como
função educativa, ser a literatura dos laicos (MACEDO apud KARNAL, 2004).
Desse modo, ao discutir a linguagem imagética, como possibilidade de construção
mental e social, no qual o homem constrói suas práticas educativas e suas identidades, nos
interessa, nesse texto, analisar a veiculação das imagens para legitimar a idéia da
monarquia pessoal, da crença no “direito divino” dos reis para governar e do
“absolutismo”, ou seja, a teoria de que o príncipe estava acima da lei, visto como “retrato
do Estado”. Verificamos que, na transição social entre a Idade Média e a Idade Moderna,
se delineava um momento novo na vida dos homens, um momento de redefinição da
identidade coletiva
Enfim, partindo dessa premissa, este trabalho, que compreende uma parte da
pesquisa que desenvolvemos em nível de Mestrado, pretende analisar a imagem, enquanto
evidência histórica, no período da formação do Estado Moderno.
Por conseguinte, devido a complexidade da dinâmica social dos últimos tempos e
por visar o homem na sua totalidade (matéria e espírito), esse texto tem como método a
História Social, pois é nela que encontramos a abertura necessária ao olhar do pesquisador.
Representações iconográficas como prática educativa no medievo
Segundo Guizot (1999), a Igreja foi a instituição que mais colaborou para o
desenvolvimento da unidade e do espírito da sociedade moderna, iniciado no Império
Romano. Enquanto esse se desintegrava, a Igreja se levantava como dirigente dos homens,
respondendo às suas necessidades, no seu tempo; tomando para si uma função de
organizadora da sociedade. A Igreja primitiva cristã governava sem a intervenção do
poder secular, em pequenas congregações isoladas e ocultas, ignoradas pelo governo
romano. No fim do século III e início do IV a Igreja respeitava o poder temporal; em todos
os interesses da Igreja, o imperador intervinha. Contudo, a partir do século V é admitido
pela sociedade civil e divulgado pela Igreja a superioridade dos interesses espirituais sobre
os interesses temporais. Então, enquanto o poder imperial caía, o religioso se fortalecia,
principalmente, com a chegada dos povos germânicos, onde a Igreja, por meio do ensino,
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cumpriu o seu papel neste momento, que era servir de ligação entre esses dois povos
distintos, impedindo assim, prejuízo a fé. E assim, permaneceu até o século XI,
governando os homens medievais, pois estes, enquanto a Igreja respondia às ações e
relações humanas, a aceitavam como governante.
De acordo, com Oliveira (2005), o século XI, constitui um momento importante no
processo de construção do mundo feudal. Assistimos, a partir daí, um processo de mudança
significativa nas instituições medievais e nas relações sociais como um todo. Com o
feudalismo surgem novas forças sociais capazes de responder pela sociedade: os senhores
feudais (século XI); as cidades e o comércio (séculos XII e XIII) e as Universidadesi
(século XIII). Percebemos, então, que a vida citadina permite aos homens um novo olhar
sobre suas vidas e relações; cria a possibilidade de um novo caminho. Nesse cenário, o
poder religioso é visto de uma nova maneira. À medida que, as novas forças sociais se
apresentam como capazes de governar a sociedade, o poder da Igreja, como único, começa
a ser questionado, pois essa, voltada para seus anseios particulares, estava se distanciando,
cada vez mais, das necessidades da sociedade. Assim, nesse momento, que a Igreja sente
que seu poder está ameaçado, surge então, a necessidade de uma teoria explicativa do
poder da Igreja, isto é, explicações que justifiquem a supremacia do poder religioso sobre
os homens.
Diante disso, a Igreja precisa lutar com os instrumentos que tem em mãos para
legitimar seu poder, para continuar sendo Estado. Inicia-se, então, a Reforma Gregorianaii.
Em 1075, Gregório VII promulga a Dictatus Papae. Nesse documento, o desejo da Igreja,
sob o comando de Gregório VII, é assumir, pela força, o governo da Igreja e dos laicos,
isto é, comandar os dois gládios. Percebemos, assim, uma ação autoritária da Igreja para
conservar-se no poder. No entanto, esse acirramento da Igreja, não é suficiente para conter
o novo delineamento da sociedade. Também, nesse contexto, de complexidade das novas
relações sociais, os bispos Adalbéron e Gerardo, formulam o esquema trifuncional, com a
fórmula oratores, bellatores e laboratores (os que oram, os que lutam, os que trabalham),
como possibilidade de explicar essa nova situação, ou seja, a divisão do poder soberano da
Igreja com os senhores feudais, pois estes, precisam legitimar sua representatividade.
Evidencia-se, diante desses fatos, que o poder real está, gradativamente, se fortalecendo,
apresentando-se como força expressiva na sociedade, principiando, assim, um embate entre
as duas formas de poder: laico e clerical (OLIVEIRA, 2005).
Como já mencionamos, no século XII, à medida que as cidades e o comércio
renascem, as Universidades surgem, possibilitando aos homens terem um novo olhar sobre
suas vidas e relações. Assim, na medida em que a sociedade urbana se fortalece, a luta
entre os poderes torna-se mais acirrada. Nesse contexto, de embate entre o papa e a realeza,
se manifestam as obras de grandes teóricos escolásticos como Tomás de Aquino, João
Quidort, Egídio Romano, Guilherme Ockham, posicionando-se, a favor ou contra, a
separação dos gládios laico e religioso, tornando a realeza uma força expressiva cada vez
maior na sociedade medieva. A Escolástica pode ser considerada como o estabelecimento e
a justificativa de uma concórdia entre Deus e o homem, é necessário vir a paz. Percebemos
que, esses escolásticos, transcenderam seu envolvimento em disputas doutrinárias
religiosas, preocupando-se com a totalidade do homem, ou seja, se enredaram nas
questões, genuinamente, humanas, buscando um equilíbrio nesse novo caminho que os
homens trilhavam. No entanto, essa luta, resultou, de forma mais geral, a divisão entre
clérigos e leigos, entre Deus e César, entre o papa e o imperador (OLIVEIRA, 2005).
De acordo, ainda, com a autora citada, a partir do século XIII, século do
surgimento das Universidades, a sabedoria passa a ser aceita como uma qualidade humana
e não divina, assim os reis começam proteger os sábios. Trata-se, portanto, a necessidade
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do poder laico unir-se aos homens de saberes, para melhor governar e expandir seu reino.
É o rei servindo-se da Universidade em benefício de seus interesses políticos e
administrativos. Percebemos aí, o interesse do rei em expandir o seu Império. Principia-se,
então, a necessidade de um poder externo, que se distancie da Igreja e da Nobreza, que
cuide do bem viver da sociedade, pois, é necessário assegurar os interesses da população e,
para isso, o poder tem que estar nas mãos daquele que cuida do bem comum, que defende
os interesses públicos em detrimento de seus próprios interesses; a sociedade é tudo, mas o
príncipe é o cabeça: A Lei e o Direito superior ao pessoal. Advém, então, a necessidade de
elaborar leis, além dos Dez Mandamentos e a organização de um Exército para assegurar
esse novo poder. Em virtude disso, percebemos o início da realeza moderna, onde o rei
assume a posição de mediador, de juiz, atuando sobre as ações dos homens.
É importante salientar, que o surgimento e o desenvolvimento do Absolutismo não
ocorreu de um dia para o outro. O processo de sua formação teve uma longa duração
atravessando séculos até chegar ao momento em que, de fato, o soberano conquistou um
pleno domínio da sociedade. Um acontecimento histórico ocorre, gradativamente, por meio
das relações sociais, da maneira de como os homens se comprometeram com o seu tempo,
no enfrentamento das vicissitudes cotidianas, contribuindo, assim, para o desenvolvimento
do homem e da sociedade do seu tempo datado historicamente. Na História, as
transformações não ocorrem apenas pela vontade de uma única pessoa, mas estiveram
intimamente ligadas às circunstâncias econômicas, sociais e culturais. Percebemos, então,
que todas as transformações dos novos espaços sociais, o desenvolvimento do comércio e
das cidades, o aparecimento da burguesia, o surgimento das Universidades, o
enfraquecimento do poder dos senhores feudais, a aliança entre os reis e a burguesia e,
conseqüentemente, o fortalecimento do poder dos reis, as crises do século XIV, permitiram
a ascensão do Estado Moderno. Portanto, nesse momento, era indispensável que houvesse
a crença de nobres, do clero, do povo em reis corajosos para implantar e aceitar um
governo centralizador.
Com o fim do sistema feudal, o continente europeu foi assolado por diversas
revoltas camponesas, guerras religiosas e lutas pelo poder. Dessa forma, para uma parcela
da sociedade européia dos séculos XVI e XVII, a concentração do poder na figura do rei
era uma possibilidade de paz e de ordem em meio a um cenário de crise. Por isso, era
fundamental que a grandiosidade do monarca e sua influência em todos os setores da
sociedade moderna fossem percebidas por todos. Assim, pintores, escultores e escritores,
entre outros artistas, reuniam seus esforços para construir uma figura ideal do rei, buscando
a legitimação da idéia de monarquia pessoal, de crença no “direito divino” dos reis para
governar e do “absolutismo”, ou seja, a teoria de que o príncipe estava acima da lei. A
figura do rei é vista como “retrato do Estado” (BURKE, 1994).
Nesse contexto, surgem várias doutrinas formuladas por diversos pensadores: no
século XVI, destacam-se as obras, Doutrina da Soberania, de Jean Bodin e O Príncipe, de
Nicolau Maquiavel; no século XVII, divulgam-se as obras, Teoria do Direito Divino, de
Jacques Bossuet e O Leviatã, de Thomas Hobbes. Essas teorias expressavam-se como
possibilidades de explicação e justificativas, pela razão e pela fé, uma mudança da posição
do chefe de estado, que já se verificava; contribuindo, também, para reforçar determinadas
atitudes perante a monarquia, pois o reconhecimento da autoridade do monarca foi muito
anterior ao aparecimento de tais doutrinas. A lealdade pessoal ao soberano atingiu seu
ponto culminante, pois tais teorias tornaram ilegítimas quaisquer resistências à vontade do
rei, fortalecendo, assim, o Estado (STRAYER, 197?).
Dentro desse cenário, percebemos a relação entre a arte e o poder e, a criação do
grande homem, “o rei”. Assim, são divulgadas diversas formas simbólicas preocupadas em
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representar a “imagem” do rei, no sentido metafórico e real, como um ser místico e natural,
apresentadas em público, por meio de retratos, de estátuas eqüestres (em pedra, bronze,
tinta e cera) e medalhas. Enfim, todas as artes contribuíam para a glória do rei. O que era
posto na sociedade por meio do discurso escrito e oral, concomitantemente, era
representado nas imagens, com fins formativos. As representações visuais do rei eram
capazes de romper a barreira da comunicação imposta pelo analfabetismo, algumas delas,
em especial as estátuas, tinham extrema visibilidade. Fazia-se, necessário criar uma
mentalidade de aceitação da idéia do casamento místico entre o rei e o reino e que o poder
real vinha de Deus e não do povo. O rei era apresentado como alguém especial, o ungido
por Deus, “imagem viva”, “o representante da majestade divina”; por isso, o povo devia
amá-lo e obedecê-lo (BURKE, 1994).
Nesse caso, concordamos com José Murilo de Carvalho (1990) que, o que estava
posto pelas linguagens, oral e escrita, não poderia virar, simplesmente, um discurso
inacessível à um público com baixo nível de educação formal. Assim, o discurso deveria
ser feito de um modo menos formal, mediante sinais mais universais, como imagens,
alegorias, símbolos e mitos, constituindo, assim, uma possibilidade de construção mental e
social, num momento de redefinição de identidades coletivas. A linguagem figurativa
permite, também, atingir o coração e a emoção dos homens, seus sentimentos e esperanças.
Nesse sentido, nos reportamos às palavras de Francastel (19?, 29), “A linguagem figurativa
tem um papel incalculável na manifestação das mentalidades coletivas. É pelos olhos que
se prendem os homens, [...]”.
Assim, a arte, por ser um discurso menos formal, por apresentar uma linguagem
menos codificada, sinais universais de rápida interpretação, possibilitou falar aos homens a
linguagem que eles compreendiam e reclamavam. A população atribuía acentuado sentido
às figurações que lhe ofereciam.
É importante pontuar que, a arte, no século XI, cresceu grandemente em
concordância com os desejos dos clérigos, no entanto, abriu exceções diante da pressão da
pop e dos artistas. Segundo Le Goff (1991), é equivocada a idéia daqueles que consideram
que a Igreja monopolizou a cultura na Idade Média, pois, com o aparecimento, no
ambiente citadino, da nova classe de trabalhadores com crescente independência dos
poderes da Igreja, exige-se, então, uma nova estruturação da arte, influenciadas pela
consolidação do Estado Moderno.
Verificamos que, a partir do século XV houve um alargamento das fronteiras
materiais e intelectuais e, conseqüentemente, uma emancipação da influência da Igreja. O
Renascimento possibilitou o aparecimento de uma visão e de uma representação nova da
realidade. A pintura passou a ser povoada por acessórios greco-latinos e cristãos. Os
príncipes e a Igreja buscaram tirar proveito das tendências da sua época. Assim, a
Antigüidade é invocada para endossar a política social do príncipe e, também, com o
objetivo de louvor à figura do príncipe, para assim, manter o seu poder e a ordem
estabelecida. Esse louvor se expressava por meio de ações simbólicas, como: sagrações e
consagrações; figurações e ritos. As divindades da Antigüidade, que representavam as
riquezas, a estabilidade, imortalidade, beleza, coragem, eram retratadas nas obras de arte,
somadas à capacidade imaginativa dos artistas (FRANCASTEL, 19?).
Concordamos, portanto, que a arte cumpre tal papel. A imagem plástica,
diferentemente de outros meios de informação e de expressão, vai diretamente ao cérebro.
São na memória e na imaginação que os signos plásticos se tornam portadores de
significações.
Ao analisar uma obra de arte, entretanto, é indispensável vinculá-la tanto com o
social quanto com o repertório de signos materiais, possibilitando assim, um melhor
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conhecimento, desse modo de expressão dos homens para se comunicarem. Assim, pois
como afirma Francastel (19?, p. 47) “[...] toda arte é a transposição das necessidades e das
aspirações da época que nasce”.
Diante dessa afirmação, de acordo com Burke (1994), ao analisar as imagens de
glorificação do rei, é preciso vê-las em seu contexto, como criação coletiva, mesmo que
ainda o público não tivesse plena consciência do que desejava. Essa parcial inconsciência é
que tornava eficaz o uso das imagens como reforço do poder real. Assim, o sistema se
desdobrava a partir da crença na imagem idealizada do rei. A imagem do rei era celebrada
e mitificada, comparada com os deuses e heróis da mitologia clássica, como Apolo e
Hércules (figura 1) e, também com reis cristãos, como Clóvis e Carlos Magno. Luís XIV
chegou a ser identificado até a Cristo. Divulgava-se a imagem do mito do herói (figura 2),
como onisciente, invencível.
(Figura 1)
Nessa imagem, o rei foi apresentado como Apolo, deus do Sol, na mitologia grega.
Era muito comum Luís XIV ser representado com elementos da Antigüidade Clássica,
justamente para levar a público, as virtudes que esses elementos simbolizavam, como
liderança, beleza, perfeição. É importante, salientar que, nesse momento, a retomada do
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mundo clássico, representou uma forma de combater a Idade Média. Essa imagem indicava
o caráter sagrado do monarca, a qual, também, se estendia até a sua corte, pois esta era
considerada como um reflexo do cosmos. Para tanto, os pintores buscavam inspiração nas
alegorias clássicas: deuses, deusas e heróis eram identificados a qualidades morais. Na
busca incessante de formas triunfais, era comum, também, a imagem dos reis serem
associadas aos heróis do passado: Salomão, Alexandre, Constantino, Justiniano,
Clóvis, Teodósio, legitimando assim, a monarquia absolutista.
Assim, a leitura de uma imagem é uma aventura em que cognição e sensibilidade se
interpenetram na busca de significados, lançando múltiplos olhares sobre um mesmo
objeto. Por isso, acentuamos novamente que, diante dessa concepção, se faz necessário
verificar as condições e os processos que sustentam as operações de produção de sentido.
Para interpretá-las, todavia, é preciso familiarizar-se com os códigos culturais (BURKE,
2004).
Enfatizamos, assim, que as idéias e as representações elaboradas pelos seres
humanos refletem as suas reais condições de existência, as relações e intercâmbios que
desenvolvem entre si e com o seu meio social.
(Figura 2)
Nessa pintura, acima, o monarca Luís XIV é representado num campo de batalha,
envergando uma armadura romana, simbolizando poder, grandeza e glória. Deusas, como
Minerva, lhe põem na cabeça uma coroa de louros, significando vitória ou fama.
Evidenciamos, assim, que as representações iconográficas, constituíam-se uma
importante linguagem de caráter educativo.
Percebemos, portanto, que segundo Martins (2007), as imagens, como produto
social e histórico, traduzem noções, crenças e valores, registram informações culturais e
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práticas de diferentes períodos. Elas influenciam a formação - identidade - do sujeito
articulando representações visuais derivadas de visões e versões de mundo que estão
presentes em modelos sociais vigentes em numa determinada época ou cultura. Dessa
forma, subjetividade e identidade caminham juntas e constituem a consciência de ser
sujeito, com um processo dinâmico e múltiplo. As imagens são tratadas como espaço de
interação com os indivíduos, criando possibilidades de diálogo e interpretação.
Assim, a cultura visual busca compreender o papel social da imagem na vida da
cultura, colocando em perspectiva diferentes contextos culturais como espaços povoados
pelas silhuetas de nossas presenças e identidades. Elas nos constroem como sujeitos num
labirinto de teias de significado que se interconectam nas dimensões sociais e simbólicas da
cultura.
Por tudo isso, nas palavras de Peixoto (2001), é possível concordar que o conteúdo
das imagens é a cultura:
[...] a arte em geral e a obra em particular jamais serão neutras, porque
sua própria constituição está comprometida com a realidade social e
histórica; estão implicados nela um conhecimento relativo e uma tomada
de posição do autor frente a esse determinado contexto concreto de vida,
ou seja, uma atitude ética e um posicionamento político do indivíduo
criador em face das lutas históricas do presente no qual vive, como
aprovação ou negação, que são as formas de ele se relacionar com o
mundo. Sem esse conjunto de determinações, a obra de arte não terá
sostanza para existir [...] (p.137).
Acreditamos, enfim, que a arte é resultante, eminentemente, da atividade humana,
fruto da percepção espiritual dos seres humanos, que vivem e produzem num contexto
social e cultural datado historicamente. A obra de arte, então, expressa posições estéticas,
éticas e políticas, individuais e sociais ao mesmo tempo. Assim, portanto, podemos apontar
que a arte é histórica e social.
Considerações finais
Concordamos que a linguagem imagética é inerente à existência do homem como
sujeito histórico, cujo discurso tem uma intencionalidade formativa. Os símbolos e mitos,
enquanto linguagem simbólica, representam uma possibilidade de construção mental e
social de um tempo datado historicamente, por meio do qual o homem constrói suas
práticas educativas e suas identidades. Assim, podemos indicar que as representações
iconográficas, constituem instrumentos imprescindíveis para a formação do indivíduo e
construção da sociedade, pois ao mesmo tempo em que se aprende se educa pela imagem,
nos permitindo, assim intervir sobre o real.
A arte, concebida como atividade do espírito e das mãos de homens históricos e
socialmente datados, abarca a totalidade do homem: o sensível, o ético e o cognitivo. É
portadora de todos os elementos e possibilidades concernentes à vida humana em
sociedade. A arte, enquanto expressão de uma realidade específica, ao ser criada, além de
produzir os objetos artísticos, produz, também, o artista, constituindo-o como um ser que
sente, percebe, conhece, reflete e toma posição frente ao seu mundo, no qual está inserido.
A partir do seu universo simbólico, a arte nos leva a formas diferenciadas de sentir,
perceber e expressar, sensivelmente, o mundo e as dimensões humanas.
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Concluímos, enfim, que as imagens representam um importante elemento da
atividade sócio-cultural humana, principalmente, por constituir um sistema de significações
específicas que possibilita a reflexão, ação e expressão do homem em relação a si próprio,
aos demais indivíduos e ao meio em que vive. Assim, as imagens, como uma das formas de
expressão do homem, não podem ser desvinculada do seu contexto histórico e social.
Nesse sentido, a linguagem imagética, constitui para a história da educação, uma
rica fonte para estudo, pois, esta linguagem figurativa pode ser descrita como testemunha de
etapas passadas do desenvolvimento do espírito humano, por meio do qual, nos é possível
ler as estruturas de pensamento e representação em um universo histórico, social e cultural
datado e peculiar.
Diante disso, é evidente a análise da influência das figuras imagéticas do nosso
cotidiano, na formação de valores e nas versões da História, mudando a compreensão dela e
criando um imaginário social que justifica ou produz mitos e verdades sobre figuras
empíricas individuais, regimes políticos e ideologias.
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Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
PELEGRINI, S. de C. A.; ZANIRATO, S. H. (org.). As dimensões da imagem:
abordagens teóricas e metodológicas. Maringá: Eduem, 2005.
STRAYER, J. R. As origens medievais do Estado Moderno. Lisboa: Gradiva, 197?.
VERGER, J. As Universidades na Idade Média. São Paulo: UNESP, 1991.
11
Imagens
Imagem 1: WERNER, J. Triunfo de Luís XIV, guache do pintor suíço, de 1664.
Disponível em: <www.allposters.com/-st/Joseph-Werner-Posters_...>. Acesso em: 28 jul.
2008.
Imagem 2: MIGNARD, P. Luís em Maastrich, tela do pintor francês, 1673. Chateau de
Versailles [Musée National du Château de Versailles et du Trianon]. Disponível em:
<www.scholarsresource.com/browse/museum/63>. Acesso em: 28 jul. 2008.
i
Para se aprofundar no tema sugere-se:
VERGER, J. As Universidades na Idade Média. São Paulo: UNESP, 1991.
OLIVEIRA, T. As Universidades na Idade Média. Notandum Libro - 5. São Paulo/Porto: Mandruvá, 2005.
ii
Em relação a Reforma Gregoriana, sugere-se a leitura da obra Histoire de L´Église de Augusto Fliche,
1946.
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poder, representaes iconogrficas e cultura