DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL E IDENTIDADE GENÉTICA, NO INSTITUTO DA FILIAÇÃO: O CASO PARTICULAR DA ADOÇÃO ANA MARIA DOS SANTOS BATISTA ROBALO Sumário: 1. Introdução 2.Direito à identidade pessoal e à identidade genética. 2.1. O direito à identidade genética e à ascendência biológica à luz do princípio da dignidade da pessoa humana 3. Família e filiação 3.1. Conceito contemporâneo de família e filiação 3.2.Estabelecimento da maternidade em Portugal. 3.3. Estabelecimento da paternidade em Portugal. 3.4. Critério jurídico do conceito da filiação em Portugal. 3.5.Critério sócio-afetivo do instituto da filiação. 4. A Lei da adoção em Portugal 4.1.Tipos de adoção no ordenamento jurídico em Portugal. 4.1.1. Adoção plena no direito português.4.1.2. Adoção restrita no direito português.4.1.3. Adoção internacional. 5. O adotado e o direito à verdade sobre a sua própria origem.5.1. A identidade genética e a verdade biológica.5.2. A adoção e o direito pleno ao conhecimento da origem biológica. 5.3. Situação nos ordenamentos jurídicos mais próximos – Breves aspetos de direito comparado. 6. O papel desempenhado pela psicologia perante a procura do adotado pelo interesse ao conhecimento da sua origem biológica.7. Conclusões 1. Introdução O presente relatório insere-se no âmbito do Doutoramento em Direito, em Ciências Jurídicas, ministrado na Universidade Autónoma de Lisboa. Esta Unidade Curricular tem como regência a Professora Doutora STELA MARCOS BARBAS, tomando como tema central de discussão o “direito à identidade pessoal e identidade genética, no instituto da filiação: o caso especial da adoção”. O principal objeto do nosso estudo encontra-se focado na análise da proteção da tutela do direito à identidade pessoal e à identidade genética, compreendido especificamente no direito do adotado em conhecer a identidade biológica dos seus progenitores. O reconhecimento do direito à identidade pessoal e à identidade genética para o ser humano assume uma especial importância, na conjuntura contemporânea em que se desenvolvem os valores sociais e, particularmente, a ciência da medicina genética e biotecnológica. A procura pelo conhecimento da ascendência biológica do indivíduo é um direito pessoal, fundamental para a plena formação da sua integridade psíquica. A ligação entre pais e filho biológico é inegável e indiscutível, uma vez que a herança genética constitui um elemento substancial que individualiza o ser humano das demais pessoas, simbolizando a sua dimensão absoluta na vida em sociedade. NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação. O estado de filiação e a origem biológica são elementos distintos. Para a maioria da doutrina quando se qualifica o estado da filiação devem ser observados os critérios jurídicos, biológico e sócio-afetivo. A discussão reside na verificação junto da prevalência de um desses critérios sobre os demais, sobretudo quando da existência prévia da definição da paternidade. Neste sentido, parecemo-nos merecer destaque o conceito contemporâneo de família e filiação, o estabelecimento da maternidade, paternidade, critério jurídico, biológico e sociológico, da filiação. Procuramos, aclarar a definição do direito à identidade pessoal e à identidade genética, compreendido na sua esfera pessoal. Nesse ponto, a preocupação residiu numa tentativa de abordar o conceito, bem como da exposição de algumas reflexões que envolvem o tema. Dessa forma, mereceu especial destaque a diferença necessária entre o direito ao estado de filiação e o direito ao conhecimento da origem. Com este trabalho pretendeu-se também, fazer o enquadramento do direito ao conhecimento da origem genética no ordenamento jurídico português, distinguindo as diferenças entre o direito constitucional e o direito civil na perspetiva de classificar, se esse direito é um direito fundamental e inerente à personalidade da pessoa. Pretende-se ainda, fazer uma abordagem ao regime da adoção em Portugal, especificamente no que diz respeito à designação social e preservação do vínculo familiar natural. Seguida de uma análise, do direito do adotado de conhecer a sua origem biológica, acabando por vir consolidar o direito à identidade genética. Finalmente, pareceu-nos relevante destacar a posição essencial ocupada pela Psicologia nos estudos referentes à revelação do processo de adoção ao filho, uma vez que, é uma situação que exige prudência, sensibilidade e, principalmente, responsabilidade da família adotiva no sentido de respeitar os direitos natos do adotado. 1 2. O direito à identidade genética e à identidade pessoal Ao analisarmos o direito à identidade pessoal e genética, torna-se fundamental partir do pressuposto da identidade pessoal, uma vez que esta se encontra vinculada à intimidade da pessoa humana1. A identidade genética surge como um dos componentes à identidade pessoal. Segundo Paulo Otero: […] é indispensável refletir sobre uma divisão dimensional na identidade pessoal, a qual, compreende duas dimensões: a identidade pessoal numa dimensão absoluta ou individual e a identidade pessoal numa dimensão relativa ou relacional. A identidade pessoal numa dimensão absoluta ou individual corresponde à originalidade da pessoa humana na sua forma singular própria e individualizada de ser. Cada pessoa tem uma identidade definida por si própria, expressão do carácter único, indivisível e irrepetível de cada ser humano. Na identidade pessoal relativa ou relacional, cada pessoa tem a sua identidade igualmente definida em função da memória familiar recebida pelos seus antepassados, com especial destaque para os respetivos progenitores, configurando-se num “direito à historicidade pessoal” 2. Desse conceito individual ou absoluto da identidade pessoal, é reconhecida a singularidade do ser humano, não obstante a igualdade com os demais na condição de pessoa é insubstituível e dotado de uma irrepetibilidade natural. Assim, o seu património genético garante-lhe uma estrutura física e psíquica exclusiva. De uma forma semelhante a essa singularidade, a dimensão relativa revela uma divisão crucial da identidade através dos seus progenitores, envolvendo o direito de cada indivíduo conhecer a sua origem, bem como o direito de conhecer a identidade dos seus progenitores. Neste sentido, o direito ao conhecimento da identidade pessoal ou da identidade genética dos seus genitores tem como objetivo satisfizer a procura do interessado não só pelo conhecimento do património genético, mas também como substância fundamental para a construção da sua história no seio da família adotiva. 1 2 Cfr. Artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. OTERO, Paulo. Personalidade e identidade pessoal e genética do ser humano, um perfil constitucional da bioética, p. 64. 2 2.1. O direito à identidade genética e à ascendência biológica à luz do princípio da dignidade humana A ideia de dignidade, como valor inato à pessoa humana, tem sido analisada desde a antiguidade clássica. Procedendo a uma análise histórica sobre a evolução da noção de dignidade, Kant afirmou que a dignidade é uma qualidade intrínseca da pessoa e tem como fundamento a autonomia da vontade do ser humano, como ser racional. Também Hegel vislumbrou o reconhecimento recíproco como fundamento da dignidade, nomeadamente no âmbito das instituições sociais da família, da sociedade civil e do Estado. No mesmo sentido, para Dworkin, a dignidade decorre da importância da vida humana. Concluímos das diversas conceções de dignidade, que elas não se excluem, mas sim, complementam-se. No âmbito normativo, a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 1.º, consagrou como princípio fundamental da dignidade da pessoa humana “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana”. De referir, que a dignidade da pessoa humana é uma condição anterior ao direito, sendo este o meio de garantir a sua efetividade. O direito atua como um instrumento regulador das relações sociais e, na perspetiva de assegurar a efetivação da dignidade humana, uma vez que esta é uma qualidade inata da pessoa. Podemos entender por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o torna merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um conjunto de direitos e deveres fundamentais que protejam a pessoa contra todo e qualquer ato de origem degradante e desumana, bem como, a garantia das condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de favorecer e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. Interpretando o supracitado conceito, tentamos analisar o aspeto normativo da dignidade, ou seja, como princípio e valor na ordem constitucional, com a possibilidade de ser afirmado que o seu status jurídico promove a garantia efetiva de direitos na Constituição. Neste sentido, Paulo Otero refere que: 3 Visando ampliar o elenco dos direitos pessoais consagrados na Constituição, especialmente fazendo face, por um lado, às progressivas inovações trazidas pela criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e de experimentação científica no domínio da genética, e, por outro lado à exigência doutrinal do reconhecimento de novos direitos fundamentais no âmbito da engenharia genética aplicada a seres humanos, a revisão constitucional de 1997 introduziu uma expressa referência à garantia da dignidade pessoal e a da identidade genética do ser humano” ( 3) (4). Assim, a Constituição portuguesa reconhece expressamente a identidade genética do ser humano, relacionando-a com a dignidade pessoal e a limitação da tecnologia e da experiência científica 5. Considerada como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito6, a dignidade da pessoa humana atua, nessa perspetiva, de maneira a otimizar o seu conteúdo na esfera de relações fáticas e jurídicas existentes. Na esteira de Paulo Otero “o direito à identidade genética do ser humano encontra-se hoje dotado de uma inequívoca universalidade, expressão de uma nova regra de ius cogens, afirmando-se o genoma humano, simbolicamente, como património da humanidade”7. 3 Cfr. Artigo 26.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa. 4 PAULO, Otero. Personalidade e Identidade Pessoal e genética do Ser Humano, Um perfil constitucional da bioética. P. 83. 5 Idem, p. 84. 6 Cfr. Artigo 1º, da Constituição da República Portuguesa. 7 PAULO, Otero. Personalidade e Identidade Pessoal e genética do Ser Humano, Um perfil constitucional da bioética. P. 86 4 3. Família e filiação 3.1. Conceito contemporâneo de família e filiação A família é um instituto jurídico, cultural e social cuja noção aceita mudanças e transformações ao longo dos tempos e nas diversas culturas. A família é fortemente condicionada pela cultura, motivo pelo qual, não é possível existir um critério único para proceder à sua definição. Por outro lado, a noção jurídica do conceito de família tem sofrido significativas alterações, nomeadamente quanto à apresentação de uma nova função, natureza, composição e conceção. Os princípios básicos que orientam a família são a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a afetividade, por forma, que ela se converteu num espaço destinado à realização da afetividade humana e da dignidade de cada um dos seus membros. A paternidade, também possui uma natureza especial, considerando a sua relação essencial à noção de família. O conceito jurídico de paternidade está sujeito aos valores que prevalecem em cada momento histórico e cultural. O estado de filiação, que consiste na qualificação jurídica da relação de parentesco, é inerente às relações de família e, assim, também está sujeito aos valores predominantes. A definição do estado de filiação esteve sempre, relacionada com o vínculo matrimonial. O desenvolvimento da tecnologia genética permitiu a revelação do vínculo biológico, a partir do qual surgiu uma nítida tendência para se estabelecer e restringir a paternidade aos resultados do exame de DNA. Segundo a nossa opinião, o estado de filiação realmente instituído advém da cultura onde a família está inserida, da sociedade e da afetividade, quer tenha origem biológica ou não. Assim, recentemente tem-se verificado uma abordagem do estado da filiação, onde se protege o alargamento do tema para que sejam investigados ao pormenor os vínculos jurídicos, biológico e sócio-afetivo, que possuem igual valor jurídico e devem ser contidos no debate acerca da paternidade. Até meados do século XX, momento da descoberta a molécula do DNA - ácido desoxirribonucleico, não era possível conferir, cientificamente, o vínculo biológico 5 entre duas pessoas. Perante esta impossibilidade de provar a paternidade biológica, o direito determinava a origem de uma pessoa a partir de presunções que remontam ao Direito Romano. A maternidade, facilmente identificada pela gravidez e pelo parto, era definida pelo nascimento - mater sempre certa est. A paternidade era fixada com base no vínculo jurídico do casamento - pater is est quem justae nuptiae demonstrant. Esta situação alterou-se com a descoberta da organização tridimensional da molécula do DNA, em 1953. Com esta descoberta, passou a defender-se o direito de conhecer as origens biológicas como o direito em saber a história pessoal e a identidade, diferente do direito ao estado de filiação, que tinha como objetivo o estabelecimento de um vínculo de paternidade entre duas pessoas. A primeira jurisprudência, sobre um direito de conhecer as origens genéticas ocorreu na Alemanha, através de uma decisão proferida pelo Tribunal Constitucional Alemão, em 31 de janeiro de 1989 8 . O caso consistia na pretensão de um filho maior, cuja paternidade era estabelecida por presunção marital, de impugnar a referida presunção, embora não estivessem presentes, na situação, os requisitos para tanto. Na decisão, o Tribunal reconheceu a existência de um direito personalíssimo do conhecimento da ascendência genética, o qual encontraria previsão constitucional, sendo emanado do direito geral de personalidade. O direito ao conhecimento da ascendência genética adquiriu especial relevância na adoção e na reprodução assistida heteróloga. Em ambas as situações, a paternidade biológica difere da paternidade jurídica. Tal circunstância procura o conhecimento das 8 “A jurisprudência alemã já abordou o tema, tendo a solução ora defendida. Em julgado proferido em 31/1/1989 e publicado no periódico jurídico NJW (Neue Juristische Woche) 1989, 891, o Tribunal Constitucional Alemão (BVerfG) afirmou que "os direitos da personalidade (Art. 2 Par.1º e Art. 1º Par.1º da Constituição Alemã) contemplam o direito ao conhecimento da própria origem genética." - Em hipótese idêntica à presente, analisada pelo Tribunal Superior em Dresden (OLG Dresden) por ocasião de julgamento ocorrido em 14 de agosto de 1998 (autos n.º 22 WF 359/98), restou decidido que "em ação de investigação de paternidade podem os pais biológicos de um homem já falecido serem compelidos à colheita de sangue". - Essa linha de raciocínio deu origem à reforma legislativa que provocou a edição do § 372a do Código de Processo Civil Alemão (ZPO) em 17 de dezembro de 2008, a seguir reproduzido (tradução livre): "§ 372 as Investigações para constatação da origem genética. I. Desde que seja necessário para a constatação da origem genética, qualquer pessoa deve tolerar exames, em especial a coleta de amostra sanguínea, a não ser que o exame não possa ser exigido da pessoa examinada. II. Os §§ 386 a 390 são igualmente aplicáveis. Em caso de repetida e injustificada recusa ao exame médico, poderá ser utilizada a coação, em particular a condução forçada da pessoa a ser examinada”. http://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/2429305/jurisprudencia-stjdireito-civil-familia-acao-de-declaracao-de-relacao-avoenga-busca-da-ancestralidade-direito-personalissimo-dosnetos. Acedido em 2 de Maio de 2013. 6 origens genéticas como forma do autoconhecimento, sem que se pretenda a constituição de novos vínculos de filiação. Na adoção, tema abordado no presente trabalho, o procedimento tem caráter de sigilo, em virtude de existir um interesse, compartilhado pelos pais biológicos e pelos pais adotivos, na manutenção de segredo. Contudo, o sigilo passou a ser cada vez mais questionado por filhos adotivos que pretendem conhecer suas origens biológicas. 3.2. Estabelecimento da maternidade em Portugal O estabelecimento da maternidade em Portugal encontra-se previsto, no artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil, preceito normativo que consagra o princípio de que a maternidade resulta do nascimento e depende de simples declaração desde que observado o estipulado nos artigos 1803.º a 1825.º, do mesmo preceito legal 9. Ou seja, a filiação jurídica materna corresponde à filiação biológica resultante do nascimento 10. Quando a maternidade não constar no registo de nascimento, deve o funcionário remeter para o tribunal, a certidão integral do registo, bem como cópia do auto de declarações (se existirem), por forma a possibilitar a averiguação oficiosa da maternidade11, conforme artigo 1808.º e seguintes do Código Civil. Nos termos do artigo 1814.º e seguintes, do Código Civil, a maternidade pode ser reconhecida em ação especialmente intentada pelo filho para esse efeito, quando não resulte de declaração. 9 Regime que resulta da redação do Dec. Lei 496/77, de 25 de Novembro que, contrariando o regime anterior, a mãe deixou de ter qualquer possibilidade de impedir a respetiva constituição do vínculo jurídico. Facto que só será possível no caso da declaração de nascimento não ser exata no que diz respeito à menção da maternidade, só assim é que passou a ser possível à mulher impugnar a maternidade estabelecida desta forma, através de uma ação de impugnação de maternidade, nos termos do artigo 1807.º, do Código Civil. 10 Relativamente ao estabelecimento da filiação, cfr., entre outros, GUILHERME DE OLIVEIRA, Critério jurídico da Paternidade, Ob. Cit., GUILHERME DE OLVEIRA, Estabelecimento da filiação, Ob. Cit. STELA BARBAS, Direito do Genoma Humano, p. 529. 11 Nos termos do artigo 1809.º, alínea a), do Código Civil, a averiguação oficiosa da maternidade não é admitida quando, exista perfilhação, a pertença mãe e o perfilhante forem parentes ou afins em linha reta ou parentes em segundo grau na linha colateral, e, já tenham decorrido dois anos sobre a data do nascimento, conforme alínea b), do mesmo preceito legal. 7 3.3. Estabelecimento da paternidade em Portugal O estabelecimento da paternidade em Portugal pode estabelecer-se pelos seguintes meios: 1. Nos termos do artigo 1826.º 12 e 1835.º, do Código Civil, os filhos nascidos ou concebidos na constância do matrimónio (mulher casada), presumem-se que tem como pai o marido da mãe; 2. Os filhos de mulher não casada, por perfilhação, conforme artigos 1849.º e seguintes do Código Civil e artigo 120.º do Código de Registo Civil 13. 3. Por decisão judicial em ação de investigação, nomeadamente, quando não tenha havido reconhecimento voluntário da paternidade, podendo para o efeito haver duas possibilidades: a) Por meio de uma ação oficiosa da investigação de paternidade, intentada pelo Ministério Público, a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai, conforme os artigos 1864.º a 1868.º do Código Civil, artigo 121.º do Código de Registo Civil e 202.º a 207.º da Organização Tutelar de menores; b) Por meio de ação não oficiosa de investigação de paternidade, em ação especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se encontrar estabelecida ou for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra. O filho pode intentar a ação por si, ou através de representante legal, ou, ainda representado pelo Ministério Público, segundo o preceituado nos artigos 3.º, n.º 1, a) e artigo 5.º, n.º 1, c), do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro e nos termos dos artigos 1869.º a 1873.º do Código Civil. 12 13 Cfr. O artigo 1796.º, n.º 2, do Código Civil. “A perfilhação tende a ser considerada um meio de prova da paternidade biológica, uma declaração de paternidade que faz fé por se presumir que é verdadeira, ou uma declaração de convencimento da paternidade que faz presumir a paternidade biológica; de qualquer modo um ato não negocial que desencadeia – mas não causa – os efeitos da paternidade jurídica estabelecidos pelo legislador “ (Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da filiação, p. 108). 8 3.4. Critério jurídico do conceito de filiação em Portugal A filiação legal ou jurídica até há pouco tempo operava com relativa segurança, uma vez que a identidade da mãe estava sempre certa, ou seja, decorria do matrimónio – Mater sempre certa est – enquanto à identidade pai aplica-se a velha máxima romana pater is est quem justiae nuptiae demonstrant, ou seja, existe a presunção de ser o pai o marido da mulher casada. Trata-se apenas de uma presunção iuris tantum14, conforme artigos 1826.º e n.º 2 do artigo 1796 do Código Civil. A Constituição da República, no seu artigo 26.º, n.º 4, estabelece que os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objeto de qualquer discriminação. Nem a lei, nem as repartições oficiais podem usar designações discriminatórias relativas à filiação, atribuindo assim, um princípio constitucional de não discriminação em relação aos filhos nascidos fora do casamento. Na sua vertente formal, o princípio proíbe o uso de designações discriminatórias, como as de filho ilegítimo, filhos legítimos, adotados, etc., ou quaisquer outras que não se limitem a mencionar o puro facto do nascimento fora do casamento dos progenitores. Sob o ponto de vista material, também não permite qualquer discriminação, ou seja, não poderá ser criado para os filhos nascidos fora do casamento um estatuto de inferioridade em relação aos outros que não decorra de insuperáveis motivos derivados do próprio facto do nascimento fora do casamento. A referida norma constitucional levou, nomeadamente, à revogação das regras de direito civil que atribuíam melhores direitos sucessórios aos filhos legítimos em relação aos filhos ilegítimos, ou que limitavam o reconhecimento de certas categorias de filhos ilegítimos. O Código Civil, por sua vez estabelece que o casamento cria a família, nos termos do artigo 1577.º e seguintes e legitimava os filhos comuns, antes deles nascidos ou concebidos. O Código Civil permitiu o reconhecimento da paternidade do filho tido fora do matrimónio e a correspondente ação para declaração da filiação, após a dissolução da sociedade conjugal. 14 Stela Barbas, Tutela Jurídica do Genoma Humano em Especial, P. 531 9 Os artigos 1796.º a 1802.º, do Código Civil regulam a filiação proveniente do casamento e disciplinam as presunções e a possibilidade de impugnação da paternidade dele decorrente. Nos termos do n.º 2, do artigo 1796.º, do Código Civil, nos casos de filiação fora do casamento, estabelece-se pelo reconhecimento15. Por sua vez, o artigo 1838.º, do Código Civil, determina que a paternidade presumida nos termos do artigo 1826.º, só pode ser impugnada nos termos do artigo 1839.º e seguintes, do mesmo diploma. Sendo que nos termos do artigo 1839.º, n.º1, a paternidade pode ser impugnada pela mãe (nos dois anos subsequentes ao nascimento), pelo marido da mãe (nos dois anos posteriores ao conhecimento das circunstância de que possa concluir-se que não é o pai), pelo filho (até um ano após ter completado a maioridade ou ter sido emancipado, ou, dentro de um ano a contar do momento em que teve conhecimento de circunstâncias que permitam chegar à conclusão de que não é filho do marido da mãe) e pelo Ministério Público, ação disciplinada nos termos do artigo 1841.º. O n.º 216 do mesmo preceito estabelece que na ação o autor deve provar que, de acordo com as circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável. O n.º 3, por sua vez, determina que não é permitida a impugnação de paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu. Por sua vez, e seguindo o pensamento de Stela Barbas: “o teste de DNA veio permitir que a ficção presumida da paternidade fosse substituída pela quase certeza sobre a paternidade. Isto é, as análises de DNA tornaram real o princípio pater is est quem sanguis demonstrat” 17. Assim, podemos afirmar, que o desenvolvimento da tecnologia referente à biologia e à genética, com o aparecimento dos exames de DNA, originou uma profunda modificação no estudo da filiação. O surgimento do exame pericial de DNA, no qual se verifica a compatibilidade dos pares de cromossomas do interessado com aqueles do suposto genitor ou seus 15 A reforma que, em 1997, incidiu no direito da filiação teve, por base, fundamentalmente, duas linhas de orientação; uma maior abertura à verdade biológica e a concessão de uma igualdade de tratamento aos filhos nascidos dentro e fora do casamento (Pereira Coelho, filiação, 1978, 17). 16 O n.º 2 do preceito estabelece um sistema de prova livre - em que a correção da paternidade presumida se pode fazer com recurso a todos os meios de prova geralmente admitidos e não um sistema de causas determinadas – e não um sistema de causas determinadas (Pereira Coelho, Filiação, 1978, 86). 17 Stela Barbas, Tutela Jurídica do Genoma Humano em Especial, P. 533. 10 familiares próximos, na hipótese de falecimento, trouxe novos rumos à questão probatória. A certeza antes alcançada no curso de processo de investigação de paternidade ou de negação de paternidade resultava, na maioria das vezes, da prova oral produzida, por meio de depoimento pessoal das partes e por meio de testemunhas. A sentença, portanto, era frequentemente proferida com base em provas circunstanciais do relacionamento amoroso e da concepção. O exame pericial de DNA, veio assim, permitir que no processo sejam alcançadas maiores certezas sobre a existência ou não do vínculo biológico de filiação entre as partes, o que, numa primeira abordagem, está em conformidade com o princípio da verdade real. Ainda que não possa haver uma certeza absoluta, o exame de DNA constitui indiscutivelmente o instrumento científico mais adequado e preciso. 3.5. Critério sócio-afetivo do instituto da filiação No ordenamento jurídico português, não existe o reconhecimento da família sócio-afetiva18, ao contrário do ordenamento jurídico brasileiro. O ordenamento jurídico Brasileiro estabelece normas que possibilitam o reconhecimento da paternidade decorrente do vínculo sócio-afetivo. No que concerne ao fundamento legal para reconhecimento da paternidade afetiva, Salles19, neste contexto cita Welter segundo o qual: O Código Civil Brasileiro de 2002, também não reconheceu, expressamente, o estado de filho afetivo. Entretanto, a filiação sócio-afetiva pode ser admitida com base nos seguintes artigos: a) do artigo 1.593, que diz: ‘O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem’. Essa outra origem de parentesco é justamente a sociológica (afetiva, sócio-afetiva, social, eudemonista); b) art.º 1.596, em que é reafirmada a igualdade entre a filiação (art.º 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988); c) art.º 1.597, V, pois o reconhecimento voluntário da paternidade na inseminação artificial heteróloga não é de filho biológico, e sim sócio18 Como forma de exemplificativa, temos o caso do sargento Gomes que recebeu um mandado de entrega da filha sócio afetiva ao pai biológico que nunca tinha visto a menina, não possuía condições económicas, nem morava naquela cidade, ficando o sargento (pai da criação) apenas com o direito de visita. 19 Rodolfo Cunha Salles, Promotor de Justiça do MPDFT, titular da 14ª Promotoria de Justiça de Brasília, no artigo “O direito à identidade genética e o estado de filiação: análise dos critérios definidores do vínculo de filiação e o direito ao conhecimento da origem biológica”. http://www.mpdft.gov.br/revistas/index.php/revistas/article/view/37, acedido em 20 de Abril de 2013. 11 afetivo, já que o material genético não é do(s) pai(s), mas, sim, de terceiro(s); d) art.º. 1.603, visto que, enquanto a família biológica navega na cavidade sanguínea, a família afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e da maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do e da maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração e da emoção, revelando o mistério insondável da filiação, engendrando um verdadeiro reconhecimento do estado de filho afetivo; e) art.º 1.605, II, em que filiação é provada por presunções – posse de estado de filho (estado de filho afetivo) ” (WELTER, 2003, pp. 161-162). Podemos dizer que todo o exercício do poder parental é necessariamente sócioafetivo, em virtude de se tratar de uma construção cultural e não de um dado da natureza, podendo ter origem biológica ou não biológica. A adoção, relativamente a este ponto, difere da paternidade sócio-afetiva apenas no que se refere à prévia utilização do procedimento estabelecido na lei para atribuição do vínculo de filiação. O aspeto comum à posse do estado de filiação, à adoção e à reprodução heteróloga é certamente o afeto e o exercício espontâneo e verdadeiro do direito parental. A questão da paternidade sócio-afetiva passou a ter relevância para o mundo do direito, em razão das transformações sociais e familiares ocorridas nos últimos tempos. Esta paternidade sobrepõe-se aos laços sanguíneos decorrentes das alterações familiares da atualidade: desmembramento das famílias, pais que não assumem a paternidade, adoção etc. Na verdade, é aquela em que aquele que não é pai ou mãe biológico passa a tratar a criança ou adolescente, no âmbito de uma família, como filho, criando-o e sendo responsável pelo mesmo. Em nossa opinião, cada vez mais se deve solidificar na jurisprudência a importância da relação sócio-afetiva. Ela também revela a compreensão de que o Poder Judiciário deve acompanhar o desenvolvimento da sociedade para dar respostas em tempo útil e em harmonia com os desejos da sociedade, tendo como objetivo a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. 12 4. A Lei da adoção em Portugal No nosso ordenamento jurídico a Lei da adoção encontra-se prevista nos artigos 1973.º a 2002.º-D, do Código Civil. A adoção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas. Este vínculo constitui-se por sentença judicial proferida em processo que corre seus termos no Tribunal de Família ou de Comarca. O processo tem início com a instrução de um inquérito que, relativamente ao menor averigua e deverá incidir, nomeadamente sobre a personalidade e a saúde do adotante e do adotado, a idoneidade do adotante para criar e educar o adotando, a situação familiar e económica do adotante e as razões determinantes do pedido de adoção20. Nos termos do artigo 1974.º, n.º 1, do Código Civil, em Portugal quem se propõe adotar deve: apresentar quais são as reais vantagens para o menor a adotar; fundar-se em motivos legítimos no que respeita à adoção; não envolver sacrifício injusto para os outros filhos do adotante; seja razoável supor que entre o adotante e o adotado se estabelecerá um vínculos semelhante ao da filiação. O adotando (o menor) deverá permanecer um tempo achado por razoável ao cuidado do adotante, tempo suficiente para se poder avaliar da conveniência da adoção21. No nosso ordenamento jurídico, não é permitido a adoção por várias pessoas da mesma pessoa, exceto se os adotantes forem casados um com o outro22. O candidato a adotar só pode ficar com o menor a seu cargo, com vista à futura adoção, mediante confiança judicial ou administrativa, sendo essa decidida pelo tribunal e verifica-se quando: o menor for filho de pais incógnitos ou falecidos; tiver havido consentimento prévio para a adoção; os pais biológicos tiverem abandonado o menor; 20 Cfr. artigo 1973.º, n.º 1 e 2, do Código Civil. 21 Cfr. artigo 1974.º, n.º 2, do Código Civil. 22 Cfr. artigo 1975.º, do Código Civil. 13 os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razão de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação, ou o desenvolvimento sério do menor; se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que procederam o pedido de confiança23. Contudo, esta confiança não pode ser decidida se o menor se encontrar a viver com pai ou mãe, com parente colateral até ao 3.º grau (por exemplo um primo) ou tutor, salvo se estas pessoas puserem em perigo de forma grave, a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor ou se o tribunal concluir que a situação não assegura o interesse do menor.24 Tem legitimidade para requerer a confiança judicial do menor:25 o candidato a adotante selecionado pelos serviços competentes, por virtude de anterior decisão judicial, tenha o menor a seu cargo; o candidato a adoptante seleccionado pelos serviços competentes, quando, tendo o menor a seu cargo e reunidas as condições para a atribuição da confiança administrativa, o organismo de segurança social não decida pela confirmação da permanência do menor, depois de efetuado o estudo da pretensão para a adoção ou decorrido o prazo para essa efeito pelo Ministério Público; pelo organismo de segurança social da área de residência do menor; pela pessoa a quem o menor foi confiado administrativamente; pelo director do estabelecimento público ou da instituição particular que o tenha acolhido; A confiança administrativa resulta de decisão do organismo de segurança social da área de residência do candidato a ser pai/mãe adotivo, que entregue o menor a este ou confirme a permanência do menor a seu cargo. O processo de adoção e os 23 Cfr. artigo 1978.º, n.º 1, do Código Civil. 24 Cfr. artigo 1978.º, n.º 4, do Código Civil. 25 Cfr. artigo 1978.º, n.º 5, n.º 6, al. a) e b), do Código Civil. 14 respectivos procedimentos preliminares, incluindo os de natureza administrativa, têm carácter secreto. Consequentemente, só pode ser consultado por quem invoque um interesse legítimo e for autorizado pelo Tribunal. A violação do segredo do processo de adoção constitui crime, ao qual corresponde pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias26. O Código Civil português de 1966 começou por configurar a adoção como instituto a favor das crianças abandonadas. Nessa versão, consagravam-se duas modalidades de adoção, a plena e a restrita, sendo que apenas a adoção plena tinha por efeito a aquisição pelo adotado da “situação de filho legítimo”, sendo assim “considerado para todos os efeitos legais”27. Contudo, o artigo 1982.º reservava, basicamente, a qualidade de sujeitos passíveis de adoção plena aos filhos de pais incógnitos ou falecidos. Determinando ainda que “depois de decretada a adoção plena não é admitida a perfilhação, nem tão pouco se pode fazer a prova da filiação natural fora do processo preliminar de publicações ou da acção de revista da sentença que haja decretado a adopção”. A forma como esta norma estava construída deixava pouco espaço de manobra, para o surgimento de conflitos entre os pais naturais e os pais adotivos, e por outro lado, o adotado nestes nestas circunstâncias era pouco provável que sentisse necessidade de descobrir a identidade dos pais biológicos, uma vez porque podiam já não se encontrarem vivos, quer porque, caso se tratassem de filhos de progenitores incógnitos, o ambiente cultural contribuía para essa rotura com o passado. Segundo Rafael Reis, a situação sobre a adoção sofreu uma profunda alteração com a reforma de 1997 na medida em que passou a haver uma permissão da adoção de crianças com família biológica. A adoção plena passou, definitivamente, a assentar em dois vetores: “Em primeiro lugar a reafirmação da regra que impunha a quebra dos vínculos biológicos anteriores, bem como do princípio segundo o qual os novos vínculos adoptivos estabelecidos devem ser em tudo semelhantes aos da filiação biológica; em segundo lugar, o estabelecimento de regras de segredo em torno dos procedimentos de adopção”28. 26 Cfr. Artigo 173-B, da Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto. 27 Artigo 1979.º do Código Civil, na versão originária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966. 28 RAFAEL, Reis, 2008, p. 271. 15 Para além das reformas introduzidas em 1977, o instituto da adoção sofreu outras alterações, introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, e pelo Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio, e pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto. A Lei n.º 31/2003 introduziu alterações importantes no que respeita á capacidade de adotar, uma vez que os 60 (sessenta) anos como limite máximo de idade do adotante deixaram de ser exceção, sendo que a partir dos 50 (cinquenta) anos, só poderá haver adoção se a diferença de idades entre o adotante e o adotado não seja superior a 50 (cinquenta anos) anos. 4.1. Tipos de adoção previstos no ordenamento jurídico português 4.1.1. Adoção plena no direito português O regime da adoção plena no direito português encontra-se regulado nos artigos 1979.º a 1991.º, do Código Civil. A reforma de 1997 introduziu importantes alterações na adoção plena, uma vez que esta passou, definitivamente, a assentar em dois sentidos: em primeiro lugar, a imposição da quebra dos vínculos biológicos anteriores e os novos vínculos adotivos serem em tudo semelhantes aos da filiação biológica; em segundo lugar, estabeleceu as regras de segredo em redor dos procedimentos de adoção. Assim, nos termos do artigo 1979.º do Código Civil, no regime de adoção plena, podem adotar: duas pessoas casadas há mais de quatro anos e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, se ambas tiverem mais de 25 (vinte e cinco) anos; quem tiver mais de 30 (trinta) anos ou, se o menor a adotar for filho do cônjuge do adotante, e tiver mais de 25 (vinte e cinco) anos; quem não tiver mais de 60 (sessenta) anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou mediante promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção, sendo que a partir do 50 (cinquenta) anos a diferença de idade entre o adotante e o adotado não poderá ser superior a 50 (cinquenta) anos. 16 a diferença de idade pode ser superior a 50 (cinquenta) anos quando, a título excecional, motivos poderosos o justifiquem; pode adotar quem tiver mais de 60 (sessenta) anos quando o adotando for filho do cônjuge do adotante. Nos termos do artigo 1980.º, do Código Civil, podem ser adotados plenamente os menores filhos do cônjuge de quem quer adoptar e aqueles que tenham sido confiados judicial ou administrativamente, ou medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção. O menor a adotar deve ter menos de 15 (quinze) anos à data da entrada do processo no tribunal. Pode, no entanto, ser adotado quem nessa data tiver menos de 18 (dezoito) anos, se não for emancipado quando, desde a idade não superior a 15 (quinze) anos, tenha sido confiado aos adotantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adotante. Nos temos do artigo 1981.º, do Código Civil, para a adoção plena é necessário o consentimento: do adotado maior de doze anos; do cônjuge do adotante não separado judicialmente de pessoas e bens; dos pais do adotando, ainda que menores e mesmo que não exerçam o poder paternal, desde que não tenha havido confiança judicial nem medida de promoção e proteção de confiança a pessoa ou instituição com vista a futura adoção; dos descendentes, do colateral até 3.º grau ou do tutor, quando, tendo falecido os pais do adotando, tendo este a seu cargo e com ele viva. No que diz respeito ao segredo de identidade, a identidade dos adoptantes não pode ser revelada aos pais naturais do menor a adoptar, salvo se estes declararem expressamente que não se opõem a essa revelação. Os pais naturais do menor adotado podem opor-se, mediante declaração expressa, à revelação da sua identidade a quem vai adotar.29 Após o processo de adoção plena estar concluído, o menor adotado adquire a situação de filho do adotante e integra-se na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o menor adotado e os seus ascendentes e colaterais naturais, sem prejuízo, no entanto, do disposto em matéria de impedimentos matrimoniais. Assim, o 29 Cfr. Artigo 1985.º, do Código Civil. 17 adotado perde os seus apelidos de origem mas, a pedido de quem adota, o tribunal pode, excepcionalmente, modificar o nome próprio do menor, se a modificação salvaguardar o seu interesse, nomeadamente o direito à identidade pessoal e favorecer a integração na família. Se um dos cônjuges adota o filho do outro, mantêm-se as relações entre o menor adotado e o cônjuge do adoptante e os respectivos parentes30. Depois de decretada a adoção plena, não é possível revelar ou fazer prova dos pais naturais do menor. Esta questão só pode ser levantada, mais tarde, para efeitos de impedimentos matrimoniais, pelo conservador do registo civil e sem qualquer publicidade. Em termos de direitos sucessórios, o adotado e o adotante têm os mesmos direitos que os descendentes e ascendentes naturais. 4.1.2. Adoção restrita no direito português O regime da adoção restrita no direito português encontra-se regulado nos artigos 1992.º a 1991.º, do Código Civil. No regime de adoção restrita, podem ser adotar: os maiores de 25 (vinte e cinco) anos; quem não tiver mais de 60 (sessenta) anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, salvo se o adotando for filho do cônjuge do adotante. Neste regime, podem ser adoptados os menores já referidos em relação à adoção plena. No regime de adoção restrita os efeitos são mais limitados que os da adopção plena. Assim: o menor adotado conserva todos os direitos e deveres em relação à família natural, salvas algumas restrições estabelecidas na lei; o menor adotado, ou seus descendentes, e os parentes de quem adopta, não são herdeiros legítimos ou legitimários uns dos outros, nem ficam reciprocamente vinculados à prestação de alimentos; cabe a quem adota, ou a este e seu cônjuge, se este for pai ou mãe do menor adotado, o exercício do poder paternal, com todos os direitos e obrigações dos pais, excepto no que diz respeito ao aproveitamento dos 30 Cfr. artigo 1986.º, do Código Civil. 18 rendimentos dos bens do adotado, dos quais o adotante só poderá despender a quantia que o tribunal fixar para alimentos deste; O adotado ou seus descendentes são obrigados a prestar alimentos ao adotante, na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes, em condições de satisfazer esse encargo; Ao menor adotado, poderá o tribunal, a requerimento de quem adota, atribuir apelidos deste, compondo-se assim um novo nome, mas em que figure um ou mais apelidos da família natural. A adoção restrita pode a todo o tempo, mediante requerimento dos adotantes, ser convertida em adoção plena, desde que se verifiquem os requisitos para esta exigida. A adoção restrita pode ser revogada se os pais adotivos não cumprirem os seus deveres. 4.1.3 Adoção internacional a) Se o candidato morar em Portugal e a criança estiver no estrangeiro O candidato deve dirigir-se à entidade competente da sua área de residência: Centro Distrital de Segurança Social da sua área de residência; Santa Casa da Misericórdia de Lisboa se residir nesta cidade; Instituto para o Desenvolvimento Social se residir nos Açores; Centro de Segurança Social se residir na Madeira. O processo de candidatura é semelhante ao da Adoção Nacional. Se a sua candidatura for selecionada, a autoridade central portuguesa responsável pelas adoções internacionais envia-a à autoridade central do país onde reside a criança que pretende adotar. b) Se o candidato morar no estrangeiro e a criança estiver em Portugal Deve apresentar a sua candidatura às entidades responsáveis pelos processos de adoção do país onde reside. Se a sua candidatura for selecionada, essa entidade encaminha-a para a autoridade central desse país, que, por sua vez, se articula com a autoridade central portuguesa. 19 Só são encaminhadas para a adoção internacional as crianças que não encontrem candidatos a adotantes residentes em Portugal. 20 5. O adotado e direito à verdade sobre a sua própria origem 5.1. A identidade genética e a verdade biológica Uma das grandes preocupações do homem centra-se na procura pelo conhecimento da sua própria história. Ao longo dos tempos, muitos foram os estudos científicos destinados ao conhecimento das origens da humanidade, no sentido, de se encontrarem explicações para as "procuras” sobre a origem do homem 31 . Essa ansiedade, intrínseca ao ser humano, também se tem refletido, nas esferas individuais, sob a forma da procura pelo conhecimento da própria origem e da sua própria história individual. Esta meditação respeita a um direito, pertencente a toda pessoa, no direito de conhecer sua origem biológica. No ordenamento jurídico português, à semelhança dos ordenamentos Europeus, nomeadamente a França e a Alemanha, o reconhecimento da origem biológica tem proteção constitucional, conforme artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República portuguesa “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal (…) ”. Por sua vez o n.º 3, do mesmo preceito legal defende que “A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica”. Neste contexto, podemos afirmar que a norma do artigo 26.º, da Constituição confirma e assegura a tutela à identidade pessoal e genética e, por essa via, o alcance do seu conteúdo para fins de manutenção da integridade física (saúde), psíquica e histórica da pessoa humana. Esta norma constitucional ao regulamentar este direito é fundamental perante a evolução constante na vida e na sociedade contemporânea, abrangendo quer as relações entre Estado e os particulares e entre particulares e a ciência, nos campos da biomedicina e biotecnologia. Estamos assim, perante uma vertente de garantia constitucional de identidade genérica do ser humano que, obrigatoriamente conduzirá a um princípio geral de verdade biológica. Segundo Paulo Otero “a consagração da identidade genérica do ser como valor constitucional a garantir pelo legislador impossibilita qualquer afastamento da lei ordinária da verdade biológica” 32. 31 32 Primeiramente a nível filosófico e posteriormente a nível científico. PAULO, Otero, Personalidade e Identidade Pessoal e genética do Ser Humano, Um perfil constitucional da bioética. P. 90. 21 Segundo o mesmo autor, a consagração constitucional de um princípio geral de verdade biológica, enquanto manifestação da garantia da identidade genética do ser humano, envolve três efeitos: a) As regras de filiação devem-se basear, essencialmente e preferencialmente, em critérios biológicos, podendo dizer-se que a conjugação entre o direito à identidade pessoal e a garantia de identidade genética de todos os seres humanos determinou a formação de dois novos direitos fundamentais: i. O direito de cada novo ser conhecer e estabelecer a sua ascendência biológica direta; ii. O direito de cada progenitor conhecer e estabelecer a sua descendência biológica direta. b) Por outro lado, impor a omissão, destruir a possibilidade de reconstruir ou negar a ligação biológica entre dois seres, falseando ou escondendo a verdade biológica, será sempre um meio de lesar a identidade genética a que se refere a Constituição. São inconstitucionais, por conseguinte, as seguintes soluções: i. O anonimato dos dadores; ii. A admissibilidade de mistura de sémen de diferentes dadores ou a utilização de óvulos de várias mulheres; iii. A proibição de investigação da paternidade ou da maternidade biológica33. Contudo, na nossa opinião, não chega que os direitos fundamentais se encontrem plasmados apenas pela constituição, ficando as restantes codificações num patamar jurídico independente e separado da interpretação da Lei Constitucional. A oposição entre o direito público e o direito privado, ou seja, entre o Direito Constitucional e Direito Civil, persistiu por muitas épocas e, ainda hoje, se procura atenuar as suas atuações de forma diferente, pelo que, o ordenamento privado deverá ser interpretado consoante as directrizes constitucionais, mesmo que esteja em discussão a relação jurídica estritamente entre particulares. No âmbito dos direitos fundamentais, será adequado fazer uma reflexão do artigo 1.º, da Declaração dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 33 PAULO, Otero, Personalidade e Identidade Pessoal e genética do Ser Humano, Um perfil constitucional da bioética. P. 91. 22 217 A (III), da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, cuja importância da redação está na propagação do direito à liberdade e à igualdade, em idêntica intensidade para todos, englobando, da mesma forma, a dignidade e os direitos. Assim, podemos destacar que cada vez mais se está a construir um direito à identidade biológica, ou ascendência genética, sob o principal pilar dos direitos fundamentais e, por conseguinte, também dos direitos da personalidade: o princípio da dignidade da pessoa humana. Como escreve Stela Barbas “O direito de conhecer a própria identidade, ou seja, poder responder a perguntas como: quem sou eu? Quem são os meus progenitores? É uma interrogação que inquieta (…) mulheres e homens comuns” 34 . O desejo pelo esclarecimento destas dúvidas, por vezes atinge situações dramáticas em razão de situações próprias da existência pessoal do indivíduo. 5.2. A adoção e o direito ao conhecimento pleno da origem biológica Podemos dizer inequivocamente, que a adoção é o maior exemplo de que os laços de amor não se baseiam em vínculos biológicos e que a paternidade cada vez mais é determinada pela escolha. Os pais escolhem a criança para amar e a criança escolhe-os porque quer ser amada. Contudo, o facto de ainda se encontrar muito valorizada a paternidade biológica, causa uma constante e infinita amargura nos pais adotivos quando se trata de revelar ao filho a verdade sobre a adoção. Com o estabelecimento do instituto da adoção, nomeadamente no regime da adoção plena, a lei estabelece que os laços do adotado com a família biológica sejam rompidos, impondo, inclusive, a modificação do registro civil, para que não conste nenhuma informação sobre a adoção em certidões eventualmente extraídas, ou seja, há uma integração completa, do adotado na família do adotante, e a consequente rutura dos vínculos jurídicos que o prendiam à família de sangue, ficando assim apagado do registo a histórico da origem da criança. A garantia do segredo em matéria de adoção respeita em primeiro lugar o caráter sigiloso do respetivo procedimento, que se encontra definido na Organização Tutelar de Menores (OTM), no seu artigo 173.º-B que dispõe que “ o processo de adoção e os respetivos procedimentos preliminares, incluído os de natureza administrativa, têm carater secreto”, contudo, admite-se que, “por motivos ponderosos e nas condições e 34 STELA, Barbas, Tutela jurídica do Genoma Humano em especial, p. 519. 23 com os limites a fixar na decisão, pode o tribunal, a requerimento de quem invocar interesse legítimo, ouvido o Ministério Público, se não for o requerente, autorizar a consulta dos processos referidos no anterior e a extração de certidões”35 O nosso Código Civil, no seu artigo 1986.º, nº 1, consagra o princípio de que, na adoção plena, o adotado adquire a situação de filho do adotante e integra-se com os seus descendentes na família destes, extinguindo-se as relações com a família biológica. Por sua vez o artigo 1985.º, do mesmo diploma, resguarda, ainda, o segredo da identidade do adotante e dos pais naturais do adotado. Atualmente, o segredo abrange, todos os procedimentos de adoção, quer nos casos em que o adotado tenha sido considerado abandonado, ou confiado a estabelecimento de assistência, quer nos casos em que o adotante tenha pedido segredo. Existe a possibilidade de levantar este segredo sobre o procedimento de adoção (embora dependente de decisão judicial) ou do acesso do adotado menor, desde que demonstre que estão preenchidos os requisitos legais. Este preceito legal, pode não ser totalmente pacífico, uma vez que tratando-se de procedimento judicial, a falta de capacidade judiciária terá que ser suprida, com a representação do menor, no mínimo, pelo Ministério Público. Por outro lado podem surgir dúvidas quanto ao procedimento do juiz, na interpretação em concreto dos conceitos de “motivos ponderosos” e “interesse legítimo”. Quanto a estes conceitos Rafael Reis afirma que: o levantamento do sigilo pode considerar-se justificado nos casos em que o adotado invoca razões psicológicas (por exemplo, um desejo forte de conhecimento dos termos em que ocorreu a sua adoção, desejo esse cuja não satisfação lhe afecta inexpugnavelmente a condição psíquica). Quanto ao segundo requisito da “legitimidade do interesse”, ele está satisfeito com a prova perfunctória da titularidade da informação coberta pelo segredo36. Destes preceitos, podemos notar, que o legislador concedeu ao julgador do caso concreto, uma grande margem de acordo com os interesses em jogo, na dimensão em que este pode delimitar os termos exactos em que o sigilo é levantado. Por sua vez, o artigo 1987.º, do Código Civil determina que “depois de decretada a adoção plena não é possível estabelecer a filiação natural do adotado nem 35 Nos termos do supracitado artigo, “ se não existir processo judicial, o requerimento deve ser dirigido ao tribunal competente em matéria de família e menores da área da sede do organismo de Segurança Social”, bem como “ a violação do segredo dos processos referidos no n.º 1 e a utilização de certidões para fim diverso do expressamente alegado constituem crime a que corresponde pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias”. 36 REIS, Rafael, O direito ao conhecimento das origens genéticas, p. 291. 24 fazer prova dessa filiação fora do processo de publicações”. Por outro lado, o artigo 1985.º, n.º 1, do Código Civil, determina que “a identidade do adotante não pode ser revelada aos pais naturais do adotado, salvo se aquele declara expressamente que não se opõe a essa revelação” e o n.º 2, do mesmo preceito legal dispões que “ os pais naturais do adotado podem opor-se, mediante declaração expressa a que a sua identidade seja revelada ao adotante”. Na sequência deste de secretismo criou-se em muitos casos uma rutura dos laços com a família de sangue, esta obrigação do segredo quanto à adoção começou a ser questionada no final do século XX. Embora, estas medidas pretendessem proteger os interesses dos adotados, muitas vezes foram e são eles próprios a questionar essas medidas, mesmo juridicamente. Segundo Guilherme de Oliveira “foram eles, em número cada vez maior, que passaram a pleitear um direito à informação acerca da sua ascendência biológica”37. Neste sentido, começou-se a questionar se as normas dos artigos 1985.º e 1987.º, do Código Civil, eram impeditivas do acesso por parte do adotado ao conhecimento relativo à identidade dos seus progenitores biológicos. Relativamente ao artigo 1985.º do Código Civil, suscita alguns problemas relativamente à compreensão do regime de segredo estabelecido à volta da identidade dos pais biológicos. Por um lado, assegura a não revelação da identidade entre os pais biológicos e adotivos, no sentido, de proteger fortemente os interesses destes na não revelação da sua identidade, por outro lado se quiserem beneficiar deste segredo têm que o comunicar expressamente. Os problemas relativos à compreensão desta norma prendem-se com o facto da norma, não esclarecer se o regime de segredo relativo à identidade dos pais biológicos, nos casos em que estes queiram permanecer anónimos, também se aplica ao adotado. Para Maria Sottomayor: a técnica legislativa do artigo 1985.º - princípio do segredo relativamente à identidade dos pais adotivos e necessidade de declaração expressa dos pais biológicos para preservar o segredo da sua identidade – revela que as finalidades desta norma fora as de, por um lado, proteger os adotantes contra a concorrência dos pais biológicos e contra-reivindicações ou chantagens destes e, por outro lado, a de captar o maior número possível de interessados em adotar38. 37 38 OLIVEIRA, Guilherme, 1998, p. 474 Apud REIS, Rafael, O direito ao conhecimento das origens genéticas, p. 294. 25 No mesmo sentido Maria Dulce Rocha afirma que “quer os psicólogos, quer os magistrados de menores e família têm constatado que a revelação da identidade ou até a mera possibilidade de essa revelação se concretizar se traduz numa enorme intranquilidade e insegurança para a família adotiva, com reflexos negativos na constituição do vínculo afetivo próprio da filiação”39. Perante a análise destes preceitos, aferimos que o espírito da norma não está comprometido com a intenção de vedar ao adotado o acesso ao conhecimento da identidade dos pais biológicos. Na mesma orientação, da análise do Código do Registo Civil, nomeadamente do seu artigo 213.º, n.º2 e 3, chegamos à conclusão que a adoção plena não origina, necessariamente, a elaboração de um novo assento de nascimento, sendo a regra, de que a adoção é registada por averbamento ao assento de nascimento, caso não seja requerido verbalmente pelos interessados ou seus representantes legais, a elaboração de um novo assento de nascimento, contudo, não é cancelado o primeiro assento, onde a adoção foi averbada. O n.º 3, deste precito legal, dispõe que “A filiação natural do adotado só é mencionada nas certidões de narrativa extraídas do correspondente assento de nascimento se o requisitante expressamente o solicitar, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 1985º do Código Civil, mas é sempre mencionada nas certidões destinadas a instruir processos de casamento”. Neste sentido, conjugando o n.º 2 e 3, do artigo 213.º, do Código de Registo Civil, verificamos que as certidões de narrativa não mencionam, em princípio, a filiação biológica, exceto se o requerente expressamente o solicitar, sem prejuízo do n.º 2, do artigo 1985.º do Código Civil “Os pais do adotado podem opor-se, mediante declaração expressa, a que a sua identidade seja revelada ao adotante” e do n.º 3, do artigo 213.º do Código do Registo Civil. Por outro lado, o n.º 2 do artigo 214.º do Código do Registo Civil dispõe que “Dos assentos de filhos adotivos só podem ser passadas certidões de cópia integral ou fotocópias a pedido das pessoas a quem o registo respeita, descendentes ou herdeiros e ascendentes, sem prejuízo, quanto a estes, do disposto no artigo 1985º do Código Civil”. Assim, da análise destes preceitos legais podemos afirmar que, quer o regime que resulta do artigo 1985 do Código Civil, que estabelece que “A identidade do adotante não pode ser revelada aos pais naturais do adotado (…) ”;bem como os “Os pais naturais podem opor-se (…) a que a sua identidade seja revelada ao adotante”, bem 39 Idem, p. 294. 26 como os precitos do Código do Registo Civil respeitantes à passagem de certidões do assento de nascimento do adotado (nomeadamente o n.º 2 e 3 do artigo 213.º e o n.º 2 do artigo 214.º), não impedem o adotado de ao consultar o seu assento de nascimento, obtendo assim, a informação relativa à identidade dos seus pais biológicos. Nestes termos, é nosso entendimento que o espirito das normas supracitadas, não se encontram comprometidas com o objetivo de fechar ao adotado o acesso ao conhecimento da identidade dos seus pais biológicos. Alguns autores pronunciaram-se sobre as supracitadas normas, havendo quem afirme que o facto de ser oponível aos pais biológicos, nos termos do n.º 2, do artigo 1985.ºdo Código Civil, a revelação da sua identidade aos pais adotivos impede o adotado de consultar esses factos, sob pena de, assim não sendo, se frustrar a finalidade da norma, nomeadamente Maria Clara Sottomayor que afirma: […] Embora a letra da lei, no artigo 1985.º, apenas refira o segredo de identidade nas relações entre os pais adotivos e os pais biológicos, parece lógico que, no caso de os pais biológicos terem requerido o segredo de identidade, este seja também extensível ao adotado, de outra forma a finalidade da norma – proteger a privacidade dos pais biológicos – seria frustrada, pois o segredo de identidade requerido por estes seria quebrado através da intervenção do filho. No caso de os pais biológicos nada dizerem, de acordo com a letra da lei, quer os adotantes quer os adotados podem requer certidões de nascimento em que consta a identidade dos pais biológicos 40. Por outro lado, são vários os autores que defendem o direito do adotado ao conhecimento à sua origem biológica, nomeadamente Rafael Reis defende que “O facto de o legislador não estabelecer uma regra de segredo recíproco absoluto sobre as identidades dos pais biológicos e naturais, deixando, em larga medida na sua disponibilidade um tal regime de segredo, demonstra que, afinal, ele próprio “deu pouco” por esse segredo”41. Continuando, o mesmo autor refere que: Afinal, o legislador, com o regime do artigo 1985.º do Código Civil concedeu aos pais biológicos e adotivos a possibilidade de se escudarem num (fraco) segredo, nos casos concretos em que o considerarem necessário. Os termos da construção legislativa, pela debilidade que denota, e o seu confronto com as normas de registo civil, permitem, afinal, afirmar o princípio de que o legislador português, com as 40 Apud REIS, Rafael, O direito ao conhecimento das origens genéticas, p. 298. 41 REIS, Rafael, O direito ao conhecimento das origens genéticas, p. 300. 27 soluções oferecidas, se manifestou bastante favorável ao conhecimento pelo adotado da identidade dos seus pais biológicos 42. Por outro lado, o nosso regime jurídico omite a idade mínima a partir da qual o adotado pode conhecer a identidade dos pais biológicos. Analisando alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros, verificamos que a tendência da consagração do direito ao conhecimento da família biológica pelo adotado se vai consolidando, tendo sempre presente que se devem evitar perturbações no processo de formação da sua personalidade, sendo que esse direito deve ser plenamente reconhecido a partir do momento em que o adotado tenha atingido um grau de maturidade que lhe permita gerir a informação que lhe é facultada. Neste sentido, a maioridade ou a idade núbil costuma funcionar como padrão nesta matéria. Como exemplo apresentamos o direito alemão que tem como referência a idade de 16 (dezasseis anos), por considerar que um adolescente nesta fase da vida, corresponde, à idade em que o ser humano se depara com questões relacionadas com a sua própria proveniência. Por sua vez, o artigo 214.º, do Código do Registo Civil, não impões qualquer idade mínima no que respeita à legitimidade para pedir certidões, como já foi referido. Neste sentido, Rafael Reis dispõe que: […] considerando o nosso ordenamento jurídico que a capacidade para o casamento se atinge aos 16 (dezasseis) anos, deve, sob pena de incoerência lógica, reconhecer-se a plena capacidade do adotado para aceder ao conteúdo do próprio assento originário de nascimento quando tenha atingido essa idade; b) nos casos em que a representação do menor caiba aos pais adotivos, se os pais biológicos manifestaram a sua oposição à revelação àqueles da sua identidade deve admitir-se a representação subsidiária do menor pelo Ministério Público, a fim de evitar, aqui sim, uma clara frustração do regime que resulta do artigo 1985.º do Código Civil43. Perante a análise desta temática, achamos interessante fazer uma referência ao acesso de terceiros para obter informação relativa à identidade da família biológica do adotado, sem que demonstre possuir legitimidade em obtê-la. O n.º 2 do artigo 214.º do Código do Registo Civil estabelece que “Dos assentos de filhos adotivos só podem ser passadas certidões de cópia integral ou fotocópias a pedido das pessoas a quem o registo respeita, descendentes ou herdeiros e ascendentes 42 REIS, Rafael, O direito ao conhecimento das origens genéticas, p. 301. 43 REIS, Rafael, O direito ao conhecimento das origens genéticas, p. 304 28 (…) ”, restrições que devem ser alargadas às certidões de narrativa, constantes do n.º 2 e 3 do artigo 213.º, do mesmo preceito legal: 2 - Nas certidões de narrativa extraídas do registo de nascimento de filhos adotados plenamente, a filiação deve ser mencionada certidões destinadas a instruir processos de casamento. apenas mediante a indicação dos nomes dos pais adotivos. 3 - A filiação natural do adotado só é mencionada nas certidões de narrativa extraídas do correspondente assento de nascimento se o requisitante expressamente o solicitar, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 1985º do Código Civil, mas é sempre mencionada nas certidões destinadas a instruir processos de casamento. Perante terceiros que demonstrem um interesse aceitável, REIS, Rafael defende que: […] admitir-se-á a emissão de certidões, porém, por não ser, obviamente, de equiparar a posição destes à do adotado (salvo, talvez, nos casos dos descendentes deste, por estar envolvido ainda o direito ao conhecimento das origens genéticas, em princípio essa emissão deve respeitar o regime do artigo 1985.º do Código Civil, pelo que as certidões não indicarão a identidade dos pais biológicos caso eles tenham expressamente manifestado a oposição a essa revelação, justificando-se aqui a interpretação extensiva do artigo 1985.º. Já a identidade dos pais adotivos pode constar da certidão pedida (…)”. Tratando-se de terceiros sem qualquer interesse atendível na obtenção da informação, entende-se que não lhe deve ser facultada, uma vez que esta informação consta dos registos públicos e está contida no conceito de “dados pessoais” nos termos da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (lei que regula os termos em que deve ser dada publicidade pela Comissão Nacional de Proteção de dados aos tratamentos de dados pessoais), que no seu artigo 31.º, n.º 4 estabelece “ (…) não se aplica a tratamentos cuja única finalidade seja a manutenção de registos que, nos termos de disposições legislativas ou regulamentares, se destinem à informação do público e se encontrem abertos à consulta do público em geral ou de qualquer pessoa que possa provar um interesse legítimo”, regulando assim, os princípios do acesso aos dados pessoais. Por outro lado, também o artigo 33.º, do mesmo preceito legal estabelece que “Sem prejuízo do direito de apresentação de queixa à CNPD, qualquer pessoa pode, nos termos da lei, recorrer a meios administrativos ou jurisdicionais para garantir o cumprimento das disposições legais em matéria de proteção de dados pessoais”. 29 Também neste preceito legal, verificamos um reconhecimento do direito do adotado ao conhecimento da identidade dos seus progenitores biológicos, junto de qualquer entidade, pública ou privada, com a possibilidade da sua imposição coerciva, por meio de recurso judicial. Na opinião Stela Barbas “O ser humano tem direito à identidade genómica. Não pode haver dois tipos de pessoas: as que podem conhecer e as que não podem conhecer as sua raízes genómicas” (44)(45) . A paternidade genética não poderá ser superada pela social, uma vez que, são coisas completamente distintas. Como diz Stela Barbas, “Uma coisa é o reconhecimento da relevância da paternidade social, outra é sacrificar, proteger, em função da ênfase na paternidade social, o direito à identidade, mesmo que não tenha qualquer efeito patrimonial” 46 . Para Stela Barbas, a criança deve ter conhecimento, o mais cedo possível, que é adotada para evitar que um dia venha a saber repentinamente, nomeadamente por descuido, por acaso ou por terceiros, essa realidade, uma vez que esse conhecimento tardio pode gerar autenticas neuroses existenciais de escolha de identidade, verdadeiras crises de referência entre os pais biológicos/genéticos e os pais sociais. Por outro lado, o conhecimento biológico possibilita a realização de determinadas necessidades da criança, nomeadamente física, psicológicas (o desejo de conhecer as origens é um elemento fundamental do desenvolvimento psicossocial)47 ‘e sobretudo o conhecimento de quem é o progenitor permite ceder à informação médica que necessita. Para Stela Barbas: o sistema jurídico não pode ficar ferido pela contradição de o artigo 1987.º do Código Civil determinar a impossibilidade de estabelecimento e prova da filiação natural do adotado fora do processo preliminar de publicações. (…) que o próprio regime da adoção deveria ser modificado no sentido de consagrar o direito do adotado, depois de atingir a maioridade, de conhecer as suas raízes genómicas, a sua história, a sua identidade, o seu património genético. 48 Também para Pierre Verdier, a adoção não pode ser plenamente feliz e bemsucedida quando se apoia sobre a negação de uma origem biológica diferente, mas 44 STELA, Barbas, Tutela jurídica do Genoma Humano em especial, p. 519. 45 Redação introduzida pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto. 46 STELA, Barbas, Tutela jurídica do Genoma Humano em especial, p. 519. 47 Idem, p. 520. 48 Idem, p. 517 30 somente poderá sê-lo quando respeitar o direito da criança de conhecer a totalidade de sua história49. Da análise dos vários preceitos legais, podemos concluir que a lei é omissa quanto ao direito do adotado ao conhecimento pleno da sua origem biológica. Perante esta omissão, alguns autores defendem que a efetivação desse direito vai desconsiderar a norma. Outros autores, nomeadamente Stela Barbas, Paulo Otero e Rafael Reis etc., defendem que o adotado tem pleno direito ao conhecimento da sua origem biológica. Em nossa opinião, pese embora o legislador não tenha sido claro no Código Civil, analisando outros preceitos legais, tais como, a Constituição da República Portuguesa, o Código do Registo Civil, a Lei Tutelar de Menores e a Lei de Proteção de Dados, somos da opinião que o adotado deve ter direito ao conhecimento das sua origens genéticas e biológicas, bem como o direito ao conhecimento dos termos em que decorreu o seu processo de adoção. 5.3. A situação nos ordenamentos jurídicos mais próximos – Breves aspetos de direito comparado Os ordenamentos jurídicos mais próximos do nosso revelam-nos uma tendência, de certo modo generalizada, para a consagração legal da faculdade de acesso pelo adotado à informação relativa à identidade dos progenitores biológicos, pelo que os pais devem revelar aos filhos adotivos a sua condição, em virtude da possibilidade de garantir o segredo absoluto e uma revelação tardia pode ter consequências na formação da personalidade do adotado. Em França, a legislação permite à mulher grávida fazer o parto em segredo, por meio de um instituto denominado accouchment sous x -, facto que tem originado grandes discussões, por constituir um grande obstáculo ao exercício do direito ao conhecimento das origens genéticas 50. O artigo 47.º do Code de la famille et de l’aide sociale e o artigo 34.º, n.º 1 do Code Civil francês estabelecem que, por ocasião do parto, a mãe pode requerer que seja preservado o segredo de sua identidade. O accouchment sous x foi considerado um importante instituto no combate ao aborto e ao 49 VERDIER, 1998, p. 28. 50 LEFAUCHEUR, 2004, p.319. Ob. Cit Juliana de Alencar Auler, Adoção e direito à verdade sobre a própria origem, http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/artigos/332011.pdf, acedido em 12 de maio de 2013. 31 infanticídio, garantindo à parturiente os recursos médicos sem que haja necessidade de se identificar. Contudo, tem surgido movimentos defensores no país, os quais, têm feito grande pressão para que sejam modificadas as normas que garantem o referido segredo. Entre estes movimentos, encontram-se associações como a CADCO - Coordination des Actions pour le Droit a la Connaîssance des Origines, que defendem o direito ao conhecimento das origens. Esta associação é formada por adultos que foram abandonados quando eram crianças, por filhos do accouchement sous x e, também, por pais adotantes sensibilizados com o sofrimento dos filhos. No Reino Unido, o ordenamento jurídico relativo ao Adoption Act de 1976 admitiu, na seção 51, que fosse possível ao adotado consultar os registros originais do seu nascimento, ao atingir os 18 anos. O Registo Civil, por imposição legal, tem a obrigatoriedade de manter um arquivo denominado Adoption Contact Register, com a finalidade de facilitar o contato entre as pessoas adotadas e os seus familiares biológicos51.Em 2002, entrou em vigor, no Reino Unido, uma nova lei sobre adoção, denominada Adoption and Children Act 2002, a qual resguardou o direito de acesso ao registro de nascimento primitivo do adotado adulto. Em Espanha, a Ley de 8 de Junio de 1957, que regula o Registro Civil, dispõe que as informações acerca da adoção podem ser fornecidas mediante autorização especial e quando houver interesse legítimo e uma razão fundada. No direito italiano, a legislação 52 determina que o adotado, ao atingir a idade de 25 anos, pode ter acesso à informação sobre as suas origens, tendo conhecimento da identidade do seu genitor biológico. A constante preocupação pela procura de garantir o direito ao conhecimento das origens das crianças, também foi inserida em tratados internacionais sobre os direitos das crianças, nomeadamente na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, a qual estabelece, no seu artigo 7º, n.º1, o direito da criança conhecer os seus pais e de ser cuidada por eles53. 51 REIS, 2008. 52 Legge n.184, de 4 de maio de 1983, art. 28. 53 O artigo 7.º, n.1, estabelece que “A criança será registrada imediatamente o seu nascimento e terá direito, desde o memento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles”. 32 Igualmente, a Convenção relativa à Proteção às Crianças e à Cooperação em matéria de adoção internacional dispõe, no artigo 30.º,n.º 1, que “as autoridades competentes de um Estado devem assegurar a proteção das informações que detenham sobre a origem da criança, em particular informações relativas à identidade dos seus pais, assim como a história clínica da criança e da sua família”. O referido preceito normativo determina que o acesso da criança ou do seu representante legal a tais informações é assegurado, desde que permitido pela lei desse Estado. No Brasil, até a entrada em vigor da nova lei de adoção, a legislação resguardava o sigilo dos processos de adoção e da identidade dos pais biológicos. Contudo, também neste país começaram a surgir de forma constante, várias litigâncias sobre o direito ao conhecimento das origens genéticas. O Supremo Tribunal de Justiça manifestou-se sobre um pedido de reconhecimento do direito ao conhecimento da ascendência genética formulado por uma pessoa que tinha sido adotada, tendo sido seu entendimento que o rompimento dos vínculos jurídicos com os pais biológicos não tem o condão de romper os vínculos naturais. Reconheceu, por conseguinte, que haveria uma “respeitável necessidade psicológica de se conhecerem os verdadeiros pais” 54. A mais recente lei brasileira, a Lei nº 12.010/09, que modificou vários dispositivos concernentes à adoção, não ficou alheia à realidade descrita e introduziu uma nova redação ao artigo 48.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente 55 , Lei nº 8.069/90, que assegura, ao adotado maior de dezoito anos de idade, o direito de conhecer a sua origem biológica, bem como obter acesso total ao processo no qual a medida foi aplicada. No parágrafo único, estabeleceu-se a possibilidade de acesso ao processo de adoção, por menores de dezoito anos, a seu pedido, assegurando orientação, assistência jurídica e psicológica. 54 Na sentença, afirmou-se: “A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecerem os verdadeiros pais.” (REsp 127.541/RS. Relator: Ministro EDUARDO RIBEIRO. Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 10.04.2000). 55 Nova redação do artigo 48.º do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a modificação promovida pela Lei nº 12.010/09: “Artigo 48.º O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.” 33 6. O papel desempenhado pela psicologia perante a procura ao adotado pelo interesse ao conhecimento da sua origem biológica A adoção consiste numa ação que requere dos pais adotivos muita subtileza no desejo de constituir uma família verdadeiramente unida pelos laços de afeto. O caminho a percorre no sentido da construção de um núcleo familiar abrange a participação de um conjunto de pessoas, nomeadamente dos pais responsáveis, da integração dos filhos, bem como a manutenção de uma relação saudável entre filhos biológicos e os filhos adotivos. Para que a concretização de uma relação parental de afeto, é de extrema importância que o filho adotado esteja empenhado em garantir a sua ligação com os pais adotivos, uma vez que a realidade do processo de adoção implica uma alteração na história de vida do adotado. As circunstâncias em que se verificam a troca das principais figuras da história de vida da criança ou do indivíduo, fazem-se acompanhar da vontade pelo próprio, de conhecer qual a sua origem, muitas vezes, até, decorrente do simples facto de não conseguir ver uma semelhança física com os seus pais adotivos ou, até mesmo em razão da revelação do procedimento de adoção, embora, esta situação seja uma hipótese mais rara, considerando os sentimentos de medo e angústia que carregam os pais adotivos perante essa tarefa. Contudo, para alguns indivíduos adotados, a boa relação com a família que os adotou não é suficiente para realização total da sua identificação pessoal. E é nessa perspetiva, de conseguir concretizar a sua identidade no sentido de descobrir a sua realidade individual, que o filho adotivo desperta para a necessidade de procurar a sua individualidade que o distingue dos outros. Neste momento, surgem quer na vida do filho, quer nos pais várias incertezas, dúvidas e angústias perante a possibilidade da descoberta da paternidade/maternidade biológica. Perante estas situações, não são raras as tentativas dos pais adotivos em criar obstáculos a conseguir esse objetivo, em virtude de temerem pela perda da sua família, e da ligação que estabeleceram com o filho adotado. É uma situação muito delicada, considerando, de um lado, o sentimento de desejo do indagador e, em contraposição, a insegurança que permeia a razão dos pais adotivos em não revelar a verdade biológica ou simplesmente não auxiliar o filho nessa caminhada. 34 Estas situações, quando da revelação biológica podem desencadear sentimentos, que assustam quer os corações dos pais, quer o coração de quem é adotado. Para o filho, tal conhecimento pode representar um sentimento de rejeição ou abandono, por sua vez, para os, o medo da perda afetiva, do desprezo perante o tempo que decorreu e o segredo mantido. Perante estas situações, é essencial que a família, perante a existência de momento de dúvida, sobre a forma como agir perante a revelação da adoção, tenha a perceção clara de os laços de amor, carinho e dedicação, não são apresentados por meio dos laços consanguíneos, mas sim fruto de um convívio harmonioso e saudável propiciado entre todos os membros de uma família. Assim, em nossa opinião, não existem dúvidas que a Psicologia no que diz respeito à revelação da adoção ao filho, bem como do significado positivo no compromisso da família em apoiar o desejo do adotado de conhecer a identidade biológica e dos seus genitores. É com certeza, uma questão que exige cautela e sensibilidade dos membros da família, para que o amor e a confiança entre todos criem raízes ainda mais fortes e significativas nas suas vidas. Neste sentido, é imprescindível que possibilidade de acompanhamento clínico seja, de facto, uma realidade possível ao alcance de quem necessita desse suporte. 35 7. Conclusões Diante dos esclarecimentos prestados ao longo do presente trabalho podemos verificar que o seu núcleo central, prende-se com a garantia do direito ao conhecimento da origem genético/biológica envolvendo os filhos adotivos, numa perspetiva voltada exclusivamente para a satisfação de um direito pessoal, ligado intimamente à sua história de vida. O objetivo deste trabalho pretendeu demonstrar o significado que o conhecimento da origem biológica, das raízes decorrentes da ligação genética, traz para a esfera pessoal e moral do adotado. Verificamos que no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no artigo 26.º, da Constituição da república Portuguesa, que o legislador pretendeu positivar a consagração constitucional do direito à identidade biológica e genética. Conforme se destacou no decorrer da pesquisa, a dignidade é um valor inerente a todo ser humano. Sendo assim, a normatização da dignidade como princípio constitucional confirma a necessidade de promoção do respeito e a proteção da integridade física e emocional da pessoa. A dimensão representada em razão do status ocupado no ordenamento pela dignidade da pessoa humana é fundamental para assegurar a autonomia responsável da própria individualidade do ser humano. A identidade pessoal do indivíduo, considerando aqui o seu património genético, é absoluta e também relativa, tendo em conta a sua herança histórica e social, razão pela qual o princípio da dignidade da pessoa humana fortalece a preservação do respeito a todos os indivíduos, como seres únicos. A importância do conhecimento sobre a adoção, bem como da reflexão dessa medida na vida do filho adotivo, a Psicologia assume um papel importante, nomeadamente com o seu contributo de modelar o desenrolar dessa situação na relação familiar, de modo que comprometa o menos possível a saúde psíquica de todos os membros da família. Assim, podemos concluir que a função desempenhada pela Psicologia compreende, em primeiro lugar, o bem-estar do adotado, como membro da família adotiva que recebe a notícia sobre a sua origem e, perante disso, passa a efetuar várias questões sobre as razões que motivaram os seus pais biológicos a doá-lo, além da possibilidade de despertar no adotado o interesse por conhecer a identidade dos seus genitores. Nessa hipótese, os estudos da Psicologia revelam que é essencial o amparo da 36 família adotiva na procura por esse desejo do adotado, pois evidencia a intensidade dos laços de amor, ternura e afeto constituídos e, principalmente, a confiança construída no convívio familiar. Assim, é essencial a participação do Estado, da família e da sociedade, de uma forma geral, no respeito pelo instituto da adoção, nomeadamente no que diz respeito ao cumprimento dos direitos fundamentais do adotado, de modo que a sua vivência familiar seja em função da plenitude do seu desenvolvimento físico, psicológico, emocional, cultural, ou seja, digo de todo o ser humano. 37 8. Referências bibliográfica BARBAS, Stela Marcos de Almeida, Direito do Genoma Humano, Coimbra, Almedina, reimpressão, 2011 _______________ Tutela Jurídica do Genoma Humano em Especial, Almedina, 2007; CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS, adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. 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DECRETO REGULAMENTAR n.º 17/98, de 14 de Agosto Reconhece às instituições particulares de solidariedade social a possibilidade de intervir no âmbito do instituto da adoção e é regulamentada a atividade mediadora em matéria de adoção internacional; Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto Altera o Código Civil, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, o Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de maio, a Organização Tutelar de Menores e o Regime Jurídico da Adoção; Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro. Lei da Proteção de Dados Pessoais. 38 NETO, Abílio, Código Civil Anotado, 18ª Edição Revista e Atualizada, Ediforum, 2013; OLIVEIRA, Guilherme de, Estabelecimento da filiação, Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, 1998; OLIVEIRA, Guilherme de, Critério jurídico da Paternidade, Coimbra, Almedina, 1998; REIS, Rafael Luís Vale, O direito ao conhecimento das origens genéticas, Coimbra, Coimbra, 2008; SALLES, Rodolfo Cunha, “O direito à identidade genética e o estado de filiação: análise dos critérios definidores do vínculo de filiação e o direito ao conhecimento da origem biológica”, Revista de Artigos 2010, Brasília; WELTER, BELMIRO PEDRO, “Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva”. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. VERDIER, Pierre, Porpositions pour uneréforme du secret dês origins, Medicine &Droit, n.º 30, 1998. 39