Descontos no Antitruste
César Mattos
Conselheiro do CADE e Doutor em
Economia
FIESP 13/08/2009
Descontos e Condutas Potencialmente
Anticompetitivas
Equivalência Econômica no Formato dos
Descontos
Condutas Correlatas
•
Descontos condicionados à exclusividade total ou
parcial, explícita ou não. Pode depender de Percentual
Mínimo de Compras no total adquirido (quando se
torna um “programa de fidelidade”) ou do volume de
compras, sendo o primeiro mais caracteristicamente
“exclusividade” do que o segundo.
•
Ganha desconto em A se comprar também B ou viceversa. Pode estar associada a um subsídio cruzado.
Usualmente “A” será o produto no qual a empresa tem
poder de mercado.
Discriminação de preços
(1,2 e 3)
•
Descontos para tipos específicos de consumidores.
Descontos por volume também se enquadram na
discriminação do tipo 2.
Preço predatório
•
Descontos que geram Preço < Custo Médio
•
Exclusividade
•
Venda Casada
•
•
Como um desconto por volume se torna
uma conduta de exclusividade?
• O desconto por volume é usualmente bem visto por auxiliar na
realização de ganhos de escala.
• No entanto, suponha que o fornecedor prevê de forma razoavelmente
precisa que um revendedor terá demanda de 100 unidades. Se o
fornecedor der um desconto suficientemente grande justamente a
partir da 100º unidade, o efeito prático é de uma exclusividade. Se for
a partir da 90º unidade, o efeito prático é de uma exclusividade
parcial (90%) e assim por diante.
• O desconto por volume poderá ser, na prática, uma exclusividade se,
no exemplo acima:
(i)
As demandas dos revendedores forem similares ou
(ii) A política de descontos de volume for “taylor-made” para cada
revendedor ou grupos de revendedores, segmentados por nível de
demanda (maior demanda do revendedor, maior o volume
requerido deste revendedor para obter o desconto);
O que a doutrina antitruste considera mais
complicado: desconto por volume X desconto
por fidelidade (total ou parcial)
Conforme Elhauge e Geradin (Global Competition Law and
Economics - 2007):
“Comparado aos descontos por fidelidade, os descontos por
volume são em geral menos restritivos dado que não
restringem o comprador de adquirir qualquer volume que
ele deseje dos rivais da empresa que implementa o
programa, além de serem mais relacionados às eficiências
de ganho de escala próprias a este sistema de descontos
por volume. Mas, quando o volume é definido de forma tal
a cobrir toda ou quase toda a demanda do comprador , seu
efeito prático pode ser basicamente o mesmo”.
Exclusividade
Potenciais Efeitos Anticompetitivos
i)
Aumento unilateral do poder de
mercado da empresa que impõe a
exclusividade, por meio do
"bloqueio" e/ou aumento de
barreiras à entrada no segmento
de
distribuição
(ou
de
fornecimento de insumos), o que
pode resultar diretamente de
cláusulas
contratuais,
ou
indiretamente por aumento de
custos dos rivais.
ii) Cartelização no mercado "de
origem” quando a exclusividade
ajuda na divisão do mercado entre
produtos substitutos.
Potenciais Eficiências
i) Evita o “efeito carona” (free-rider) de várias
formas:
• Se o revendedor usa o chamariz de uma
marca ou tecnologia em sua propaganda e
vende também outras marcas e/ou
tecnologias, protegendo investimentos em
marcas.
• Ligado ao anterior, se o revendedor,
conectado a uma marca propagandeada
nacionalmente pelo fornecedor, acabe
vendendo produtos de outra marca.
• Se o revendedor utiliza seu treinamento
provido por um fornecedor para vender
produtos de outro.
ii) Protege ativos específicos entre fornecedor
e revendedor, aumentando o custo das
“outside opportunities”. Ex: o caso clássico
da mina de carvão e geradora de energia
elétrica.
iii) Menor custo de busca para fornecedor e
revendedor no mercado.
Avaliação antitruste depende fundamentalmente dos market-shares das partes e do
grau de cobertura da conduta
Descontos em Programas de Fidelidade
com Contrapartida de Exclusividade Total
ou Parcial (Share-Based Discounts)
• A palavra “desconto” pode ser enganadora pois é possível na
prática que:
Desconto por Fidelidade = Penalidade por Infidelidade
Se a empresa aumenta o preço dos “infiéis” em relação àquele preço
que ocorreria sem o programa.
Se os preços da empresa se tornam, de fato, maiores em função dos
eventuais efeitos exclusionários da própria conduta.
• Tanto a seção III do Clayton Act (EUA) como o art. 82 da EC tratam
os descontos condicionados a exclusividade como conduta de
exclusividade.
• Tais descontos podem ter enforcement até mais eficaz que a própria
exclusividade pura e simples a qual demanda medidas judiciais para
a recuperação de danos.
Caso Brown Shoe EUA 1966
• Brown introduziu um programa de franquias
com um número muito grande de varejistas
independentes que requeria exclusividade.
• Os varejistas que aderiam ganhavam
descontos especiais, e serviços como planos
de arquitetura do varejo, montagem de
serviços de informação.
Descontos e Venda Casada
Preço de
“A” sem
cesta A-B
Preço de
“B” sem
cesta A-B
Preço isolado
de “A” com
cesta A-B
Preço da
Cesta A-B
Equivalência Econômica à Venda Casada
100
50
200
150
Equivalente à venda casada de não vender A
sem B pois ninguém vai comprar A por $200 se
pode comprar por $ 150 e ainda ter B.
Quaisquer preços tais que
Preço Isolado de “A”> Preço A-B gera este
efeito.
Não seria nem um desconto real, que pode
nem ser percebido pela falta do contrafactual
dos preços de A e B sem cesta
100
50
140
150
Se o preço de reserva dos consumidores para B
for maior que a diferença entre o preço da
cesta e o preço de A (150-140=) 10, então este
desconto é equivalente a uma venda casada.
100
50
101
150
Mesmo a um preço de A com cesta (101)
ligeiramente superior ao preço sem cesta
(100), se o preço de reserva de B for 50, o
desconto ainda é equivalente a uma venda
casada. Constitui, na prática, a mesma regra da
linha anterior
Venda Casada: Efeitos
Anticompetitivos e Eficiências
Potenciais Efeitos
Anticompetitivos
•
“Alavancagem” de poder de mercado de
um produto para outro, elevando os
lucros em detrimento dos adquirentes e
em última análise, do consumidor, ao
mesmo tempo em que promove o
"bloqueio" do segmento a jusante (em
geral, de distribuição) para concorrentes
efetivos e potenciais (aumento das
barreiras à entrada). Este bloqueio pode
prejudicar a entrada, eficiência, existência
ou expansão do rival
Potenciais Eficiências
•
•
•
•
Economias de escopo
Aumento de valor do conjunto de produtos
Mecanismo de transferência de risco para
quem melhor pode suportá-lo (no caso o
vendedor) ao cobrar valor menor a vista por
um equipamento e mais nos insumos
(vendidos de forma casada, mas ao longo de
um prazo mais longo). Quem for mal no
negócio pagará naturalmente menos no
longo prazo do que quem for bem. O risco
disso fica com o vendedor na venda casada.
A cobrança de um valor menor do
equipamento à vista e maior dos insumos a
prazo também pode estar resolvendo um
problema de falta de liquidez do comprador.
Ex: Máquina copiadora e seus insumos
(papel, toner, etc...). Condenação da Xerox
em 1994.
Venda casada também pode ser uma forma
de discriminação de preços que tem efeito
ambíguo sobre o bem estar.
Descontos equivalentes a
Exclusividade e Venda Casada
Descontos concedidos quando há fidelidade (elemento
de exclusividade) de digamos 80/90% do total das
cestas A-B (elemento de venda casada) adquiridas da
firma.
Análise deve misturar elementos das duas condutas
Caso Loew (1962) EUA
• Seis distribuidores de filmes vendiam filmes às
estações de TV casando filmes bons e ruins.
• Além de obrigar em alguns casos, também,
ofereceu descontos nos pacotes
suficientemente atrativos para gerar uma
situação equivalente à de obrigação.
Coberturas Limites das Restrições
Verticais
• Os limites do que se considera uma cobertura elevada
de uma restrição vertical variam. Conforme Hovenkamp
(1993), para qualquer grau de cobertura inferior a 15%,
os tribunais americanos não irão nem considerar a
possibilidade de conduta anticompetitiva para o caso de
condutas como exclusividade e venda casada, sendo a
mesma considerada legal per se, mesmo que associada
a uma elevada participação de mercado da empresa.
Para coberturas acima de 15%, aplica-se a regra da
razão, com todas as considerações apontadas nesse
parecer.
Definições de Discriminação de Preços
• Convencional:
Quando a empresa cobra
preços diferentes para
consumidores
diferentes
• Stigler (Mais Precisa):
Quando a empresa cobra
proporções de preços
sobre custos marginais
diferentes para
consumidores
diferentes
Tipologia da Discriminação de Preços
Três Tipos de Discriminação de Preços:
1) Primeiro Grau ou Perfeita, quando o monopolista consegue extrair
todo o excedente dos consumidores;
2) Segundo Grau, que ocorre quando preços por unidade dependem da
quantidade comprada e não diferencia tipos de consumidores
explicitamente, sendo descontos por volume e tarifas em duas
partes os exemplos mais populares;
3)
Terceiro-Grau, quando diferencia grupos diferentes
consumidores, como rural X urbano ou residencial X negócios;
de
Trade-off da Discriminação de Preços
• Suponha 2 grupos, “A” que valora o serviço em $ 10 e
“B”, que valora o serviço em $ 5 e custo =0.
• Com Discriminação: Operador faz Pa= 10 e Pb=5;
• Sem discriminação:
1)Seja o número de pessoas em A de 90 e em B de 10.
Então, se P=10, lucro igual a 90*10=900 e se P=5, lucro
igual a 100*5=500. Então P=10 e o pessoal de B fica de
fora. Vedar discriminação é ruim.
2) Seja o número de pessoas em A de 10 e em B de 90. Se
P=10, lucro igual a 10*10=100 e se P=5, lucro igual a
100*5=500.Vedar discriminação é bom.
Outros Aspectos da Discriminação de Preços
Assinalados na Resol. 20
• Em serviços de utilidade pública, a discriminação de preços reflete, com
frequência, a presença de categorias de consumidores com níveis muito
díspares de consumo; diante de elevadas economias de escala, torna-se
em geral eficiente cobrar menos de consumidores de volumes maiores.
Na mesma direção, quando o custo marginal de fornecimento de um
serviço aumenta significativamente em certos intervalos de tempo,
comumente denominados "períodos de pico", o estabelecimento de
preços diferenciados constitui prática eficiente.
• Em certos casos, a discriminação de preços pode estar indicando uma
variante de recusa de vendas ou de venda casada; sob essas formas
indiretas, é uma prática relativamente freqüente em setores regulados
abertos à concorrência.
• Em situações em que uma empresa tem controle parcial ou total sobre
uma rede ou infra-estrutura essencial, a discriminação de preços pode
servir para elevar o custo do concorrente, com efeitos nocivos à livre
concorrência.
Preço Predatório - I
Há um grande ceticismo dos economistas em relação à racionalidade
econômica de uma conduta de preço predatório. Ordover e Saloner (1989,
p. 538/539) descrevem esse problema:
“Diferentemente de muitas estratégias colusivas, tais estratégias hostis e
exclusionárias….que incluem preços baixos, expansões do produto,
introdução de novos produtos, redesenhos dos produtos existentes,
promoções, dentre outras, são difíceis de distinguir da rivalidade de
mercado. Essas condutas são, na verdade, parte dessa rivalidade, a qual os
economistas entendem ser salutar para o bem-estar econômico, a qual os
policy-makers desejam promover, e o qual os homens de negócios
frequentemente deploram (mas aceitam como inevitável)...
No contexto das interações estratégicas, é difícil distinguir entre aquelas ações
que objetivam dano a concorrenes efetivos (e potenciais), e que reduzem a
concorrência e o bem-estar econômico, e aquelas ações que prejudiam os
rivais correntes e desencorajam entrada futura mas, não obstante,
promovem o bem-estar econômico. Ou, como os experts da área legal
frequentemente afirmam com orgulho, ações consistentes com a
‘concorrência em seus méritos’”.
Preço Predatório: As 4 Escolas - II
• Escola de Chicago: “Sem Regra” ou “Abaixo a ação antitruste em
Preço Predatório”;
• Escola de Teoria dos Jogos: Assimetria de Informação do predado
em relação ao predador que finge ser mais eficiente do que é.
Preço pode ser até superior ao custo marginal/médio
A implementação prática do preço predatório padece dos seguintes
problemas:
 baixa e decrescente freqüência comparado às outras condutas;
 Koller mostra que na jurisprudência americana, apenas casos dúbios
foram levados perante os tribunais;
 é muito fácil confundir uma (saudável) batalha competitiva como um
episódio de predação. Em um caso da guerra de preços de passagem
de ônibus (Dodgson, Katsoulacos and Newton (1992)), o entrante
teria cometido erros em superofertar o mercado;
 Enfim, o escopo para uma intervenção inapropriada é muito grande
em preço predatório.
Preço Predatório: As 4 Escolas - III
1)
Escola baseada no “custo” de Areeda e Turner (1975):É pouco razoável
que uma firma competitiva precifique abaixo do custo marginal de
curto prazo (CMCP) o menos que ela espere recuperar esses custos
através de um preço futuro de monopólio. Custos variáveis médios
devem ser usados como proxies para o CMCP;
2) Regra de 2 Estágios de Joskow e Klevorick: “O primeiro estágio demanda
um exame da estrutura de mercado para determinar se essa,
provavelmente, permitiria o sucesso da predação. Por exemplo, se as
barreiras à entrada são baixas, a predação não deverá ser uma estratégia
viável e o caso não deve prosseguir. O segundo estágio utilizaria os testes
baseados no custo e de comportamento dos preços. Por exemplo, preços
abaixo do custo variável médio seria um indicativo de predação. Outro
indicador seria se os preços forem reduzidos, mas não abaixo do custo
variável médio, e então se elevar dentro do prazo de dois anos, sem o
correspondente aumento no custo ou demanda”.
Essa é a regra aplicada na Resol. 20 do CADE, além de caber afastar a
hipótese de práticas sazonais normais ou de outras políticas comerciais
não predatórias da empresa
Exemplo Recente - Programa Tô
Contigo - Ambev
• Programa de Acúmulo de Pontos e trocas por Prêmios
equivalentes a descontos.
• Os requisitos formais não exigiam contrapartidas.
• Requisitos informais: Percepção dos PDVs de exigência
de exclusividade (quase 50% dos PDVs). Share da
Ambev deveria ser de, no mínimo, 90%. Visitas mensais
garantiriam o enforcement da exclusividade.
• Barreiras à Entrada elevadas em marca e distribuição.
• Grau de Cobertura: 78,4% dos PDVs selecionados e
cerca de 25% do total de PDVs.
Conclusões
A prática de descontos é e, geral, bem vista pela
autoridade antitruste.
No entanto, há que se ter cuidado se o seu formato
equivale a uma ou mais das quatro condutas
potencialmente anticompetitivas comentadas.
Mesmo nestes casos, cabe aplicar a regra da razão.
Os casos de descontos com maior probabilidade de
problema concorrencial são os que equivalem a
exclusividade, venda casada e discriminação de
preços em estruturas verticalmente integradas,
quando se trata de exclusão de concorrentes.
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César Mattos