Novo regime das práticas individuais restritivas do comércio: ilusão ou desilusão? OPINIÃO 07/02/14, 09:17 Por Margarida Roda Santos* Foi finalmente publicado o novo regime das práticas individuais restritivas do comércio (PIRC) que, embora só entre em vigor dia 25 de fevereiro, já tem sido alvo de críticas negativas de todas as direções. A crítica mais repetida é a de que os consumidores vão ficar prejudicados porque os descontos nos hipermercados vão acabar. Na verdade, os consumidores podem, para já, estar descansados. Certamente com o enorme patrocínio das duas maiores empresas da grande distribuição, foi introduzida uma norma que estipula que o desconto atribuído num determinado produto, mas que se traduza num crédito para aquisição posterior de outros bens (e.g. desconto de 50% em cartão), não é tido em conta para calcular o preço de venda desse mesmo produto (i.e. para avaliar se houve violação de venda com prejuízo), devendo o montante do desconto ser diluído no preço de todos os produtos idênticos vendidos pela mesma loja nos 30 dias anteriores ao da promoção. Assim, pelo menos os grandes descontos em cartão vão continuar a beneficiar o consumidor, no mínimo até que o Continente e o Pingo Doce eliminem totalmente a concorrência e possam sentir a tentação de vir a concertar preços. Mas isso o PIRC não resolve, nem pretendeu resolver.Por outro lado, não obstante as boas intenções de Assunção Cristas no sentido de que as "promoções têmque ser feitas numa lógica de política comercial e de ‘marketing' das empresas que os fazem, e não numa lógica de repercutir para trás, às vezes de forma retroativa, sobre a produção, aquilo que são descontos que não foram inicialmente acordados", a realidade é outra e o PIRC nãoteve essa bondade, mesmo como novo leque de práticas proibidas. Nenhuma empresa, seja um pequeno produtor, seja uma multinacional,pode dar-se ao luxo de não vender para os grandes retalhistas que, conjuntamente, representam pertode 85% das suas vendas totais. Assim, não obstante as proibições de práticas negociais abusivas, não temos dúvidas sobre quem vai continuar a pagar a "fatura" das promoções e descontos das grandes superfícies que beneficiam, por enquanto, os consumidores. Ficou também aquém a resolução do problema dos débitos aos fornecedores de supostos créditos (e.g. contrapartidas por promoções; condições de cooperação; etc.) muitas vezes quase uma década depois da data em que tais situações ocorreram, dificultando a confirmação de que tais valores sejam efetivamente devidos, tanto mais que a prescrição de tais créditos não goza de um regime especial, sendo aplicável o prazo ordinário de 20 anos. Se não por este PIRC, pelo menos pelo regime das prescrições, esta é uma área fácil de alterar e que viria conferir mais certezas aos resultados dos fornecedores evitando surpresas muitos anos depois, como as que agora se verificam. Em suma, o novo PIRC veio facilitar a fiscalização, pois define muito claramente o que se entende por venda com prejuízo, sendo também bastante positivo no aumento do montante das coimas por violação da mesma, deixando assim o "crime de compensar", mas não veio resolver os grandes problemas que os fornecedores dos grandes retalhistas sentem no seu dia a dia. Subsistem claramente problemas, existindo, no entanto, a ilusão de que o Código de Conduta do Setor a ser negociado em 2014 os possa vir a mitigar. Resta esperar que tal negociação não resulte em desilusão. *Advogada F. Castelo Branco & Associados