Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Psicologia
Trabalho de Conclusão de Curso
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: (IN)COMPREENSÃO DA DINÂMICA
FAMILIAR
Autora: Vera Lúcia de Araújo do Nascimento
Orientadora: Msc. Luciana Santos
Brasília – DF
2013
2
VERA LÚCIA DE ARAÚJO DO NASCIMENTO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: (IN) COMPREENSÃO DA DINÂMICA FAMILIAR
Trabalho apresentado ao curso de
graduação em Psicologia da Universidade
Católica de Brasília, como requisito parcial
para a obtenção do título de Psicólogo.
Orientadora: Msc. Luciana Santos
Brasília
2013
3
Monografia de autoria de Vera Lúcia de Araújo do Nascimento, intitulada
“VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: (IN)COMPREENSÃO DA DINÂMICA FAMILIAR”,
apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharelado em
Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 03 de novembro de 2013,
defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
______________________________________________
Profa. Msc. Luciana Santos
Orientadora
Psicologia - Universidade Católica de Brasília
_______________________________________________
Prof. Msc. Maria Alexina Ribeiro
Psicologia - Universidade Católica de Brasília
Brasília
2013
4
Dedico este trabalho a (ao) minha (meu)
filha (o) que Deus me deu a graça de
conceber este ano.
5
AGRADECIMENTO
A Deus, que nunca desiste dos seus filhos.
À Ana Maria de Araújo do Nascimento, minha mãe que sempre acreditou em
mim e esperou por este dia tão especial.
À minha família, pai, meu irmão, Cleiton André, minha irmã, minha cunhada
Luciana, meus tios e primos, em especial, ao meu tio João Kerginaldo e minha tia,
Verônica do Nascimento pelo incentivo e carinho.
As/aos meus amigos que me incentivaram e apoiaram durante toda minha
trajetória no campus. Não vou tentar citar todos, pois posso esquecer-me de alguém.
No entanto quero agradecer, em especial, a Ana Márcia Guilhermina, Jussara,
Dineiri, Ana Paula, Celso Alberici e Luiz Henrique.
À professora Luciana Santos pelas contribuições determinantes na realização
deste trabalho e, principalmente, por ter me orientado durante esse período.
À professora Maria Alexina Ribeiro que tive a oportunidade de conhecer
durante o semestre que cursei o Estágio Supervisionado I
Por fim, aos professores que tive a oportunidade de conhecer durante os anos
em que estive na Universidade, que de alguma forma contribuíram em minha
formação.
6
“Apenas vou chorar
recuar mais uma vez
diante a tua embriaguês
nada posso recusar
tudo tenho que aceitar
calada sou agredida
e por ser tão dependente
vivo casada e carente
escrava da própria vida”
(Guibson Medeiros)
7
RESUMO
.
NASCIMENTO, Vera Lúcia de Araújo do. Violência doméstica: (in)compreensão da
dinâmica familiar. 2013.42p. Trabalho de Conclusão de Curso Psicologia –
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013.
Este trabalho trata sobre a violência doméstica e a (in)compreensão da dinâmica
familiar, considerando que a família é um espaço íntimo cercado de significados
afetivos e que, nesta configuração, também está sujeita a situações que
desestabilizam a estrutura familiar, dentre elas se encontra a violência doméstica.
Frente a essa demanda este trabalho tem como objetivo geral: compreender a
dinâmica familiar em um contexto de violência; e, como objetivos específicos:
identificar as situações de violência familiar existentes na relação conjugal,
reconhecer como as pessoas envolvidas num contexto de violência conseguem
identificar o que é ou não compreendido como violento numa relação conjugal, e
analisar as consequências da violência nos membros envolvidos com este
fenômeno. Esta pesquisa, de caráter exploratório, segue o método qualitativo
através da estratégia de estudo de caso, com a participação de uma família em
contexto de violência. O conteúdo das falas dos participantes foi organizado em
categorias, posteriormente analisadas. Os resultados apontaram que a família
identifica as situações de violência familiar, porém fica explicíto a questão de gênero
onde o esposo não se reconhece como agressor colocando a esposa como a
principal responsável pelos momentos de violência. A família compreende as
concepções de violência caracterizando a violência física e psicológica com mais
predominância na dinâmica familiar e sobre as consequências que este fenômeno
causa aos membros o fator psicológico foi o mais preocupante. Portanto, foi possível
concluir que uma dinâmica familiar se configura através da violência que perpassa
papéis onde ou se evidenciam na relação conjugal e/ou na relação parental, e que
um ambiente conflituoso reflete em aspectos negativos para os seus membros, tais
como insegurança, medo, dificuldades em relacionamentos e na aprendizagem.
Palavras-chave: Violência doméstica, dinâmica familiar, gênero.
8
ABSTRACT
NASCIMENTO, Vera Lúcia de Araújo do. Domestic Violence: (in) understanding of
family dynamics. 2013.42p. Trabalho de Conclusão de Curso Psicologia –
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013.
This work deals with the domestic Violence: (in) understanding of family dynamics,
considering that the family is an intimate space surrounded by affective meanings
and that , in this configuration , is also subject to conditions that destabilize the family
structure, among which is the domestic violence. Meet this demand this work aims
General: understand the family dynamics in a context of violence, and as specific
objectives: identify situations of family violence existing in the marital relationship,
recognize how the people involved in a context of violence can identify what is or is
not understood as a violent marital relationship, and analyze the consequences of
violence in the members involved in this phenomenon. This research, exploratory,
qualitative method follows the strategy through a case study, involving a family
violence context. The content of participants' speech was organized into categories ,
then analyzed, the results indicated that the family identifies the situations of family
violence, but is explicit gender issues where the spouse is not recognized as the
aggressor putting his wife as the main responsible for moments of violence. The
family understands the concepts of violence characterizing the physical and
psychological violence predominately in family dynamics and the consequences that
this phenomenon because the members the psychological factor was the most
worrisome. Therefore, it was concluded that a family dynamic is configured through
violence that permeates roles which are evident in the relationship or marital or
parental relationship and an environment that reflects conflicted on negative aspects
to its members, such as fear, insecurity, difficulties in relationships and learning.
Keywords: Domestic violence, family dynamics, gender.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................. 10
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA...............................................................................................12
2. 1 FAMÍLIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.........................12
2.2 DINÂMICA DE VIOLÊNCIA: CONSEQUÊNCIAS "NATURAIS" PARA A FAMÍLIA...... ...17
3. METODOLOGIA ............................................................................................................. 20
3.1 PARTICIPANTE ............................................................................................................. 21
3.2 COLETA DE DADOS........................................................................................................21
3.3 PROCEDIMENTOS ...................................................................................................... 21
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES.........................................................................................23
4.1 CONCEPÇÕES DE VIOLÊNCIA......................................................................................23
4.2 MANIFESTAÇÕES ..........................................................................................................26
4.3 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA................................................................................29
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 33
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................35
7. ANEXOS.......................................................................................................................... 38
10
1 – INTRODUÇÃO
Estudos sobre o fenômeno da violência doméstica têm se tornado necessário
por se tratar de um grave problema social que ganha cada vez mais visibilidade em
todos os âmbitos, sociais e acadêmicos, principalmente após as novas leituras no
âmbito jurídico, entre elas a Lei n° 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha.
Com a sanção desta Lei o Brasil atendeu a recomendação da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
(Convenção de Belém do Pará) e da Convenção da ONU sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) das quais o Brasil é
signatário. E além destes, respondeu a uma determinação da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
(OEA), criando uma lei específica (Lei n° 11.340) que procura criar mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
O tema violência é um assunto complexo e que atinge um grande número de
famílias, independente da classe social, raça, etnia, nível escolar, etc. E, no mais,
ainda é um fenômeno que possui muitas formas de se manifestar, das mais sutis
(manipulações, provocações, humilhações) às mais explícitas (socos, esganaduras,
tentativas de homicídio). Assim sendo, a referida Lei estabelece alguns tipos de
violência no âmbito doméstico: física, psíquica, moral, sexual e patrimonial.
Fato é que, independente da manifestação que a violência ocorre, sabe-se
que esse fenômeno se dá na conjuntura de uma relação de poder, onde os papéis
estão determinados numa hierarquia de gênero, colocando as mulheres em uma
situação de subordinação onde “as formas que a socialização de gênero adquire em
cada cultura são aprendizagens e condicionamentos das condutas permitidas e
proibidas para homens e para mulheres” (RAVAZZOLA, 2007, p.15). Dessa forma,
as relações assimétricas de poder estabelecidas entre homens e mulheres estariam
inerentes nas relações conjugais/familiares, podendo favorecer um ambiente
propiciador da violência.
Ao se pensar no fenômeno violência doméstica e se imaginar o contexto
relacional em que ela se desenvolve muitas são as inquietações para a realização
deste trabalho, a principal é compreender como as pessoas envolvidas num contexto
de violência conseguem identificar tal fenômeno. Questiona-se também se haveria e
como seria a naturalização da violência no contexto familiar, o que seria ou não
11
considerado violência numa relação conjugal e como os entes envolvidos nessas
relações significariam tais experiências.
Frente a essas demandas o presente trabalho teve como objetivo geral
compreender a dinâmica familiar em um contexto de violência.
E como objetivos específicos:
● Reconhecer como as pessoas envolvidas num contexto de violência
conseguem identificar o que é ou não compreendido como violento numa relação
conjugal;
● Identificar as situações de violência familiar existentes na relação conjugal;
● Analisar as consequências da violência nos membros envolvidos com este
fenômeno.
12
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1. Família e violência doméstica: algumas considerações
Sabe-se que família é a unidade básica da sociedade. De acordo com
Minuchin (2008) família é “um grupo de pessoas, conectadas por emoção e/ou
sangue, que viveu junto o tempo suficiente para ter desenvolvido padrões de
interação e histórias que justificam e explicam padrões de interação” (p.52). Ainda
nas palavras de Minuchin (1999), família seria um sistema, por possuir padrões,
estruturas e propriedades próprias para se organizarem nas estabilidades e nas
mudanças, onde seus subsistemas comporiam suas partes que influenciam umas às
outras. Dessa forma, as estruturas familiares redigiriam tanto as formas de
organizações quantos as de dinâmica das relações, sendo constantemente
influenciadas por esses subsistemas.
Essas definições apontam para a possibilidade da família afetar e ser afetada
pelas contínuas mudanças sociais. Verifica-se, por exemplo, que a família nuclear
ainda postulada nos dias atuais não foi nem é um modelo unívoco. Na verdade, a
história aponta que ela tornou-se comum a partir da urbanização e do processo de
industrialização ocorrido com a revolução científica (MINUCHIN et. al., 2008). No
entanto, com as mudanças de conjunturas sociais os paradigmas familiares tendem
a ser também reeditados. Logo, observa-se que os padrões constituídos ao longo da
história vão redefinir os modelos de família e de dinâmicas familiares.Dessa forma,
historicamente falando, pode-se dizer que a família transformou-se ao longo do
tempo, possuindo diversos modelos e que os seus membros possuíram diferentes
papéis relacionados ao modo de produção, às demandas econômicas, às diferenças
sexuais e de gênero, ao desenvolvimento sócio-histórico da humanidade, e da
propriedade privada (SANTOS, 2008).
No entanto, também é necessário “compreender que as famílias são
diferentes em diferentes contextos” (MINUCHIN et. al., 2008, p. 37). Assim, as
mudanças
culturais
e
socioeconômicas
continuam
influenciando
direta
ou
indiretamente a família e para isso é necessário pensar em famílias, na pluralidade
de estruturas e dinâmicas. E, de tal forma, ampliar as conceituações de família
avaliando suas especificidades e nuances que haveria na família como um grupo
constituído de pais e filhos (as) ou em um casal sem filhos (as), nas famílias mistas
13
com a junção de pais que se casaram novamente e que trazem para este núcleo
meios-irmãos(as), entre outros – onde todos(as) precisam se organizar e se adaptar
para proporcionar aos seus membros educação e segurança, criando um ambiente
de bem estar.
Assim sendo, imagina-se que o modelo de família, idealmente constituído no
escopo tradicional burguês formado por genitores e filhos(as) separando os locais
públicos e privados, deveria ser um espaço onde existem proteção e cuidado.
Porém, mesmo “a par da família-abrigo, lugar de intimidade, afetividade,
autenticidade, privacidade e solidariedade, surgem imagens da família como espaço
de opressão, egoísmo, obrigação e violência”. (COSTA, 2007, p.74).
Umas das indagações que fomenta a feitura deste trabalho são as dinâmicas
familiares onde ocorrem episódios de violência e, principalmente, a compreensão de
em que medida se vivencia a violência como uma dinâmica “natural” da estrutura
familiar, tendo em vista que para o “senso comum, a percepção da violência ainda é
distorcida, sendo declarada como tal apenas a agressão física.” (VIEIRA et. al.,
2008, p. 117), embora a literatura traga, conforme Schraiber (2007), que a violência
física vem acompanhada da violência psicológica e em alguns casos também da
violência sexual.
Ainda assim, é preciso se aprofundar nos estudos referentes à ocorrência do
fenômeno da violência num contexto familiar, onde se percebe família como sendo
um local que deveria proporcionar segurança; neste sentido é necessário analisar
como surgem os episódios de violência no ambiente doméstico e como as
manifestações dos atos de violência surgem neste grupo de pessoas, mesmo, como
já foi dito, que seja contraditório se pensar em violência num ambiente assim.
Ampliando o que já foi falado anteriormente, família seria um sistema
composto por vários subsistemas onde o subsistema conjugal é um deles, formado
por dois adultos, que tem por objetivo a formação de uma família, com funções
específicas e necessárias para o bom funcionamento desta, porém entre os casais
podem existir padrões negativos como os padrões transacionais dependentesprotetores quando um dos membros procura aperfeiçoar o outro ou desqualificá-lo
de alguma forma.
È pertinente ao analisar o contexto familiar de violência, quando em
decorrência desses fatores uma grande maioria de mulheres passa a viver em
situações de isolamento “com poucas possibilidades de buscar recursos na própria
14
família e na comunidade ou em instituições, o que as leva a se apresentarem
inseguras e incapazes de romper o ciclo da violência em que vivem”. (AUDI et. al.,
2009, p.591).
Pensando em como esses padrões disfuncionais estão presentes na dinâmica
familiar a pesquisa realizada por Deeke, Boing, Oliveira e Coelho (2009) traz que os
motivos mais apontados na dinâmica familiar que levaram as agressões “foram o
ciúme, o homem ser contrariado, ingestão de álcool e a suspeita de traição.” (p.248).
Fatores semelhantes com os relatados pela pesquisa realizada por Vieira (2008), em
que acrescentou o desemprego, a falta de afeto e de diálogo, dentre outros como
fatores de risco, que desencadeiam violência contra a mulher.
Outro fator de risco que aparece na literatura diz respeito às experiências de
violência familiar vivenciadas na infância, quando mulheres vítimas de violência no
núcleo familiar afirmam já terem presenciado agressões contra suas mães, ou
mesmo quando “mulheres que reportam terem sido vítimas de violência durante a
infância são mais susceptíveis de vivenciar agressões por parte de seus parceiros
atuais” (SILVA, et. al., 2009, p.124). Episódios relacionados a estas situações de
violência podem levar a uma reflexão onde esse tipo de “experiência pode diminuir a
capacidade das mulheres de se protegerem no futuro, estando associada a pouco
apoio familiar na vida adulta, além de reiterar a ideia de que a violência é natural”.
(D´OLIVEIRA et. al. 2008, p.308).
Neste tocante falar sobre violência familiar é sempre um tema muito
complexo. Silva (2009) reforça essa afirmação quando relata, em suas pesquisas,
que acontecimentos violentos vividos na infância podem influenciar na vida adulta de
maneira tal que as pessoas envolvidas nesse contexto violento continuam a aceitar
o modelo de violência vivido quando crianças, sendo que, nesses casos, as vítimas
de violência repetem comportamentos violentos quando agem de forma violenta em
seus relacionamentos atuais ou mesmo quando são complacentes com seus
agressores e admitem serem vitimas de agressões.
Nesse sentido é necessário que a violência doméstica seja analisada a partir
da categoria de gênero, “haja vista que a violência conjugal entendida como questão
de gênero toma por base questões culturais, educacionais, dominação econômica,
tornando-se assim uma transgressão considerada legal” (MONTEIRO et. al., 2007,
p.27), uma vez, como já foi dito, que existem papéis que já foram pré-definidos pela
15
sociedade para homem e mulher e como tais são “perpetradores de relações
hierárquicas desiguais”. (GOMES et. al. 2007 p. 506).
Também é observado que a violência intrafamiliar está associada ao uso do
poder e identificar o papel que cada membro assume na família contribui na
compreensão da manifestação da violência. Portanto, “pensar a violência doméstica
é necessariamente, pensar as relações de homem e mulher, relações assimétricas,
hierarquizadas, porém, é necessário pensar que concepção de família estão
subjacentes a essa relação.” (DINIZ et. al., 2007, p.4).
Relação esta que entre “homens e mulheres tem mostrado caráter de
dominação, sendo designada para a mulher a condição de submissão, retratada em
obediência, reprodução, cuidadora do lar e da educação dos filhos” (MONTEIRO et.
al., 2007, p.27). Por tempos a intenção deste discurso foi o de naturalizar os
atributos femininos, caracterizando-os como sendo relativos ao sexo e/ou mesmo
como um modelo culturalmente aceito demarcando os aspectos gênero-culturais.
Esta afirmação vai de encontro ao que acontece quando de alguma forma “a
família moderna reproduz a desigualdade social existente no que se refere às
expectativas geradas sobre o comportamento de homens e mulheres” (GOMES et.
al., 2007, p.505), quando os papéis de gênero são repassados a homens e mulheres
como sendo inerentes a suas condições biológicas, e com base nestes argumentos
“as relações familiares são permeadas por relações de poder, nas quais as mulheres
como também as crianças, obedecem ao homem, tido como autoridade máxima no
núcleo familiar.” (GOMES et. al. 2007, p.506), sendo este também um papel que a
sociedade designou ao homem, onde segundo as mesmas autoras o poder do
homem é legitimado tanto no papel de esposo em relação à mulher como no papel
de pai diante dos filhos.
Também se configurando como violência de gênero, a relação entre parceiros
marcada por uma relação de subordinação e dominação, onde expressa uma
dinâmica de afeto e poder. Tendo em vista que “essa dinâmica relacional pode ser
propiciada na medida em que a divisão interna de papéis admite uma distribuição
desigual de privilégios, direitos e deveres dentro do ambiente doméstico” (DEEKE et.
al. 2009, p.249).
Em sua pesquisa Cruz (2002) vem trazer uma crítica à invisibilidade em
relação à questão da violência doméstica que não ganha o seu devido
reconhecimento e não é vista como um problema de saúde, pois, segundo a autora:
16
são as mulheres feministas que pressionam pelas ações para as mulheres
e, em particular para as mulheres em situação de violência. As demandas
por essas ações aparecem ainda como questão do movimento feminista e
não como referente a uma questão da saúde pública e, consequentemente,
da sociedade. (p.97).
Fato é que independente de ainda ser um termo que possui certa
“invisibilidade”, seja por trazer ou não uma demanda do movimento feminista, a
violência doméstica existe como desdobramento de uma interação onde as pessoas
agem de formas diretas ou indiretas, maciças ou esparsas, provocando um dano a
outrem em sua integridade física ou moral (MICHAUD, 1989) e conforme já aqui
pautado também pode se manifestar com nuances psicológicas, sexuais ou
patrimoniais, conforme a Lei 10.340/2006 (Lei Maria da Penha).
Nesse ínterim, é necessário apontar alguns dados que chamam atenção para
a necessidade de se discutir o tema nos âmbitos políticos, acadêmicos e sociais. No
tocante à realidade da violência doméstica no Brasil dados da Central de
Atendimento à mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para Mulheres da
Presidência da República, verifica-se que entre os meses de janeiro a junho de 2013
foram registrados 306.201 atendimentos, uma média de 1.691 ligações por dia, uma
média mensal superior a 51 mil registros, sendo que 37.582 do total das ligações
registraram relatos de violência. A violência física totalizou 20.760 registros, ou cerca
de 55,2% das ligações. A violência psicológica registrou 11.073 ligações ou 29,5%, a
violência moral chegou a 3.840 (10,2%) dos registros informados, 646 (1,7%) das
ligações foram sobre violência sexual, a violência patrimonial foram 696 registros ou
1,9% e ainda foram registrados 304 casos de cárcere privado e 263 de tráfico de
pessoas. Esses números revelam a problemática da violência intrafamiliar no Brasil,
no tocante em que, além da mulher não estar imune à violência praticada nos
espaços públicos, ela está permanentemente exposta à violência doméstica
(SAFFIOTTI, 1995, apud TAVARES, 2000).
Em se tratando da relação que a vítima tem com o agressor os dados que a
SMP/PR obteve demonstram que o agressor é o próprio companheiro, o cônjuge,
namorado ou “ex” em 37.582 dos casos registros de violência doméstica contra a
mulher, ou seja, em 83, 8% dos casos registrados a mulher vítima de violência
17
mantém ou manteve alguma relação íntima de envolvimento afetivo e sexual com o
agressor. Esses dados levam a refletir sobre os danos terríveis e duradouros que um
ambiente violento pode causar em uma família. Para isso, segundo Penfold (2006) é
preciso se aprofundar na compreensão do que os membros de uma família,
principalmente as crianças pequenas, precisam suportar.
2.2. Dinâmica de violência: Consequências “naturais” para a família
Em posse dos dados da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência
da República, é preciso pensar nas conseqüências da violência envolvendo tanto as
mulheres/mães quanto as crianças/filhos, pois ampliando o grupo das vítimas,
amplia-se também o campo das conseqüências. Sendo assim “os maus tratos
infligidos a mulher repercutem em perdas significativas na saúde física, sexual,
psicológica e nos componentes sociais, este último como rede de apoio para a
qualidade de vida” (MONTEIRO et. al., 2007, p.27). Ainda falando sobre a relação
das consequências da violência conjugal os “agravos na vida da mulher são
marcadas pela baixa autoestima, pelo medo, pelo isolamento social e até pela
incorporação do sentimento de culpa” (MONTEIRO et. al., 2007, p.27).
Pesquisa recente aponta que, via de regra, a mulher não rompe com essa
realidade por vergonha de que os outros saibam que ela sofre violência, por medo
de serem assassinadas ao romper a relação, por pensar nos(as) filhos(as), por
depender economicamente do marido, por acreditar que ele não fará mais quando o
algoz se desculpa, por acreditar que vai mudá-lo, entre outros (INSTITUTO
PATRÍCIA GALVÃO, 2013)
Neste contexto de violência é importante compreender o que leva a mulher a
“ser condescendente e compreensiva, buscando encontrar justificativas para as
agressões, atribuindo-as ao alcoolismo, falta de trabalho, situação de dependência
dentro da família, falta de recursos financeiros, nervosismo do companheiro”. (AUDI
et. al. 2009, p.591). Para estes autores as mulheres usam essas “justificativas” de
forma a minimizar a carga de responsabilidade do agressor, no caso o companheiro
íntimo, dificultando ou até mesmo retardando que uma decisão seja tomada de
forma que possibilite o rompimento do ciclo da violência familiar.
Pensando-se sobre os diversos danos que a violência pode causar para as
vidas das mulheres vítimas de violência encontram-se em maior escala os de ordem
18
física. Entretanto, é preciso verificar como a violência doméstica também está
associada aos danos na saúde mental. Um estudo realizado por Aldeato (2005), no
estado do Ceará, demonstra que depois de serem vítimas de violência doméstica as
mulheres passam a fazer uso de ansiolíticos ou anti-hipertensivos, sendo que o uso
de ansiolíticos aumenta nos casos em que as mulheres sofreram abusos sexuais.
Os autores trouxeram estudos realizados em outros estados onde os dados
corroboram com resultados encontrados que apontam a presença de sentimentos de
solidão, tristeza crônica, desamparo, irritação e descrença. Contudo, os dados mais
agravantes dizem respeito a relatos das vítimas sobre pensamentos suicidas. Dado
confirmado por números oficiais do Ligue 180 que recebeu 117 registros com risco
de suicídio de mulheres violentadas, só no primeiro semestre de 2013. Ou seja, ao
menos um caso de risco de suicídio a cada dois dias.
Os números do Ligue 180 também apontam que em 83% dos casos relatados
filhos e filhas também são afetados pela violência. Em 64,0% dos casos eles(as)
presenciaram as agressões cometidas contra as suas mães e em 19% também são
vítimas da violência. Essa exposição das crianças à violência e as respectivas
consequências também é um tema de extrema pertinência. É necessário analisar
que “a exposição da criança pode ser direta, ao presenciar a violência, como
também indireta, por meio dos agravos que esse evento traz a saúde física e mental
de sua mãe”. (DURAND et. al., 2011, p.356).
Com isso pesquisas realizadas que analisaram as consequências da violência
familiar na saúde da criança e do adolescente vêm corroborar o fato de que “apesar
de a possibilidade da violência familiar vitimizar diretamente apenas um integrante
da família, indiretamente, seus efeitos são observados em todos os membros do
núcleo familiar” (REIHENHEIM et. al., 1999, p. 116). Portanto, a literatura vem trazer
que as consequências da exposição de crianças à violência conjugal podem se
refletir em problemas de comportamentos, dificuldades de aprendizagem, ansiedade,
comportamentos
bizarros,
dependência
e
asmas
(PENFOLD,
1982,
apud
BRANCALHONE et. al., 2004).
Em consonância com a afirmação acima, Silva (2009), revisando a literatura,
também relata que os filhos de mulheres vítimas de violência conjugal estão sujeitos
às consequências da violência e que presenciar a violência entre o casal aumenta a
probabilidade de a criança vir a desenvolver depressão, ansiedade, transtorno de
conduta e atrasos no desenvolvimento cognitivo, além dos riscos já expostos acima.
19
Com isso acredita-se que “a violência presenciada ou sofrida na infância ou
adolescência tem uma importância fundamental na estruturação do psiquismo
humano” (SILVA et. al. 2009, p.125).
No entanto, embora se possa evidenciar uma repercussão em relação entre
vivenciar a violência direta ou indiretamente na saúde de crianças “há controvérsias
sobre a extensão dessa repercussão” (DURAND et. al. 2011, p.356). Segundo os
mesmos autores a literatura vem agregar que os estudos já realizados não
conseguiram encontrar uma associação entre a exposição à violência e sintomas
depressivos ou ansiosos, nem mesmo com o desempenho escolar. Acrescentam
ainda que “as pesquisas no Brasil voltam-se principalmente a violência perpetrada
contra criança e o adolescente, sem dar atenção à exposição indireta da violência
por parceiro íntimo” (DURAND et. al. 2011, 356). Sendo que se torna pertinente a
exploração de temas que busquem investigar como a repercussão da exposição à
violência por parceiro íntimo pode influenciar o comportamento dos(as) filhos(as).
Em suma, foram essas as problemáticas que geraram inquietações e
motivaram o interesse em realizar uma pesquisa voltada para a violência presente
nas relações familiares. Portanto, esta pesquisa justificou-se pela necessidade em
estudar a dinâmica familiar compreendendo o que a família identifica como violência,
sabendo que “a violência é um fenômeno familiar que está relacionado com uma
dinâmica disfuncional e, por isso, deve ser estudada e compreendida no âmbito
familiar em uma visão integral e não como um problema de pessoas isoladas”
(ALOÍSIO, 2002, p. 18).
20
3 METODOLOGIA
Como essa pesquisa buscou compreender a dinâmica familiar num contexto
de violência e de forma específica procurou identificar as situações de violência
familiar existentes na relação conjugal, tal como reconhecer num contexto de
violência como as pessoas envolvidas identificam e compreendem o que é ou não
violento, analisando assim as consequências para estes membros, utilizou-se na
realização deste trabalho o uso do método qualitativo de pesquisa.
Pelo caráter complexo em identificar um contexto de violência e pelos fatores
que envolvem a dinâmica familiar elegeu-se o método qualitativo por compreender
este como o mais adequado para atingirem-se os objetivos almejados, tendo em
vista que o “o termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e
locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio significados
visíveis e latentes” (CHIZZOTTI, 2001, p.28).
A presente pesquisa foi feita por meio da estratégia de estudo de caso
explanatório, que se refere ao estudo descritivo de uma unidade, que neste caso foi
a descrição de uma família em um contexto de violência. Para Yin (2005) a
estratégia estudo de caso é usada em algumas situações, para acrescentar aos
fenômenos individuais tanto os organizacionais, sociais, políticos ou mesmo de
grupos mais conhecimento ao pesquisador. Com isso “o estudo de caso permite
uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos
acontecimentos da vida real” (YIN, 2005, p.20).
Portanto, o estudo de caso segundo Chizzotti (2010) é uma metodologia que
explora
um
caso
singular,
contemporâneo,
delimitado
e
contextualizado
considerando tanto o tempo e quanto o lugar para que seja realizada uma busca de
informações a respeito de um caso específico. Com isso é possível considerar que o
estudo de caso é “uma investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto de vida real” (YIN, 2005, p.32) apropriado
para o contexto de violência intrafamiliar que esse estudo se propôs pensando,
principalmente, que os limites expostos do fenômeno violência não estão claramente
definidos pelos membros da família em situação de violência.
21
3.1 Participantes
Este trabalho buscou compreender a dinâmica familiar num contexto de
violência. Para isso, foi escolhida para participar da pesquisa uma família com
histórico de violência familiar e constituída por pai, mãe e filho(a).
A família participante é composta pelos genitores, pai (45 anos) e mãe (42
anos), três filhos, sendo, um jovem de 21 anos, uma adolescente de 17 anos e uma
menina de 07 anos. Os membros com idades inferiores não foram inseridos em
nenhuma fase desta pesquisa. De acordo com um questionário sociodemográfico o
pai trabalha em um clube realizando serviços de manutenção, a mãe trabalha em
uma creche, juntos possuem uma renda familiar de aproximadamente dois mil reais.
Quanto à escolaridade, os genitores não concluíram o ensino fundamental, Pablo
também não terminou os estudos, parando no 9º ano do Ensino Fundamental,
ficando alguns anos sem estudar, retornando a escola este ano na Educação de
Jovens e Adultos- EJA, o adolescente trabalha em uma padaria como atendente,
recebendo um salário de R$678,00. A família mora de aluguel em uma região
administrativa do Distrito Federal.
De modo a preservar a identidade dos participantes usaremos os nomes
fictícios de João e Maria para os pais, e Pablo, Jéssica e Giovanna para os (as)
filhos(as), recordando que apenas o maior de 18 anos (Pablo) participou das
entrevistas.
3.2 Coleta de dados
Buscando alcançar o objetivo proposto foi realizada a coleta de dados através
da técnica de entrevistas semi-estruturas realizadas pela autora deste, já que “a
entrevista informal é recomendada nos estudos exploratórios, que visam abordar
realidades pouco conhecidas pelo pesquisador” (GIL, 1999, p.119). Segundo o
mesmo autor com essa técnica é possível obter tanto uma visão geral do problema o
qual está sendo pesquisado, como também identificar os aspectos da personalidade
dos membros da família envolvidos em situações de violência.
3.3 Procedimentos
Após selecionada a família, de acordo os critérios estabelecidos, foi realizado
o contato inicial através de telefonema, onde foi explicado o tema e a importância da
pesquisa para que houvesse o entendimento por parte dos(das) participantes, tanto
22
do trabalho quanto do valor de sua participação na mesma. Sendo acordada a
participação dos membros pretendidos pela pesquisa foram marcados encontros
individuais com os mesmos, na residência da família, pois se sentiram mais
confortáveis. No entanto, as entrevistas foram realizadas individualmente, por
acreditar que assim os participantes não se sentiriam constrangidos em falar sobre o
tema na presença dos outros membros da família, com isso foram marcados
momentos diferentes para a realização das entrevistas, em local discreto
preservando o/a participante para que nenhum outro membro estivesse próximo no
momento.
Para cada participante foram realizados dois encontros. No primeiro encontro
foram esclarecidos os objetivos da pesquisa, o método aplicado, os possíveis riscos
e benefícios; foi pedida autorização para gravar para posteriores transcrições de
modo a facilitar a análise da coleta de dados, e demais considerações no intuito de
dirimir eventuais dúvidas. Além disso, foi feita a leitura e assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE (anexo I) no intuito de cumprir as
exigências éticas para a realização da mesma. Na ocasião pretendeu-se estabelecer
um rapport com os membros da família e levantar alguns dados iniciais quanto ao
perfil sociodemográfico (anexoIII) da mesma. No segundo encontro, marcado em
outro dia e horário, realizado no mesmo local, foi aplicada a entrevista com o pai, a
mãe e o filho, individualmente, enquanto a entrevista era realizada no quarto da filha
pequena, visando uma maior privacidade dos participantes, já que era o último
quarto da casa, próximo ao quintal, portanto, mas afastado da garagem onde o
restante da família aguardou o momento de ser entrevistado.
A entrevista com o genitor, o senhor João, durou aproximadamente 30
minutos, ele respondeu as perguntas com calma, sentou-se à vontade na cadeira,
tinha uma voz tranquila e firme, na entrevista realizada com a dona Maria o tempo
previsto foi de aproximadamente 25 minutos e ocorreu de forma tranquila, no entanto
ela se mostrou retraída, em algumas perguntas respondia rapidamente, em outras
refletia bastante, enquanto que a entrevista com o filho, Pablo foi rápida, com uma
duração de aproximadamente 10 minutos, o adolescente não se aprofundava no
assunto, relatava de forma sucinta os momentos em que presenciou e/ou sofreu
violência.
23
4- RESULTADOS E DISCUSSÕES
A análise dos dados foi realizada com o objetivo de “compreender
criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as
significações explícitas ou ocultas” (CHIZZOTTI, 1998, p.98). Para tanto, acredita-se
que a análise do discurso seja o método mais adequado para atingir os objetivos
deste, por isso foi usado como base os trabalhos de Rocha-Coutinho (2004), para
subsidiar os dados coletados desta pesquisa, já que com a análise do discurso o
pesquisador pode utilizar de um conjunto de ideias expressas por meio da
comunicação textual ou verbal com o uso de um texto ou ainda da fala do sujeito
(CHIZZOTTI, 2001).
Buscando a ampliar o olhar sobre a violência familiar é interessante tentar
compreender a fala do homem, autor da violência, e, principalmente, do silêncio da
mulher. Alguns questionamentos são inevitáveis: será que essa dinâmica é sintoma
da relação familiar como um todo? Ou seja, na família quem tem a voz, a fala, e o
poder é o pai/homem? No mais, também fica a possibilidade de que, mesmo as
entrevistas sendo individuais, todos os membros sabiam que iriam ser entrevistados
e sobre que tema. Logo, podem ter deliberado – em especial sob o ordenamento do
Sr. João – que e como poderia ser falado.
Maiores compreensões sobre as falas apreendidas nessa pesquisa, com as
entrevistas semi-abertas serão por hora apresentadas utilizando-se da Análise do
Discurso como método. Após a transcrição das entrevistas com os membros da
família, por meio da análise do discurso, foram construídas as seguintes categorias:
Manifestações da violência; Concepção de violência; e Consequências da violência,
que serão apresentadas e problematizadas a seguir.
4.1. Concepção de Violência
Nessa categoria compilaram-se as compreensões que os membros da família
possuem a respeito da violência na dinâmica familiar. Verifica-se nas falas dos
participantes a concepção de violência que eles possuem, a exemplo dos relatos de
D. Maria quando diz que violência:
24
“Significa abandono, você ficar só, você perceber que você olha para
todos os lados e não vê alguém da sua família com você [...] a gente
se sente só” (Maria).
Neste trecho com o relato da D. Maria foi possível perceber a concepção de
violência psicológica que ela traz, caracterizando assim que o abandono é algo que
ela compreende como violência familiar. Aqui é preciso destacar que neste primeiro
momento ela simboliza o abandono como uma forma de violência, ficando assim,
presente um sentimento de solidão. Dados semelhantes foram encontrados nos
estudos de Deeke (2009) ao destacar que os aspectos emocionais dão significados
e sentido ao contexto de um ambiente familiar que perpassa pela violência entre o
casal.
Na fala do marido também ficou marcado o que os integrantes compreendem
de violência quando diz:
“O homem normalmente apela para a violência física e a mulher
muitas vezes agride verbalmente, muito mais a violência verbal, mas
enfim nenhuma nem a outra devem ser aceitas ou consideradas
normais, mas obviamente a violência física é mais chocante.” (João)
No entanto, em relação ao que Dona Maria colocou anteriormente com mais
destaque a violência psicológica, o senhor João aborda a violência física como
sendo uma violência mais expressiva na relação familiar, porém nas falas
destacadas do casal ficam evidentes duas concepções diferentes: na visão da
mulher o que mais se evidencia é o sofrimento que a violência traz ao indivíduo, uma
colocação mais subjetiva, enquanto que para o homem é a forma expressa de
violência, ou seja, como a violência se dá no meio doméstico, neste caso são as
violências físicas e verbais.
A concepção que o Sr. João traz de violência tem relação com os dados
encontrados na pesquisa realizada pelo Instituto Avon IPSOS (2011), onde 80% dos
entrevistados reconhecem a violência física como uma violência doméstica ocorrida
através de empurrões, tapas e socos, e 62% citam a violência psicológica por meio
de xingamentos, humilhação e agressões verbais. Já o filho conseguiu identificar os
dois tipos de violência: a física e a psicológica mesmo sem trazer fatos ocorridos no
cotidiano familiar ao dizer que:
25
“É a violência dentro da nossa família mesmo, entre os familiares,
daí elas se separam, se dividem entre os tipos violência verbal,
agressão física.” (Pablo)
Os participantes compreendem os momentos de violência, bem como os tipos
de violência, mesmo expondo apenas a violência física e a violência psicológica. No
entanto, na colocação abaixo, mais uma vez fica destacada a forma como o marido
se refere aos episódios de violência. A violência familiar é sempre uma situação
iniciada pelo casal, quando ele diz “aconteceu muito isso de ambas as partes”.
“eu creio que na minha casa, por exemplo, aconteceu muito isso de
ambas as partes a gente foi muito violento e agressivo com os
termos, muitas vezes tendo essas reações na frente das crianças e
eu nunca soube o meu o ponto de partida porque às vezes eu não
percebia”. (João)
A fala do marido a seguir ilustra uma situação de violência que ele caracteriza
como a violência do entendimento, no caso se coloca como uma pessoa mal
interpretada pela companheira sempre pontuando uma postura moderada diante dos
fatos ocorridos, agindo de uma forma mais cautelosa , mais uma vez fica marcada
uma postura minimizadora que, segundo Deeke,(2009), de uma forma geral, os
homens relatam uma frequência menor de comportamento violentos, isso
comparado com as mulheres, chegando inclusive a não admitir os atos de agressão.
Mas ao colocar o termo violência do entendimento fica caracterizado que a família
apresenta uma dificuldade com a comunicação, o que demonstra que a violência
acontece quando o diálogo não funciona.
“às vezes ela começa por uma coisa bem fútil, uma bobagem que
você comenta [...] se você não controlar o que você vai falar às
vezes a pessoa entende errado, aí já começa uma violência, a
violência do entendimento que a pessoa não aceita ou não entende
o que você está querendo falar”. (João)
Agora neste ponto da entrevista a Sra. Maria consegue reconhecer que já
vivenciou momentos de violência e traz um fator relevante que apareceu na
pesquisa feita por Souto e Braga (2009), onde apresentaram sentimentos de
desamparo, inferioridade e insegurança, onde algumas alegaram o medo de
passarem por dificuldades em prover o sustento econômico da família sem o
26
cônjuge, o que fica evidente quando a Dona Maria fala sobre a violência psicológica
que ela sofria ao dizer que era dependente financeiramente do marido, e os dados
obtidos na pesquisa do Instituto Avon (2011), demonstram que dos fatores que
mantêm a mulher vítima de violência a continuar com seu agressor é a falta de
condições econômicas para se sustentar em 27% dos casos e a falta de condições
para criar os filhos alcançou 20%.
“Ah já, já sofri sim, de agressões verbalmente e o homem ser
ignorante, ai isso aí acaba com a mulher, a violência psicológica
porque eu era dependente financeiramente do meu cônjuge, e a
física também”. (Maria)
Com esses depoimentos pode-se perceber que os integrantes da família
reconhecem as manifestações de violência. Eles conseguem expor os momentos em
que foram sujeitos passivos ou ativos de agressões, ainda que a Sra. Maria
compreenda a vivência da violência familiar através de marcas que não são
facilmente identificadas quando diz que o homem, ser ignorante, acaba com a
mulher. É para isso que o estudo de Monteiro e Souza (2007) vem complementar ao
dizer que estas marcas estão na dimensão subjetiva e apenas são trazidas por
quem as sente ao falarem de sofrimento, tristeza e medo.
4.2. Manifestações de violência
Esta categoria procurou abranger as manifestações de violência no âmbito
familiar, destacando o que os membros da família identificam como situações de
violência, já que, de acordo com o que foi encontrado na literatura (Vieira et. al.,
2008), as mulheres envolvidas num ciclo de violência doméstica não conseguem
reconhecer que estão vivendo uma relação de violência, afirmando que consideram
normal a existência de discussões no casamento.
Esse mesmo discurso foi encontrado nesta pesquisa. Não só da parte das
mulheres, mas de outros membros, que trazem para a relação conjugal um modo de
interagir conflituoso, onde o resultado é um ato violento. De acordo com a fala do
senhor João:
27
“às vezes você tem que ceder para não gerar outra violência, às
vezes a violência que você acha que não está sendo violento para a
outra pessoa você está sendo muito violento”. (João)
Pode-se inferir que o senhor João retrata um fato vivido envolvendo uma
situação de violência, como sendo um episódio que vai além da sua vontade, como
se a violência tenha extrapolado qualquer entendimento pelas partes, o único meio
de resolver é fazendo uso da violência. Neste caso o estudo realizado por Audi
(2009) vem corroborar a fala do senhor João, ao relatarem que o nervosismo do
companheiro é um dos fatores que justifica a violência, ou ainda quando a fala do
senhor João a seguir caracteriza bem o que Rosa (2008) coloca ao dizer que o
agressor racionaliza a ação agressiva e coloca a culpa da situação de violência
como sendo da companheira:
“em algumas discussões ela já quis me agredir, mas eu não revidei
primeiro por que estava na frente dos filhos e outros membros da
família” (João).
Como já foi falado o que fica explícito aqui é a colocação do senhor João em
procurar minimizar sua participação nos momentos de violência deixando a
responsabilidade para a esposa, porém um ponto se torna preocupante, quando o
senhor João diz que não revidou por estar na presença de outras pessoas, o que se
pode inferir é que se estivesse sozinho não teria problema em agredir D. Maria, e
para confirmar essa possibilidade a pesquisa realizada por Rabelo e Caldas Júnior
(2007), traz que as chances da mulher ser vítima de violência são cinco vezes
maiores em famílias constituídas por apenas duas pessoas. No entanto o que a
senhora Maria relata, são momentos de violência ocorridas no passado, não expõe
com clareza a violência como um episódio vivido por ela, mas retrata algo que ocorre
em toda a sociedade, que a violência é uma situação vivida por todos de um modo
geral.
A dificuldade da D. Maria em falar sobre a violência também pode ser
discutida através do lugar onde está mulher se encontra, ser mulher/esposa produz
sentimentos de medo, de vergonha, e talvez de orgulho em relatar a vivência de
episódios assim.
28
Vieira (2008) considera que a vergonha e o medo de falar claramente surgem
do fato de co-habitarem com esta violência, produzindo na mulher um silêncio sobre
a violência sofrida e praticada.
“Agora é meio complicado, porque antigamente era mais quando
algum membro da família bebia que chegava bêbado em casa, mas
agora os tempos de hoje está tão mudado” (Maria)
O relato do filho traz um aspecto importante a ser considerado, onde a vítima
acredita que é responsável pelo motivo que ocasionou a violência. Neste caso o filho
também foi vítima de episódio de violência no âmbito familiar, perpetrado pelo seu
pai. No entanto, ele demonstra que o pai teve um motivo para ter-lhe quebrado um
dedo, já que conversava muito na escola, ou ainda quando finaliza dizendo que no
final tudo se resolveu. O mesmo foi encontrado na pesquisa de Monteiro e Souza
(2007) onde a vítima de violência internaliza a culpa, se sentindo responsável e até
merecedora desse tipo de ato violento que se justifica por meio do comportamento
inadequado da própria vítima. Não esquecendo que fica marcado o lugar do pai
dentro da família, como uma autoridade, destacando a distribuição de papéis e a
valorização do homem no âmbito familiar. O que fica explícito nesta situação é o fato
da violência não ficar restrita a relação conjugal, não é apenas a mulher que sofre
com a violência dentro de casa, os outros membros também são atingidos
diretamente pela violência.
“Era em época de escola, eu conversava muito e aí meu pai surtou
em casa quebrou meu dedo foi uma confusão, mas enfim tudo deu
certo” (Pablo).
No entanto o que foi possível averiguar é que a família participante identifica
as manifestações de violência doméstica, ainda que na fala do homem se perceba
um discurso machista característico da dominação que o Sr. João exerce sobre a
esposa e o filho. Essa relação de poder é exemplificada no estudo de Souto e Braga
(2009) ao esclarecer que nas relações desiguais de poder que existem na
conjugalidade a mulher está mais suscetível ao domínio do homem e a legitimação
da violência, ao afirmar que estão presentes as desigualdades de gênero na relação
conjugal inclusive nos modelos mais tradicionais de família. O Sr. João em muitos
momentos inclui a esposa como uma participante ativa de agressões na frente dos
29
filhos, e de outros membros da família, o que se pode inferir é que em alguns
momentos ele pretende desqualificá-la diante dos outros, para isso Diniz (2003) vem
corroborar com esta pesquisa ao evidenciar que, embora na relação conjugal o
homem represente o masculino como agressor, ele aponta ao mesmo tempo a
mulher também como agressora, em proporções semelhantes.
No entanto frente a esta situação de violência que a D. Maria viveu é possível
perceber uma fragilidade psicológica quando a mesma relata o que a violência
psicológica causa na mulher ao dizer “isso aí acaba com a mulher”, ou mesmo
quando diz “me sentia pequena, me sentia incapaz” emoções decorrentes da
situação de aprisionamento que o relacionamento conjugal construído pelo domínio
e posse que o esposo proporcionava a família, ou mesmo quando D. Maria expressa
o fato de ser dependente financeiramente de seu cônjuge ser um causador de
violência psicológica. Dados semelhantes foram encontrados pelas mesmas autoras
já citadas acima, onde as mulheres expressam o significado da violência conjugal
representado através de sentimentos de aprisionamento, dominação, apropriação
sentenciada pelo outro.
4.3. Consequências da Violência
Ao realizar esta pesquisa procurou-se analisar as consequências da violência
para os membros envolvidos, destacando com isso os danos sofridos pela mulher e
pelos filhos e filhas. As falas dos participantes, tanto do casal quanto do próprio filho,
apontaram que o medo, a insegurança, a dificuldade em se relacionar com os outros
são consequências dos episódios de violência. Dados encontrados nessa pesquisa
reforçam os achados de estudos anteriores (BENETTI, 2006) que afirmam que
dentre as várias situações ocorridas que afetam o âmbito familiar à ocorrência de
conflito conjugal, juntamente com episódios de violência entre o casal, configuram-se
como formas negativas de interação e expressão afetiva e com consequências
graves que afetam o desenvolvimento infantil.
Na perspectiva da mãe sentimentos de insegurança, incapacidade frente à
vida e dificuldades de aprendizagem e de relacionamento é suscitada quando o(a)
filho(a) presenciam situações de conflito entre o casal como apresentada no trecho
abaixo:
30
“Com certeza, se torna um ser humano inseguro se torna um adulto
inseguro um adulto que acha que não é capaz de nada que tudo é
muito difícil tem medo de tudo tem medo mesmo da vida [...] na
escola, não tem desenvolvimento, não consegue interagir com
outras pessoas, sempre fica retraída”. (Maria)
O pai consegue identificar os danos psicológicos que a violência familiar
causa nos filhos e filhas, inclusive acrescenta a possibilidade de pessoas vítimas de
violências enraizar comportamentos agressivos como sendo algo normal e com o
passar do tempo vir a repetir futuramente esses mesmos comportamentos violentos
em seus próprios relacionamentos afetivos. No entanto um ponto se torna
preocupante, mesmo o pai sendo consciente dos danos que a violência traz para os
filhos, ainda assim não o impede de ser violente.
A preocupação que o Sr. João demonstra se torna pertinente ao constatar
que o estudo realizado por Silva (2009) aponta que presenciar ou mesmo sofrer
violência quando criança pode resultar sim, numa aceitação em sofrer violência ou
ainda praticá-la como uma conduta comum e adequada na vida adulta, dados
semelhantes ao da Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM trouxe no
balanço semestral de 2013, que crianças e adolescentes ao presenciarem a
violência de gênero passam por traumas, sofrimentos e, sobretudo se familiarizam
com a agressividade existente nas relações interpessoais incluindo a opressão as
mulheres, com isso o risco da violência se tornar uma referência de expressão e
aumentando a possibilidade dessas violências serem reproduzidas posteriormente.
“Acredito que eles sofram danos sim, e acabam tendo problemas
psicológicos porque eles tomam aquilo como uma coisa comum [...]
o filho vendo um casal brigar ele guarda até as palavras que estão
sendo utilizadas na discussão, e aquilo ele vai tomar como uma
forma dele agir depois, com a futura esposa ou com a namorada”.
(João)
Nos relatos do filho foram apresentados pontos bastante significativos
referentes às consequências de exposição a episódios de violência na infância no
ambiente familiar, Pablo, acredita que o desempenho na escola fica prejudicado, o
convívio com outras pessoas também sofre alguma influência, mas um aspecto que
chama a atenção é quando ele se coloca no meio de um conflito conjugal e se
31
mostra dividido em ter que se posicionar em relação ao apoio emocional que
acredita achar necessário oferecer para um dos pais.
Essa mesma colocação foi descrita no artigo de Santos e Costa (2004) ao
realizarem um estudo com uma família envolvida com situações de violência e em
posse do discurso de Ravazzola (1997) afirma que é comum uma criança se sentir
confusa ao presenciar a violência de um dos pais sobre o outro justamente pelo fato
de amar o agressor.
“vai atrapalhar no psicológico da criança quando ela estiver
crescendo e ela estiver neste ambiente conturbado de uma forma ou
outra vai estar atrapalhando o desempenho dela na escola como o
convívio entre as pessoas. [...] nós somos uma família, e se
acontecer uma briga entre meu pai e minha mãe dependendo do
assunto ou não eu vou ficar chateado com meu pai ou minha mãe,
daí vai criar uma situação ruim tanto pra um quanto pro outro, por
que a gente vai querer defender um ou outro.” (Pablo)
Diante do que os participantes trouxeram é possível identificar os danos
principalmente psicológicos que a exposição a atos violentos pode ocasionar nos
membros, pois segundo Rosas e Cionek (2006) tanto a criança quanto o
adolescente estão em fase de desenvolvimento e para que isso ocorra de modo
equilibrado é necessário que o ambiente familiar proporcione condições saudáveis.
Contudo, durante a realização das entrevistas percebeu-se que o senhor João
tinha uma facilidade maior em falar sobre o assunto, mesmo em alguns momentos
se sentindo constrangido ou mesmo quando se referia ao fenômeno violência como
sendo algo a parte de sua realidade, ainda assim com um discurso machista,
característico de uma tradição patriarcal, onde colocou por vezes a D. Maria como
responsável pelos conflitos existentes na relação conjugal. No entanto, na fala de D.
Maria foi possível perceber que ela não conseguia expor com clareza as formas de
violência presentes na dinâmica familiar, relatando superficialmente, de modo a
explicitar os fatos de violência como fatos ocorridos no passado, tentando
demonstrar que não os vivenciava na atualidade. O que se pode inferir nesse
comportamento de D. Maria é a possibilidade do esposo ter feito uso do poder a ele
conferido através da construção de papéis que homem e mulher exercem na família,
e o silêncio da vítima seja uma possibilidade de mascarar a realidade de agressões
32
e opressões vividas pela família contribuindo de forma negativa para o bem estar
familiar. O filho conseguiu falar sobre os episódios de violência de um modo sucinto,
não se prolongando muito nas respostas, além disso, foi percebido na fala do
adolescente que ele não verbalizava por não querer se posicionar em relação aos
pais, sem apontar um culpado e uma vítima, contudo trouxe pontos relevantes sobre
as consequências que um ambiente familiar conflituoso pode causar nos membros
da família.
33
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho que por hora se apresenta, buscou identificar as situações de
violência familiar existentes na relação conjugal, bem como reconhecer como as
pessoas envolvidas num contexto de violência conseguem identificar o que é ou não
compreendido como violento numa relação conjugal e por fim analisar as
consequências da violência nos membros envolvidos com este fenômeno.
Pelas análises realizadas foi possível identificar que a compreensão de
violência é mais verificada no seu aspecto físico, entretanto, as demais formas de
violência doméstica estão presentes na dinâmica familiar dos participantes desta
pesquisa e a que mais se destacou foi à violência psicológica, ainda que os
integrantes da família caracterizassem a ocorrência de agressões verbais como
outra modalidade de violência.
Outro ponto de destaque é a manifestação da violência decorrente da
dificuldade de diálogo que a família relata ao identificar que não ser compreendido é
um fator desencadeante de atos violentos, possibilitando assim caracterizar falhas
na comunicação e um modo natural de resolver os conflitos através da violência
demonstrando assim que a violência esta naturalizada na dinâmica familiar, neste
caso fica a possibilidade de ser pensar que agir assim por ter sido aprendido no
decorrer do convívio mútuo entre eles ou ser um comportamento aprendido no seio
da família de origem do casal.
Como motivação para os episódios de violência que ocorreram no âmbito
conjugal e familiar foi encontrada que o discurso normativo patriarcal/machista
continua atrelado às vivências familiares, onde o homem sente-se possuidor da
mulher e, por isso, geralmente dotado de ciúmes, acaba cometendo atos de extremo
poder – a violência, caracterizando mais uma vez a hierarquia e a subordinação,
cabendo aqui o domínio do homem sobre a mulher, assim como do pai sobre o filho.
No tocante às consequências da violência para os membros da família houve
poucos dados uma vez que os mesmos não fizeram referências diretas em seus
discursos. Quase nada foi mencionado como consequência para a mulher, o
comprometimento de sua auto-estima, autonomia ou demais sequelas físicas ou
psicológicas, e assim ficou uma lacuna na compreensão dessa mulher/esposa que
por hora sofre calada, silencia seu sofrimento por medo, vergonha ou mesmo
orgulho porém em outros momentos tem coragem de expor na frente de pessoas
34
alheias ao convívio familiar por meio de gestos agressivos contra o esposo que
existe um conflito familiar.
As consequências apontadas por todos os membros entrevistados nesta
pesquisa foram quanto aos possíveis danos que os filhos podem sofrer ao
presenciarem episódios de violência entre os pais, ainda que o pai demonstrasse
uma preocupação e uma conscientização em relação às consequências de se
vivenciar violência na família não era um fator que impedisse com que seus atos
violentos cessassem.
Outra limitação encontrada na realização da pesquisa foi a dificuldade dos
participantes em perceber a violência como natural, eles não conseguiram expor
dados que levassem a identificar que na dinâmica familiar a violência era natural por
terem aprendido isso na própria família ou nas suas famílias de origem no caso do
casal.
De posse das considerações possíveis através desse trabalho, foi possível
compreender que as dinâmicas familiares se configuram através da violência que
perpassa papéis onde se evidenciam ou na relação conjugal ou na relação parental
e que um ambiente conflituoso reflete em aspectos negativos para os seus
membros, tais como insegurança, medo, dificuldades em relacionamentos e na
aprendizagem.
Em pesquisas futuras sugere-se fazer um acompanhamento longitudinal com
os membros da família ou, ainda, ter a possibilidade de mais encontros como os
membros para aprofundar os itens questionados, estabelecer uma relação de
confiança e poder compreender de forma não superficial os momentos de violência
existentes na família ou mesmo sobre as consequências que a violência pode trazer
aos membros. Dessa forma, provavelmente se possa fornecer uma melhor relação
entre pesquisadora-membros da família e, a partir da confiança estabelecida,
conseguir levantar mais elementos que possibilitem realizar uma análise mais
aprofundada sobre o fenômeno.
Por fim, acredita-se que o trabalho trouxe contribuições para a aprendizagem
de sua autora, permitindo que a mesma conheça mais sobre o tema violência
doméstica e sobre o impacto que esta realidade causa nas famílias, assim como
problematizar a respeito da prática psi nesse contexto e nas possibilidades de
atuação junto aos membros familiares e a toda a sociedade que necessita de
espaços de reconstrução para as masculinidades e feminilidades, para o
35
aprendizado da resolução de conflitos de forma dialógica, e para a descontrução de
modelos socialmente construídos que, de fato, impactam na constituição da
subjetividade, da individualidade e do coletivo.
36
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALOÍSIO, Tânia Mara Freire. Violência intrafamiliar: estudo dos padrões
intergeracionais de relacionamento: um estudo de caso. Brasília, DF, 2002. xi, 105 f.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Católica de Brasília, 2002
AUDI, Celene Aparecida Ferrari et al. Percepção da violência doméstica por
mulheres gestantes e não gestantes da cidade de Campinas, São Paulo. Ciencia &
Saude Coletiva; 2009, 14 (2), 587-594
BENETTI, Silvia Pereira da Cruz. Conflito conjugal: impacto no desenvolvimento
psicológico da criança e do adolescente. Psicologia: Reflexao e Crítica, SP, 2006,
19(2), 261-268.
BRANCALHONE, Georgia Patrícia; FOGO, Carlos José; WILLIAMS, Lúcia
Cavalcante de Alburqueque. Crianças expostas à violência conjugal: Avaliação do
desempenho acadêmico. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2004 mai-ago, 20(2), 113117
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, publicado no D.O.U no dia
8/8/2006.
Secretaria de Políticas Públicas para as mulheres. Balanço semestral: p.24, jan-jun.
2012.
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo, SP:
Cortez, 1998.
_________________. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Rio
de Janeiro, RJ: Vozes, 2010.
COSTA, Maria Isabel Bica Carvalho. A Família com filhos com necessidades
educativas especiais. Millenium- Revista do ISPV. N°30 – out. 2004 74-100.
CRUZ, Madge Porto. A saúde da mulher em situação de violência: o que pensam os
gestores e gestoras municipais do Sistema Único de Saúde? Dissertação de
mestrado em saúde coletiva, Recife (PE): Programa Integrado de Saúde
Coletiva/UFPE; 2002.
DEEKE, Leila Platt et al. A dinâmica da violência doméstica: Uma análise a partir dos
discursos da mulher agredida e de seu parceiro. Saúde Soc. São Paulo, 2009, v.18,
n.2, p. 248-258.
DINIZ, Normélia Maria Freire; SANTOS. Maria de Fátima de Souza; LOPES Regina
Lúcia Mendonça. Representações sociais da família e violência Rev. Latino-am
Enfermagem 2007 nov-dez; 15(6)
DINIZ, Normélia Maria Freire et al. Violência conjugal: vivências expressas em
discursos masculinos. Rev. Escola Enfermagem USP, 2003; 37(2): 81-88.
37
D`OLIVEIRA, Ana Flávia Pires Lucas et al. Fatores associados a violência por
parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Revista. Saúde Pública, 2009; 43(2): 299310.
DURAND, Julia Garcia et al. Repercussão da exposição à violência por parceiro
íntimo no comportamento dos filhos. Revista Saúde Pública, 2011; 45(2): 355-364.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo, SP:
Atlas, 1999.
GOMES, Nadiele Pereira et al. Compreendendo a violência doméstica a partir das
categorias gênero e geração. Acta Paul ENferm. 2007; 20(4): 504-508.
INSTITUTO AVON/IPSOS. Percepções sobre a violência doméstica contra a mulher
no Brasil, 2011.
INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO. Percepção da sociedade sobre violência e
assassinatos de mulheres. Caderno Campanha Compromisso e Atitude. Data
Popular. 2013.
MINUCHIN, Patrícia; COLAPINTO, Jorge; MINUCHIN, Salvador. Trabalhando com
Famílias Pobres. Porto Alegre, RS: Artmed, 1999.
MINUCHIN, Salvador; LEE, Wai-Yung; SIMON, George M. Dominando a terapia
familiar. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2008.
MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo: Ática, 1989.
MONTEIRO, Claudete Ferreira de Souza e SOUZA, Ivis Emilia de Oliveira. Vivência
da violência conjugal: Fatos do cotidiano. Texto Contexto Enferm, Florianópolis,
2007, jan-mar; 16(1): 26-31.
PENFOLD, Rosalind B. Mas ele diz que me ama. Rio de Janeiro: Ediouro. 2006.
RABELLO, Patricia Moreira e CALDAS JÚNIOR, Arnaldo de França. Violência contra
a mulher, coesão familiar e drogas. Rev.Saúde Pública, 2007; 41(6): 970-8
RAVAZZOLA, Maria Cristina. Violência nas relações familiares: Por que uma visão
sistêmica e de gênero? Rev. Pensando famílias, 11(1), jul. 2007; (11-28)
REICHENHEIM, Michael E.; HASSELMANN, Maria Helena e MORAES, Claudia
Leite. Conseqüências da violência familiar na saúde da criança e do adolescente:
contribuições para a elaboração de propostas de ação. Ciênc. saúde coletiva.
1999, 4(1) 109-121.
ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Novas opções, antigos dilemas: mulher, família,
carreira e relacionamento no Brasil. Temas em Psicologia da SBP- 2004, vol.12,
nº1,2-17.
38
ROSA, da Antônio Gomes et al. A violência conjugal contra a mulher a partir da ótica
do homem autor da violência. Saúde Soc. São Paulo, v.17, n.3,p.152-160,2008.
ROSAS, Fabiane Klazura e CIOLEK, Maria Inês Gonçalves Dias. O impacto da
violência doméstica contra crianças e adolescentes na vida e na aprendizagem.
Conhecimento Interativo, São José dos Pinhais, PR, v.2,n.1, p.10-15,
jan/jun.2006.
SANTOS, Larissa Viana dos e COSTA, Liana Fortunato. Avaliação da dinâmica
conjugal violenta e suas repercussões sobre os filhos. Psicologia: Teoria e Prática,
2004, 6(1):59-72.
SANTOS, Luciana. Profissão: do lar A (des)valorização do trabalho doméstico como
desdobramento da (in) visibilidade do feminino, Universidade de Brasília (DF):
Departamento de Psicologia Clínica; 2008.
SCHRAIBER, Lilia Blima et al. Prevalência da violência contra a mulher por parceiro
íntimo em regiões do Brasil. Revista Saúde Pública. 2007,41(5): 797-807.
SILVA, Maria Arleide da; NETO, Falbo Hanois Gilliatt; FILHO, José Eulálio Cabral.
Maus-tratos na infância de mulheres vítimas de violência. Psicologia em Estudos,
Maringá, jan./mar. 2009. v.14, n.1, p. 121-127
SOUTO, Claúdia Maria Ramos Medeiros e BRAGA, Violante Augusta Batista.
Vivências da vida conjugal: posicionamento das mulheres. Revista Brasileira de
Enfermagem – REFEn, Brasília, 2009, set-out; 62(5): 670-4.
TAVARES, Dinalva Menezes Castro. Violência doméstica: Uma questão de saúde
pública. Dissertação de mestrado em saúde pública, Universidade de São Paulo
(SP): Departamento de Prática de Saúde Pública; 2000.
VIEIRA, Luiza Jane Eyre de Souza et al. Fatores de risco para violência contra a
mulher no contexto doméstico e coletivo. Saúde e Soc. São Paulo, 2008. v.17, n. 3,
p.113-125.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre, RS:
Bookman, 2005.
39
ANEXOS
40
ANEXO I: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O(a) senhor(a) está sendo convidado(a) a participar da pesquisa intitulada:
“Compreensão de família em contexto de violência: Um estudo de caso”, sob
responsabilidade da Profa. Msc. Luciana da Silva Santos e da aluna Vera Lúcia de Araújo
do Nascimento, ambas do curso de Psicologia da Universidade Católica de Brasília.
O objetivo desta pesquisa é compreender a dinâmica familiar num contexto de
violência. E tem como justificativa a necessidade de se verificar o contexto no qual a
violência ocorre para subsidiar melhor entendimento deste fenômeno.
O(a) senhor(a) receberá todos os esclarecimentos necessários antes e no decorrer
da pesquisa e lhe asseguramos que seu nome e demais dados pessoas serão mantidos no
mais rigoroso sigilo através da omissão total de quaisquer informações que permitam
identificá-lo(a). Além disso, o(a) senhor (a) pode se recusar a responder qualquer questão
que lhe traga constrangimento, podendo desistir de participar da pesquisa em qualquer
momento sem nenhum prejuízo para o(a) senhor(a).
A sua participação será através de entrevistas individuais que serão gravadas e
posteriormente transcritas. O tempo estimado para sua realização será de aproximadamente
40 minutos.
Os resultados da pesquisa serão divulgados na Universidade Católica de Brasília UCB podendo ser publicados posteriormente em congressos e revistas científicas. Os dados
e materiais utilizados na pesquisa ficarão sobre a guarda da pesquisadora mencionada.
Acredita-se que este projeto não possui riscos nem benefícios diretos aos
participantes. Porém, caso isso venha a ocorrer serão disponibilizados os serviços do
Centro de Formação de Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Brasília – CEFPA
de modo a minimizá-los.
Se o(a) senhor(a) tiver qualquer dúvida em relação à pesquisa, por favor, telefone
para: professora Luciana da Silva Santos, na instituição Universidade Católica de Brasília
telefone: (61) 33569197, em horário comercial.
Este projeto foi Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UCB, número do
protocolo 228.751. As dúvidas com relação à assinatura deste Termo ou os direitos do
sujeito da pesquisa podem ser obtidos também pelo telefone: (61) 3356-9784.
Este documento foi elaborado em duas vias, uma ficará com a pesquisadora
responsável e a outra com o(a) senhor(a), que de forma voluntária aceita participar do
mesmo.
Taguatinga, ___ de __________ de 2013.
__________________________________
__________________________________
Nome do(a) participante da pesquisa
Profa. Msc. Luciana da Silva Santos
ii
ANEXO II ENTREVISTA
Os itens que compuseram a entrevista foram:
- O que a família representa para você?
- Para você qual o papel do homem no âmbito familiar?
- Para você qual o papel da mulher no âmbito familiar?
- Você consegue identificar quais os tipos de violência existentes em uma relação
conjugal?
- Você já sofreu algum tipo de violência?
- Como foi essa situação de violência?
- Para você em quais situações familiares ocorre algum tipo de violência?
- O que significa para você violência familiar para você?
- Como você percebe atualmente a violência contra a mulher?
- Os seus filhos já presenciaram algum tipo de violência? De qual forma?
- Você acredita que crianças expostas à violência familiar podem sofrer algum tipo
de dano? Quais?
- Como é o comportamento e/ou desempenho dos seus filhos na escola?
- Você percebe se seus filhos apresentam alguma dificuldade em se relacionar com
os outros? Quais?
- Você acredita que a violência familiar possa causar consequências para os
membros da família? E quais seriam elas?
iii
Anexo III QUESTIONÁRIO SÓCIO-DEMOGRÁFICO
1.Idade:______________
2. Qual é raça que melhor lhe define?
1.(
2.(
3.(
4.(
5.(
) Branca
) Negra
) Parda/mulata
) Amarela (de origem oriental)
) Indígena
3.Qual o seu grau de escolaridade?
1.( ) Nenhuma escolaridade (não alfabetizada)
2.( ) Ensino fundamental completo
3.( ) Ensino fundamental incompleto
4.( ) Ensino médio completo
5.( ) Ensino médio incompleto
6.( ) Ensino superior completo
7.( ) Ensino superior incompleto
8.( ) Pós-graduação completa
9.( ) Pós-graduação incompleta
4.Possui religião? 1.(
) Não 2.( ) Sim
5.És praticante? 1.( ) Não 2.( ) Sim
5. Caso tenhas alguma religião, favor informar qual.
1.( ) Católica
2.( ) Evangélica
3.( ) Espírita
4.( ) Umbanda/Candomblé
5.( ) Judia
6.( ) Outra: ____________________
6. Há quanto tempo é casada ou possui algum vínculo afetivo estável? _________ anos
7. Quantos filhos você tem? _______________
8. Favor indicar a idade dos(as) filhos(as): ___________________________
9. Possui alguma renda própria? 1.(
) Não 2.( ) Sim
10. Caso possuas renda própria, favor informar qual a renda média mensal:
1.(
2.(
3.(
4.(
5.(
6.(
) Até 1 salário mínimo (Até R$ 678,00).
) Mais de 1 a 2 salários mínimos (De R$ 679,00 a R$ 1.244,00).
) Mais de 2 salários até 4 salários mínimos (De R$ 1.245,00 a R$ 2.712,00)
) Mais de 4 salários até 6 salários mínimos (De R$ 2.713,00 a R$ 4.680,00)
) Mais de 6 salários até 10 salários mínimos (De R$ 4.681,00 a R$ 6.780,00)
) Mais de 10 salários mínimos (Mais de 6.781,00)
11. Atualmente quantas pessoas residem na mesma casa que você: ___________________
iv
12. Em média, qual a renda mensal da sua família? Leves em consideração a remuneração/salário
de todos os membros que contribuem para o sustento familiar:
1.(
2.(
3.(
4.(
5.(
6.(
7.(
) Até 2 salários mínimos (até R$ 1.356,00)
) Mais de 2 até 5 salários mínimos (De R$ R$ 1.357,00 até R$ 3.390,00)
) Mais de 5 até 7 salários mínimos (De R$ 3.391,00 até R$ 5.523,00)
) Mais de 7 até 10 salários mínimos (De R$ 5.524,00 até R$ 6.780,00)
) Mais de 10 até 15 salários mínimos (De R$ 6.781,00 até R$ 10.170,00)
) Mais de 15 salários até 20 mínimos (De 10.171,00 até R$ 13.560,00)
) Mais de 20 salários mínimos (mais de R$ 13.561,00)
Download

Vera Lúcia de Araújo do Nascimento