A CAPACIDADE PARA ESTAR SÓ
Utilizo o título de um texto de Winnicott para escrever sobre algo que observo há muito
tempo nos relacionamentos entre casais. Nesse texto de 1958, Winnicott diz: “Verificar-se-á que
ficar realmente só não é do que estamos falando. A pessoa pode estar num confinamento solitário,
e ainda assim não ser capaz de ficar só… A capacidade de ficar só é um fenômeno altamente
sofisticado.”
É por meio dessa citação que tento explicar meu ponto de vista em relação aos
relacionamentos amorosos. Ao meu ver, o amor existe. Porém não é para todos. E vou explicar o
porquê. Quantos casais com 30 anos de casamento vemos que parecem se amar e superar as
dificuldades da vida juntos? Quantos casais que estão casados há 10 anos não estão em dúvida se
querem continuar mais 20 ou 30 anos com a pessoa com quem se casaram? Poucos. Não é que
não existam casais felizes e companheiros, ou que relacionamentos devam ser como filmes
hollywoodianos, em que as brigas não existem e o final é sempre feliz. A questão é que é difícil
encontrar casais que após algum tempo juntos ao serem questionados sobre seus relacionamentos,
tenham mais aspectos positivos do que negativos para contar.
Mas porque isso acontece? Ao meu ver, as pessoas estão desesperadas para encontrar
alguém. A mídia nos mostra que temos que viver romances lindos e avassaladores, e que uma
pessoa com 40 anos que não se casou é infeliz ou imatura. Afinal, quem nunca viu uma garota
deprimida ao chegar o dia dos namorados? Ou aos 33 anos alguma que não se casou dizer que irá
“ficar pra titia”?
Em muitos casos que vejo, as pessoas muitas vezes não tem maturidade emocional e
autoconhecimento suficiente para entender isso. Querem desesperadamente um(a) namorado(a)
para suprir a angústia de estarem sozinhos. O medo de passarem datas importantes sozinhos ou
de se casarem depois de todos seus amigos os domina.
E aí nesse momento conhecem alguém. O início de um relacionamento geralmente é
marcado pela paixão, pela empolgação e a idealização de que tudo é perfeito naquela pessoa. E
claro, mostramos apenas nossas qualidades também. E cria-se na maioria das vezes um
relacionamento perfeito. E durante algum tempo aquilo se mantém. Porém, com o tempo,
começamos a enxergar defeitos que antes não existiam. A magia acaba. Isso pode acontecer após
alguns meses ou anos. Mas sempre acontece. A pessoa não tem mais tanta animação para sair com
você, para te escutar e as manias dela começam a te irritar. E aí o que a maioria dos casais fazem?
Reclamam que a pessoa não é mais a mesma, e gastam todas suas energias tentando mudar a
personalidade da outra pessoa. E é nesse momento que começam os problemas e as brigas.
Estar apaixonado é algo ótimo e que muitas pessoas sabem descrever como é. Amar é
difícil. Conviver com as qualidades e defeitos, compreender alguém exige paciência e aceitar
como a pessoa é e não tentar mudá-la. Porém o que a maioria dos casais faz é tentar mudar tal
característica, para que a pessoa seja da maneira como deveria ser.
Dessa forma, concluo minha afirmação inicial de que muitas pessoas que estão juntas não
se amam. Elas vivem em guerra amando a pessoa por quem se apaixonaram e que não existe mais.
Se acomodam, e ficam juntas por não conseguirem admitir que a pessoa não lhe faz bem ou para
não separar a família. E principalmente por não terem a capacidade para estar só. Ficar só nos leva
a pensar, a refletir, e nem todos estão preparados para enfrentar seus pensamentos, então
inconscientemente escolhem o caos do relacionamento à sua própria reflexão e desenvolvimento.
Referências:
Winnicott, D. W. (1998a). A capacidade para estar-só. In: O ambiente e os processos de
maturação. Porto Alegre: Artes Médicas. p. 31-37. (Originalmente publicado em 1958).
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