Incidência e características do aborto induzido no Brasil Gabriela Moretzsohn Pereira Nunes* Mônica Viegas de Andrade** Resumo No Brasil existe um problema de ausência de dados confiáveis sobre a incidência de aborto em decorrência de sua ilegalidade. O objetivo desse trabalho é estimar a incidência de aborto provocado no Brasil em 2012 e analisar os fatores associados ao aborto provocado. Para calcular a incidência de aborto provocado, utilizou-se a metodologia de Singh e Wulf (1994) que parte dos registros de internação por complicações pós aborto do sistema de saúde pública. Para a análise dos fatores associados ao aborto provocado estimou-se um modelo logit controlando pelas características das mulheres a partir da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS). O número estimado de abortos provocados no Brasil em 2012 foi 441.000 e 735.000, o que representa uma taxa de 15 a 25 abortos provocados por 100 nascidos vivos. A análise controlada dos fatores associados ao aborto provocado evidenciou como variáveis significativas somente a macrorregião de residência da mulher, frequência religiosa e situação do domicílio. Apesar do aborto provocado estar decrescendo desde 2005, sua incidência ainda é alta o que pode resultar em maior morbidade e mortalidade materna. Por fim, a prática do aborto parece estar associada a características locais, sendo maior nas regiões Norte e Nordeste, menos desenvolvidas economicamente, o que chama a atenção para uma maior urgência na formulação de políticas na área da saúde pública para essas regiões. Palavras-Chave: Aborto, Aborto Provocado, Saúde reprodutiva, PNDS, WHO, AGI. * Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais ** Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR/UFMG. As autoras agradecem Cristina Guimarães Rodrigues e Júlia Almeida Calazans pela ajuda na construção da base de dados. 1. Introdução No Brasil o aborto é restrito por lei, podendo ser realizado apenas por mulheres vítimas de estupro, em situação de risco de vida ou para o caso de feto anencéfalo. O caráter ilegal do aborto acaba resultando em dificuldade de estudo uma vez que não existem dados confiáveis para a incidência de aborto provocado no país. A última estimativa de incidência de aborto foi realizada para o ano de 2005 por Monteiro e Adesse (2006) e revelou incidência de 1.054.242 abortos provocados, o que representa uma taxa de 2,07 abortos por 100 mulheres em idade reprodutiva. Nesse ano, 250.000 mulheres foram internadas em hospitais do SUS por complicações pós aborto. A complicação do aborto inseguro é a quarta principal causa de mortalidade materna no Brasil de acordo com o Ministério da Saúde1 e é responsável por 13% da mortalidade materna no mundo de acordo com World Health Organization - WHO (2011). A redução da mortalidade materna e a promoção dos direitos das mulheres são objetivos estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) através das metas do milênio para 2015, as quais o Brasil se comprometeu a cumprir. A discussão realizada na ONU salientou que a ilegalidade do aborto não impede que este aconteça mas coloca em risco a vida de um grande número de mulheres que deveriam ter direito a decidir sobre sua saúde reprodutiva. O objetivo desse trabalho é atualizar as estimativas da incidência de aborto provocado no Brasil. Além disso, queremos identificar a associação entre características das mulheres e a chance de realizar aborto provocado. A compreensão dos fatores associados ao aborto é fundamental para subsidiar a formulação de políticas públicas que visem eliminar o aborto inseguro. O aborto inseguro é um problema de saúde pública e está vinculado à dificuldade de acesso a tratamento em razão da sua ilegalidade. 2. Metodologia A metodologia está dividida em duas partes. A primeira dedicada a fonte de dados e método de cálculo da incidência do aborto induzido no Brasil e, a segunda, apresenta a fonte de dados e o método de análise dos fatores associados ao aborto. 2.1. Incidência de aborto induzido no Brasil e Macrorregiões 1 Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=22411>. Acessado em 5 de setembro de 2013. Existem diversas dificuldades em se mensurar o aborto induzido em países em que são impostas grandes restrições ao aborto. Não só não existem dados oficiais de prática de aborto como as pesquisas populacionais apresentam um problema de sub reportagem por parte das mulheres, seja por medo ou pelo estigma social do aborto nesses países. Uma forma alternativa de mensurar a incidência de aborto induzido no Brasil é através de registros de internações hospitalares por complicações pós-aborto no sistema único de saúde. Esse trabalho utiliza os dados do Sistema de Informações Hospitalares/SUS, que reúne as informações dos registros administrativos feitos por meio das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH). As AIH são utilizadas para fins de pagamento, sendo preenchidas pelas gestoras e prestadores de serviços para financiamento pelo SUS dos procedimentos médicos realizados. Esse documento registra informações referentes ao beneficiário, ao provedor e ao serviço de saúde prestado. A principal informação contida na AIH é o procedimento realizado, que determina a remuneração feita pelo SUS ao estabelecimento de saúde. Esse procedimento é escolhido com base no diagnóstico principal feito pela equipe médica. Cada diagnóstico está associado a um grupo de procedimentos que podem ser utilizados e estes têm seu custo tabelado pelo SUS. Esse diagnóstico é preenchido na AIH utilizando-se os códigos da CID-10, que é a última versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados a Saúde. Do total de internações registradas nas AIH para todo o Brasil serão consideradas apenas aquelas cujos diagnóstico principal de acordo com a CID-10 sejam referentes a aborto espontâneo, aborto por razões médicas e legais, outros tipos de aborto, aborto não especificado, falha na tentativa de aborto ou complicações consequentes a aborto ou gravidez ectópica e molar. Esses códigos fazem uma diferenciação específica entre os tipos de aborto e suas consequências. Porém, como por ser ilegal não há uma categoria própria para registro de aborto provocado, este é registrado em qualquer um dos códigos referentes a aborto. Assim, mesmo não sendo possível utilizar as subcategorias de diagnóstico existentes, há confiança quanto a todos os procedimentos para tratamento de complicações pós aborto serem registrados na AIH com diagnóstico de complicações pós aborto porque essa informação que garante a remuneração do estabelecimento. Além da informação atinente ao diagnóstico principal utilizaremos a informação do município de residência para agregar os casos de internação por complicações pós aborto por macrorregião. A estimação do aborto por meio de dados de internação foi utilizada por Singh e Wulf (1994) e pela WHO (2011) em pesquisas internacionais e no Brasil por Corrêa e Freitas (1997) e Monteiro e Adesse (2006). O uso dos dados de internação por complicação pós aborto como proxy para aborto apresenta algumas limitações que necessitam ser discutidas. Desagregação das complicações segundo tipo de aborto A primeira dificuldade na utilização dos dados de internação por complicação pós-aborto é o fato de não haver na AIH uma informação que possibilite a desagregação dessas complicações entre aborto espontâneo e aborto induzido. Embora a descrição presente na CID-10 possua a categoria “Complicação pós aborto” e a subcategoria “Complicações por aborto espontâneo”, não se pode atestar, que essa informação seja confiável uma vez que não há trabalhos de validação da classificação referente a aborto. Além disso, como a finalidade da AIH é a remuneração do procedimento realizado não há incentivos para que o estabelecimento se preocupe com acuidade dessa informação. Para que a AIH seja paga basta que o diagnóstico selecionado justifique o procedimento realizado. Singh e Wulf (1994) resolveram esse problema estimando a proporção de internações por complicação que são referentes a aborto espontâneo, de maneira que o aborto provocado seria o residual do total de internações referentes a aborto. Os autores utilizaram quatro métodos resumidos no Quadro 1 e explicados a seguir. Quadro 1 – Métodos de estimação utilizados para determinar a proporção de internações por complicação pós-aborto referentes a aborto Método Estimação biológica FLASOG Descrição Proporção estimada de internações referentes a aborto espontâneo Parte da hipótese de que existe uma proporção natural de abortos espontâneos por O número absoluto nascidos vivos e combina essa proporção à equivale a 2,89% do total proporção de mulheres que tem parto em de nascidos vivos hospital A proporção de abortos espontâneos no total 32,70% do total de de internações foi definida após pesquisa em internações por hospitais que observou indícios entre as complicação pós-aborto pacientes de que o aborto foi provocado AGI A proporção de abortos espontâneos no total de internações foi definida após pesquisa com profissionais da área médica que relataram a proporção que observavam nos hospitais 15% do total de internações por complicação pós-aborto AGI 2 Valor médio entre a proporção estimada no estudo FLASOG e pela pesquisa do AGI de 1992 25% do total de internações por complicação pós-aborto Fonte: Singh e Wulf (1994) a) Estimação biológica O estimador biológico se baseia na hipótese de que existe uma proporção natural de abortos espontâneos por nascidos vivos e combina essa proporção à proporção de mulheres que tem parto em hospital. Esse estimador foi produzido por Singh e Wulf (1994) com base em um estudo feito na Califórnia utilizando os resultados das gravidezes registradas pela California Health Manteinance Organization (HARLAP et al., 1980). A hipótese principal da pesquisa é que a probabilidade de ocorrer aborto espontâneo em uma gravidez é uma característica biológica. Singh e Wulf (1994) adaptaram a estimação produzida por esses pesquisadores para a América Latina considerando que a probabilidade biológica do aborto é relativamente estável entre diferentes condições ambientais e de saúde. Segundo esses autores, a ocorrência de aborto espontâneo nas gravidezes de 13 a 22 semanas de gestação equivale a 3,41% do total de nascidos vivos no mesmo período. A partir dessa estimação do número de abortos espontâneos é possível calcular a incidência na população desse tipo de aborto. Entretanto, o objetivo de Singh e Wulf (1994) é encontrar quanto das internações por complicações pós aborto devem ser referentes a aborto espontâneo e quanto a aborto provocado, sendo aborto provocado o valor residual. Para isso, é necessária uma segunda estimativa que encontre a proporção de grávidas que devem procurar tratamento hospitalar para aborto espontâneo. Para isso, os autores adotaram a hipótese de que a procura por hospitais em caso de aborto espontâneo deve ser a mesma que para a realização do parto. Com base nessa hipótese e utilizando os dados de local do parto da DHS de 1986, Singh e Wulf (1994) calcularam que 87,4% dos abortos espontâneos calculados para a população foram hospitalizados. Dessa forma, o número de internações por complicações pós aborto espontâneo em 1991 foi calculado como equivalente 2,89% do total de nascidos vivos em 1991. Nesse trabalho foram utilizadas as informações do questionário “filhos” da PNDS de 2006 para local do parto. Singh e Wulf (1994) utilizaram a informação do percentual de mulheres que tiveram parto em hospital. Entretanto, como os dados de internação só incluem as internações em hospitais do SUS será utilizado nesse trabalho o percentual de mulheres que tiveram parto em hospital do SUS, que foram 76,21%. Assim, o número de internações por complicação pós aborto espontâneo para 2012 deve equivaler a 2,59% do total de nascidos vivos neste ano. b) FLASOG O estimador com dados FLASOG foi construído pela WHO através de uma metodologia de cálculo direta. Para classificar os casos de internação entre aborto espontâneo e aborto provocado foi realizada uma investigação em hospitais. A classificação do aborto em espontâneo e provado se baseou na evidência física e no relato das mulheres que sofreram o aborto. Considerou-se que provocaram aborto todas as mulheres que reportaram utilizar método contraceptivo, não desejar a gravidez ou cuja complicação sofrida foi infecção. Os demais casos foram classificados como espontâneos. A proporção de mulheres internadas por complicações por aborto espontâneo no total de internações por aborto na América Latina estimada pelo estudo FLASOG foi de 32,7%. c) Alan Guttmacher Institute (AGI) O estimador do AGI foi criado a partir dos resultados de pesquisa realizada em hospitais da América Latina em 1992. Nesta foi calculada uma média entre a proporção de abortos espontâneo observados no total de internações por complicações tendo como base o relato de médicos obstetras e ginecologistas dos hospitais consultados na pesquisa. Concluiu-se que um percentual de 5% a 10% das internações era referente a aborto espontâneo. Como esse número é muito inferior àquele estimado pela WHO os autores consideraram que houve erro de relato, adotando uma estimação final de 15% do total de internações por complicações como associadas ao aborto espontâneo. Singh e Wulf (1994) construíram uma quarta estimação equivalente a média entre a proporção de abortos espontâneos estimada pela WHO e pelo AGI. O resultado encontrado foi que 25% do total de casos de internação por complicação é referente a aborto espontâneo. Casos de aborto não hospitalizados Outra limitação do uso do registro de internação por complicação pós aborto decorre deste mesurar somente a parcela dos casos de aborto geraram internação em hospital. Como o objetivo da estimação é calcular a incidência do aborto no Brasil é necessário saber a porcentagem de mulheres que procura hospitais para tratar complicações pós aborto. A partir dessa porcentagem é possível calcular o multiplicador deve ser aplicado aos dados de internação para encontrar a incidência de aborto na população. Singh e Wulf (1994) utilizaram os dados da pesquisa do AGI de 1992 para a América Latina para determinar esse multiplicador. Os resultados demonstraram que em média no continente 20% das mulheres que realizaram aborto procuraram atendimento médico, o que implica em um multiplicador “5” sobre o total de internações. Para o Brasil esse multiplicador foi estimado em “3,5” para o ano de 1992. Dois outros valores para o multiplicador (3 e 7) foram utilizados pelos autores para obter um intervalo de variação para a estimativa de casos de aborto. Esses multiplicadores foram aplicados de forma combinada aos métodos de desagregação das internações por tipo de aborto da seguinte maneira: Estimação de 25% de internações referentes a aborto espontâneo, combinado a multiplicador 3. Estimação biológica (2,89% do total de nascidos vivos) e multiplicador específico por país (3,5). Estimação de 25% de internações referentes a aborto espontâneo, combinado a multiplicador 5. Estimação de 25% de internações referentes a aborto espontâneo e multiplicador 7. Dos multiplicadores sugeridos por Singh e Wulf (1994), serão utilizados nesse trabalho apenas os multiplicadores 3 e 5. O multiplicador específico do Brasil foi calculado com base nos resultados da Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) de 2010. A PNA é uma pesquisa domiciliar que combina a técnica de pergunta direta com a técnica de urna e foi aplicada em 2010 em amostra representativa em toda a zona urbana brasileira. No total foram entrevistadas 2.002 mulheres de entre 18 a 39 anos. A técnica de urna foi utilizada para as perguntas relativas a aborto. Das perguntas a serem respondidas e inseridas anonimamente na urna constava “Você já fez aborto alguma vez?” e, nos casos de resposta afirmativa, a pessoa deveria também responder a “Ficou internada por causa do aborto?”, sendo essa internação referente a internação por complicação e não para a realização do procedimento de aborto. Os resultados da PNA mostraram que do total de mulheres que declararam ter tido um aborto, 55% declarou ter sido hospitalizada por complicação pós-aborto. Essa proporção gera um multiplicador para o Brasil de 1,81. (DINIZ; MEDEIROS, 2010) As combinações entre método de estimação da proporção de abortos espontâneos e multiplicadores utilizadas nesse trabalho foram: Estimação biológica (2,59% do total de nascidos vivos) e multiplicador 1,81 Estimação de 25% de internações referentes a aborto espontâneo, combinado a multiplicador 3. Estimação de 25% de internações referentes a aborto espontâneo, combinado a multiplicador 5. Coexistência de um setor público e privado de saúde Outra limitação do uso dos dados de internação do SIH/SUS para estimar a incidência total de aborto na população é o fato das AIH registrarem apenas as internações em hospitais do SUS. Essa limitação não foi ainda discutida na literatura existente. Importante considerar essa limitação devido à dualidade do sistema de saúde brasileiro no qual coexistem um sistema de saúde público e privado. Segundo a A Agência Nacional de Saúde Suplementar em 2012, em média 25,30% das mulheres possuíam cobertura de plano de saúde no país. Nesse trabalho supomos que a parcela de internações por complicações pós aborto na rede privada equivale à proporção de mulheres que tem acesso a atendimento em hospital privado, ou seja, 25%. Desse modo, o número de internações por complicação pós aborto registrado no SIH/SUS representa apenas 75% do total de casos de internação. Para encontrar uma estimação do número de internações relativas a complicações pós-aborto em toda a rede hospitalar do país é necessário aplicar um multiplicador de 1,33 sobre o número de internações registradas na rede pública. 2.2. Análise dos fatores associados ao aborto A análise dos fatores associados ao aborto provocado é realizada utilizando os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 2006. Essa pesquisa é realizada em diversos países do mundo, sendo conhecida internacionalmente como Demographic Health Survey (DHS). No Brasil foram realizados três inquéritos, 1986, 1996 e 2006. Na PNDS (2006) foram visitados 14.617 domicílios em 674 municípios nas 5 macrorregiões brasileiras, abrangendo as áreas urbana e rural. Foram entrevistadas 15.575 mulheres com idade entre 15 e 49 anos e coletadas informações sobre 5.056 crianças menores de 5 anos. Diversos autores já analisaram os fatores associados ao aborto utilizando a PNDS. Singh e Wulf (1994) utilizando a pesquisa para 1986 e pelos trabalhos nacionais de Monteiro e Adesse (2006) e Cercatti et al (2010), que utilizaram respectivamente a DHS de 1996 e a PNDS de 2006. Neste trabalho também será realizada uma análise com base na PNDS de 2006 porém com um modelo de estimação diferente, principalmente pelo menor número de variáveis explicativas e sua construção, o que objetiva aumentar o poder explicativo do modelo. Nessa pesquisa, utilizamos um modelo logístico para analisar os fatores associados ao aborto. Serão duas especificações uma que estima a probabilidade de ocorrer um aborto e a segunda que estima a probabilidade de ocorrer um aborto provocado condicionadas a estar grávida. Duas variáveis dependentes foram consideradas: aborto e aborto provocado. As variáveis aborto e aborto provocado foram geradas a partir do questionário “Gravidezes”, respondido apenas pelas mulheres que engravidaram nos últimos 5 anos. As perguntas do questionário Gravidezes foram respondidas para cada gravidez dessas mulheres que ocorreu no período de 2001 até 2006 (momento da entrevista). A variável aborto foi obtida a partir da pergunta “Resultado da gravidez” cujas categorias de resposta eram: “Único nascido vivo”, “Múltiplo nascido vivo”, “Única perda” e “Múltipla perda”. Para mulheres que responderam “Única perda” e “Múltipla perda” a gravidez foi classificada como aborto. As demais respostas foram classificadas como ausência de aborto. Das 6.883 mulheres que engravidaram nos últimos 5 anos, 721 mulheres reportaram ter tido um aborto. A variável aborto provocado foi gerada somente para essas 721 mulheres que tiveram um aborto através da pergunta: “Essa gravidez que você perdeu foi um aborto espontâneo, um aborto provocado, uma gravidez nas trompas ou um nascido morto?”. Foram classificados como aborto provocado aqueles que tiveram resposta “aborto provocado”. As demais respostas foram classificadas como aborto não provocado. A variável dummy aborto provocado assume valor =1 para as mulheres que declararam ter abortado e que o aborto foi provocado e aborto provocado=0 para as mulheres que abortaram mas o aborto não foi provocado. As equações (I) e (II) apresentam as especificações estimadas: (I) (II) As variáveis explicativas incluídas no modelo foram escolhidas, na medida do possível, de modo a captar os fatores associados à decisão de praticar aborto. As variáveis de macrorregião permitem identificar em que medida diferenças regionais podem influenciar a prática do aborto. A PNDS não permite desagregação espacial inferior a macrorregião. Além das diferenças regionais é preciso considerar as diferenças entre situação de domicílio urbano ou rural. Nesse caso, além das diferenças no modo de vida, existem acessos diferenciados aos serviços de saúde. Outro fator importante é condição socioeconômica. A condição socioeconômica é captada pelas variáveis de renda e escolaridade. A renda tem como objetivo captar diferenças no acesso a melhores hospitais e médicos assim como a facilidade de deslocamento no caso de necessitar de um serviço de saúde. A escolaridade, capta o efeito da informação, ou seja o conhecimento sobre métodos contraceptivos e sobre as consequências do aborto. Além da renda e escolaridade foram incluídas no modelo a idade, cor, status conjugal e presença de filhos. O status conjugal e a presença de filhos permitem entender em que medida a estrutura familiar da mulher importa na decisão de abortar. Cercatti et al (2010) através da PNDS para 2006 mostram que o aborto é maior entre as mulheres que tem mais que um filho. O principal avanço com relação ao trabalho de Cercatti et al (2010) foi a troca da variável religião, que não havia sido significativa, por frequência a serviço religioso. Era esperado que a decisão de abortar fosse influenciada pela religião em razão da discussão ética e religiosa por trás do aborto. Entretanto, a religião declarada não necessariamente é praticada. Por essa razão, foi considerada a variável frequência religiosa com o objetivo de medir a participação da religião na vida cotidiana da mulher. Por fim, como usual na literatura, utilizou-se no modelo uma medida para método contraceptivo. Espera-se que haja uma relação significativa entre uso de método e aborto, uma vez que o não uso deste aumenta a probabilidade de gravidezes e, consequentemente, de decisão pelo aborto. A PNDS não pergunta às mulheres sobre o uso de método contraceptivo no período em que ela realizou o aborto, o que seria ideal para o nosso modelo, mas sobre o uso de método contraceptivo atualmente. Não necessariamente o uso de método foi o mesmo ao longo da vida reprodutiva da mulher, podendo ter mudado até mesmo devido a experiência de um aborto, porém utilizaremos a informação disponível de uso de método contraceptivo atual para a construção da variável explicativa do modelo. 3. Resultados Esse capítulo está dividido em duas partes. Na primeira são apresentados os resultados da estimação da incidência de aborto no Brasil e, na segunda, os resultados dos modelos logísticos. Incidência de aborto provocado A partir da base de dados construída com os dados do SIH/SUS para todas as unidades federativas do Brasil em 2012 foram identificadas 147.386 internações por complicações pós-aborto. Tabela 1 - Internações por complicação pós aborto registradas no SIH/SUS e nascidos vivos por macrorregião de residência da mulher/mãe, BRASIL, 2012 Internação por complicação Nascidos Vivos pós aborto Macrorregião Frequência Percentual Frequência Percentual Norte 18.295 12,41 308.375 10,61 Nordeste 52.252 35,64 832.631 28,65 Sudeste Sul Centro-Oeste Total 53.363 36,21 1.152.846 14.134 9,59 381.658 9.056 6,15 230.279 147.368 100 2.905.789 Fonte: SIH/SUS e DATASUS 39,67 13,13 7,92 100,00 A tabela 1 apresenta a distribuição dos casos de complicação pós aborto e dos nascidos vivos em 2012 por macrorregião. Se o aborto não estivesse associado a características locais seria razoável que o percentual de internações por aborto fosse equivalente ao percentual de nascidos vivos por macrorregião. Porém, são observadas diferenças entre a distribuição de internações por aborto e a distribuição de nascidos vivos. As regiões Sudeste e Sul apresentam um percentual de abortos menor que o percentual de nascidos vivos. Esses dados indicam que o aborto pode estar relacionado ao nível de desenvolvimento da região de ocorrência. Sobre o número de internações por complicações pós aborto registradas no SIH/SUS foram aplicados os estimadores explicados na metodologia para encontrar uma estimativa da incidência total de aborto provocado no Brasil em 2012. Para encontrar o número estimado de internações por aborto provocado em toda a rede hospitalar foi realizada a desagregação dos dados por tipo de aborto de acordo com a adaptação das 4 metodologias utilizadas em Singh e Wulf (1994). Sobre os resultados encontrados foi aplicado o multiplicador para inclusão das internações da rede privada às estimativas. Essas etapas foram representadas na tabela 2. Tabela 2 - Estimação das internações por complicações pós-aborto provocado em toda a rede hospitalar, BRASIL, 2012 Estimação utilizada na desagregação das internações por complicação pós-aborto por tipo de aborto Total de Internações por complicações pós-aborto no SUS Estimação Biológica FLASOG AGI AGI 2 147.368 147.368 147.368 147.368 O número 32,70% do total 15% do total de 25% do total de absoluto equivale de internações internações por internações por a 2,59% do total por complicação complicação pós- complicação pósde nascidos vivos pós-aborto aborto aborto Proporção estimada de internações referentes a aborto espontâneo Número estimado de internações no SUS referentes a aborto espontâneo 75.260 48.189 22.105 36.842 Número estimado de internações no SUS referentes a aborto provocado 72.108 99.179 125.263 110.526 Número estimado de internações em toda a rede hospitalar referente a aborto provocado 95.904 131.908 166.600 147.000 Fonte: SIH/SUS e Singh e Wulf (1994) O multiplicador utilizado para a inclusão dos casos de internação na rede privada à estimação foi mesmo para as 4 metodologias. Desse modo, as diferenças nos resultados se devem apenas às diferentes proporções utilizadas na desagregação das internações por tipo de aborto. A metodologia da estimação biológica encontrou o menor resultado para o total de internações por aborto provocado em toda a rede hospitalar do país, 95.650 casos, e o maior valor foi estimado pela metodologia do AGI, um total de 166.600 casos relacionados a aborto provocado. Sobre as estimativas de internação por aborto provocado para toda a rede hospitalar foram aplicados os três multiplicadores construídos a partir das proporções estimadas de casos de aborto que geram hospitalização. Essas proporções se basearam na literatura e foram apresentados nos trabalhos de Singh e Wulf (1994) e de Diniz e Medeiros (2010). De acordo com o exposto na metodologia, foi utilizada uma combinação entre método de estimação da proporção de abortos espontâneos no total de internações e multiplicadores dos casos não hospitalizados. Os resultados são apresentados na tabela 3. Tabela 3 - Estimação da incidência total de aborto provocado por metodologia de estimação, BRASIL,2012 Estimação utilizada na desagregação das internações por complicação pós-aborto entre tipos de aborto Número estimado de internações em toda a rede hospitalar referente a aborto provocado Multiplicador para a inclusão dos casos de aborto provocado não hospitalizados Total de abortos provocados Estimação biológica AGI 2 AGI 2 95.904 147.000 147.000 1,81 3 5 173.586 441.000 735.000 Fonte: SIH/SUS e Singh e Wulf (1994) O resultado da estimação gerou um valor inferior para o número de casos de aborto provocado de 173.586 em 2012 no Brasil, uma estimativa intermediária de 441.000 abortos provocados e um valor máximo de 735.000. Esses resultados podem ser comparados aqueles encontrados na literatura pelo uso da mesma metodologia. Singh e Wulf (1994) estimaram para o Brasil em 1991 uma incidência de aborto provocado entre 866.000 e 2.020.674. Os autores concluíram que dos diferentes métodos de estimação o que apresentou o resultado mais adequado a realidade do país, 1.443.339 abortos provocados, foi o que considerou que 25% dos abortos foi espontâneo e que dos abortos provocados 20% gerou hospitalização. Esse método seria equivalente a terceira coluna da tabela VIII. Corrêa e Freitas (1997) estimaram para o ano de 1996 no Brasil uma incidência de aborto provocado entre 728.100 e 1.039.900, utilizando a mesma hipótese de que 25% dos abortos é espontâneo mas com os multiplicadores 3,5 e 5. Adesse e Monteiro (2006) também consideraram que 25% dos abortos é espontâneo e um multiplicador de 5 e encontraram para 2005 no Brasil uma incidência de 1.054.242 abortos provocados. Os resultados encontrados para 2012, entre 173.586 e 735.00 abortos provocados, foi muito inferior aqueles encontrados anteriormente na literatura. É identificado que desde 1991 a 2005 houve uma redução da incidência de abortos provocados. Entretanto, essa variação tão grande deve ser decorrente do uso do multiplicador 1,81 uma vez que nos demais trabalhos o menor multiplicador empregado foi 3. O multiplicador 1,81foi calculado com base nos resultados da pesquisa domiciliar com técnica de urna, a PNA de 2010. Uma limitação dessa pesquisa é o fato de ela se basear em auto reportagem de internação pós aborto pelas mulheres que abortaram. A auto reportagem apresenta um problema de sub-relato em decorrência da ilegalidade e estigma do aborto na sociedade. Além disso é possível que as mulheres tenham interpretado de maneira incorreta a pergunta “Ficou internada por causa do aborto?”. Essa pergunta diz respeito à internação para tratar complicações decorrentes do aborto, mas pode ser interpretada como internação para realizar o aborto. Caso as mulheres tenham respondido como internação para realizar aborto, a incidência de internação terá sido superestimada. Por fim, é importante destacar que a PNA só é realizada na população urbana, o que também pode superestimar as internações, uma vez que na zona rural há a dificuldade de acesso a hospitais e portanto menor incidência de internação. Por todos os problemas associados a construção da estimação com multiplicador 1,81, apresentada na primeira coluna da tabela VIII, o resultado de 173.586 abortos provocados foi desconsiderado. A provável incidência de aborto provocado no Brasil em 2012 deve estar entre 441.000 e 735.000. 3.2 Estudos dos fatores associados a prática do aborto As probabilidades de ocorrência do aborto e aborto provocado, estão apresentadas na tabela 4. Tabela 4 – Distribuição e valor absoluto do aborto e do aborto provocado, PNDS, 2006 Variável Frequência Percentual Nunca Abortou 6.110 89,42 Abortou 721 10,55 Aborto . 2 0,03 Total 6833 100 Não Provocado 598 82,94 Provocado 79 10,96 Aborto Provocado . 44 6,1 Total 721 100 Fonte: PNDS Das mulheres que engravidaram nos últimos 5 anos, 10,55% declararam ter tido um aborto e 10,96% das mulheres que abortaram declararam que o aborto foi provocado. É relevante destacar que a variável aborto provocado teve 6,10% missing, que representa as mulheres que tiveram um aborto e se recusaram a responder qual foi o tipo de aborto. Tabela 5 – Percentual e número absoluto do aborto segundo características das mulheres, PNDS, 2006 Variáveis Norte Nordeste Macrorregião Sudeste Sul Centro-Oeste Urbano Situação de Domicílio Rural 15-19 20-24 Idade 25-29 30-39 40-49 Analfabeto/Ens. fundamental incompleto Escolaridade Cor Frequência religiosa Situação conjugal Filho Renda Uso de método contraceptivo Ens. fundamental completo Ens. médio completo ou mais Não branco Branco Nunca Menos de 1 vez por mê De 1 a 3 vezes ao mês Pelo menos 1 vez por Não casada Casada Nunca teve filho Teve pelo menos um filho Até 1 salário mín. De 1 a 3 salários mín. De 3 a 5 salários mín. Mais que 5 salários mín. Usa Não Usa Aborto Percentual 11,44 13,19 13,36 11,20 13,19 13,12 11,69 15,20 11,45 9,96 14,52 19,22 n 81,80 264,98 360,54 97,65 70,95 710,98 164,95 95,74 237,28 172,81 283,58 84,06 12,2 11,91 12,48 453,07 13,05 385,43 13,67 11,33 15,96 11,44 12,55 12,42 13,58 12,69 100,00 9,79 11,95 12,53 14,62 16,93 10,79 20,23 609,52 259,56 197,25 194,43 158,11 324,99 137,29 738,64 229,54 646,38 262,22 301,31 90,15 133,94 576,65 196,80 F onte: PNDS, 2006 Tabela 6 – Percentual e número absoluto do aborto provocado segundo características das mulheres, PNDS, 2006 Variáveis Norte Nordeste Macrorregião Sudeste Sul Centro-Oeste Situação de Domicílio Idade Escolaridade Cor Frequência religiosa Situação conjugal Aborto Provocado Percentual n 15,12 10,16 15,75 33,89 12,66 33,15 4,37 3,30 8,54 4,89 Urbano 14,44 78,43 Rural 15-19 anos 20-24 anos 25-29 anos 30-39 anos 40-49 anos Analfabeto/ Ens. fundamental incompleto Ens. Fundamental completo Ensino médio completo ou mais Não branco Branco 5,20 22,96 11,31 16,92 7,39 12,04 6,96 18,32 21,37 22,03 15,22 8,58 14,94 1,54 14,14 51,86 9,41 27,47 12,54 13,12 59,37 25,64 Nunca 19,42 30,17 Menos de 1 vez por mês De 1 a 3 vezes ao mês Pelo menos 1 vez por semana 13,79 14,08 19,88 18,20 6,89 17,03 Não casada 22,62 25,36 10,63 11,45 13,08 15,67 11,49 13,89 9,39 14,92 60,02 22,14 63,25 32,88 26,78 8,91 8,44 69,04 8,21 11,84 Casada Nunca teve filho Filho Teve pelo menos um filho Até 1 salário mín. De 1 a 3 salários mín. Renda De 3 a 5 salários mín. Mais que 5 salários mín. Uso de método Usa contraceptivo Não usa Fonte: PNDS, 2006 As tabelas 5 e 6 caracteriza, o universo dessas mulheres e permite fazer algumas suposições sobre quais fatores devem estar associados ao aborto (não discriminado por tipo) e ao aborto provocado e identificar diferenças entre a incidência destes. Para analisar a probabilidade de uma mulher grávida realizar um aborto e desse aborto ser provocado foram estimados os modelos logit anteriormente especificados. Os dados estão apresentados em termos de razão de chance através de uma estimação logistic nas tabelas 7 e 8. Tabela 7: Resultado da estimação do Modelo logistic especificado com variável dependente aborto, PNDS, 2006 Número de Observações = 5376 Tamanho da População = 16090712 F (17, 1019) = 2,13 Prob > F = 0,0027 Linearizado Aborto Razão de Chance Erro Padrão Macrorregião nordeste 1,37966 0,25277 sudeste 1,20315 0,22298 sul 1,06635 0,22139 centro-oeste 1,31762 0,23671 Rural 0,95394 0,14454 Branco 0,07003 0,10687 Grupo Idade 20-24 0,71412 0,18878 25-29 0,70308 0,18147 30-39 1,01659 0,25983 40-49 0,96660 0,35701 Grau de escolaridade ens. fund completo 0,80431 0,50829 ens. médio completo ou mais 0,77786 0,49211 Renda 1-3 salários mín. 1,20511 0,19930 3-5 salários mín. 1,76567 0,56286 mais de 5 salários mín. 1,86256 0,49517 Casada 1,07848 0,24484 Frequência religiosa menos de 1X por mês 0,63669 0,14261 de 1 a 3 x ao mês 0,73629 0,15851 pelo menos 1X na semana 0,78831 0,17086 Não usa método 2,26253 0,46699 Constante 0,15985 0,11124 t P>t 1,76 1,00 0,31 1,54 -0,31 -2,33 0,079 0,319 0,757 0,125 0,756 0,020 0,96304 0,83634 0,70954 0,93619 0,70859 0,51909 1,97653 1,73086 1,60261 1,87450 1,28424 0,94481 -1,27 -1,36 0,06 -0,09 0,203 0,173 0,949 0,927 0,42510 0,42369 0,61566 0,46826 1,19964 1,16670 1,67983 1,99526 -0,34 -0,40 0,730 0,691 0,23274 0,22478 2,77955 2,69180 1,13 1,78 2,34 0,33 0,260 0,075 0,020 0,739 0,87115 0,94459 1,10548 0,69079 1,66711 3,30044 3,13812 1,68375 -2,02 -1,42 -1,10 3,96 -2,63 0,044 0,155 0,273 0,000 0,009 0,41024 0,48259 0,51521 1,50904 0,04080 0,98813 1,12335 1,20617 3,39226 0,62624 Fonte: PNDS [95% Intervalo de Confiança} Tabela 8: Resultado da estimação do Modelo logistic especificado com variável dependente aborto provocado, PNDS, 2006 Número de Observações = 527 Tamanho da População = 1811859,5 F (17, 1019) = 1,97 Prob > F = 0,0083 Linearizado Aborto provocado Razão de Chance Macrorregião nordeste 0,854637 sudeste 0,449151 sul 0,193804 centro-oeste 0,405930 Rural 0,298424 Branco 1,061011 Grupo Idade 20-24 0,811517 25-29 0,837039 30-39 0,490443 40-49 0,500070 Grau de escolaridade ens. fund completo 0,439186 ens. médio completo ou mais 0,226749 Renda 1-3 salários mín. 1,306035 3-5 salários mín. 1,347961 mais de 5 salários mín. 2,369345 Casada 0,553248 Frequência religiosa menos de 1X por mês 0,440144 de 1 a 3 x ao mês 0,751109 pelo menos 1X na semana 0,178453 Não usa método 0,713059 Constante 3,414825 Erro Padrão t P>t [95% Intervalo de Confiança} 0,487041 0,258166 0,132661 0,223550 0,196709 0,575938 -0,28 -1,39 -2,40 -1,64 -1,83 0,11 0,783 0,165 0,017 0,102 0,067 0,913 0,27864 0,14504 0,05044 0,13744 0,08163 0,36484 2,62123 1,39091 0,74471 1,19895 1,09096 3,08555 0,457407 0,477244 0,306549 0,483903 -0,37 -0,31 -1,14 -0,72 0,711 0,755 0,255 0,474 0,26786 0,27276 0,14346 0,07457 2,45864 2,56866 1,67659 3,35351 0,425395 0,251630 -0,85 -1,34 0,396 0,182 0,65371 0,02557 2,95059 2,01069 0,648629 1,067542 2,068223 0,270966 0,54 0,38 0,99 -1,21 0,591 0,706 0,324 0,228 0,49179 0,28397 0,42569 0,21116 3,46937 6,39856 13,18753 1,44953 0,254676 0,505594 0,116367 0,351061 4,129655 -1,42 0,43 -2,64 -0,69 1,02 0,157 0,671 0,009 0,493 0,311 0,14061 0,19989 0,04950 0,27079 0,31659 1,37335 2,82235 0,64337 1,87766 36,83284 Fonte: PNDS Comparando os resultados dos dois modelos encontrou-se que tanto o aborto quanto o aborto provocado são associados à macrorregião de residência da mulher. A probabilidade de ter um aborto foi maior no Nordeste e a probabilidade de provocar aborto menor na região Sul. Diferenças culturais parecem interferir na decisão de abortar, o que é relevante para a criação de políticas públicas. Outro fator que se revelou importante para explicar o aborto provocado foi a religião. As mulheres mais assíduas a um serviço religioso têm probabilidade menor de abortar do que aquelas que nunca vão a serviço. O dogma da religião parece ser muito importante na decisão de não provocar aborto. Para as mulheres que tiveram um aborto, independentemente do tipo, foi mais relevante apenas ir ou não a serviço religioso do que ser muito assíduo. O modelo para aborto indicou que existe uma associação do aborto com a cor, sendo este maior entre as mulheres não brancas, e uma associação com renda. A probabilidade de abortar foi muito maior entre as mulheres de renda superior a 5 salários. Da análise do percentual de mulheres por faixa de renda que aborta sabemos que mulheres com maior renda abortam mais mas tem menos aborto provocado. Assim, a associação entre aborto e renda mais elevada deve existir pela incidência de aborto espontâneo nesse grupo. Mulheres de maior renda costumam estar inseridas no mercado de trabalho e por isso adiar casamento e filhos. Gestações em faixa etárias mais avançadas apresentam maior risco de má formação e outras complicações. Outra variável associada ao aborto foi uso de método contraceptivo. A probabilidade de abortar é maior entre as mulheres que não utilizam método. Entretanto, não podemos saber ao certo a razão pela qual a mulher não utiliza método: ela pode por exemplo, não ter acesso, não ter conhecimento, ou ser contra o uso de método. Esse resultado chama a atenção para a necessidade de se avaliar a situação do planejamento familiar no Brasil hoje. Os resultados encontrados pelo modelo podem ser comparados aos de Cercatti et al. (2010). Neste, a partir da PNDS de 2006, foram analisados fatores associados a aborto espontâneo e a aborto provocado para as mulheres que engravidaram nos últimos 5 anos. Os autores utilizaram algumas variáveis que não foram consideradas no nosso modelo, sendo estas: número de partos, número de filhos considerado ideal pela mulher e se a mulher trabalha ou não. Como essas variáveis não foram significativas não há indícios de que nosso modelo tenha sido prejudicado por não incluí-las. Pelo contrário, nossos resultados encontraram um maior número de fatores significativos para explicar o aborto. Cercatti et al. (2010) encontraram para aborto espontâneo que foram significativas as variáveis idade e número de filhos, sendo a probabilidade de aborto maior entre as mulheres de 40 a 49 anos e entre as mulheres que tiveram um filho ou menos. Para aborto provocado nenhuma variável foi significativa. Isso pode ser explicado pela diferença na construção da variável filho, que mediu ter um filho ou menos e ter mais de um filho, e pela variável religião que substituímos por frequência religiosa. Concluindo, tanto nossa estimação quanto a de Cercatti et al. (2010) encontraram baixo poder explicativo para o modelo. É provável que outros fatores não incluídos no modelo influenciam a decisão de provocar um aborto. Além disso, as informações na PNDS foram auto relatadas pelas mulheres entrevistadas, de maneira que há uma omissão de incidência de aborto. Por exemplo, na amostra utilizada de 721 mulheres que declararam ter abortado, 6,10% se recusaram a responder qual foi o tipo de aborto. Entretanto, nosso trabalho conseguiu avançar nessa discussão ao encontrar associações de alguns fatores ao aborto e aborto provocado que não haviam sido identificados anteriormente e que tem grande relevância para a tomada de política pública. Quanto ao método, esse tem sido o método aplicado na literatura para avaliar fatores associados ao aborto. Ainda há muitas limitações quanto as informações sobre as mulheres que abortam, o que deve servir de motivação para avanços da pesquisa na área. 4. Considerações finais A estimação da incidência de aborto provocado no Brasil em 2012 encontrou resultados importantes. Foi estimada a ocorrência de entre 441.000 e 735.000 abortos provocados, o que representa uma razão entre 15 abortos provocados por 100 nascidos vivos e 25 abortos provocados por 100 nascidos vivos. Monteiro e Adesse (2006) calcularam para 2005 1.054.242 abortos provocado, uma razão de 30 abortos por 100 nascidos vivos. Apesar de a incidência de aborto provocado ter apresentado uma grande redução nos últimos 6 anos, o aborto provocado ainda é um fenômeno de grande magnitude no país. Ao calcular a incidência de aborto provocado para 2012, a pesquisa colaborou para a atualização dos dados de incidência de aborto, cuja última estimação foi feita por Monteiro e Adesse (2006) com dados de 2005. A estimação para 2012 foi feita com base na metodologia usual aplicada na literatura internacional, sendo uma boa referência e podendo ser comparada a pesquisas internacionais e nacionais para anos anteriores. Entretanto, como discutido no capítulo 2 essa metodologia apresenta algumas limitações. O cálculo do aborto é realizado com base nos registros de internação por complicação pós aborto, nos quais podem haver erros de registro. Entretanto, Singh, Monteiro e Levin (2012) verificaram que as categorias de aborto foram bem preenchidas após mudança e adaptação à CID-10. Além disso, foram aplicados multiplicadores aos dados de internação para que fosse encontrada a incidência de aborto provocado no país. Esses multiplicadores por sua vez foram utilizados como proxy para proporção de internações decorrentes de aborto espontâneo, taxa de utilização do sistema público e proporção de mulheres que procura internação para tratar complicações do aborto. Esses multiplicadores são amplamente utilizados na literatura, assim que também os utilizamos, mas não podemos testá-los. Sobre o estudo dos fatores associados ao aborto provocado, estes encontraram associação significativa de algumas características das mulheres que não foram identificadas em pesquisas anteriores com a PNDS de 2006. Macrorregião, significativa nos dois modelos estimados, chamou a atenção para o fato de o aborto e o aborto provocado estarem associados a características locais. As políticas públicas de saúde deveriam dar uma atenção diferenciada para as macrorregiões com maior probabilidade de aborto inseguro, que são as regiões menos desenvolvidas. Outras associações interessantes foram identificadas no modelo para aborto sem discriminação por tipo. O modelo mostrou ser importante para a decisão de abortar diferenças de renda e uso de método contraceptivo. Pela análise da distribuição dos casos de aborto foi observado que o aborto é maior entre as mulheres de maior renda, porém que estas fazem menos aborto provocado. Maior aborto provocado foi declarado por mulheres de renda mais baixa. A ilegalidade do aborto faz com que este tenha um alto custo e difícil acesso, o que impossibilita que mulheres de baixa renda façam um aborto em boas condições. Assim, essas mulheres têm maior risco de realizar um aborto inseguro. Pela morbidade e mortalidade materna associadas a prática de aborto inseguro, deve ser uma prioridade a erradicação desse fenômeno. Além disso, a informação de que o aborto está associado ao uso de método contraceptivo chama a atenção para a necessidade de uma melhor política de educação sexual e acesso a planejamento familiar. A falta de informação da população sobre saúde reprodutiva, que se reflete no pouco conhecimento sobre os riscos de determinados métodos de abortamento e as consequências destes, podem estar associados no Brasil a baixa escolaridade da população. Além disso, é provável que exista um fator cultural e religioso por trás do uso de método. Pela evidência encontrada no modelo para aborto provocado, a religião é importante no planejamento familiar, associada a decisão de não abortar, assim que também deve influenciar na decisão de utilizar ou não método contraceptivo. Ainda há muito que pode ser estudado da PNDS para avaliar o nível de conhecimento das mulheres sobre esses temas e possíveis campos de atuação. A PNDS no questionário dedicado às mulheres inclui questões básicas de saúde reprodutiva como para que serve a camisinha, quando é o período fértil do ciclo menstrual e onde é possível conseguir método contraceptivo gratuito e orientação sobre seu uso. De maneira geral, existem poucos trabalhos de pesquisa sobre a prática de aborto no Brasil e seus impactos diversos, que são fundamentais para respaldar a discussão política sobre a possibilidade de legalização do aborto. Pela evidência internacional, apenas a legalização do aborto pode garantir condições seguras de abortamento para todas as mulheres, ou seja, não apenas para aquelas que tem acesso a clínicas clandestinas e médicos de qualidade. O resultado seria a erradicação da mortalidade e redução da morbidade por aborto. A alta incidência de aborto no Brasil é uma prova de que sua ilegalidade não impede que ele ocorra. Além disso, como discutido por Singh (2010), o custo da curetagem pós aborto, que é um procedimento realizado pela rede pública e pela rede privada para finalizar os procedimentos de aborto malsucedidos ou que tiveram complicações, tem um custo elevado para o sistema e é superior ao custo do procedimento de abortamento, a aspiração manual (MVA). Isso implica em um desperdício de recursos dado que os recursos são escassos. Apesar de esses dados respaldarem aspectos positivos da legalização, a discussão da legalização é muito mais ampla, tendo grande destaque o dilema ético e religioso. Entretanto, independentemente de o aborto ser legalizado ou não, muito ainda pode ser estudado para respaldar a decisão política. Ainda que o aborto continue ilegal e, portanto, inseguro, sua incidência pode ser reduzida por meio de políticas públicas que priorizem educação sexual e atenção à saúde reprodutiva. Referências AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE (ANS). 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