1 VELOCIDADES "Hoje somos velozes ou mortos". Quantas vezes já não ouvimos frases como estas referindo-se aos efeitos da globalização, da competitividade do mercado ou do avanço tecnológico deste final de século? Quantos já se perguntaram o quanto este imperativo psicológico presente em nosso inconsciente coletivo, se confronta com a exigência da segurança no trânsito? Por que é tão difícil controlar velocidades no trânsito? Por que as pessoas resistem a este controle mesmo tendo a consciência da direta relação entre controle de velocidade e preservação da vida? Os argumentos racionais para o controle de velocidade no trânsito estão presentes no racional de todos os usuários. Todos aprendemos que maior velocidade exige atenção mais exclusiva e menos dividida, que maior velocidade diminui o peso do veículo em relação ao solo aumentando a sua vulnerabilidade e que a velocidade torna a visão quase taquistoscópica. Racionalmente sabemos. Mas há muito tempo já constatou-se que o homem não é somente um ser racional. Este artigo é um convite para uma reflexão mais aprofundada sobre a motivação humana pela velocidade. A necessidade por mobilidade e velocidade é intrínseca ao homem e foi universalizada em nosso século pelo automóvel. "A estrada, em quatro rodas, um volante e uma força sobre-humana oculta sobre o capô, pronta a desencadear-se desde que se pise no Fonte: www.institutoreichiano.com.br 2 pedal certo; tudo isto é muito mais do que simplesmente percorrer a distância entre dois lugares; suscita sentimentos fortes, oferece uma fuga das preocupações coletivas e materiais; o espaço é dominado, o tempo fica sob controle". (Jean - Francis Held) Podemos examinar esta necessidade pela velocidade fazendo uma breve incursão no histórico de velocidade dos automóveis. O primeiro automóvel comercial construído por Karl Benz em 1886, não ultrapassava 16 Km por hora; nas primeiras décadas do século a velocidade ultrapassou os 50 Km/h; por ocasião da Segunda Guerra Mundial, os veículos já desenvolviam velocidades superiores a 100 Km/h. Hoje já passamos dos 250... Um carro que é capaz de correr a 200 Km por hora, convida o seu dono a fazê-lo. Mesmo sabendo que, cada vez mais, os veículos gozam de perfeição técnica nos dispositivos de segurança, o condutor esquece muitas vezes que o automóvel não tem "dispositivo automático anti-burrice" (Klaus Kramer) . É aí que ele deixa de avaliar a situação do trânsito. Poderíamos aqui, sugerir aos motoristas um exercício de sua Inteligência Emocional, o que seria muito eficaz na redução do índice de acidentes mas não podemos esquecer também da velocidade incutida no imaginário coletivo. Portanto, se quisermos realmente aprofundarmos as discussões sobre controles de velocidades, precisamos analisar o nosso modelo de desenvolvimento, que incute a relação entre desenvolvimento e velocidade. Ao examinarmos o nosso modelo de desenvolvimento, constatamos que determinamos desenvolvimento por aumento. James Hilman (Cidade e Alma) nos diz que enquanto estabelecermos esta relação quantitativa por uma Fonte: www.institutoreichiano.com.br 3 distinção qualitativa, estaremos caindo na armadilha da velocidade: "mais rápido é igual a melhor". Na engenharia de Tráfego, espaço e velocidade (horas e quilômetros) são correlativos. A idéia da velocidade espacial está intimamente ligada a uma noção de prosperidade, de desenvolvimento. A raiz da palavra "velocidade" (em inglês speed) está relacionada com espaço - em latim spatium. Também do latim temos spes - esperança, prosperidade. A "velocidade de Deus" shakesperiana significava "que você prospere". Sucesso e velocidade se relacionam com antigas palavras para "aumento" e "desenvolvimento". Enquanto identificarmos o sucesso de nossas cidades com um aumento espacial, ou mesmo descrevermos o sucesso e a esperança em termos espaciais (gráficos, tabelas), ou mensurarmos o "bom transporte em termos de fluxo de tráfego, devemos nos tornar "loucos pela velocidade". Podemos ainda salientar o simbolismo tradicional do verde (nossa cor para Siga), que sempre significou esperança, desenvolvimento e juventude. Mesmo que o desenvolvimento (aquele associado a aumento) tenha finalmente encontrado os seus limites e esteja se tornando uma idéia ultrapassada, ainda temos muito o que refletir. "Somos velozes ou mortos". Enquanto esta máxima ecoar ao nosso redor, será difícil optarmos entre o "rápido e fácil" para o "devagar e interessante". Continuamos assim, com os nossos esforços isolados (valiosos - mais isolados) na busca pelo controle das nossas velocidades. Márcia de Fátima Plonka Psicóloga, especialista em Trânsito. Fonte: www.institutoreichiano.com.br 4 (41)254.2063/9981.1293 [email protected] Fonte: www.institutoreichiano.com.br