VIADUTO “DO COCÓ” EM FORTALEZA-CE: RELAÇÕES DE PODER
ENTRE CARROS E BICICLETAS.
Luiza Manoela Souza da Silva1
RESUMO: O presente trabalho é resultado de um ensaio etnográfico, a partir de
estímulos diversos produzidos por meio da observação de campo e entrevistas com
interlocutores. Com ele, pretendo apresentar uma percepção sobre as relações de poder
existentes em determinados equipamentos de mobilidade urbana da cidade de FortalezaCE, os quais são os Viadutos Celina Queiroz e Reitor Antônio Martins Filho, mais
conhecidos como viadutos do “Cocó”, já que tangenciam o Parque Ecológico do Cocó,
no cruzamento com as avenidas Antônio Sales e Eng. Santana Jr. Considerando a
importância da discussão do tema da mobilidade urbana na sociedade contemporânea,
busco compreender como se dão as relações de poder existentes nas formas de se
movimentar pela cidade, especificamente no referido viaduto. Apresento como o
processo de urbanização de Fortaleza influenciou a questão da mobilidade urbana na
cidade e a quem essa mobilidade serve.
Palavras-chave: Cidade, mobilidade urbana, política, viadutos.
INTRODUÇÃO
A antropologia surge num contexto histórico por motivações do
colonialismo, pelo interesse do conhecimento sobre “o outro”, sendo o outro um ser
exótico, longínquo, de uma sociedade diferente daquela do pesquisador. Em seu início,
as pesquisas se deram pela articulação entre temas e objetos privilegiados pela
antropologia índios, negros e camponeses. Com transformações urbanas das grandes
metrópoles e suas consequências para os citadinos, houve uma mudança de foco. Augê
(1995, p. 22), nos fala que, “o outro passa a ser aquele que está bem perto”. Hoje, no
campo antropológico, são inúmeros os estudos sobre as cidades, e os efeitos da
urbanização, principalmente nas grandes metrópoles.
O presente trabalho é resultado de estímulos diversos produzidos a partir de
textos, conversas e imagens. Serviu como avaliação para a disciplina Antropologia
Política, do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, mas seu
“papel” foi muito além do que obter uma “nota”. Foi um momento de refletir sobre a
cidade como espaço para as pessoas e como um espaço social de disputas.
Considerando a importância da discussão do tema da mobilidade urbana na sociedade
contemporânea, pretendo neste trabalho compreender como se dão as relações de poder
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Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará.
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existentes nas formas de se movimentar pela cidade, especificamente no viaduto “do
Cocó”2, apresentar como o processo de urbanização de Fortaleza influenciou a questão
da mobilidade urbana na cidade e a quem essa mobilidade serve.
A escolha do tema se deve ao interesse de estudo sobre a mobilidade
urbana, especificamente em relação ao direito a cidade, ao direito de ir e vir, de se
movimentar pela cidade; e ao fato de percebermos no trânsito diversos símbolos,
significados e disputas políticas. Tem-se como campo de observação o viaduto “do
Cocó”, pois lá é bem evidente as relações de poder entre os diversos modais de
transporte.
Além de entrevista e observação, foi utilizado neste ensaio imagens
produzidas por mim e encontradas na internet. Ademais, fiz uma pesquisa bibliográfica
sobre o processo de urbanização, mobilidade urbana, direito a cidade, relações de poder
entre carros e bicicletas objetivando aclarar eventuais dúvidas surgidas no processo de
escrita.
Por fim, ressalto que o que está exposto aqui é fruto de um processo inicial
de emancipação do olhar para desnaturalizar aquilo que porventura se naturaliza.
RESULTADO E DISCUSSÕES
A urbanização e a mobilidade em Fortaleza
A partir do século XIX, com o advento do capitalismo industrial, que o
urbano se consolidou nas cidades. No Ceará o urbano teria sido, resultado, a princípio,
não da industrialização, mas da agricultura e a pecuária. A cultura produtiva do algodão,
teria dado destaque à Fortaleza em relação a outras cidades do Estado, como também, a
teria projetado como centro urbano no Nordeste. Contudo, foram as secas que
assolavam o interior do estado, e a construção de estradas e rodovias ligando o interior à
capital, os principais responsáveis pela migração de camponeses à cidade, que causou
um vertiginoso crescimento populacional na cidade. (BERNAL, 2004)
Porém, foi na década de 1970, por meio da política de desenvolvimento
regional, com o apoio da SUDENE3 que se deu a expansão da industrialização do Ceará,
O “viaduto do Cocó” está localizado no entroncamento das Avenidas Antônio Sales e Engenheiro
Santana Júnior, em Fortaleza-CE. Compreende de um conjunto de dois viadutos interligados, designados
como equipamentos de mobilidade urbana da cidade. Construídos em 2014, são popularmente chamados
por esse nome por tangenciarem o Parque Ecológico do Cocó, porém, oficialmente, são chamados de
Viaduto Celina Queiroz e Viaduto Reitor Antônio Martins Filho.
3
SUDENE- Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
2
2
o que contribuiu para o estímulo de uma complexa estrutura urbana em Fortaleza e
reforçou as funções urbanas da capital. As industrias fomentaram no espaço urbano,
maiores ocupações de pessoas que vinham do campo para a cidade a procura de
melhores condições de vida. Essas ocupações se deram de forma desordenada, e
Fortaleza adquiriu uma dinâmica própria, na qual, esta, seguiu uma linha clara de
privilégios dentro de uma hierarquia social.
De acordo com David Harvey (2012),
Desde o início, as cidades emergiram da concentração social e geográfica do
produto excedente. Portanto, a urbanização sempre foi um fenômeno de
classe, já que o excedente é extraído de algum lugar e de alguém, enquanto o
controle sobre sua distribuição repousa em umas poucas mãos. Esta situação
geral persiste sob o capitalismo, claro, mas como a urbanização depende da
mobilização de excedente, emerge uma conexão estreita entre o
desenvolvimento do capitalismo e a urbanização. (p. 74).
Fortaleza é hoje a quinta capital mais populosa do país, e vem passando por
um processo de urbanização acelerado bastante conflituoso desde a década de 1970.
Crescendo rapidamente, a estrutura física da cidade não acompanha as demandas que
surgem tanto no quesito habitacional como de mobilidade.
Uma pesquisa realizada em Fortaleza pelo Sindicato Nacional de
Arquitetura e Engenharia (Sinaeco)4, confirma essa informação. Os resultados da
pesquisa apontam que 70% do total de entrevistados atribuem ao trânsito e ao transporte
público, os maiores problemas de infraestrutura da cidade, ou seja, problemas
relacionados a mobilidade urbana.
O primeiro carro motorizado chegou ao Brasil no ano de 1891, trazido de
Paris por Santos Dumont, entretanto, durante muitas décadas o carro foi objeto de uso
exclusivo da classe de maior poder econômico, sendo inacessível para a maior parte da
população. De acordo com Bastos e Martins (2012), o acesso exclusivo a uma pequena
parcela da população reafirma como essa mercadoria se tornou símbolo de status social.
Ainda segundo Bastos e Martins (2012), a disseminação do uso de carros
proporcionou uma nova configuração ao espaço urbano, dado que a possibilidade de
percorrer longas distâncias proporcionada pelo automóvel possibilitou a expansão do
raio de ocupação da cidade, alterando assim sua forma. Eles salientam que “tal poder de
transformação espacial não se vincula a bicicleta, que mesmo com a instalação da
4
Resultado da pesquisa foi veiculado no Jornal Diário do Nordeste, em 09 de setembro de 2013.
3
primeira fábrica 21 anos antes da primeira montadora de automóveis não alterou a
forma urbana.” (p. 107).
O crescente aumento do número de automóveis demandou uma pressão no
estabelecimento de infraestruturas. Entretanto, é notório que mesmo com grande parte
da população não possuindo veículos automotores a quantidade de infraestrutura para o
deslocamento destes é desleal, se comparada com as oferecidas para as bicicletas ou
para pedestres.
O sistema capitalista direciona a sociedade para um consumo cada vez
maior, e o acesso a determinados bens de consumo posicionam as pessoas dentro de
uma hierarquia social. De acordo com Bastos e Martins (2012), dentro dessa lógica
capitalista, o automóvel figura como uma mercadoria indutora da hierarquia social,
transformando a paisagem urbana e mediando relações sociais. Ao realizarem um
estudo em que analisam o papel que hoje representam a bicicleta e o automóvel na
sociedade de consumo, os autores observam que “As disparidades entre esses dois
meios de transporte na sociedade urbana contribuem para o aumento das desigualdades
sociais no espaço, tendo como base as ações do Estado e dos detentores do capital” (p.
106).
As recentes obras de mobilidade urbana realizadas pelo poder público de
Fortaleza-CE corroboram com tal constatação, no sentido de que são construídos túneis
e viadutos que não contemplam os ciclistas e pedestres.
Em conformidade ao Plano de Mobilidade Urbana de Fortaleza-CE, diversas
obras foram realizadas, entre elas o viaduto “do Cocó”, e outras estão sendo propostas
pela Prefeitura. Em decorrência disso as discussões sobre acessibilidade e mobilidade
urbana se intensificaram na cidade, gerando opiniões divergentes entre os diversos
setores da sociedade.
O viaduto “do Cocó”
O Parque do Cocó5 é um Parque ecológico que há anos vem sofrendo com a
pressão do capital imobiliário em Fortaleza. Hoje, é uma das áreas mais valorizadas da
cidade, tendo no entorno uma malha viária para proporcionar o fluxo das pessoas
naquela região, além de diversos empreendimentos construídos como shoppings, torres
empresarias e prédios residenciais. A especulação imobiliária na região se aproxima do
5
O Parque Ecológico do Cocó é uma área de preservação ambiental, situado dentro da área urbana de
Fortaleza, na região Leste. Possui 1.115,2 hectares e é a última área verde localizada dentro da cidade.
4
processo de gentrification, que, conforme Magnani (2002), propõe uma nova dinâmica
de requalificação de áreas urbanas para adequá-las como lugares de consumo.
Em julho de 2013 a Prefeitura de Fortaleza anunciou a construção de um
viaduto no cruzamento das avenidas Antônio Sales e Engenheiro Santana Júnior, que
tangenciam o Parque do Cocó. A proposta de construção do viaduto foi alvo de duras
críticas de uma parcela da sociedade, principalmente pelo fato de parte do equipamento
ser construído dentro dos limites do Parque. Tal acontecimento desencadeou uma série
de discussões, entre elas a questão da mobilidade urbana, no que se refere às formas de
locomoção da população. Levantou também discursões sobre como as obras realizadas
pelo poder público se preocupavam com os variados modais de transporte.
A obra teve como consequências o impacto ambiental e uma grande
transformação espacial naquela área. Diversos setores da sociedade civil, movimentos
sociais e poder público se posicionaram, uns a favor, outros contra a obra. Através de
redes sociais e de adesivos colocados nos carros, vimos a polarização de opiniões que se
colocavam a favor da construção do viaduto (expresso pelo slogan #viadutosim) e
contra a construção deste (expresso pelo slogan #viadutonão).
Um movimento em defesa do Parque surgiu e foi batizado de “OcupeCocó”.
Seus integrantes acamparam no Parque, com o intuito de “defendê-lo” das ações
governamentais que iriam gerar impacto ambiental. Em paralelo, sociólogos, urbanistas,
geógrafos e outros estudiosos, somaram a causa se manifestando publicamente para
alertar a população quanto a ineficiência do referido projeto na promoção de uma
mobilidade urbana que garantisse a diversidade dos modais de transportes na cidade, e
quanto a ineficiência desse tipo de equipamento para evitar o engarrafamento e
melhorar o transito em longo prazo.
Imagem 01: Foto da campanha #VIADUTOSIM e das
faixas do Movimento OcupeCocó no local do
acampamento das pessoas do movimento. Nela é
possível ter uma visão externa do Parque “do Cocó”
pela Av. Antônio Sales.
Imagem
02:
OCUPECOCÓ.
Foto
do
acampamento
Fonte: Jornal O POVO.
5
Fonte: Blog do Eliomar.
Entretanto, após mais de 80 dias de “OcupeCocó” e inúmeras decisões
jurídicas em torno da legalidade da ocupação e da construção do viaduto, o Tribunal de
Justiça Federal autorizou a construção da obra e a desocupação do parque pelos
manifestantes. No dia 04 de outubro de 2013, após muita resistência, a polícia entrou no
acampamento para colocar os acampados para fora. Sob o ataque de bombas de efeito
moral, gás lacrimogêneo e tiros de balas de borracha, eles foram expulsos do
acampamento. A polícia tomou a área e tratores adentraram o local, antes ocupado, para
começar as obras do viaduto.
Imagem 03: Foto da desocupação dos
manifestantes do acampamento OCUPECOCÓ.
.
Fonte: Jornal O Povo
O viaduto “do cocó” e as relações de poder que o permeia
A escolha do viaduto “do Cocó”, para a observação dos conflitos existentes
entre “carros” e “bicicletas”, se deu por este ter sido um espaço emblemático nas
discussões sobre a mobilidade de Fortaleza-CE, por ser um lugar de passagem, ícone da
“supermodenidade”6 (Augê, 1995, p. 27), símbolo da aceleração da vida, dos
encurtamentos dos espaços, para uma eficiência na utilização do tempo. As
transformações do mundo contemporâneo chamam o olhar antropológico para enxergar
mais “de perto e de dentro” (Magnani, 2002, p. 14) as relações existentes em um “nãolugar”. Segundo Augê (1995), os não-lugares são uma contraposição aos lugares
comuns escolhidos para análise pelos antropólogos, como as “culturas localizadas no
tempo e espaço” (P. 36).
6
A Supermodernidade para Marc Augê pode ser considerada como a superabundância de fatos no mundo
contemporâneo
6
O viaduto “do Cocó”, configura-se um “não-lugar”, pois são, conforme
definição de Augê (1995), instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e
bens. A hipótese que Marc Augê, traz no seu livro Não-Lugares é que “a
supermodernidade é produtora de não-lugares, isto é, de espaços que não são em si
lugares antropológicos”. (p. 53)
Tomando o espaço urbano como um “instrumento político intencionalmente
manipulado” (LEFÈBVRE, 2008, p. 44), onde há diversas disputas de poder, buscou-se
analisar nesta pesquisa de que forma elas ocorrem no viaduto “do Cocó”, focando as
relações de poder existentes entre os “carros” e “bicicletas”, tendo o “carro” como
símbolo dos veículos motorizados. Buscou-se ainda, verificar se os transeuntes do
viaduto percebiam o viaduto como um equipamento de mobilidade urbana que
valorizava os diversos modais de transportes.
No dia 17 de novembro de 2014, visitei o viaduto por volta das 16h, ainda
não era
hora do rush e acreditei que seria um bom horário para conversar com
interlocutores e fazer observação de campo. Através da observação pude constatar que
apesar de já ter suas vias liberadas, ainda se via muita movimentação de operários,
tratores e maquinários fazendo os últimos ajustes para sua inauguração. Pude observar
no local a aventura dos pedestres, que se arriscavam na travessia das vias. Era grande o
fluxo, tanto dos veículos que por ali passavam, como também dos operários, caminhões
e tratores que estavam trabalhando nos últimos ajustes para finalização total da obra.
Ciclistas disputavam espaço com os veículos motorizados, a fim de garantirem o direito
de usarem a cidade para se locomoverem. O ambiente era muito caótico e perigoso para
pedestre e ciclistas.
Imagem 04: Passagem de ciclista na Av. Engenheiro Santana Jr.
Fotos: Manoela Silva
Mesmo em seus ajustes finais para a inauguração, era possível verificar que
até o momento a obra não apresentava indícios de que teria passarelas, nem ciclofaixas
7
para atender as necessidades dos pedestres e ciclistas. O viaduto foi construído com a
finalidade de servir como um equipamento de mobilidade urbana, a fim de melhorar o
trânsito na área, no entanto, percebi nitidamente que a obra beneficiava o transporte
motorizado e contribuía para segregação, na medida em que não garantia o direito de ir
e vir das pessoas que escolhem outros meios de transporte não motorizados, além de
não valorizar outras formas de locomoção.
A Associação dos ciclistas urbanos de Fortaleza caracterizou a obra como
uma obra de “(i)mobilidade” e se posicionou contra ela através de um artigo publicado
em sua fanpage, no facebook, no dia 03 de novembro de 2014:
A Ciclovida, (...), reitera aqui o seu repúdio a uma obra de (i)mobilidade
urbana. Uma obra que vai de encontro ao modelo de cidade que queremos.
Uma cidade com maior compartilhamento de espaços, menos segregação. (...)
Uma obra que a gestão municipal propagandeia como solução para o
problema de mobilidade na região, quando atualmente se sabe ser uma
solução retrógrada, e extremamente rodoviarista. Além de não funcionar mais
para melhorar a acessibilidade, ainda traz um aumento na demanda pelo
transporte motorizado individual (carro e moto).
Foram realizadas 5 (cinco) entrevistas, por meio de um questionário
semiestruturado, com transeuntes que passavam pelas imediações, 3 (três) homens e 2
(duas) mulheres na faixa etária de 24 a 72 anos. Três dos interlocutores eram pedestres e
se posicionaram a favor da obra, afirmando que ela contribuía para favorecer e
“desafogar” o trânsito na cidade, contudo, reclamaram da falta de estrutura para o
pedestre. Dos três, uma das interlocutoras compartilhou seu pessimismo afirmando que
acreditava que quando a obra ficasse totalmente pronta ia piorar ainda mais, e que o
viaduto era feito mesmo era para carros e ônibus. Os outros dois interlocutores
sugeriram que fosse construído paralelas para a travessia de pedestres.
Para complementar a visão acerca da acessibilidade dos diversos modais,
entrevistamos também um motorista, que morava nas imediações e trafegava
constantemente pelo local, e uma ciclista, que utilizava a área da obra para se locomover
até a faculdade. O motorista se posicionou a favor do viaduto, pois “eliminando o
trânsito, tá ótimo!”. Observando que não é urbanista e tão pouco ambientalista, gosta da
funcionalidade do viaduto. Já a ciclista se posicionou contra, criticando o fato do
viaduto contemplar apenas os automóveis, deixar a cidade mais cheia de concreto, e por
acreditar que tal equipamento não vai ser funcional a longo prazo, não demorando para
que volte a ter grandes congestionamentos naquela área.
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Desta maneira, diante das opiniões expostas pelos entrevistados, podemos
perceber a quem, de fato, o viaduto contempla e agrada, evidenciando as relações de
poder na construção da cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão que fica evidente é: para quem as obras de infraestrutura da
cidade estão servindo? A quem elas beneficiam? Conforme levantamento da Secretaria
do Desenvolvimento Econômico do Município (SDE) lançado neste mês, a pobreza
atinge quase 80% dos bairros da capital cearense. Dos 117 bairros de Fortaleza
pesquisados, 92 possuem IDH-Renda avaliado como muito baixo.
Nas conversas que empreendi com usuários do viaduto e da área adjacente,
tanto motoristas quanto ciclistas e pedestres, foi possível perceber que tais obras de
mobilidade urbana servem apenas para uma camada da sociedade. Os relatos colhidos e
as imagens apresentadas, fazem parte de um esforço para demonstrar que o acesso ao
viaduto, construído para melhorar o tráfego no local apenas beneficiou ao fluxo dos
veículos motorizados. Pedestres e ciclistas não gozam de nenhuma atenção especial,
pois não há ciclofaixas, nem faixas de pedestres, e muito menos, passarela de travessia.
Tal pesquisa nos fez perceber de forma mais clara o espaço urbano como
instrumento político onde, principalmente no que concerne a grandes obras, acordos
políticos e econômicos firmados entre poder público e empresas privadas para as obras
de mobilidade, estas, atendem a uma parcela da população: as pessoas que possuem
carros. O que podemos ver é uma guerra no espaço público, onde corpos lutam por
garantir seu direito a cidade. Clifford Geetz em seu livro A política do significado
reforça que a estrutura institucional se estabelece na medida em que um número
suficiente de cidadãos ache conveniente para permitir-lhe funcionar: “Guerras
ideológicas não são apenas embates de mentalidades opostas, são (...) a substância de
uma luta para criar uma estrutura institucional para o país que um número suficiente de
seus cidadãos ache conveniente o bastante para permitir-lhe funcionar” (GEETZ, 1989
p. 210)
O tema da mobilidade urbana é bastante relevante, pois, a forma como as
pessoas se locomovem pela cidade é uma forma de experimentar a política. A política
pode ser percebida na forma como se interpretam as relações sociais e o os objetos do
cotidiano. Tal como afirma Karina Kuschnir: “A abordagem antropológica da política
privilegia a dimensão simbólica, ou seja, a interpretação que os atores sociais fazem das
9
instituições, relações e objetos com os quais lidam em seu cotidiano” (KUSCHNIR,
2007, p. 9). Conclui-se que o espaço urbano está repleto de símbolos que dão
significado a prática da política por aqueles que dele fazem parte.
REFERÊNCIAS
AUGÉ, Marc. Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade.
São Paulo: Papirus, 1995.
BERNAL, Cleide. A metrópole emergente – a ação do capital imobiliário na
estruturação urbana de Fortaleza. Fortaleza: UFC Ed, 2004.
LEFÈBVRE, Henry. Espaço e política. Belo Horizonte: UFMG Ed., 2008.
HARVEY, David. O direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n.29, p.73-89, jul./dez.
2012.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.
(Coleção Antropologia Social)
KUSCHNIR, Karina. Antropologia da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
MAGNANI, José. De perto e de dentro: notas para uma etnográfica urbana. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, V. 17, nº 49, p. 11-27, jun.2002.
BASTOS, V.M; MARTINS, S.F. Automóvel versus bicicleta: disparidade na sociedade
de consumo. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre-RS V. 39, p. 105-112,
jul.2012.
Ciclovida - Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza. O viaduto “do Cocó” e a
mobilidade urbana. Disponível em:
http://www.mobilize.org.br/noticias/7238/oviaduto-do-coco-e-a-imobilidade-em-fortaleza-o-que-mudou-um-ano-depois.html.
Acessado em: 12/11/14.
Jornal Diário do Nordeste. Mobilidade é o maior problema de infraestrutura. Disponível
em:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/online/mobilidadeurbana-e-o-maior-problema-de-infraestrutura-de-fortaleza-diz-pesquisa-1.851148.
Acessado em 15/05/2015.
Jornal Diário do Nordeste.Pobreza atinge quase 80% dos bairros. Disponível em:
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/pobreza-atinge-quase-80dos-bairros1.1300153?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=links-25-052015. Acessado em 26/05/2015.
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1 VIADUTO “DO COCÓ” EM FORTALEZA