TODO DIA E A VIDA TODA DO PEDAGOGO
Suze Scalcon
Em todos os dias de um pedagogo pensar e agir como tal incide em tocar com uma
mão na história, no particular na mão da história da educação e com a outra, na realidade.
O valor da história – da teoria e da ciência – ao mesmo tempo em que permite o
reconhecimento do papel do pedagogo na formação das novas gerações, ancora o caminhar
ao lado da realidade objetiva.
Em proveito da ocasião pelo Dia do Pedagogo, parece oportuno tomar da memória,
numa atitude revisionária, é certo, a essência e o significado da Pedagogia e esclarecer
sobre a intencionalidade de governos, empresários e organismos internacionais quando
clamam pelo professor para protagonizar na solução de problemas econômicos e sociais.
A pedagogia consolidou-se no curso da história como análoga a educação à medida
que foi se constituindo como teoria, ou ciência da prática, ao produzir
conhecimentos/saberes específicos fundados na intencionalidade em proceder à educação.
Etimologicamente entendida como meio, caminho de condução da criança, a Pedagogia,
nos dias atuais, envolta num universo social em que tudo vira Pedagogia (pedagogia da
esperança, pedagogia dos sem terra, pedagogia do amor, da solidariedade etc.), vale
asseverar que, ao que se sabe, e Pedagogia, quando corretamente compreendida, se
constitui como uma teoria da educação, como teoria da prática educativa
institucionalizada.
Entretanto, e embora toda Pedagogia se constitua em uma teoria da educação, nem
toda teoria da educação é uma pedagogia. Uma pedagogia se configura como tal por seu
caráter orientador da prática educativa. Como teoria da educação, versa de modo amplo,
sobre a prática na direção do estabelecimento de algum modo de relacionamento entre
educadores e educandos. No particular, uma pedagogia propõe diretrizes que guiam o
processo de ensino-aprendizagem escolar.
Teorias educativas restritas puramente à análise das relações existentes entre
educação e sociedade, embora que críticas, não expressam a capacidade intencional de
transformação, mesmo que mediata, da sociedade; o que pode ser operado pelo trabalho
pedagógico do professor.
Invariavelmente, teorias pedagógicas, ao incidirem sobre uma dada formação
humana, revelam o caráter intencional, consciente ou não, de conservação ou
transformação das relações sociais de exploração próprias do modelo de acumulação
capitalista. Nos dias de vida de um pedagogo, muitas vezes, sem que se perceba, a prática
sócio educativa funda-se em valores com os quais, em estado de consciência plena, não se
coadunaria.
A consciência do significado do trabalho pedagógico do professor – trabalhador da
educação – como um ato de produzir no indivíduo singular a humanidade coletiva e
histórica, mediante a realidade objetiva, é o que permite a compreensão da
intencionalidade das políticas educacionais dos anos de 1990, tanto para a formação de
professores como para a Educação Básica. Elaboradas a partir de acordos estabelecidos
entre o Brasil e organismos internacionais, regionais, mundiais e hemisféricos, tais
políticas são oriundas de compromisso assumido pelo país em promover medidas capazes
de elevarem os índices de acesso e permanência de crianças, jovens e adultos à escola em
troca de financiamentos.
Como partícipe de um conjunto de reformas sociais mais amplas, são políticas que
operacionalizam reformas e que procuram imprimir um caráter salvacionista à educação,
tanto no que se refere ao combate de problemas sociais como de problemas econômicos.
No caso da reforma da Educação Básica no Brasil, em função da nova fase de
reestruturação produtiva do capital, esta busca adequar a formação das novas gerações às
exigências postas pelas transformações no mundo do trabalho, por meio do investimento
na formação de professores. Para os reformadores formar o professor é formar o
trabalhador. Sob tais circunstâncias é que a educação e seu caráter redentor sobressaem-se
numa ambiência de interesses de homens de negócios que contam com a força e o poder do
Estado para garantirem a manutenção de privilégios de classe de somente alguns.
Mediante a este intento é que governos, empresários e organismos internacionais
empreendem, implantam programas e efetivam ações voltadas à solução de problemas
econômicos e a pacificação de conflitos sociais. São estas iniciativas que passam a atribuir
ao trabalho educativo do professor o imperativo de contribuir para a solução de problemas
sociais em favor de um desiderato de natureza econômica – numa espécie de divisão de
culpa – quando em verdade seu trabalho existe para promover desenvolvimento através da
instrução/apropriação da cultura, da ciência, da arte e da filosofia, transformando os
indivíduos em seres cada vez mais humanos e humanizados.
Vale lembrar que problemas econômicos não são produtos do campo educacional e
nem mesmo oriundos do trabalho do professor e, uma vez que são originários das relações
sociais capitalistas somente podem ser solucionados no âmbito ao qual pertencem.
As desigualdades que procuram ser atenuadas via educação se tratam de
desigualdades históricas e sociais e não naturais como se nos é imposto ideologicamente na
atualidade. A inclusão, ao modo como as políticas sociais preconizam, jamais ocorrerá de
fato, fundamentalmente porque a sociedade capitalista se mantém em função das diferentes
posições ocupadas pelos sujeitos no todo social, ou seja, diferentes posições representadas
pelas classes sociais e suas desiguais condições de acesso às riquezas naturais e culturais e,
por conseguinte à provisão da vida material e espiritual. Portanto não há excluídos.
É nesta direção que a escola através do trabalho pedagógico do professor é
chamada mais uma vez pelo Estado a reformar-se afim de que contribua para o
crescimento da economia de mercado. A intencionalidade das políticas de formação de
professores é instituir crenças em torno de suposto poder de transformação social a ser
operado pelo apaziguamento de conflitos, disseminação de consensos, amenização de
mazelas e de uma educação que garanta os desígnios econômicos da civilização e de uma
educação para o conformismo social.
Ao contrário, a segurança nacional é ameaçada uma vez que as classes excluídas, as
comunidades, como grupos de risco ou populações vulneráveis, como preferem alguns,
quando não assistidas e monitoradas, podem desencadear uma ainda mais severa luta de
classes.
Se, invariavelmente, as concepções pedagógicas incorrem sobre a formação
humana, revelando o caráter intencional, consciente ou não, de conservação ou
transformação das relações sociais de exploração, precisamos de pedagogos que em todos
os dias se suas vidas – assegurados na história e na realidade concreta – que não ensinem a
comemoração e o aplauso à lógica estritamente econômica, mas pedagogos que elevem a
condição humana à superação de estados patéticos de alienação e de egoísmo.
Pelo Dia do Pedagogo, meu reconhecimento pelo alto valor social do professor.
Profª Drª Suze Scalcon
Departamento de Metodologia do Ensino/UFSM
Download

TODO DIA E A VIDA TODA DO PEDAGOGO Suze Scalcon Em todos